terça-feira, 30 de agosto de 2011

Rafael Castellar (Carta Ao Meu Eu-Passado)


Caro Eu-Passado,

Não é por falta de interesse e nem por descaso que não pergunto como lhe vão as coisas, mas por muito bem já as saber. Sei também que, por se encontrar em profunda perdição de si, incrédulo de tudo e todos que passam a lhe rondar, inclusive de si mesmo, muito lhe custa a esta carta ler, mas é por ela que lhe trago boas-novas!

Digo-lhe que por aqui as coisas muito têm melhorado, que muitas das nossas dúvidas e dificuldades têm, desde então, se resolvido e novos rumos tomado, diferentes dos que aí está a pensar. Por incrível que possa lhe parecer, e sei que muito lhe parecerá, nossa vida tornou-se novamente iluminada e, de uma forma nova e curiosa, saborosa. Os amanheceres não são mais torturantes e temidos, mas confortáveis e amenos, alguns até muito prazerosos. Os dias têm passado com fluidez e tranquilidade – desprezemos, contudo, aqueles inevitáveis aborrecimentos da vivência coletiva. As noites continuam a serem impacientemente aguardadas, mas não mais pelo refúgio concedido e sim pelo divertimento ou pelo simples relaxamento do lar, nelas sempre contidos. E são as madrugadas que mais me prazem, pois agora, ou nelas chegamos ou por elas passamos descuidados num profundo desmaio regenerador, que sei que há muito não tem.

Confesso que os fantasmas ainda assombram, mas não com a tempestuosidade e vivacidade que você tão bem conhece, mas cá estão e isso não posso e nem devo lhe negar. Mas também confesso que não é de todo mal que, vez ou outra, ainda apareçam. É preciso que algo nos lembre do que fomos e pelo que passamos – e isso eles fazem muito bem, bem até demais, lhe confidencio –, pois o esquecimento é fácil e a ansiedade e a espontaneidade de reviver cegam e ensurdecem. Devemos nos lembrar, eu e você, ao menos assim podemos nos postar matreiros diante do que está por vir, mas sem perder a doçura de viver. E estas são as lembranças que me fizeram perceber que eu, justamente eu, também havia me esquecido de você.

Enfim, lhe escrevo para contar que por aqui os dias estão mais claros, as cores mais vivas e paira a vontade de viver; por isso, aguente firme, ele dependerá de nós. E lembre-se: você não está sozinho, quando as coisas apertarem, olhe para dentro de si e me verá!

São Paulo, 13 de setembro de 2010.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Ialmar Pio Schneider (Poema de Amor em Forma de Soneto)


Quero inventar palavras que nunca disse a outra mulher, para falar do amor que despontou, enfim, em nossa vida num momento qualquer e veio transformar nossos destinos assim...

Quero inventar palavras que te agradem e sintas por mim tudo o que teu desejo de sensação romântica puder, enquanto eternamente tua paixão me quiser...
E que nosso bem-querer continue até o fim...

Quero inventar palavras de esperança e ternura que nos permitam uma convivência tranquila embora sabendo que nem tudo são apenas flores.

Mas, se mais tarde nos visitar um pouco de amargura saibamos com discernimento e paciência distingui-la e saber que também faz parte de todos os amores...

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Olivaldo Junior (Marias do Brasil)


Sempre é dia de lavar roupa. Sempre há roupa pra lavar. Sempre é hora de um poema desaguar. Junto dele, vai-lhe uma canção de Vanessa da Mata, A força que nunca seca. O poema abaixo é uma homenagem às meninas da Cia. de Teatro Parafernália. Assisti a uma apresentação delas sábado passado. Às lavadeiras da arte, meus poéticos abraços.

Olivaldo Júnior
Moji Guaçu, São Paulo


MARIAS DO BRASIL

Às atrizes da Cia. de Teatro Parafernália Cultural, Andréia, Silvana e
Viviane, pela apresentação da peça
de Almir Pugina, Maria Lavadeira

São “Marias lavadeiras”,
que na beira desse rio
iluminam as ribeiras
que contornam todo rio...

São mulheres brasileiras
que no leito desse rio
imaginam as maneiras
que confortam o Brasil...

São Brasis de benzedeiras,
que na cheia desse rio
dão Antonio às lavadeiras,
às Marias do Brasil!

São Marias brasileiras
que, sem beira pra encostar,
dão razão às corredeiras
que só correm para o mar...

São correntes traiçoeiras
que, sem leito pra sonhar,
iluminam as roseiras
que, amarelas, vão corar...

São coristas lavadeiras
que, sem cheia, vão minguar
uma a uma as companheiras,
lua a lua o seu penar.

São peninhas voadeiras,
corações de amor, ardil,
que “Marias lavadeiras”
lavam mágoas nesse rio.

29/08/2011

Fonte:
Texto e imagem enviados pelo autor

Bernardo Guimarães (O Nariz Perante os Poetas)


Cantem outros os olhos, os cabelos
E mil cousas gentis
Das belas suas: eu de minha amada
Cantar quero o nariz.

Não sei que fado mísero e mesquinho
É este do nariz,
Que poeta nenhum em prosa ou verso
Cantá-lo jamais quis.

Os dentes são pérolas,
Os lábios rubis,
As tranças lustrosas
São laços sutis
Que prendem, que enleiam
Amante feliz;
É colo de garça
A nívea cerviz;
Porém ninguém diz
O que é o nariz.

(As faces são tintas
De rosa e de liz,
Ou já têm de jambo
Mimoso matiz;
São cor de safira
Os olhos gentis
E a cor do nariz
Ninguém vo-la diz.)ii

Beija-se os cabelos,
E os olhos belos,
E a boca mimosa,
E a face de rosa
De fresco matiz;
E nem um só beijo
Fica de sobejo
P’ro pobre nariz;
Ai! pobre nariz,
És bem infeliz!

Entretanto, — notai a sem-razão
Do mundo, injusto e vão: —
Entretanto o nariz é do semblante
O ponto culminante;
No meio das demais feições do rosto
Erguido é o seu posto,
Bem como um trono, e acima dessa gente
Eleva-se eminente.

Trabalham sempre os olhos; mais ainda
A boca, o queixo, os dentes;
E — míseros plebeus — vão exercendo
Ofícios diferentes.

Mas o nariz, fidalgo de bom gosto,
Desliza brandamente
Vida voluptuosa entre as delícias
De um doce far-niente.

Sultão feliz, em seu divã sentado
A respirar perfumes,
De bem-aventurado ócio gozando,
Não tem inveja aos numes.

Para ele produz o rico Oriente
O cedro, a mirra, o incenso;
Para ele meiga Flora de seus cofres
Verte o tesouro imenso.

Amante fiel sua, a mansa aragem
As asas meneando
Anda p’ra ele nos vergéis vizinhos
Aromas apanhando.

E tu, pobre nariz, sofres o injusto
Silêncio dos poetas?
Sofres calado? não tocaste ainda
Da paciência as metas?

Nariz, nariz, já é tempo
De ecoar o teu queixume;
Pois, se não há poesia
Que não tenha o seu perfume,
Em que o poeta às mãos cheias
Os aromas não arrume,
Por que razão os poetas,
Por que do nariz não falam,
Do nariz, p’ra quem somente
Esses perfumes se exalam?

Onde, pois, ingratos vates,
Acharíeis as fragrâncias,
Os balsâmicos odores,
De que encheis vossas estâncias,
Os eflúvios, os aromas
Que nos versos espargis;
Onde acharíeis perfume,
Se não houvesse nariz?
Ó vós, que ao nariz negais
Os foros de fidalguia,
Sabei, que se por um erro
Não há nariz na poesia,
É por seu fado infeliz,
Mas não é porque não haja
Poesia no nariz.

Atenção pois aos sons de minha lira,
Vós todos, que me ouvis,
De minha bem-amada em versos d’ouro
Cantar quero o nariz.

O nariz de meu bem é como... oh! céus!...
É como o quê? por mais que lide e sue,
Nem uma só asneira!...
Que esta musa está hoje uma toupeira.

Nem uma idéia
Me sai do casco!...
Ó miserando,
Triste fiasco!!

Se bem me lembra, a Bíblia em qualquer parte
Certo nariz ao Líbano compara;iii
Se tal era o nariz,
De que tamanho não seria a cara?!...

E ai de mim! desgraçado,
Se o meu doce bem-amado
Vê seu nariz comparado
A uma erguida montanha:
Com razão e sem tardança,
Com rigores e esquivança,
Tomará cruel vingança
Por essa injúria tamanha.

Pois bem!... Vou arrojar-me pelo vago
Dessas comparações que a trouxe-mouxe
Do romantismo o gênio cá nos trouxe,
Que p’ra todas as cousas vão servindo;
E à fantasia as rédeas sacudindo,
Irei, bem como um cego,
Nas ondas me atirar do vasto pego,
Que as românticas musas desenvoltas
Costumam navegar a velas soltas.

E assim como o coração,
Sem ter corda, nem cravelha,
Na linguagem dos poetas
A uma harpa se assemelha;
Como as mãos de alva donzela
Parecem cestos de rosas,
E as roupas as mais espessas
São em verso vaporosas;

E o corpo de esbelta virgem
Tem feitio de coqueiro,
E só com um beijo se quebra
De tão franzino e ligeiro;

E como os olhos são flechas,
Que os corações vão varando;
E outras vezes são flautas
Que de noite vão cantando;

P’ra rematar tanta peta
O nariz será trombeta...

Trombeta o meu nariz?!! (ouço-a bradando)
Pois meu nariz é trombeta?...
Oh! não mais, Sr. poeta,
Com meu nariz s’intrometa.

Perdão por esta vez, perdão, senhora!
Eis nova inspiração me assalta agora,
E em honra ao teu nariz
Dos lábios me arrebenta em chafariz:

O teu nariz, doce amada,
É um castelo de amor,
Pelas mãos das próprias graças
Fabricado com primor.

As suas ventas estreitas
São como duas seteiras,
Donde ele oculto dispara
Agudas flechas certeiras.

Em que sítios te pus, amor, coitado!
Meu Deus, em que perigo?
Se a ninfa espirra, pelos ares saltas,
E em terra dás contigo.

Estou já cansado, desisto da empresa,
Em versos mimosos cantar-te bem quis;
Mas não o consente destino perverso,
Que fez-te infeliz;
Está decidido, — não cabes em verso,
Rebelde nariz.

E hoje tu deves
Te dar por feliz
Se estes versinhos
Brincando te fiz.

Fonte:
Bernardo Guimarães. Humorísticos e irônicos. 1884. disponível em www.dominiopublico.gov.br

Bernardo Guimarães (1825 – 1884)


Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 15 de agosto de 1825. Filho de João Joaquim da Silva Guimarães e Constança Beatriz de Oliveira, foi magistrado, jornalista, professor, romancista e poeta. É o patrono da Cadeira nº 5 da "Academia Brasileira de Letras", por escolha de Raimundo Correia.

Dos seus quatro anos, até um momento da adolescência não fixado pelos biógrafos, viveu em Uberaba e Campo Belo, impregnando-se das paisagens que descreveria com predileção nos seus romances. Antes dos 17 anos, estava de volta a Ouro Preto, onde terminou os preparatórios, matriculando-se tardiamente, em 1847, na Faculdade de Direito de São Paulo, onde se tornou amigo íntimo e inseparável de Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa, com os quais chegou a projetar a publicação de uma obra que se chamaria Três Liras. Fundaram os três, com outros estudantes, a "Sociedade Epicuréia", a que se atribuíram "coisas fantás-ticas", que ganharam fama no meio paulistano. Sempre mau estudante, se bacharelou em 2ª época no começo de 1852, depois de um qüinqüênio ruidoso de troças, patuscadas, orgias e irreverência. Já então o distinguiam pela sua indisciplina, pelas alternativas de bom humor e melancolia, pelo coração bondoso e completa generosidade. Juiz municipal de Catalão, Província de Goiás, em 1852-1854 e 1861-1863, foi, de permeio, jornalista no Rio, de 1858 a 1860 ou 61.

Magistrado descuidado e humano, promoveu no segundo período de judicatura um júri sumário para libertar os presos, pessimamente instalados, e, intervindo motivos de conflito com o presidente da província, sofreu processo, do qual saiu triunfante. Depois de nova estadia no Rio, fixou-se a partir de 1866 na cidade natal, onde casou no ano seguinte e foi nomeado professor de retórica e poética no Liceu Mineiro. Casou-se no ano seguinte com Teresa Maria Gomes, tendo posteriormente, oito filhos. Uma das duas filhas foi Constança, falecida aos 17 anos, quando noiva de seu primo, o poeta Alphonsus de Guimaraens, que a imortalizou na literatura como a que "se morreu fulgente e fria".

Extinta a cadeira, foi nomeado em 1873, professor de latim e francês em Queluz, atual Lafayette, onde morou uns poucos anos. Também esta cadeira foi extinta, e Basílio de Magalhães sugere que o motivo deve ter sido, em ambos os casos, ineficácia e pouca assiduidade do poeta. Em 1875 publicou o romance que melhor o situaria na campanha abolicionista e viria a ser a mais popular das suas obras: A Escrava Isaura. Dedicando-se inteiramente à literatura, escreveu ainda quatro romances e mais duas coletâneas de versos. A visita de Dom Pedro II à Minas Gerais, em 1881, deu motivo a que o Imperador prestasse expressiva homenagem a Bernardo Guimarães, a quem admirava. Voltando a Ouro Preto, ali viveu até a morte, em 10 de março de 1884.

Embora tenha começado a escrever ficção nos fins do decênio de 50, e tenha feito poesias até os últimos anos, como qualidade a sua melhor produção poética vai até o decênio de 1860; a partir daí, realiza-se de preferência na ficção. Estreando com os Cantos da Solidão em 1852, reúne-os com outros em 1865 nas Poesias. De 1866 é a publicação parcelada d'O Ermitão do Muquém (posto em livro em 69, mas redigido em 58), seguido por Lendas e Romances, 1871; O Garimpeiro, 1872; Lendas e tradições da Província de Minas Gerais (incluindo A Filha do Fazendeiro) e O Seminarista, 1872; O Indio Afonso, 1873; Maurício, 1877; A Ilha Maldita e O Pão de Ouro, 1879; Rosaura, a Enjeitada, 1883. Publicara mais duas coletâneas de versos: Novas Poesias, 1876, e Folhas de Outono, 1883. Postumamente surgiram o romance O Bandido do Rio das Mortes, 1904, e o drama A Voz do Pajé, 1914. Deve-se registrar além disso, uma saborosa produção de poesia obscena, cuja maioria se teria perdido, sendo algumas recolhidas em folheto.

Obras Publicadas

1852 Cantos da Solidão
1864 O Ermitão de Munquém
1865 Poesias
1867 Inspirações da Tarde
1871 Lendas e Romances
1872 O Seminarista
1872 História e Tradições da Província de Minas Gerais
1872 O Garimpeiro
1873 O Índio Afonso
1875 A Escrava Isaura
1876 Novas Poesias
1877 Maurício ou Os Paulistas em São João d'El Rei
1879 A Ilha Maldita e O Pão de Ouro
1883 Folhas de Outono
1883 Rosaura, a Enjeitada

Fontes:
www.sitedoescritor.com.br
www.spectrumgothic.com.br

Ialmar Pio Schneider (O Poeta e o Pelicano)


Estava eu a matutar no que iria escrever nestas horas monótonas de minha vida, quando me deparei com uma poesia da época romântica francesa que traduzimos na adolescência, ao cursarmos o Científico. Lembro-me que o professor de francês no Colégio Nossa Senhora da Conceição de Passo Fundo – RS, era o irmão marista Érico, cujo apelido carinhoso era “Foquinha”, e que ao ler as poesias em voz alta ele se empolgava transmitindo uma emoção ímpar e que todos ouvíamos em silêncio, no original desta língua tão melódica quanto sonora, no meu mero entendimento. O livro em que estudávamos era o Cours de Français, de Augusto R. Rainha e José A. Gonçalves, e nas páginas 35, 36 e 37, constava a minibiografia do autor e a poesia a que me refiro, como segue:

“Época Romântica – A Poesia – MUSSET (1810-1957) –

1 – Alfred de Musset nasceu em Paris, onde após excelentes estudos, partiu do Cenáculo e se engajou no romantismo. Entretanto, não tardou a retomar uma independência da qual era cioso (ciumento). Levou, durante algum tempo, uma vida licenciosa que lhe não deixa senão remorso e desencantamento. Tornou-se então um poeta apaixonado. É o período de sua grande poesia.

Este poeta tão grande e tão maravilhoso, é Enfant du siècle (Filho do século), como ele gostava de se chamar a si mesmo, e morreu na idade de quarenta e sete anos.

2 – Suas Obras Líricas estão reunidas em dois volumes: Primeiras Poesias (Contos da Espanha e da Itália); Novas Poesias (as Noites), a melhor parte da obra do poeta.

3 – Musset é antes de tudo o “poeta do amor”. É seu princípio que “toda a obra literária consiste em abrir seu coração e a penetrar no coração do leitor”. “Ah ! bate de encontro ao teu coração: é lá que está o gênio” – escreveu. É um poeta todo pessoal (original), não gostava de imitar: “Mon verre n’est pas grand, mais je bois dans mon verre.” (Meu copo não é grande, mas eu bebo no meu copo).”

Após este prólogo tão interessante quanto necessário, a meu ver, em tradução minha adaptada, vamos à poesia:

“O PELICANO

Qualquer preocupação que sofras em tua vida,
Oh! deixa dilatar-se, esta santa ferida
Que os negros serafins têm cavado em teu peito
Nada nos faz tão grandes como um sofrer perfeito.
Mas, por estar atento, não creias, ó poeta,
Que no Mundo a tua voz deva ficar quieta !
Os mais pungentes são os cânticos mais belos,
E eu conheço imortais que são tristes anelos.
Quando o pelicano, em longa viagem solta,
Nas brumas da tardinha aos seus caniços volta,
Famintos filhos seus caminham sobre a praia,
Vendo-o esbater-se ao longe em cima às plúmbeas águas
Já crendo em apanhar e repartir a presa
Eles correm ao pai com gritos de alegrias
Erguendo os bicos sobre as gargantas frias.
Ele, galgando a passos lentos uma rocha elevada,
Em sua asa pendente abrigando a ninhada,
Pescador melancólico, ele olha os céus.
O sangue corre em golfadas em seu peito aberto;
Em vão dos mares escavou a profundeza:
O Oceano estava vazio e a praia deserta;
Por todo alimento ele traz seu coração.
Sombrio e silencioso, estendido sobre a pedra,
Repartindo aos seus filhos suas entranhas de pai,
No seu amor sublime embala a sua dor,
E, olhando escorrer seu peito a sangrar,
Sobre seu festim de morte ele se prostra e cambaleia,
Ébrio de volúpia, de ternura e de horror.
Mas às vezes, no meio do divino sacrifício,
Fatigado de morrer em tão longo suplício,
Ele acredita que os filhos o deixem vivendo;
Então soergue-se, abre sua asa ao vento,
E, ferindo-se o coração com um grito selvagem,
Solta dentro da noite um tão fúnebre adeus,
Que os pássaros dos mares desertam a beira-mar,
E que o viajor demorado na praia,
Sentindo passar a morte, se recomenda a Deus.”
(La Nuit de Mai (1835).

Ao findar o mês de maio em pleno outono, quis prestar uma homenagem in memoriam a este inigualável poeta romântico francês que com seu poema( inserido em Noites de Maio), demonstrou até onde vai o amor paterno e materno, sacrificando sua própria vida para que seus filhotes continuem a viver. É uma lição divina da natureza.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.iguinho.ig.com.br

Hermoclydes S. Franco (Algumas Trovas Esquecidas)


A vagar pela cidade,
Desde os tempos de menino,
Procuro a felicidade
Que mora além do destino!...

Ser mãe é trabalho insano
Que tal carinho irradia
E te faz, por todo o ano,
Ser a mãe de cada dia!

Foi tanta emoção sentida,
Foram mil sonhos sonhados,
Que atravessamos a vida
Como eternos namorados...

Para ser livre e ufano,
Ter poder, ser sempre um bravo,
Na verdade o ser humano
Da lei deve ser escravo...

Plangem sinos, é Natal,
Festa em nossos corações...
O Deus-Menino, imortal,
É o centro das emoções...

O fulgor da Estrela-Guia
Viu nascer em Nazaré:
Para o mundo, novo dia;
Para os homens, nova Fé!...

Um lençol verde de paz...
Um rio... Uma catarata...
Lindas flores... animais...
Sons do silêncio, eis a mata!... (Sem verbos)

Tu foste, na minha vida,
Tempestade que passou...
Neblina descolorida
Que alguma nuvem deixou!...

Versejando à luz difusa,
Se o sentimento me inspira,
Eu te elejo a doce musa
Que há de tanger minha lira!...

Nas mensagens de prazer,
Carteiro, nas tarde mansas,
Tens o condão de trazer
O renascer de esperanças...

Em privação de sentidos,
Em teus braços perfumados,
Sonhei sonhos não vividos...
Vivi sonhos não sonhados...

Abraça o tempo que corre,
Na rapidez em que avança,
Que um bom momento não morre,
Acaba sempre em lembrança!

Mãe! Flor de amor e bondade,
Nem precisa rima rica,
Na poesia de saudade
Da lembrança que nos fica!

Escondendo tal carinho
Em seu semblante sisudo,
Meu PAI me pôs no caminho
Preparado para tudo!...

Não julgues a alheia sorte
Pelo brilho do brasão:
A luz que brilha mais forte
Tem mais curta duração...

MEMÓRIA... Forja de sonhos,
Arquivo de sentimentos,
Relicário onde os tristonhos
Escondem seus bons momentos...

Noite de Paz e de Amor!
Noite de sonho e de luz...
Veio ao mundo o Salvador,
O Deus-Menino, Jesus!...

A tempestade aparente
Do teu gênio, por magia,
Transformou-se de repente,
Ao meu beijo, em calmaria!

Terminado o encantamento,
Só restou a indiferença
De um calado sofrimento
Marcando sempre presença!

Minha fé a grande força
Que trago desde criança,
Não deixa que a vida torça
O meu rumo de esperança

Não tive coragem, creia,
De fugir nesta revolta...
Por isso é que, volta e meia,
Vivo dando a meia-volta!...

Na luta pela conquista
Do melhor que a via encerra,
Sou um simples pacifista:
“Faço o amor, não faço a guerra”.

A emoção é bailarina,
Num palco azul de ilusões...
Se Deus a fez feminina,
Tinha lá Suas razões.

Com efeitos especiais,
Meus sonhos mostram, em tela,
Os teus encantos reais
Na mais bonita aquarela!...

A inspiração é uma fada,
Com varinha de condão...
Quando toca a musa, amada,
Há poesia em profusão!...

Pelo teu corpo, em viagens
De sonhos e encantamentos,
Minhas mãos passam mensagens
De indescritíveis momentos...

Trago tantas emoções
Nas minhas canções serenas
Que, quando canto as canções,
Vivo de emoções, apenas!...

Para espantar minha dor,
Eu passo a vida a cantar,
Sabendo que mal de amor
Ninguém consegue espantar...

Lobo máu, o vento, ao léu,
Se transforma em furacão
Ao ver, nas nuvens do céu,
Carneirinhos de algodão!...

A vida é a fada-madrinha
Que, ao ver nosso intenso flerte,
Deu-me, em toque de varinha,
O prazer de conhecer-te!

Aquele que a paz expande
Tem a luz, bem definida,
Que se transforma no grande
Prazer de viver a vida!

Na vida, estrada de sonhos,
Conheci divinos seres
Que me ensinaram, risonhos,
Segredos de mil prazeres!...

Vem amor, morar comigo,
Que eu te mostro o que é viver
E, em longa noite contigo,
Eu te ensino o que é prazer...

O triste da caminhada,
Na longa estrada da vida,
É ver a fome estampada
Em tanta gente excluída!

Nossas sombras, abraçadas,
Sob a luz do luar risonho,
Atravessam madrugadas
Em busca do mesmo sonho!

Seria o grande momento,
Para toda a humanidade,
Se o bom Deus mandasse o vento
Varrer do mundo a maldade...

Não há sonho mais bonito
Nem mentira mais falaz
Do que o amor infinito
Que a vida jamais nos traz!

Teu amor é o suave açoite
Que eu desejo, em calmaria:
Como o dia busca a noite...
Como a noite busca o dia!

No meu sonho, em bela imagem,
Neste meu destino incerto,
Seu recado foi miragem
E apagou-se em meu deserto!...

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Jean de La Fontaine (Fábulas) A Raposa e a Cegonha

Ilustração de Gustave Doré
Quis a raposa matreira,
Que excede a todas na ronha,
Lá por piques de outro tempo,
Pregar um ópio à cegonha.

Topando-a, lhe diz: "comadre,
Tenho amanhã belas migas,
E eu nada como com gosto
Sem convidar as amigas.

De lá ir jantar comigo
Quero que tenha a bondade;
Vá em jejum porque pode
Tirar-lhe o almoço a vontade."

Agradeceu-lhe a cegonha
Uma oferenda tão singela,
E contava que teria
Uma grande fartadela.

Ao sítio aprazado foi,
Era meio-dia em ponto,
E com efeito a raposa
Já tinha o banquete pronto.

Espalhadas num lajedo
Pôs as migas do jantar,
E à cegonha diz: "comadre,
Aqui as tenho a esfriar.

Creio que são muito boas -
Sans façon - vamos a elas."
Eis logo chupa metade
Nas primeiras lambidelas.

No longo bico a cegonha
Nada podia apanhar;
E a raposa em ar de mofa,
Mamou inteiro o jantar.

Ficando morta de fome,
Não disse nada a cegonha;
Mas logo jurou vingar-se
Daquela pouca vergonha.

E afetando ser-lhe grata,
Disse: "comadre, eu a instigo
A dar-me o gosto amanhã
De ir também jantar comigo."

A raposa labisqueira
Na cegonha se fiou,
E ao convite, às horas dadas,
No outro dia não faltou.

Uma botija com papas
Pronta a cegonha lhe tinha;
E diz-lhe: "sem cerimônia,
A elas, comadre minha."

Já pelo estreito gargalo
Comendo, o bico metia;
E a esperta só lambiscava
O que à cegonha caía.

Ela, depois de estar farta,
Lhe disse: "prezada amiga,
Demos mil graças ao céu
Por nos encher a barriga."

A raposa conhecendo
A vingança da cegonha,
Safou-se de orelha baixa,
Com mais fome que vergonha.

Enganadores nocivos,
Aprendei esta lição.
Tramas com tramas se pagam,
Que é pena de Talião.

Se quase sempre os que iludem
Sem que os iludam não passam,
Nunca ninguém faça aos outros
O que não quer que lhe façam.

Fonte:
La Fontaine. Fábulas. SP: Martin Claret, 2005.

Monteiro Lobato (O Saci) XIX – Lobisomem; XX – Mula sem Cabeça

XIX - Lobisomem

Nem bem acabara o saci de pronunciar estas palavras e Pedrinho notou grande rebuliço entre os sacizinhos. Parece que também pressentiram qualquer coisa, pois largaram das brincadeiras e desapareceram na floresta, como por encanto.

Era tempo. O mato começou a estalar como se algum animalão por ele viesse rompendo, e por fim surgiu na clareira a carantonha sinistra de um lobisomem. Parou, farejou o ar como se estivesse sentindo cheiro de carne humana. O saci, porém, tivera a precaução de emitir um certo cheirinho a enxofre, e isso iludiu o lobisomem, que continuou o seu caminho e passou. O cheiro a enxofre disfarça o da carne humana, explicou mais tarde o saci.

Apesar do medo que sentira, Pedrinho pôde notar que o monstro tinha a pele virada, isto é, o pêlo para dentro e a carne para fora — uma coisa horrível! No mais, era um perfeito lobo, embora de dimensões muito mais avantajadas.

Assim que o lobisomem deixou a clareira, o menino respirou um ah! de alívio e pediu ao saci que lhe contasse alguma coisa desses monstros.

— Dizem — respondeu o saci — que quando uma mulher tem sete filhos machos, o sétimo vira lobisomem na noite das sextas-feiras. Sai então pelos campos, invade os galinheiros (onde come um produto das galinhas que não é o ovo) e também assalta e devora os cães e as crianças que encontra pelo caminho. Se alguém ataca um lobisomem e corta-lhe uma das patas, ele vira imediatamente no homem que é — e esse homem fica por toda a vida aleijado do membro correspondente à pata cortada.

Pedrinho não resistiu à tentação de ver de perto as pegadas do monstro e apesar das advertências do saci saiu do oco para examiná-las à luz de um vaga-lume. Mas não teve tempo. Assim que saiu do oco, ouviu um estranho rumor ao longe, seguido do agudo assobio do saci chamando-o. Voltou precipitadamente.

— Que há? — indagou.

O saci, que também parecia amedrontado, puxou-o bem para o fundo do esconderijo, murmurando: — A mula-sem-cabeça!

XX – A mula-sem-cabeça

A mula-sem-cabeça!

Pedrinho estremeceu. Nenhum duende das florestas o apavorava mais que esse estranho e incompreensível monstro, a mula-sem-cabeça que vomita jogo pelas ventas! Muitas histórias a seu respeito tinha ouvido aos caboclos do sertão e aos negros velhos, embora Dona Benta vivesse dizendo que tudo não passava de crendice.

A galopada aproximava-se; já se ouvia o estalar dos arbustos que em seu desenfreado galopar a mula-sem-cabeça vinha quebrando. Súbito, parou.

— Vai mudar de rumo! — murmurou o saci, com cara mais alegre.

E de fato foi assim. A mula retomou a galopada, mas em outra direção, embora passasse por perto não chegou ao alcance dos olhos do menino.

— Que pena! — exclamou ele. — Tanta vontade que eu tinha de conhecer esse monstro...

— Que pena? — repetiu o saci. — Que felicidade, deve você dizer! A mula-sem-cabeça é o mais sinistro duende que há no mundo; tem o dom de transtornar a razão de todos que a vêem. Por isso é que tive medo — não por mim, mas por você...

— Mas qual é a origem dessa mula?

— Uma história muito velha. Dizem que antigamente houve um rei cuja esposa tinha o misterioso hábito de passear certas noites pelo cemitério, não consentindo que ninguém a acompanhasse. O rei incomodou-se com isso e certa noite resolveu segui-la sem que ela o percebesse. No cemitério deu com uma coisa horrenda: a rainha estava comendo o cadáver de uma criança enterrada na véspera e que por suas próprias mãos cheias de anéis havia desenterrado! O rei deu um grito. Vendo-se pilhada, a rainha deu outro grito ainda maior — e imediatamente virou nessa mula-sem-cabeça, que desde aquele momento nunca mais parou de galopar pelo mundo, sempre vomitando fogo pelas ventas.

E foi assim que Pedrinho perdeu a única oportunidade que teve de ficar conhecendo pessoalmente o estranho monstro que tanto impressiona a imaginação dos nossos sertanejos.

Ela corre sem cessar, espalhando a loucura por onde passa. Não existe criatura, seja bicho do mato ou gente, que não prefira ver o Diabo em pessoa a ver a tal mula-sem-cabeça. É horrenda!

— Mas como será que vomita fogo pelas ventas, se as ventas estão na cabeça e ela não tem cabeça?

— Também não entendo; mas é assim — disse o saci.
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continua... XXI - Más notícias ; XXII – Chegam ao sítio
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 319)


Uma Trova Nacional

O vento, com peraltice,
leva folhas pelo espaço.
Que bom se um dia o sentisse
levando as preces que faço...
–RUTH FARÁH NASCIF/RJ–

Uma Trova Potiguar

Se eu me for, antes de ti...
Levarei, dos nossos traços,
cada noite que vivi
na cortina... dos teus braços.
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Niterói/RJ
Tema: DELÍRIO - M/E.

Nos delírios desse amor
de saudades desiguais,
eu vivo só de favor
de saber como tu vais!
–EDUARDO A. O. TOLEDO/MG–

Uma Trova de Ademar

Há tempo para as agruras
de um viver que se maldiz,
e há tempo para as venturas,
na busca de ser feliz!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Ah, coração!...não palpites
tão forte que o espaço é estreito,
e esta mágoa, sem limites,
tem que caber no meu peito!
–WALDIR NEVES/RJ–

Simplesmente Poesia

Receita de Longevidade
–JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA/BA–

Levanta a cabeça e segue
olhando firme na frente.
Não há bicho que te pegue
se tens firmeza de mente.

Não digas que te fraqueja
a resistência na luta.
Maior que seja peleja
jamais penses na cicuta.

Nunca olhes para traz,
olha à frente, sê capaz
de pensar que o mal passou.

Com certeza hás de chegar
aos oitenta sem cansar
igual assim como estou.

Estrofe do Dia

Roberto é rei da canção
do barro, foi Vitalino,
do cangaço, é Virgulino
o famoso lampião,
Gonzaga, rei do baião
Brasil foi rei do café,
do futebol foi Pelé,
pinto foi rei do repente,
existe um rei entre a gente:
Patativa do Assaré.
–OLIVEIRA DE PANELAS/PE–

Soneto do Dia

Sessenta Musas
–ROGACIANO LEITE/PE–

Respondam-me, afinal, Nilda, Suzete,
Nenen, Guiomar, Eulália, Mozarina,
Célia, Dora, Socorro, Amilcarina,
Gilca, Norma, Rosália, Dulce, Ivete;

Creusa, Ivone, Ceci, Lourdes, Arlete,
Nisa, Ofélia, Masé, Lindalva, Nina,
Lúcia, Rita, Marli, Sônia, Marina,
Vilma, Zezé, Luci, Neusa, Ivonete;

Clarisse, Adélia, Auri, Zélia, Marleide,
Anita, Zilma, Edi, Laurita, Neide,
Maura, Carmen, Mimi, Olga, Ilma, Talma;

Denise, Helena, Itália, Hilda, Helenice,
Maristela, Zizi, Beatriz e Alice...
- Que é que vocês fizeram de minha alma?

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