quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Carlos Drummond de Andrade (Maneira de Amar)


O jardineiro conversava com as flores, e elas se habituaram ao diálogo. Passava manhãs contando coisas a uma cravina ou escutando o que lhe confiava um gerânio.

O girassol não ia muito com sua cara, ou porque não fosse homem bonito, ou porque os girassóis são orgulhosos de natureza.

Em vão o jardineiro tentava captar-lhe as graças, pois o girassol chegava a voltar-se contra a luz para não ver o rosto que lhe sorria. Era uma situação bastante embaraçosa, que as outras flores não comentavam. Nunca, entretanto, o jardineiro deixou de regar o pé de girassol e de renovar-lhe a terra, na ocasião devida.

O dono do jardim achou que seu empregado perdia muito tempo parado diante dos canteiros, aparentemente não fazendo coisa alguma. E mandou-o embora, depois de assinar a carteira de trabalho.

Depois que o jardineiro saiu, as flores ficaram tristes e censuravam-se porque não tinham induzido o girassol a mudar de atitude. A mais triste de todas era o girassol, que não se conformava com a ausência do homem. "Você o tratava mal, agora está arrependido." "Não", respondeu, "estou triste porque agora não posso tratá-lo mal. É a minha maneira de amar, ele sabia disso, e gostava."

ANDRADE, Carlos Drummond de. A cor de cada um. 3a. ed. RJ: Record, 1998.
Imagem = http://pt.dreamstime.com

Ialmar Pio Schneider (Soneto de Finados)


Lembramos nossos mortos neste dia
que consagramos tristes aos finados;
passaram para o além e a lájea fria
apenas guarda os corpos sepultados.

Hoje tudo é perpétua nostalgia…
Ouvem-se preces, prantos desolados,
um porquê inexplicável excrucia
até os corações mais resignados.

Dos páramos celestes desce a luz
iluminando a terra que se habita;
e a verdade mais crua se traduz

pela certeza natural e aflita
que fatalmente a todos nos conduz
à noite eterna… trágica… infinita…

(CANOAS, 2-11-82)

Fontes:
Soneto enviado pelo autor
Imagem = http://www.hi5recados.com/graficos/839/2/Dia-de-Finados.html

Paulo V. Pinheiro (Se…)


Um céu azul, pintado
Uma bola, arredondada
Um livro marcado
Uma aula encabulada – isto mesmo (encabulada)

Um homem nu
Aquele que cegamente lê
Um que não fará falta
Você

É assim que te querem
Um nada que vota
E como gado te tratam
Cidadão

Aprendemos a viver com o mínimo e até isso nos tiram
A democracia, ela se perdeu? tu a conheces?
Conceitos e palavras, mada mais, e só
Porém ainda temos algo desta fantasia

Se subversivo é o que subverte
Venha verter teu conteúdo no que dá esperança
Surpreenda aqueles que não querem te ver
Pelo menos não te ocultes no silêncio

A super mídia, os meios culturais de massa não esperam que penses
Aguardam o teu consumo e assim te consomem e a mim e a tudo
Um carioca não deve ocultar os seus erres ou seus erros
Assim um paulistano com sua fala de canto se comunica
Não te ocultes caipira com teus desafinos ancestrais
Não te esqueças de tua poesia nordestina, nordestino

Chamemos mídia corporativa tudo que massifica
Até cultura de massa pode ser melhor
Porém quem dá o baile dita o tom
Nos cuidemos de quem dá o baile

Quem ama a poesia, a arte, não devemos esperar prêmios
Somos marginais (não te ofendas com isso – não é pessoal)

Júlia Lopes de Almeida (Órfãos de Heróis... )


Ninguém ignora quanto é assombrosa a imaginação e como é inteligente a pertinácia dos ingleses e dos americanos na concepção e na expansão dos seus anúncios e reclamos. Não lhes bastando os avisos que inserem nos seus jornais de grande tiragem, avidamente lidos por populações que têm mais almas do que formigas têm os maiores formigueiros dos nossos jardins; não lhes bastando os cartazes com que enfeitam as suas cidades, aqueles formidáveis cartazes de fundo vermelho e luzidio, com figuras negras (negros ali só pintados...), em que num zig-zag de raio, rabeia de alto a baixo, em caracteres amarelos, o nome da droga exposta; não lhes bastando os milhares de bilhetes que espalham tumultuariamente pelos seus teatros, salões públicos, gares, vagões, avenidas, cervejarias, etc., eles remetem com a mesma fúria para os mais longínquos pontos do globo, cartões, livros, folhetos, mapas, cromos, pastas, com uma prodigalidade que chega a ser ofensiva.

É imperturbável a seriedade e a convicção com que esses senhores afirmam aos povos de todas as raças, a superioridade das suas indústrias. O que nós não seríamos capazes de fazer com uma fileira cerrada de pontos de exclamação e ainda outra de ahs e de ohs, acompanhados pela régia magnificência de muitos adjetivos pomposos, eles fazem com uma frase seca, onde engastam um superlativo esmagador e positivo.

A tática do anúncio não está, pois, na palavra, está no veículo em que ela vem assentada. Reproduzisse um comerciante, menos negocioso que idealista um verso de Shakspeare em um papel barato, feio, fácil de amarfanhar, e a frase maravilhosa, que lhe servisse de epígrafe ao anúncio, escorregaria pelos bueiros das ruas ou para a caixa do cisco dos quintais, sem ter logrado atrair a atenção de ninguém.

A habilidosa insinuação do anuncio está na boa qualidade do seu papel, na nitidez do seu tipo, na variedade das cores em que está impresso, no seu asseio enfim.

Compreende-se a manha.

Quem terá a coragem de atirar para a cesta dos papeis rasgados um livrinho, em que, sobre o marroquim bem imitado da capa, brilha um emblema dourado, e que, por pequeno e elegante, mais parece uma carteira de lembranças amáveis, do que um catálogo de chapas e de fogões!? Aberto o livro, o desencanto é completo; nas suas curtas páginas acetinadas não há segredos, mas uma imposição clara de fabricante, chamando sem cansaço a atenção da gente para os seus produtos, sempre com a mesma frase, cem vezes repetida, e em que ainda na última página se sente fôlego para outras tantas afirmações.

É de se ficar agoniado! Mas os ingleses e os americanos não ficam, e continuam na sua ambiciosa propaganda, a exportar para as cinco partes do mundo em anúncios de toda a espécie, a doce e encantadora efígie das suas crianças louras, vestidinhas de azul, com margaridas, ou gatos brancos no regaço.

Que vão fazer nos arraiais africanos, nas povoações asiáticas, nos sertões americanos, ou mesmo nas modestas aldeias européias essas carinhas rosadas e gorduchas, feitas para o beijo e a carícia do olhar? Vão dizer em inglês que a manteiga mais pura e saborosa é de tal ou tal fabricante de Londres ou de New York.

E como a menina tem um bom ar de inocência, todos os que entendem o que ali está escrito, lhe prestam a maior fé, e os que o não entendem, guardam, por amor dos seus olhos cor do céu, o cartão em que ela vem estampada entre dizeres comerciais.

Parecia-me a mim, que nesta questão estava tudo feito e explorado, desde as paisagens sugestivas, rotulando latas de leite, onde a vaquinha gorda demonstra
a fertilidade do pasto, até às folhinhas em que, a par das vantagens das pílulas que preconizam, se desvendam os mistérios dos astros e vem a profecia de invernos e verões. Enganei-me; a arte do reclamo não pára, vai alargando cada vez mais a sua fantasia.

Agora, com a mesma parcimônia de vocábulos, os senhores fabricantes de graxa, de vernizes, ou de qualquer outra coisa, encontram jeito de falar ao coração das turbas desprevenidas. Que traição! Já não basta o atrativo para a vista, começa também o assalto ao sentimento!

Senão, vejamos:

Há tempos achei sobre a minha mesa de trabalho um livrinho adornado na capa, brochura, com as armas de Inglaterra, Abri-o e folheei-o; só continha retratos de crianças, nada menos de cinqüenta e seis fototípias nítidas e bonitas. De quem eram? A pequena introdução do livro explicava tudo em poucas linhas: essas cinqüenta e seis crianças, cujos nomes, idade, filiação, morada, etc.., vem indicados sob cada retrato, são apresentadas ao mundo como órfãs dos heróis da guerra sul-africana, a quem o proprietário de uma farinha qualquer alimenta gratuitamente. E bem provam as gravuras a eficácia de tal fécula. São gordos, os bebês!

Tenho-os aqui, diante de mim. Que triste galeria esta! A cada página que viro, as minhas mãos tremem e alastra-se-me no coração, a par de uma grande indignação, uma piedade dolorida por não ter remédio.

Abre o livro por um pequenino de dez meses, repimpado na sua cadeira, muito pelado e sério, com vestido de rendas e sapatinhos brancos; depois vem todo o rancho de infortunados, uns ainda de touca, outros em fraldinhas, com as pernas
grossas, as mãos papudas, o peitinho gordo; uns de boca aberta, mostrando no seu riso cor de rosa as gengivas sem dentes, outros de ar pensativo e todos muito galantes e muito simpáticos, como se para isso não bastasse o sereia crianças e o serem infelizes.

Olhando para o rostinho redondo da penúltima criança do livro, esta formosa Clara Alice Wilson, de dezenove meses, não haverá quem não imagine que deveria ter voado para ela o pensamento do pai ao expirar o seu último alento na guerra, a que talvez se opusessem as suas convicções de homem para só obedecer à sua disciplina de soldado...

Ora, a caridade desse fabricante inglês, que alimenta gratuitamente crianças para exibi-las ao mundo, em proveito seu, é de uma expressão muito singular e absolutamente nova nos anais da filantropia e do anúncio! A pátria que lhe agradeça o desvelo que ele demonstra pelos órfãos dos seus heróis! Se a exploração do sentimento continua desta maneira, não nos deixam nada para a literatura...

Mas não seria por amor disso que eu gritaria, mas por outra causa mais respeitável e delicada. Sempre gostaria de saber com que olhos os senhores do governo da velha Inglaterra olhariam para este álbum de reclamo, se ele algum dia lhes caísse sobre a sua mesa, como caiu sobre a minha, sem eu saber como!

Talvez que levantassem os ombros e nem lessem os nomes dos soldados e dos oficiais, cujas mortes vêm autenticadas sob o retrato de cada órfão; talvez que não ligassem à fileira de rostinhos infantis maior importância que a que ligam aos gordos frades emborcando cerveja nos cartazes dos schops, ou as dançarinas nos anúncios das tabacarias, tão acostumados estão as extravagantes explorações dos seus industriais; contudo, a minha ignorância de mulher sentimental parece que o olhar mudo e inocente destas criancinhas revolver-lhes-ia na consciência maiores reflexões do que todos os discursos das duas câmaras...

Realmente, a fúnebre lembrança desta propaganda é de fazer arrepios. Pobres órfãos inocentes! o que eu acredito que eles espalhem pelo mundo não é a fama da farinha que lhes engrossa o leite, e os prepara para futuras batalhas, mas sim a idéia da injustiça que as fere, o tremendo horror da guerra, que semeia com sangue as mais tristes saudades da terra!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte X


OS MORTOS

Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.

Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
Não perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.

Os mortos dão-nos paz imensa à vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.

Nas lutas vãs do tenebroso mundo
Os mortos são ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.

FLORIPES

Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trêmulos anelos.

Traços ligeiros, tímidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.

Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono...

Desejos vagos, olvidadas queixas
Vão morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescências do teu sono.

O CEGO DO HARMONIUM

Esse cego do harmonium me atormenta
E atormentando me seduz, fascina.
A minh’alma para ele vai sedenta
Por falar com a sua alma peregrina.

O seu cantar nostálgico adormenta
Como um luar de mórbida neblina.
O harmonium geme certa queixa lenta,
Certa esquisita e lânguida surdina.

Os seus olhos parecem dois desejos
Mortos em flor, dois luminosos beijos
Fanados, apagados, esquecidos...

Ah! eu não sei o sentimento vário
Que prende-me a esse cego solitário,
De olhos aflitos como vãos gemidos!

HORAS DE SOMBRA

Horas de sombra, de silêncio amigo
Quando há em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nós o seu perfil antigo.

Horas que o coração não vê perigo
De gozar, de sentir com liberdade...
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.

Horas da compaixão e da clemência,
Dos segredos sagrados da existência,
De sombras de perdão sempre benditas.

Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.

ALELUIA! ALELUIA!

Dentre um cortejo de harpas e alaúdes
Ó Arcanjo sereno, Arcanjo níveo,
Baixas-te à terra, ao mundanal convívio...
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.

Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alívio
Aos báratros, às brenhas, ao declívio
Deste caminho de ânsias e ataúdes...

Já que desceste das regiões celestes,
Nesse clarão flamívomo das vestes,
Através dos troféus da Eternidade

Traz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angústias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!

ROSA NEGRA

Nervosa Flor, carnívora, suprema,
Flor dos sonhos da Morte, Flor sombria,
Nos labirintos da tu’alma fria
Deixa que eu sofra, me debata e gema.

Do Dante o atroz, o tenebroso lema
Do Inferno a porta em trágica ironia,
Eu vejo, com terrível agonia,
Sobre o teu coração, torvo problema.

Flor do delírio, flor do sangue estuoso
Que explode, porejando, caudaloso,
Das volúpias da carne nos gemidos.

Rosa negra da treva, Flor do nada,
Dá-me essa boca acídula, rasgada,
Que vale mais que os corações proibidos!

VOZINHA

Velha, velhinha, da doçura boa
De uma pomba nevada, etérea, mansa.
Alma que se ilumina e se balança
Dentre as redes da Fé que nos perdoa.

Cabeça branca de serena leoa,
Carinho, amor, meiguice que não cansa,
Coração nobre sempre como a lança
Que não vergue, não fira e que não doa.

Olhos e voz de castidades vivas,
Pão ázimo das Páscoas afetivas,
Simples, tranqüila, dadivosa, franca.

Morreu tal qual vivera, mansamente,
Na alvura doce de uma luz algente,
Como que morta de uma morte branca.

NO EGITO

Sob os ardentes sóis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhão desfila,
Abre as asas no páramo infinito.

O Egito é sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqüila
A alma descansa do sofrer prescrito.

Sobre as ruínas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana...

E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a própria dor humana!

OCASOS

Morrem no Azul saudades infinitas
Mistérios e segredos inefáveis...
Ah! Vagas ilusões imponderáveis,
Esperanças acerbas e benditas.

Ânsias das horas místicas e aflitas,
De horas amargas das intermináveis
Cogitações e agruras insondáveis
De febres tredas, trágicas, malditas.

Cogitações de horas de assombro e espanto
Quando das almas num relevo santo
Fulgem de outrora os sonhos apagados.

E os bracos brancos e tentaculosos
Da Morte, frios, álgidos, nervosos,
Abrem-se pare mim torporizados.

REPOUSO

A cabeça pendida docemente
Em sonhos, sonha o sonhador inquieto,
Repousa e nesse repousar discreto
É sempre o sonho o seu bordão clemente.

Cego desta Prisão impenitente
Da Terra e cego do profundo Afeto,
O sonho é sempre o seu bordão secreto
O seu guia divino e refulgente.

Nem no repouso encontra a paz que espera,
Para lhe adormecer toda a quimera,
Os círculos fatais do seu Inferno.

Entre a calma aparente, a estranha calma,
O seu repouso é sempre a febre d’alma,
O seu repouso é sonho, e sonho eterno.

REQUIESCAT...

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memória,
Dorme tranqüila no esplendor da glória,
Longe das amarguras do cansaço...

Ilusão, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flórea,
Quando as visões da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço...

Ó Ilusão! Estranha caravana
de águias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarão do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente...

DOCE ABISMO

Coração, coração! a suavidade,
Toda a doçura do teu nome santo
É como um cálix de falerno e pranto,
De sangue, de luar e de saudade.

Como um beijo de mágoa e de ansiedade,
Como um terno crepúsculo d’encanto,
Como uma sombra de celeste manto,
Um soluço subindo a Eternidade.

Como um sudário de Jesus magoado,
Lividamente morto, desolado,
Nas auréolas das flores da amargura.

Coração, coração! onda chorosa,
Sinfonia gemente, dolorosa,
Acerba e melancólica doçura.

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Carlos Lúcio Gontijo (Orfandade)


Mãe, continuas o mesmo rio
Insinuas em mim amor divino
Eu, pequenino afluente
Contente sigo pro teu leito
Em busca de teus mimos
De repente não te acho
Sinto-me riacho em deserto
Não sabia tristeza mais triste
Tu partiste para o grande mar
Misturaste às luzes do infinito
Não estás, mas estás em tudo
Meus olhos ardem na procura
Percorrem em loucura as folhas da vida
Como se orvalho fossem, mantêm o brilho
Mesmo sob a certeza da evaporação
Na minha pele morena teu Mato Grosso
Filho, tu ainda tens mãe
É o estribilho da canção que ouço
Ergo-me com as forças de “coluna prestes”
Faço em mim a revolução de que falavas
Então eu creio, respiro profundamente
No ar cheiro de seio que me alimenta
Mãe, sinto-me menino novamente
Gosto de manga no céu da boca
(Tua fruta preferida)
Muito riso e pouca zanga...

(Poema extraído do livro AROMA DE MÃE - 1993)

Fonte:
Poema enviado pelo autor

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Sítio do Picapau Amarelo – I – As Jabuticabas

O Sítio do Picapau Amarelo
I
As jabuticabas

De volta do reino das Águas Claras, Narizinho começou todas as noites a sonhar com o príncipe Escamado, dona Aranha, o doutor Caramujo e mais figurões que conhecera por lá. Ficou de jeito que não podia ver o menor inseto sem que se pusesse a imaginar a vida maravilhosa que teria na terrinha dele. E quando não pensava nisso pensava no Pequeno Polegar e nos meios de o fazer fugir de novo da história onde o coitadinho vivia preso.

Era este o assunto predileto das conversas da menina com a boneca. Faziam planos de toda sorte, cada qual mais amalucado.

Emília tinha idéias de verdadeira louca.

— Vou lá — dizia ela — e agarro nas orelhas da dona Carocha e dou um pontapé naquele nariz de papagaio e pego o Polegada pelas botas e venho correndo.

Narizinho ria-se, ria-se...

— Vai lá onde, Emília?

— Lá onde mora a velha.

— E onde mora a velha?

A boneca não sabia, mas não se atrapalhava na resposta. Emília nunca se atrapalhou nas suas respostas. Dizia as maiores asneiras do mundo, mas respondia.

— A velha mora com o Pequeno Polegada.

— Polegar, Emília!

— PO-LE-GA-DA.

Era teimosa como ela só. Nunca disse doutor Caramujo. Era sempre doutor Cara de Coruja. E nunca quis dizer Polegar. Era sempre Polegada.

— Muito bem — concordou a menina. — A velha mora com Polegar e Polegar mora com a velha. Mas onde moram os dois?

— Moram juntos.

Narizinho ria-se, dizendo: “Possa-se com uma diabinha destas!”

Dona Benta era outra que achava muita graça nas maluquices da boneca. Todas as noites punha-a ao colo para lhe contar histórias. Porque não havia no mundo quem gostasse mais de história do que a boneca. Vivia pedindo que lhe contassem a história de tudo – do tapete, do cuco, do armário. Quando soube que Pedrinho, o outro neto de dona Benta, estava para vir passar uns tempos no sítio, pediu a história de Pedrinho.

— Pedrinho não tem história — respondeu dona Benta rindo-se. — É um menino de dez anos que nunca saiu da casa de minha filha Antonica e portanto nada fez ainda e nada conhece do mundo. Como há de ter história?

— Essa é boa! — replicou a boneca. — Aquele livro de capa vermelha da sua estante também nunca saiu de casa e no entanto tem mais de dez histórias dentro.

Dona Benta voltou-se para tia Nastácia.

— Esta Emília diz tanta asneira que é quase impossível conversar com ela. Chega a atrapalhar a gente.

— É porque é de pano, sinhá — explicou a preta — e dum paninho muito ordinário. Se eu imaginasse que ela ia aprender a falar, eu tinha feito ela de seda, ou pelo menos dum retalho daquele seu vestido de ir à missa.

Dona Benta olhou para tia Nastácia dum certo modo, como que achando aquela explicação muito parecida com as da Emília...

Nisto apareceu Narizinho, com uma carta para dona Benta trazida pelo correio.

— Letra da sua filha Tonica, vovó — disse a menina. – Com certeza é marcando a viagem de Pedrinho.

Dona Benta leu. Era isso mesmo. Pedrinho viria dali uma semana.

— Uma semana ainda? — comentou Narizinho, desanimada de tanta demora. Que pena! Tenho tanta coisa a contar a Pedrinho — coisas do reino das Águas Claras...

— Não sei que reino é esse. Você nunca me falou nele, — disse dona Benta com cara de surpresa.

— Não falei nem falo porque a senhora não acredita. uma beleza de reino, vovó! Um palácio de coral que parece um sonho! E o príncipe Escamado, e o doutor Caramujo, e dona Aranha com suas seis filhinhas, e o major Agarra, e o papagaio que salvei da morte — quanta coisa!... Até baleias vimos lá, uma baleia enorme, dando de mamar a três baleinhas. Vi um milhão de coisas mas não posso contar nada nem para vovó nem para tia Nastácia porque não acreditam.

Para Pedrinho, sim, posso contar tudo, tudo...

Dona Benta, de fato, nunca dera crédito às histórias maravilhosas de Narizinho. Dizia sempre: “Isso são sonhos de crianças.” Mas depois que a menina fez a boneca falar, dona Benta ficou tão impressionada que disse para a boa negra: — Isto é um prodígio tamanho que estou quase crendo que as outras coisas fantásticas que Narizinho nos contou não são simples sonhos, como sempre pensei.

— Eu também acho, sinhá. Essa menina é levada da breca. É bem capaz de ter encontrado por aí alguma varinha de condão que alguma fada tenha perdido... Eu também não acreditava no que ela dizia, mas depois do caso da boneca fiquei até transtornada da cabeça. Pois onde é que já se viu uma coisa assim, sinhá, uma boneca de pano, que eu mesma fiz com estas pobres mãos, e de um paninho tão ordinário, falando, sinhá, falando que nem uma gente!... Qual, ou nós estamos caducando ou o mundo está perdido...

E as duas velhas olhavam uma para a outra, sacudindo a cabeça. Narizinho não gostava de esperar; ficou pois aborrecida de ter de esperar Pedrinho ainda uma semana inteira. Felizmente era tempo de jabuticabas.

No sítio de dona Benta havia vários pés, mas bastava um para que todos se regalassem até enjoar. Justamente naquela semana as jabuticabas tinham chegado “no ponto” e a menina não fazia outra coisa senão chupar jabuticabas. Volta e meia trepava à árvore, que nem uma macaquinha. Escolhia as mais bonitas, punha-as entre os dentes e tloc! E depois do tloc, uma engolidinha de caldo e pluf! – caroço fora. E tloc, pluf, tloc, pluf, lá passava o dia inteiro na árvore.

As jabuticabas tinham outros fregueses além da menina. Um deles era um leitão muito guloso, que recebera o nome de Rabicó.

Assim que via Narizinho trepar à árvore, Rabicó vinha correndo postar-se embaixo à espera dos caroços. Cada vez que soava lá em cima um tloc! seguido de um pluf! ouvia-se cá embaixo um nhoc! do leitão abocanhando qualquer coisa. E a música da jabuticabeira era assim: tloc! pluf! nhoc! — tloc! pluf! nhoc!...

Sanhaços também, e abelhas e vespas. Vespas em quantidade, sobretudo no fim, quando as jabuticabas ficavam que nem um mel, como dizia Narizinho. Escolhiam as melhores frutas, furavam-nas com o ferrão, enfiavam meio corpo dentro e deixavam-se ficar muito quietinhas, sugando até caírem de bêbedas.

— E não mordiam?

— Não tinham tempo. O tempo era pouco para aproveitarem aquela gostosura que só durava uns quinze dias.

Não mordiam é um modo de dizer. Nunca tinham mordido, isso sim. Porque justamente naquela tarde uma mordeu. Estava Narizinho no seu galho, distraída em pensar na surpresa que teria o príncipe Escamado se recebesse uma jabuticaba de presente, quando levou à boca uma das tais furadinhas, com meia vespa dentro. Dessa vez em lugar do tloc do costume o que soou foi um berro — ai! ai! ai!... tão bem berrado que lá dentro da casa as duas velhas ouviram.

— Que será aquilo? — exclamou dona Benta assustada.

— Aposto que é vespa, sinhá! — disse tia Nastácia. — Ela não sai da “fruteira” e, como nunca foi mordida, abusa. Eu vivo dizendo: “Cuidado com as vespas!” mas não adianta, Narizinho não faz caso. Agora, está aí...

E foi correndo ao pomar acudir a menina.

Encontrou-a já de volta, berrando com a língua à mostra, porque fora bem na ponta da língua que a vespa ferroara. A negra trouxe-a para casa, botou-a no colo e disse:

— Sossegue, boba, isso não é nada. Dói mas passa. Ponha a língua para eu arrancar o ferrão. Vespa quando morde deixa o ferrão no lugar da mordedura. Bem para fora. Assim.

Narizinho espichou meio palmo de língua e tia Nastácia, com muito custo, porque já tinha a vista fraca, pôde afinal descobrir o ferrãozinho e arrancá-lo.

— Pronto! — exclamou mostrando qualquer coisa na ponta duma pinça. — Está aqui o malvado. Agora é ter paciência e esperar que a dor passe. Se fosse mordida de cachorro bravo seria muito pior...

Narizinho curtiu a dor por alguns minutos, de língua inchada e olhos vermelhos, soluçando de vez em vez. Depois que a dor passou, foi contar à boneca toda a história.

— Bem feito! — disse Emília. — Se fosse eu, antes de comer olhava cada fruta, uma por uma, com o binóculo de dona Benta.

Apesar do acontecido, Narizinho não pôde reprimir uma gargalhada, que tia Nastácia ouviu lá da cozinha.

“Narizinho já sarou”, disse consigo a preta, “e daqui um instantinho está trepada na árvore outra vez”.

E tinha razão. Indo dali a pouco ao rio com a trouxa de roupa suja, ao passar pela jabuticabeira parou para ouvir a música de sempre — tloc! pluf! nhoc... Lá estava Narizinho trepada à árvore.

Lá estavam as vespas com meio corpo metido dentro das frutas. Lá estava Rabicó esperando a queda dos caroços.

— Está tudo regulando! — murmurou consigo a preta, e pondo o pito na boca seguiu o seu caminho.
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Continua... O Enterro da Vespa

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Carlos Drummond de Andrade (A Rosa do Povo)


Análise da obra

Escrito entre 1943 e 1945 e publicado neste mesmo ano, A Rosa do Povo é aclamado por inúmeros setores da crítica literária como a melhor obra de Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta da Literatura Brasileira e um dos três mais importantes de toda a Língua Portuguesa. Antes que se comece a visão sobre esse livro, necessária se faz, no entanto, uma recapitulação das características marcantes do estilo do grande escritor mineiro.

Poesia da fase "eu menor que o mundo", toma como tema a política, a guerra e o sofrimento do homem. Desabrocha o "sentimento do mundo", traduzido pela solidão e na impotência do homem, diante de um mundo frio e mecânico, que o reduz a um objeto.

A obra é a mais extensa de todas as obras de Carlos Drummond de Andrade, composta por 55 poemas. Os versos, geralmente curtos das obras inaugurais, tornam-se mais longos. Há um predomínio do verso livre (métrica irregular) e do verso branco (sem rimas). Embora em seu próprio título haja uma simbologia revolucionária, sem contar o número expressivo de poemas socialmente engajados, A rosa do povo apresenta grande variedade temática e técnica.

Quase todos os poemas têm uma dimensão metafórica, apesar da linguagem aparentemente clara. Com freqüência, também nos surpreendemos com inesperadas associações de palavras, elipses, imagens surrealistas. Trata-se de poemas refinados, complexos e acessíveis somente a leitores com significativa informação poética. Paradoxalmente a obra em que Carlos Drummnod de Andrade mais se aproxima de uma ideologia popular é, na verdade, dirigida apenas a uma aristocracia intelectual.

A rosa do povo representa, na poesia de Drummond, uma tensão entre a participação política e adesão às utopias esquerdistas, de um lado, e a visão cética e desencantada, de outro lado. Não devemos entender esta duplicidade (esperança versus pessimismo) como contraditória. Toda a obra do autor (incluindo-se aí a amplitude de assuntos da mesma) é marcada por uma visão caleidoscópica, polissêmica.

A realidade, para ele, tem várias faces. Faces descontínuas, irregulares, opositivas. Tentar captar a essência humana é registrar ambivalências, ângulos variados. Nunca há em Drummond uma palavra definitiva, uma visão final. O fluxo desordenado da vida não permite uma única certeza, uma única convicção.

O poeta vale-se tanto do “estilo sublime” (padrão elevado da língua culta) quanto do “estilo mesclado” (linguagem elevada e linguagem coloquial).

Para a compreensão dessa obra, bastante útil é lembrar a data de sua publicação: 1945. Trata-se de uma época marcada por crises fenomenais, como a Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente ao Brasil, a Ditadura Vargas. Drummond mostra-se uma antena poderosíssima que capta o sentimento, as dores, a agonia de seu tempo. Basta ler o emblemático A Flor e a Náusea, uma das jóias mais preciosas da presente obra.

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Nota-se no poema um eu-lírico mergulhado num mundo sufocante, em que tudo é igualado a mercadoria, tudo é tratado como matéria de consumo. Em meio a essa angústia, a existência corre o risco de se mostrar inútil, insignificante, o que justificaria a náusea, o mal-estar. Tudo se torna baixo, vil, marcado por “fezes, maus poemas, alucinações”.

No entanto, em meio a essa clausura sócio-existencial (que pode ser representada pela imagem, na terceira estrofe, do muro), o poeta vislumbra uma saída. Não se trata de idealismo ou mesmo de alienação – o poeta já deu sinais claros no texto de que não é capaz disso. Ou seja, não está imaginando, fantasiando uma mudança – ela de fato está para ocorrer, tanto que já é vislumbrada na última estrofe, com o anúncio de nuvens avolumando-se e das galinhas em pânico. É o nascimento da rosa, símbolo do desabrochar de um mundo novo, o que mantém o poeta vivo em meio a tanto desencanto.

Dois pontos ainda merecem ser observados no presente poema. O primeiro é o fato de que ele, além de ser o resumo das grandes temáticas da obra, acaba por explicar o seu título. Basta notar que, conforme dito no parágrafo anterior, a rosa indica o desabrochar de uma nova realidade, tão esperada pelo poeta. E a expressão “do povo” pode estar ligada a uma tendência esquerdista, socialista, muito presente em vários momentos do livro e anunciadas pela crítica ao universo capitalista na primeira (“Melancolias, mercadorias espreitam-me.”) e terceira estrofes (“Sob a pele das palavras há cifras e códigos.”). O novo mundo, portanto, teria características socialistas.

O outro item é visto pelo estreito relacionamento que A Flor e a Náusea estabelece com o poema a seguir, Áporo, um dos mais estudados, densos, complexos e enigmáticos da Literatura Brasileira.

Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.

Note que a narrativa parece ser tirada de A Flor e a Náusea: um inseto, o áporo, cava a terra sem achar saída. Assemelha-se ao eu-lírico do outro poema, que se via diante de um muro e da inutilidade do discurso. No entanto, Drummond continua discursando, vivendo, assim como o inseto continua cavando. Então, do impossível surge a transformação: do asfalto surge a flor, da terra-labirinto-beco surge a orquídea.

Há algo aqui que faz lembrar o poema Elefante, também no mesmo volume. Da mesma forma como Drummond fabrica seu brinquedo, mandando-o para o mundo, de onde retorna destruído (mas no dia seguinte o esforço se repete), o eu-lírico de A Flor e a Náusea sobrevive em seu cotidiano nulo e nauseante e o áporo perfura a terra. É a temática do “no entanto, continuamos e devemos continuar vivendo”, tão comum em vários momentos de A Rosa do Povo.

Áporo, portanto, é um poema tão rico que pode ter outras leituras, além dessa de teor existencial. Há também, por exemplo, a interpretação política, que enxerga uma referência a Luís Carlos Prestes (“presto se desata”), que acabara de ser libertado pelo regime ditatorial. A figura histórica pode ser vista, portanto, como um áporo buscando caminho na pátria sem saída que se tornou o Brasil na Era Vargas.

Ainda assim, existe quem veja no texto um mero – e inigualável – exercício lúdico, em que as palavras são contempladas, manipuladas, transformadas. Basta lembrar, por exemplo, que “áporo”, além de ser a designação do inseto cavador, é também um termo usado em filosofia e matemática para uma situação, um problema sem solução, sem saída. Além disso, a essência etimológica da palavra inseto é justamente as letras “s” e “e”, diluídas no corpo do texto. Observe como tal pode ser esquematizado:

Um inSEto cava
cava SEm alarme
perfurando a terra
SEm achar EScape.
Que faZEr, ExauSto,
Em paíS bloqueado,
enlaCE de noite
raiZ E minério?
EiS que o labirinto
(oh razão, miStÉrio)
prESto SE dESata:
em verdE, Sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-SE.

Note que a essência do áporo, do inseto, vai se movimentando em todo o poema, transformando-se, até o ápice do último verso da terceira estrofe. É o momento da transformação e da iniciação, já anunciadas na segunda estrofe na aliteração do /s/ e do /t/ e da assonância do /e/ que acabam criando a forma verbal “encete” (ENlaCE de noiTE), que significa principiar, mas que possui também uma forte aproximação sonora com “inseto”. A mutação final virá no último verso: o áporo inseto se transforma em áporo orquídea (“áporo” é também o nome de um determinado tipo de orquídea), a flor que se desabrocha para a libertação. Tanto que a raiz SE está prestes a se libertar, pois virou a forma pronominal “se” (e, portanto, com relativa vida própria) que encerra o poema.

Tal trabalho com a linguagem é a base de todo texto poético, como é defendido pelo próprio Drummond em Procura da Poesia, transcrito abaixo:

Não faça versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é a música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Esse antológico poema é dividido em duas partes. Na primeira apresentam-se proibições sobre o que não deve ser a preocupação de quem estiver pretendendo fazer poesia. Sua matéria-prima, de acordo com o raciocínio exibido, não são as emoções, a memória, o meio social, o corpo. Na segunda parte explica-se qual é a essência da poesia: o trabalho com a linguagem. O poema pode até apresentar temática social, existencial, laudatória, emotiva, mas tem de, acima de tudo, dar atenção à elaboração do texto, ou seja, saber lidar com a função poética da linguagem.

I - Poesia social

Pelo menos duas dezenas dos cinqüenta e cinco poemas de A rosa do povo podem ser enquadrados nesta tendência na qual a angústia subjetiva do poeta transforma-se em engajamento e compromisso com a humanidade.

De certa forma, é possível distinguir neles uma espécie de seqüência lógica que revela as mudanças de percepção do poeta face ao fenômeno social. Este processo temática não é unívoco, sendo composto por mais ou menos quatro movimentos muito próximos e que, na sua totalidade, formam a mais elevada manifestação de poesia comprometida na história da literatura brasileira. Vamos encontrar então:

- a culpa e a responsabilidade moral - a repulsa ao egocentrismo e a abertura em direção à solidariedade estão representadas por dois poemas totalmente simbólicos e despidos de referências à historicidade e ao cotidiano: Carrego comigo e Movimento da espada.

- o registro puro e simples de uma ordem política injusta - ainda que toda a sua poesia social submeta a ordem vigente a um inquérito implacável, há sempre nestes poemas a indicação do novo, ou pelo menos das lutas que indivíduos, classes e povos travam para impugnar a injustiça do planeta. A exemplo de O medo, entretanto, a esperança ou o enfrentamento não se delineiam e o resultado é um dos textos mais opressivos de toda a obra de Drummond.

Os versos irregulares, (embora um bom número deles tenha sete sílabas) não impedem a criação uma cadência grave e soturna, nascida da repetição exaustiva da palavra medo. No desenrolar das quinze estrofes do poema, essa palavra e aquilo que ela traduz no contexto da época (ditadura, prisão, tortura, guerra, massacres, etc.) vão tecendo uma rede de tentáculos sobre os seres, impedindo-os de pensar, protestar e agir.

Além da impugnação desta era de medo, Drummond deixa transparecer no poema a sensação de culpa e de responsabilidade – que o acomete com freqüência.

- a passagem da náusea à perspectiva de uma nova sociedade (em termos concretos e em termos abstratos) - Neste bloco, encontramos um significativo número de poemas. Eles refletem a transição de um clima acabrunhante – no qual um indivíduo em crise e um sistema desolador se identificam – para uma atmosfera radiosa de esperança e afirmativa do novo.

Dentro desta ótica são escritos dois dos mais importantes poemas de A rosa do povo: A flor e a náusea e Nosso tempo. São também os mais concretos pois aludem diretamente ou indiretamente à realidade objetiva. Neles, o sentimento de culpa é substituído pela noção de náusea: a náusea existencialista, à maneira de Sartre, que, mais do que uma sensação física de enjôo, é uma situação de absoluta liberdade de quem a vivencia. Liberdade no sentido da destruição de todos os valores tradicionais, da morte de todos os deuses e crenças. A náusea decorre desta liberdade aterradora, próxima do absurdo. O homem, despojado de suas antigas certezas, vaga num universo de destroços, porém, ao mesmo tempo que o tédio e o desespero o ameaçam, este mesmo homem pode, na grande solidão em que se converteu sua vida, encontrar uma alternativa válida de existência individual e coletiva.

- a celebração da nova ordem - O despojamento do egoísmo burguês e a superação da situação de náusea induziram Drummond a vários compromissos: primeiro, o moral; segundo, o humanista; terceiro, o ideológico. Imerso numa era onde a barbárie ameaçava a civilização, o poeta entende que a mera solidariedade ou apenas a argüição áspera da sociedade injusta não bastariam. Seria necessário que o indivíduo sujeitasse seu egocentrismo a um sistema de idéias em que a organização e os interesses coletivos prevalecessem.

O marxismo – na sua formulação soviética – surge, então, como a possibilidade redentora do homem. O heroísmo da URSS, na II Guerra, é o combustível desta expansão ideológica. Há, em todo o Ocidente, uma expressiva fraternidade em relação ao povo russo e ao seu regime. Como centena de intelectuais, Drummond não escapa da sedução comunista. Alguns poemas vão traduzir esta adesão. Com raras exceções, eles constituem a parte mais perecível de A rosa do povo.

II - Poesia de reflexão existencial

Entre os múltiplos temas do autor, o único presente em todas as suas obras, de Alguma poesia a Farewel, com maior ou menor insistência, é o do questionamento do sentido da vida. Mesmo num livro em que o engajamento social e político exerce forte hegemonia, como é o caso de A rosa do povo, sobressaem-se inúmeros poemas de interrogação existencial, alguns situados entre os momentos culminantes do lirismo de Drummond. Principais motivos:

Solidão, angústia e incomunicabilidade - Mais centrada na esfera da subjetividade do poeta, esta tendência desvela a impotência do eu-lírico para estabelecer vias comunicantes com os demais seres humanos. Trata-se de uma solidão terrível, pois ela ocorre na grande cidade, cidade antropofágica e impassível, onde o indivíduo caminha desorientado em meio a uma multidão indiferente e sem rosto.

O fluir do tempo - Um dos temas nucleares da obra drummondiana, a percepção da passagem do tempo se estabelece através de interrogações diretas sobre o sentido deste fluxo que degrada os corpos, a beleza, as coisas e também as ilusões, os amores e as crenças dos indivíduos. Affonso Romano de Sant’Anna, em ótima análise estilística, mostra a predominância em A rosa do povo de vocábulos que indicam mudança e viagem. A vida “flui e reflui, corre, passa, escorre, espalha-se, desliza, dissipa-se”, num desfile ininterrupto e cujo destino final é a morte.

A morte - A consciência da progressiva destruição operada pelo tempo – núcleo principal de todo o amplo espectro temático de CDA – condensa-se na convicção de que o ser é sempre o ser-para-a-morte.

A “viagem mortal” do indivíduo percorre não apenas toda a poesia de indagação filosófica, mas igualmente a lírica que expressa o passado, o cotidiano, o compromisso ético e político e até a que fala do amor. A tragédia da condição humana é a da certeza da finitude. Desta expectativa da própria destruição, Drummond elabora poemas de desconcertante lucidez.

III - A poesia sobre a poesia

A reflexão metapoética (ou metalinguagem) constitui uma das vertentes dominantes da obra de Drummond. A própria poesia é tematizada, na forma característica do poema sobre o poema, e discute-se o ofício de escrever, a construção do texto, o âmago da linguagem lírica, etc.

A poética - Consideração do poema e Procura da poesia abrem A rosa do povo. Isso já revela a importância que Drummond confere ao problema do fazer literário, porque em ambos estabelece-se a tentativa de fixação de uma poética, isto é, de um processo de enumeração – direto ou metafórico – dos princípios técnicos e semânticos e dos valores filosóficos que regem a escrita do autor.

Uma poética controversa - Os críticos se dividiram a respeito do significado dos dois principais poemas de metalinguagem de Drummond. Alguns interpretaram os textos como contraditórios porque afirmariam realidades antagônicas: um, o domínio do compromisso social; outro, o império da linguagem. Representariam, portanto, a condensação das tendências opositivas de A rosa do povo, obra dilacerada entre a esperança no futuro socialista e a amargura filosófica.

Já outros críticos especulam que Consideração do poema corresponde ao projeto ideológico do autor, enquanto Procura da poesia traduz o seu projeto estético, não havendo diferenças estruturais entre ambos, e sim uma variação de enfoque determinada pela especificidade de cada projeto.

No entanto, para José Guilherme Merquior – o mais importante entre os estudiosos da obra drummondiana – os dois poemas formam um conjunto coerente, porque estão alicerçados sobre uma concepção dialética do gênero lírico, o qual se comporia de duas camadas interligadas:

a) A natureza preponderantemente verbal da poesia. Ou seja, poesia, em primeiro lugar, é seleção e ordenação de palavras;
b) As palavras – captadas em seu mistério e em algumas de suas “mil faces” – não são vazias de conteúdo. Ora, se o discurso poético não é um zero semântico, suas referências obrigatoriamente designam elementos do real.

Em suma, a pesquisa e a invenção de linguagem constituem o cerne da poesia, mas as palavras trazem consigo uma constelação de significados que o poeta escolhe. Não se trata – como já frisamos – de privilegiar a mensagem, exprimindo-a diretamente. Isso não é poesia. Apenas através da penetração no “reino das palavras”, o autor lírico poderá dar um sentido a seu canto. Ou seja, aquilo que o poeta diz é também a forma como ele o diz.

IV - Poesia sobre o passado

A idéia do passado e de suas infinitas recordações afeta profundamente a criação poética de Drummond, tanto que alguns de seus mais celebrados poemas giram em torno deste baú de lembranças que, aberto, deixa entrever uma formidável multiplicidade de experiências pessoais, familiares e históricas.Em resumo, o passado é apresentado da seguinte maneira na poesia de Drummond:

1- O registro realista (mais sugerido do que descrito) do quadro familiar e sócio-cultural do interior rural mineiro de fins do século XIX e início do século XX;

2- A evocação de um mundo estritamente pessoal, formado por fatos, palavras e sentimentos que tiveram eco ou atingiram a subjetividade do menino e/ou do jovem Drummond;

3- A projeção do passado (pessoal, familiar, social) no presente, fazendo com que toda a indagação daquilo que ficou para trás seja também uma indagação da identidade atual do poeta e dos outros remanescentes do universo rural / provinciano, recuperados por uma memória que os interpela incessantemente.

V - Poesia sobre o amor

Drummond talvez seja a voz lírica/amorosa mais rica e complexa da literatura brasileira. Há em sua poesia uma inesgotável variedade de visões e abordagens do fenômeno afetivo, tanto nos aspectos espirituais quanto nos eróticos.

No entanto, em A rosa do povo a questão amorosa ocupa espaço mínimo, registrando-se apenas um poema de assunto estritamente sentimental: O mito. Verdade que não seria equivocado enquadrar O caso do vestido nesta vertente, mas por razões que veremos adiante, preferimos inseri-lo na categoria dos poemas sobre o cotidiano.

VI - Poesia do cotidiano

Embora vários textos da poesia social de Drummond retratem a vida diária com grande vigor, a inclinação participante do poeta dão a estes versos uma dimensão explicitamente engajada. Algo que não encontramos nos poemas específicos sobre o cotidiano. Neles, Drummond fixa cenas ou narra histórias – sem a intervenção do eu – quase como um repórter de linguagem apurada. Com muita propriedade, Merquior define estes poemas como “dramas do cotidiano”. Em regra geral, são os de leitura mais acessível, o que não lhes retira a beleza e a complexidade. Todavia, em A rosa do povo só nos deparamos com dois desses poemas.

VII - Celebração dos amigos

Em vários de seus livros, Drummond faz a louvação de personalidades que, de alguma maneira, marcaram-lhe a existência, seja pela amizade, seja pela grandeza artística/humana das obras que produziram. Em A rosa do povo, duas longas odes expressam a referida tendência. Mário de Andrade e Charlie Chaplin são os homenageados em textos arrebatadores, enfáticos e, no caso específico do segundo, até mesmo um pouco palavroso.

Nota

A riqueza de A Rosa do Povo não se restringe, porém, às temáticas abordadas. Há uma profusão de outros assuntos, como a abordagem da cidade natal (Nova Canção do Exílio, em que há uma reinterpretação do Canção do Exílio, de Gonçalves Dias), a observação do problemático cotidiano social (Morte do Leiteiro, em que o protagonista, que dá nome ao poema, acaba sendo assassinado em pleno exercício de sua função por ser confundido com um ladrão, o que possibilita uma crítica às relações sociais esgarçadas pelo medo), a rememoração dos parentes (Retrato de Família, em que o eu-lírico percebe a viagem através da carne e do tempo de uma constante eterna ligada à idéia de família) e o amor como experiência difícil, o famoso amar amaro (Caso de Vestido, em que o eu-lírico, uma mulher, narra o sofrimento por que passou quando da perda do seu marido e quando também da recuperação dele).

Fonte:
Passeiweb

57ª. Feira de Livro de Porto Alegre (Programação de 03 de Novembro, quinta-feira)


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Trilhas Literárias - II e III
03/11/2011 - 17:30

Coletânea e Miscelânea - Salgado e Doce tudo temperado
03/11/2011 - 17:30

O humor na literatura - um pouquinho de teoria, um tantão de prática
03/11/2011 - 18:00
Um encontro para ouvir textos de humor, mas com direito a um pouquinho de conversa teórica sobre o tema

Oficina aberta: A literatura de humor
03/11/2011 - 18:00
Bate-papo entre escritores de humor

6º Mutação na Feira: HQ, Zines e outras histórias
03/11/2011 - 18:00
Tex no Brasil: uma história em 500 edições

O que é qualidade em literatura infantil e juvenil: com a palavra o educador
03/11/2011 - 18:00

MESA REDONDA
Legalidade e Contos Contemporâneos
03/11/2011 - 18:00

Palavras 2012
03/11/2011 - 18:00

A Era Borgista / A Era Flores da Cunha
03/11/2011 - 18:00

O que é a realidade? Aprendendo com Calvin...
03/11/2011 - 18:30
Uma escritora, um psicanalista e um cartunista apresentam suas ideias sobre o personagem Calvin e seu tigre Haroldo, criação de Bill Watterson

Oficina: Contos - a literatura e as sensações
03/11/2011 - 18:30
Oficina de escrita criativa com ênfase no conto e em técnicas narrativas variadas. Visa ao desbloqueio criativo e ao incremento de memória sensorial. Módulo 3/3

Arte às 18:30
03/11/2011 - 18:30
Apresentação do Coral Municipal e do grupo de Teatro da Secretaria Municipal da Cultura - Cachoeirinha

A infância no ensino fundamental de 9 anos
03/11/2011 - 18:30

Caminhos da Educação Integral no Brasil
03/11/2011 - 18:30

Fugaz Idade
03/11/2011 - 18:30

Com passos lentos, mas firmes
03/11/2011 - 18:30

Modelos de Gestão em Organizações Públicas
03/11/2011 - 18:30

Falso Acaso
03/11/2011 - 18:30

A dama do bar nevada
03/11/2011 - 18:30

Nova enciclopédia dos quadrinhos/Enciclopédia dos Quadrinhos
03/11/2011 - 18:30

Ao cair da tarde
03/11/2011 - 18:30

O segredo dos seus olhos
03/11/2011 - 19:00
O escritor argentino conversa sobre suas obras com o público

Oficina de Twitter
03/11/2011 - 19:00
Oficina de aforismos, máximas e frases altamente defeituosas, para pensar diferente, para desejar diferente. Módulo 1/2

Cine Santander Cultural
03/11/2011 - 19:00
Sessão Comentada

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
03/11/2011 - 19:00
O que significa para o leitor ouvir histórias na biblioteca? Narração de abertura com o grupo Fio da Palavra

Ramos verdes misteriosos I, II, III
03/11/2011 - 19:30

Por que eu sou vingativa
03/11/2011 - 19:30

O verdugo de Deus
03/11/2011 - 19:30

Caçada na terra de sol e mar
03/11/2011 - 19:30

Cordão da Saideira: Isaias in tese
03/11/2011 - 20:00
Viagem de um imigrante nordestino que sai de sua terra à procura de uma situação mais estável e conta sua adaptação em terras sulistas

Roda Gigante
03/11/2011 - 20:00
Teatro Adulto - Roteiro e direção: Léo Maciel

O Segredo dos teus olhos
03/11/2011 - 20:30

Direito Fundamental à Educação, Democracia e Desenvolvimento Sustentável
03/11/2011 - 20:30

Serafim de Serafim
03/11/2011 - 20:30

O tema da felicidade
03/11/2011 - 20:30

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Carlos Drummond de Andrade (Histórias para o Rei)


Nunca podia imaginar que fosse tão agradável a função de contar histórias, para qual fui nomeado por decreto do Rei. A nomeação colheu-me de surpresa, pois jamais exercitara dotes de imaginação, e até me exprimo com certa dificuldade verbal. Mas bastou que o Rei confiasse em mim para que as histórias me jorrassem da boca à maneira de água corrente. Nem carecia inventá-las. Inventavam-se a si mesmas.

Este prazer durou seis meses. Um dia, a Rainha foi falar ao Rei que eu estava exagerando. Contava tantas histórias que não havia tempo para apreciá-las, e mesmo para ouvi-las. O Rei, que julgava minha facúndia uma qualidade, passou a considerá-la defeito, e ordenou que eu só contasse meia história por dia, e descansasse aos domingos. Fiquei triste, pois não sabia inventar meia história. Minha insuficiência desagradou, e fui substituído por um mudo, que narra por meio de sinais, e arranca os maiores aplausos.

Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond de. A cor de cada um. 3a. edição. RJ: Record, 1998.