quinta-feira, 5 de julho de 2012

Marco Aqueiva / SP (Alguns Metros de Sangue e Pó)


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Nessas ocasiões o asfalto às vezes reclama
um asfalto tocado por um sangue rasteiro
pesa até o erro na moça de olhos vermelhos
deslizando pela avenida o corpo estendido

O corpo bem pouquinho acumulara blindagem
um olho estica-se aos pingos da chuva nas árvores
o outro já tentara estrelas e outros colírios
e a língua agora coberta de asfalto e frouxas sílabas

Meio-fio segurando com destreza a cabeça
o asfalto desarrumado, vidro e gritos moídos
teria de limpar-se do sangue da carne da eficaz
indiferença e vestir-se de rodas outra vez

Mantém-se disforme nódoa no espesso retrovisor
agarra-se ao olho e às mãos da repulsa
cola-se ao para-brisa apenas um olho
o outro esmagado na extensão do asfalto

Repisando alguns metros de sangue e pó
sem lá chegar, a pupila sem órbita a esticar-se
nessas ocasiões sem outro pálio ou fronteira
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(*Poema premiado na fase estadual, edição 2011-2012, do Mapa Cultural Paulista, categoria Poesia)
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Sobre a foto acima:
A Ternura de um Passarinho
Aconteceu numa praça, no Japão.  Não se sabe como o pássaro morreu.  Ele estava ali no asfalto, inerte, sem vida. Segundo o relato do fotógrafo, uma outra ave permanecia próxima àquele corpo sem vida e ficara ali durante horas. Chamando pelo companheiro, ela pulava de galho em galho, sem temer os que se aproximavam, inclusive sem temer ao fotógrafo que se colocava bem próximo. Ela cantou num tom triste. Ela voou até o corpinho inerte, posou como querendo levantá-lo e alçou vôo até um jardim próximo. O fotógrafo entendeu o que ela pedia e, assim, foi até o meio da rua, retirou a ave morta e a colocou no canteiro indicado. Só então a ave solidária levantou vôo e, atrás dela, todo o bando. Segundo o relato de testemunhas, dezenas de aves, antes de partirem, sobrevoaram o corpinho do companheiro morto. Aquela ave que fez toda a cerimônia de despedida, quando o bando já ia alto, inesperadamente voltou ao corpo inerte no chão e, num grito de não aceitação da morte, tenta novamente chamar o companheiro à vida. Desesperada, mas com amor e carinho, ela se despede do companheiro, revelando o seu sentimento de dor.

Fonte do soneto:
Enviado por Nilto Maciel, de Literatura sem Fronteiras

Bruno Bettelheim (Análise de Chapeuzinho Vermelho)


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por Maíra Althoff De Bettio

De acordo com Bruno Bettelheim, a versão de “Chapeuzinho Vermelho” escrita pelos Irmãos Grimm tem – entrelinhas – um apelo e caráter psicológico. Este, muitas vezes, não identificado por um adulto, porém, normalmente, fácil de ser internalizado por uma criança.

No decorrer do conto é identificado um paradoxo, o da menina pré-adolescente que consegue assimilar as instruções da mãe a seguir pela estrada e sem sair desta, todavia, é facilmente convencida pelo lobo a optar por outro caminho, no qual ele sugere que ela observe as flores e ouça o canto dos pássaros (mesmo com a indicação contrária da mãe).

Quando a menina sai para levar a cesta com doces e vinho para a avó, “Chapeuzinho deixa o lar voluntariamente. Não teme o mundo externo, e sim reconhece sua beleza, e aí está o perigo. Se o mundo fora do lar e do dever se torna atraente demais, poderá acontecer uma volta a um comportamento baseado no princípio do prazer”.

O autor compara “Chapeuzinho Vermelho” com “João e Maria” algumas vezes. Essa comparação é feita para mostrar a inocência infantil dos irmãos indo de encontro à “maturidade” (referente às crianças) da menina com capuz vermelho. Essa maturidade, que se encontra entre a infância e a puberdade da garota, é exemplificada quando ela nota alguma coisa de diferente na avó –quando o lobo passa-se por ela -, mas logo confunde-se e não dá importância, tendo em vista que o animal veste as roupas da parente.

Bettelheim cita também a questão masculina, tendo como personagens: o lobo e o caçador; suas personalidades são relacionadas, respectivamente, com sedução, violência e proteção, altruísmo. O caçador, de acordo com o autor, “é a figura mais atraente, tanto para os meninos como para as meninas, porque salva os bons e castiga o malvado”.

Finalmente, como é do caráter dos contos de fadas, a justiça e a lição estão presentes no momento em que a barriga do lobo é recheada com as pedras, isto é, como ele colocou indevidamente Chapeuzinho Vermelho e sua avó na barriga, comendo-as, assim que o caçador retirou-as de dentro do animal, este pôs os pedregulhos no lugar delas.

Fonte:
 http://www.scribd.com/doc/9937711/Bruno-Bettelheim-A-Psicanalise-Dos-Contos-de-Fadas

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 598)


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 Uma Trova de Ademar  

Nos momentos mais tristonhos 
chega a musa da poesia, 
torna reais os meus sonhos 
num mundo de fantasia. 
–Ademar Macedo/RN– 

 Uma Trova Nacional  

A doce canção do vento 
à minha alma tanto diz 
que embala meu pensamento 
e sonho que sou feliz!... 
–Sonia Martelo/PR– 

 Uma Trova Potiguar  

Este sopro de alegria 
que invade meu coração 
é fruto da poesia 
emergindo da emoção. 
–Ieda Lima/RN– 

 Uma Trova Premiada  

1996  -  Belém do Pará/PA 
Tema  -  FOGO  -  M/E 

Comigo em noites desertas,
a saudade, por demência,
ateia fogo às cobertas
e incendeia a tua ausência...
–Edmar Japiassú Maia/RJ– 

 ...E Suas Trovas Ficaram  

Embora vivas cantando,
canário, tens vida triste:
- já vi lágrimas pingando
nessa vasilha de alpiste!
–Vasco de Castro Lima/SP– 

 U m a P o e s i a  

Ressurreição há de vir, 
não é simples teoria. 
O ateu pensa que é um mito, 
que seja mera utopia, 
mas, como prova concreta, 
depois da morte o poeta 
renasce em sua poesia. 
–Heliodoro Morais/RN– 

 Soneto do Dia  

REVERSOS DA VIDA. 
–Humberto Rodrigues Neto/SP– 

Foram-se embora, sim, os tempos ledos, 
em que da noite eu namorava os lumes; 
da mocidade aspirava os perfumes 
e hauria do amor os mais febris folguedos... 

O olhar bem claro, sem quaisquer ardumes 
a investigar do amor novos segredos 
e a me enlear em tão gentis enredos 
dos quais não lembro mágoas ou queixumes. 

Foi-se o tempo... Hoje há neve em meus cabelos, 
e pra tornar meus sonhos, pesadelos, 
o horror das rugas que o meu rosto invade! 

Dói ver um corpo que a idade corrói, 
mas a dor que mais punge e mais me dói 
é ter perdido a minha mocidade!

Lygia Bojunga Nunes (Corda Bamba) Parte 3– final


Maria, a personagem

 Maria, por ser apresentada como equilibrista de circo, por ter a característica de artista, pode suplantar a condição de criança, não ficando circunscrita apenas ao âmbito de sua faixa etária, podendo agir como profissional e vivenciar um problema de estado existencial.

 Desta forma, apresentando Maria com amnésia, devido ao choque sofrido quando presencia a morte dos pais no acidente no circo, o livro aborda o tratamento dado ao conflito da criança no interior da família. Do ângulo externo, a narrativa mostra os primeiros momentos da nova vida de Maria: a chegada à casa da avó, o aniversário de Quico, a conversa com Barbuda pelo orelhão, as aulas particulares, o relacionamento com os avós. Do ângulo interno, é apresentado o processo regressivo que a menina faz ao seu passado, antes mesmo da fase uterina, desvendando seus mistérios. O momento mais doloroso para Maria é a aceitação da morte dos pais, pois isso ocasiona um sentimento de culpa nela.

 Ao recuperar a memória, Maria liberta-se da culpa, pois percebe quem verdadeiramente ocasionara as dívidas contraídas pelos seus pais: sua avó. Assim, liberta-se também da influência dos pais, visto que, ao assumir a morte deles, livra-se simultaneamente do poder repressivo da avó e da lembrança opressiva ocasionada pela perda dos pais. Simbolicamente, trata-se da ruptura do cordão umbilical, representada pela corda bamba que leva Maria ao passado.

 Deste modo, Maria desprende-se do passado, pois consegue reconquistá-lo e planejar seu futuro, para vivê-lo autonomamente, buscando a emancipação perante os condicionamentos que os adultos lhe impõem e constituindo-se, portanto, num exemplo desse modelo emancipatório de representação familiar.

 Na obra, Maria defronta-se com vários modelos de família, por meio de diversos pais. Há seus pais verdadeiros, Márcia e Marcelo, representantes de uma família ideal que não exercem papéis de pais autoritários, cerceando a criança, mas a tratam com igualdade e respeito.

 Esse respeito também se percebe entre o casal Márcia e Marcelo. Eles formam o oposto da família em que um dos membros quer ser superior ao outro.

 Em contrapartida, após a morte dos pais, Maria passa a morar com sua avó, Dona Maria Cecília, mulher autoritária e repressora, e com Pedro, quarto marido de sua avó. O autoritarismo da avó já é percebido na relação entre mãe e filha, quando é narrado que Dona Maria Cecília manda e desmanda em Márcia, sem meias palavras, exercendo o papel de adulto autoritário, até o dia em que Márcia se apaixona por Marcelo e resolve seguir o seu caminho, segundo as suas concepções.

 Em relação à Maria, sua neta, Dona Maria Cecília também sempre usou de seu autoritarismo e de meios corruptos para tentar conquistá-la, como quando a raptou de seus pais.

 Separada dos pais, morando com a avó, é submetida a regime de clausura e vigilância, sendo suprida apenas com bens materiais.

 Não se observa durante determinadas passagens da narrativa em que Maria morou com a avó momento de carinho ou de compreensão, visto que Dona Maria Cecília reifica, monetariza a relação. O único desejo da menina é ir embora dali, fugir, se pudesse, conforme se pode perceber pelo pedido que ela faz, antes de apagar as velinhas do aniversário.

 Quando vem morar novamente com a avó, depois que os pais falecem, sente-se novamente solitária e enclausurada, e a relação entre ambas é conflituosa.

 A avó tenta desvincular Maria de suas raízes, de seu passado, do mundo circense. Tenta adaptá-la a uma nova vida, com outros valores, matriculando-a na escola, colocando na aula particular para igualá-la as outras crianças de sua idade. No entanto, embora esteja passando por um processo de amnésia, sem passado, sem identidade, Maria não deixa que os valores da avó se sobreponham aos seus.

 Assim, desde o primeiro momento em que chegou à sua casa, timidamente, vai desobedecendo sua avó, não permitindo que seus valores sejam anulados. Mesmo contrariando a avó, anda na corda bamba no meio da sala de seu apartamento e, além disso, resgata, por meios circenses, a sua identidade, libertando-se da prepotência da avó.

 Há ainda os pais substitutivos, Foguinho e Barbuda, pessoas amigas que, durante a ausência de Márcia e Marcelo, fizeram papel de seus pais e, na solidão de Maria, confortaram-na. Barbuda mostra-se amiga, compreensiva, tentando ajudá-la a resolver os problemas, como em relação à aula particular e ao cachorro, durante a conversa de orelhão. A relação do casal é também a de uma família ideal, ninguém querendo suplantar o outro, predominando o respeito mútuo entre as pessoas.

 Maria, estando em contato com vários modelos de família, após a morte dos pais consangüíneos, fica dividida entre o padrão de família autoritária e o de família democrática, solidária. Dona Maria Cecília é tanto representante da camada burguesa como símbolo de uma visão reificada do mundo. Barbuda e Foguinho são tanto representação da camada operária como símbolos de uma visão humanista do mundo. Desta forma, Maria acaba criando instrumentos para uma existência autônoma, decorrente de sua maturidade interior, emancipando-se dos valores ideológicos do adulto.

 Percebe-se, portanto, que Bojunga opta pelo modelo familiar emancipatório em Corda bamba. Escolhendo este modelo, a autora dá ênfase à emancipação do ser humano, reforçando a luta pela liberdade. Dessa forma, nota-se que o texto não assume postura pedagógica, mas promove o questionamento dos valores transmitidos, cabendo ao leitor fazer a escolha e com isso atenuando-se bastante a assimetria adulto/criança.

 Maria é apresentada vivendo na “corda bamba”, em tensão entre consciência e subconsciência. A corda esticada simboliza essa tensão.

 Inicialmente, aparece como menina tímida, insegura, com medo de enfrentar a realidade, pois se sente culpada pela morte dos seus pais. No seu entender, ela é a causadora da morte dos pais, conforme já foi comentado. Entretanto, no decorrer da narrativa, percebe-se a sua capacidade de superar o medo, para vencer os obstáculos, para recuperar a identidade perdida, mesmo inconscientemente.

 Ela não é uma personagem com perfil plano, acabado. Os seus traços pertinentes vão sendo esboçados no decorrer da ação, as suas transformações, registradas aos poucos.

 Essa busca da identidade perdida materializa-se pela idéia da invenção, por meio da criação, pela fantasia. No caso de Corda bamba, isso ocorre por intermédio dos sonhos, da imaginação. O sono é o remédio para o tratamento da amnésia de Maria, pois o sonho funciona como processo terapêutico natural de cura, visto que Maria supera os traumas por meio do sonho. Desta forma o esquecimento será substituído pela recordação por intermédio do mesmo remédio: o sono.

 O primeiro acontecimento que faz Maria recordar o passado é o voltar a andar na corda bamba, no apartamento de sua avó, durante o aniversário de Quico.

 O fato de voltar à corda bamba na casa da avó, permite à Maria um mergulho no seu subconsciente para trazer à tona, a memória perdida do que se passou.

 Verifica-se, nas produções de Lygia Bojunga Nunes, que a arte é apontada como uma atividade capaz de proporcionar a realização do ser humano, como uma atividade prospectiva que auxiliará na solução dos conflitos, promovendo novas significações e trazendo à tona forças antigas. Em Corda bamba, o circo adquire essa função: a de liberar as tensões de Maria, para fazê-la integrar-se ao grupo social, livre dos conflitos existenciais, visto que, utilizando-se de instrumentos circenses, Maria inicia uma volta ao passado, para resgatar a memória perdida.

 Para poder libertar-se da culpa, necessita reviver o passado, resgatá-lo e dar sentido à vida. Para consegui-lo, Maria entra em um processo de regressão, que a leva além da vida intra-uterina e, por meio da linha do tempo, revisita fatos marcantes de seu passado. A trajetória dessa caminhada, a história do seu passado, os acontecimentos vividos por ela e por seus pais são revelados a Maria e ao leitor de forma altamente simbólica e narrados no plano do imaginário, no mundo interior de Maria, no seu subconsciente.

 O processo de recordação do passado de Maria acontece em estado de letargia, por meio dos sonhos, como se ela estivesse hipnotizada, e pela linha do tempo, simbolizada pela corda, Maria começa sua regressão. No entanto, os primeiros indícios de que Maria entrará em processo de recuperação de sua memória acontecem logo após ela ter andado na corda a pedido das crianças, pois quando sua avó a leva para mostrar o quarto em que ficará, o que chama a sua atenção é a janela, sua vista de fora e a altura. Era como se o fato de ter andado na corda, a sensação de altura, olhando a paisagem de fora do apartamento, tivesse desencadeado lembranças esquecidas do passado.

 Nos dias que se seguem, o lugar preferido de Maria no apartamento da avó é a janela do seu quarto. Passava a maior parte do tempo debruçada nela, olhando um pátio interno. A visão que tinha era da área interna dos edifícios vizinhos, não era uma vista bonita, e nada de extraordinário havia; porém, algo chama a sua atenção: é uma janela diferente, com um andaime pendurado em sua frente, arredondada em cima como um arco, que ficava aberta dia e noite e sempre vazia.

 A insistência nessa visão pode ser interpretada como tentativas de rememorar fatos obscuros em sua mente. A janela em forma de arco na parte superior faz com que ela a associe ao arco de flor, à altura, ao trapézio, elementos circenses que os pais, trapezistas de circo, utilizavam ao realizar o espetáculo. Contudo, em estado de vigília, Maria não consegue relembrar os fatos pretéritos; é necessário entrar em estado onírico. Assim, o primeiro processo de recuperação de sua memória inicia-se por meio de Quico, que sonha o desejo de Maria. Ela conta ao seu primo que gostaria de, um dia, ver de perto a janela diferente do prédio vizinho, com forma de arco em cima. Desse modo, Quico, em sonho, vê Maria pegar a corda que ganhou de seu Pedro e laçar a antena de televisão do prédio bem em frente, no intuito de fixá-la, e principiar seu “passeio”.

 O relato de como Maria faz suas viagens ao passado gera ambigüidade entre o real e o imaginário, que se mantém durante toda narrativa, reforçando a qualidade estética da obra. Essa imprecisão é acentuada na narrativa, visto que os outros passeios de Maria acontecem logo após o seu despertar. Além disso, essas incursões ao passado são intercaladas com o tempo presente da diegese. No sonho, Maria se “vê”, ao mesmo tempo, como sujeito e objeto. Maria (sujeito), ao reviver a sua história, entra dentro do sonho e se “vê” no tempo passado, com sua idade atual, e avista outra menina (objeto) que é ela mesma, na fase que está rememorando: no ato do nascimento, aos 4, aos 7 e aos 10 anos, quando se “encontra”.

 Esticar a corda até o prédio vizinho significa “fazer a volta ao passado”, ao seu interior, pois é por meio da corda que Maria volta à sua vida pretérita para rememorar fases dela e libertar-se de seus traumas, edificando a sua vida. A corda representa o vínculo entre o presente e o passado e também entre o presente e o futuro, pois ata as pontas de sua vida (presente / passado / futuro), além de ligar o real e o imaginário, dando-lhe unidade e equilíbrio para solucionar seu conflito.

 Além da corda, há também outro instrumento de trabalho de Maria que a ajudará no processo de recuperação da memória: o arco. Este representa o instrumento que permite o equilíbrio na corda e a mobilidade a Maria e possui sentido de ligação devido à sua natureza circular, simbolizando a condição de a heroína manter-se sobre seus próprios pés. Maria, para atar os três momentos de existência e alcançar a plenitude de sua vida, faz dois movimentos circulares, revelando o percurso existencial da mesma: um do presente para o passado, durante o processo de recordação do período esquecido; outro, do presente para o futuro, quando então o pretérito, esquecido, já está incorporado à sua consciência, para projetar o seu destino Assim, retrocedendo na linha do tempo, Maria vai em direção à janela que chama sua atenção. Essa janela carrega toda uma simbologia, é como se fosse uma luz no fundo do túnel, para conduzi-la ao início de sua caminhada no inconsciente.

 Na sua viagem ao inconsciente, a primeira revelação ocorre no andaime. Nesse lugar, ela vê seus pais e vem a saber como eles se conheceram e começaram a namorar, além de se informar das diferenças sociais e econômicas dos dois. Como a corda leva Maria à fase anterior à vida intra-uterina, ela simboliza também o cordão umbilical, e o andaime, o útero, visto que é o local onde tudo se inicia, o começo da vida de Maria. Além disso, a partir do andaime, adentrando pela janela, Maria será levada a um corredor comprido ladeado por seis portas fechadas, uma de cada cor. O corredor comprido tem toda simbologia da viagem que Maria fará em seu interior, no seu inconsciente, e as portas coloridas, cada fase de sua vida, os diferentes momentos de sua existência.

 Portanto, analisando o percurso que Maria realiza, pode-se concluir que ela, ao passar pela janela, inicia sua incursão ao mundo desconhecido do inconsciente em que, ao rever as imagens do passado, adquire o conhecimento pleno de si mesma. A sua travessia pela janela constitui um ritual de iniciação, possibilitando o trânsito para o conhecimento do seu passado e a recuperação de sua memória, ao contemplar as cenas esquecidas que são exibidas nos quartos do prédio visitado.

Linguagem

 A linguagem utilizada por Bojunga em Corda bamba é predominantemente simbólica, fala por imagens e consegue comunicar as idéias abstratas. Por meio da análise dos elementos simbólicos vistos, percebe-se que a utilização dos símbolos é medular na obra. Tem o objetivo de ilustrar o elemento psicológico por meio do significado nele contido, visto que a trama principal da narrativa acontece na mente da protagonista, cenário de representação dos seus conflitos.

 Assim, desde a forma como o texto está estruturado até os pequenos objetos presentes na narrativa, tudo tem significação simbólica no texto, como ocorre nos contos de fadas. A estruturação fragmentada simboliza a própria vida conflitante de Maria, que se encontrava em pedaços após a morte dos pais. Ela se vê sem passado e sem futuro e, a partir do momento presente, reconstrói a vida passada para poder construir o futuro. Esse reconstruir e construir é realizado na sua mente, no espaço psicológico, recorrendo-se às imagens, à linguagem figurada, ao símbolo.

 Fonte: 
Alice Atsuko Matsuda Pauli - Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Disponível em Passeiweb 

Concurso de Poesias 'Professor Aparecido Roberto Tonellotti' (Resultado Final)


Confira abaixo a lista dos premiados e das menções honrosas:

Categoria - Infantil

 Primeiro Lugar
 Gisele Oliveira dos Santos - “A mãe” - Franco da Rocha/SP

 Segundo Lugar
 Tamires Cristina Rosa de Araújo - “O amor” - Franco da Rocha/SP

 Terceiro Lugar
 Stefani Silva dos Santos - “Um amor infinito” - Franco da Rocha/SP

 Menção Honrosa

 Ellen Beatriz Silva Lima - “Aqui falo do meu amor” - Franco da Rocha/SP

Categoria - Juvenil

 Primeiro Lugar
 Rebeca Lorena Mendes Lima - “Ser” - Cajamar/SP

 Segundo Lugar
 Carolina Olgado Freitas - “Culpado” - Guarujá/SP

 Terceiro Lugar
 Luciana Fidalgo Ramos Nogueira - “Já não te amo” - Santos/SP

 Menção Honrosa

 Taylor Ferreira dos Santos - “Conflito com o real” - Francisco Morato/SP

 Nicole Kimberly Batista - “O que posso ser” - Francisco Morato/SP

 Fernando Celso Petri - “Erudição” - São Gonçalo/RJ

 Susan Ferreira da Silva - “Coveiro” - Francisco Morato/SP

 Ingrid Duim Ferreira da Silva - “Um sonho meu” - Francisco Morato/SP

Categoria - Adulto

 Primeiro Lugar
 Richardson Silva de Santa Bárbara - “O nome da palavra” - Ubaitaba/BA

 Segundo Lugar
 Hernany Luiz Tafuri Ferreira Júnior - “Passario” - Juiz de Fora/MG

 Terceiro Lugar
 Tatiana Alves Soares Caldas - “Risco” - Rio de Janeiro/RJ

 Menção Honrosa

 Tiago Henrique Cardoso - “Poesia” - Francisco Morato/SP

 Robison Silva Alves - “Descaminhos” - Coaraci/BA

 Reginaldo Costa de Albuquerque - “Cadeira de Balanço” - Campo Grande/MS

 Felipe Cattapan - “Letras sós, só letras” - Rueschlikon/Suiça

 André Telucazu Kondo - “Passo” - Jundiaí/SP

 André Luiz Alves Caldas Amóra - “Ao fim” - Rio de Janeiro/RJ

 Todos os participantes que quiserem, podem solicitar seus certificados de participação através do e-mail: digaoxe@gmail.com

 Parabéns a todos os participantes. Continuem escrevendo e poetizando a vida! Até o próximo ano!

Fonte:
http://concursos-literarios.blogspot.com 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Doze em Ritmo de Sextilhas (Parte 5)


97 - Assis
Verdade, pura verdade,
a que esta sentença encerra,
válida agora e amanhã,
no Brasil e em toda a Terra:
– O amor sempre tem razão,
mesmo quando, às vezes, erra!

 98 - Delcy
 O amor,  em verdade, encerra
 o  verdadeiro  viver!
 Quem ama e se faz amado,
 sabe, ao outro, compreender
 e  vive  uma  vida plena,
 num contínuo  renascer!

99 – Elisabeth 
A vida, podemos crer, 
é um eterno aprendizado 
na busca da evolução... 
Nosso destino é traçado 
e tendo o amor por farol, 
o caminho é iluminado! 

100 - Prof. Garcia 
Se tudo já vem traçado 
vou esquecer meus anéis, 
porque sei que foi Jesus 
com a tinta dos seus pincéis, 
quem traçou o meu destino 
nas folhas dos meus papéis! 

101 – Gislaine
Sejamos, irmãos, fiéis.
Eu digo e posso provar,
pois as musas me ensinaram:   
Quem tem fé e sabe amar,
vivendo somente o amor,
não irá jamais chorar!  

102 - Hélio  
Se o mundo vulgarizar
a solidariedade:
- amor ocupando o espaço
  onde domina a maldade;
veremos em toda a Terra
medrar a paz e a bondade.

103 - Milton
É um sonho de qualidade
 fazer a paz se espalhar.
Alguns chamam de "utopia",
 não querem participar,
mas nós, poetas, queremos
 esta semente plantar

104 - Ouverney
Com tantas estrelas no ar
compondo esse mutirão;
com tantas vozes em coro 
buscando a aglutinação,
quero também fazer parte,
vamos plantar!  Por que não?

105 - Tadeu
 O início da plantação
de quem quer ardentemente
que a paz venha florescer
deve se dar, de repente
e de maneira exemplar,
dentro do peito da gente.

106 – Thalma 
Que a plantação seja urgente
enquanto a gente é capaz
de fazer do coração
o que quase ninguém faz:
a fonte de onde há de vir, 
a nossa almejada Paz.

107 - Vanda
Ciclo eterno: Alguém lá atrás,
plantou, regou... todavia,
se colho frutos agora,
 a quem devo esta alegria?
Saibamos plantar, também,
para que outro colha, um dia!

108 - Zé Lucas
 Feliz quem tem a alegria
de trabalhar bem disposto
e dizer, de fronte erguida:
graças a Deus, sinto o gosto
dos frutos bons que consigo
com o suor do meu rosto!

109 - Assis
O mundo está assim disposto:
reina a bola, e apenas ela.
O povo esquece o trabalho
e, ao som de uma vuvuzela,
grita gol... gol... gol... gol... gol...
e a vida se faz mais bela!

110 – Delcy
A bola hoje está mais bela,
de jabulani é chamada;
na conquista dos "meninos"
se apresenta como fada,
mas se ela nos der o hexa,
não precisamos mais nada!

111 - Elisabeth 
Nossa Pátria está empolgada 
na Copa Dois mil e dez... 
O povo esquece da crise 
nem quer pensar em revés, 
que a bola rola a emoção
no peito, agora.... dos pés! 

112 - Prof. Garcia 
Invertendo os meus papéis 
eu mudo de sintonia, 
deixando a bola de lado 
eu busco a luz que me guia, 
para despertar sonhando 
no reino da poesia.

113 – Gislaine
No momento da alegria,
a bola se faz poema,
a rolar pelos gramados,
procurando um novo esquema
com belos dribles e golos,
que são, do momento o tema!

114 - Hélio   
Todos juntos num só lema, 
vivendo essa parceria,
versamos qualquer assunto: 
O real, ou fantasia; 
que essa copa una as nações
e aqui nos una a poesia.

115 - Milton
Futebol traz alegria,
mas ninguém pode esquecer
que lá na África e no mundo
há tanta gente a sofrer.
Por mais justiça na Terra
nós precisamos torcer.

116 - Ouverney
Tenta o poeta fazer
que a vida ganhe mais vida
não só na África do Sul
mas onde a miséria incida;
governos, vamos ao "cumpra-se",
eis nossa grande torcida!

117 – Tadeu
Estamos de volta à vida
depois de tanta ansiedade
na batalha pela Copa.
Agora é usar a vontade
que mostramos ao torcer
pra enfrentar a realidade.

118 – Thalma
No mundo, a bem da verdade,
ainda impera o egoísmo
em doses que assusta a gente
e faz crescer o ateísmo...
É hora, então de lutarmos
pra salvar o cristianismo...

119 - Vanda
Cultivemos o otimismo,
apesar de tanto horror!
O mal vai grassando, sim,
mas persiste sempre o amor...
e, em vez de olhar os espinhos,
contemplemos cada flor!

120 - Zé Lucas
Sei que existe desamor,
mas somos a espécie eleita,
e, para viver o bem,
Deus nos ensina a receita,
por isso creio que, um dia,
este mundo inda se ajeita.

Parte 1 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/06/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-1.html 
Parte 2 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-2.html 
Parte 3 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-3.html
Parte 4 =http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-4.html

Fonte: 
Doze em Ritmo de Sextilhas: Debate pela Internet. 20.02.2010 a 22.12.2010., 2012.

João Antonio (Meninão do Caixote)


artigo por Felipe Araújo

O conto do escritor paulistano João Antônio, Meninão do Caixote, publicado no livro de contos Malagueta, Perus e Bacanaço, de 1963, apresenta a história de um menino que descobre ser um talento da sinuca. O garoto é fã de seu pai, que dirige um caminhão e o leva para o bairro da Vila Mariana, onde se diverte em uma lagoa. Por outro lado, o relacionamento do menino com a mãe é diferente. Ela vive repreendendo-o, dizendo o que fazer e lhe castigando.

O garoto descobre o talento da sinuca quando, a pedido de sua mãe, vai fazer compras no Bar Paulistinha. Com o início de uma chuva, ele é obrigado a ficar no estabelecimento, onde alguns homens estão jogando sinuca, entre eles Vitorino, que fica amigo do jovem. O menino, mais baixo pela idade, pega um caixote e coloca na beira da mesa, sobe nele para assistir o jogo. Então tem a oportunidade de jogar, vai aprendendo, jogando, e, aos poucos, se torna um taco, como eram chamados os bons jogadores.

No seguinte trecho, João Antônio descreve como foi a descoberta do garoto: “Joguei, joguei muito, levado pela mão de Vitorino, joguei demais. Porque Vitorino era um bárbaro, o maior taco da Lapa e uma das maiores bossas de São Paulo. Quando nos topamos Vitorino era um taco. Um cobra. E para mim, menino que jogava sem medo, porque era um menino e não tinha medo, o que tinha era muito jeito, Vitorino ensinava tudo, não escondia nada”.

Porém, a vida do novo jogador de sinuca entra em confronto com suas obrigações escolares e as preocupações de sua mãe. Ele começa a cabular aulas, tem discussões com a mãe e foge pela janela de casa para jogar. Agora a jogatina vale dinheiro, Vitorino torna-se uma espécie de agenciador do garoto, arrumando adversários, fazendo grana e passando sua fama no boca a boca dos botecos suburbanos.

O menino tentava largar o “joguinho”, como é descrito no trecho: “Larguei uma, larguei duas, larguei muitas vezes o joguinho. Entrava nos eixos. No colégio melhorava, tornava-me outro, me ajustava ao meu nome”. 

Porém, Vitorino, sedento por mais dinheiro e por ver o menino jogar, voltava para convencer o garoto a retornar ao salão.  “Vitorino arrumava um jogo bom, me vinha buscar. Eu desguiando, desguiando, resistia. Ele dando em cima. Se papai estava fora, eu acabava na mesa. Tornava à mesa com fome das bolas, e era: uma piranha, um relógio, um bárbaro. Jogando como sabia”.

Porém, a preocupação da mãe com o menino é representada em seu ápice quando, em uma das sessões de jogatinha do bar, ela aparece com a marmita para o filho. O garoto vê aquela cena, a mãe saindo de cortinhas verdes com sua comida em mãos, não aguenta e começa a chorar. É acudido pelos seus companheiros de sinuca, “Que é? Que é isso? ô Meninão!”. Então promete a si mesmo que vai abandonar o jogo novamente. De forma lírica, João Antônio encerra o conto: “Larguei as coisas e fui saindo. Passei a cortina, num passo arrastado. Depois a rua. Mamãe ia lá em cima. Ninguém precisava dizer que aquilo era um domingo… Havia namoros, havia vozes e havia brinquedos na rua, mas eu não olhava. Apertei meu passo, apertei, apertando, chispei. Ia quase chegando. Nossas mãos se acharam. Nós nos olhamos, não dissemos nada. E fomos subindo a rua”.

Fontes:
 ANTÔNIO, João. Malagueta, Perus e Bacanaço. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
http://jamantabege.blogspot.com.br/2012/05/conto-de-joao-antonio-meninao-do.html

Charles Kiefer (A Menina e o Mendigo)

artigo de Ana Lucia Santana.

Esta história sensível toca em pontos delicados e polêmicos da nossa vida em sociedade; ela é um retrato das chagas sociais que maculam o país, da discriminação e das manifestações de solidariedade que insistem em se impor, independente das hesitações morais de muitos brasileiros.

Carolina é uma garota já fisicamente desenvolvida, e por esta razão ela pode ir toda tarde na padaria próxima a sua casa para buscar leite e pão. Não há problemas em ir sozinha. Afinal, é só caminhar até a Avenida São Pedro, virar à esquerda e dar mais alguns passos. Pronto, lá está a mercearia.

Mas em um sábado que deveria ser como outro qualquer, ela não conta com um imprevisto em sua jornada: um garotinho sem rumo, aos prantos e sem se lembrar onde é sua casa. Ela fica confusa, pois não sabe como levar Digão de volta ao lar. E o pior de tudo é que a vizinhança também desconhece seu endereço.

Pouco antes, a menina havia passado por um mendigo sempre presente naquela região. Ele era um enigma para Carolina; a protagonista não compreendia a forma como o homem era tratado. Enquanto ela e sua mãe podiam se esconder sob as fachadas dos edifícios quando caía uma tempestade, o pedinte era proibido de fazer o mesmo.

A princípio a menina temia o mendigo, mas depois seu pai lhe fez perceber que não havia razão para temê-lo, porque era apenas uma pessoa que trazia em suas costas toda sua bagagem. Pois é justamente da parte dele que vem a solução para o problema de Digão e de Carolina.

Por meio de mensagens escritas o homem mudo interage com Carolina e a leva até a casa do menino. Mas, ao invés de gratidão, ele é recepcionado com rudeza e desagrado pelo pai do garoto. Com profunda delicadeza a voz do autor, em parceria com as lindas imagens tecidas por Marília Bruno, narra uma história de preconceito e de assimilação de seres marginalizados ao seio de uma comunidade social.

Apesar de o autor emprestar uma tonalidade adulta à narrativa, ela é vista do ponto de vista infantil, impresso, aliás, em um diário mais tarde convertido em criação literária. Portanto, é também uma representação do ato de contar histórias, com a ajuda de belas ilustrações.
––––––
Charles Kiefer nasceu na cidade de Três de Maio, no Rio Grande do Sul, no dia 5 de novembro de 1958. Seu ingresso nas veredas literárias se deu com o livro Caminhando na Chuva, dirigida ao público juvenil. Com a obra O Pêndulo do Relógio, de 1985, o autor foi reconhecido nacionalmente e conquistou o Prêmio Jabuti.

No ano de 1993 ele recebe outro Prêmio Jabuti pelo livro de contos Um Outro Olhar. Três anos depois o escritor é agraciado com a mesma premiação pela obra Antologia Pessoal. Desde então ele vem recebendo vários outros prêmios.

Fontes:
http://palavraria.wordpress.com/tag/a-menina-e-o-mendigo/
http://consulteecompre.blogspot.com/2011/12/obras-infanto-juvenis-em-destaque-para.html
http://livrosdeliteraturainfantojuvenil.pontofrio.com.br/A-Menina-e-o-Mendigo-475447.html

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 597)


Uma Trova de Ademar  

Partiste deixando a dor, 
e eu talvez não me acostume 
a viver sem seu amor, 
seu carinho e seu perfume! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Potiguar  

Caminhando sempre ao léu 
eu percebo a meditar 
que ironia é ver o céu 
sem ter direito a voar. 
–Rodrigues Neto/RN– 

Uma Trova Premiada  

2011  -  Ribeirão Preto/SP 
Tema  -  VÍCIO  -  5º Lugar 

Rogando à Mãe de Jesus
uma ajuda, no suplício,
sofre a mãe levando a cruz
do seu filho entregue ao vício!
–Gabriel Bicalho/MG– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Se acaso, um dia, escutares 
na tua porta um lamento, 
é o pranto dos meus pesares 
gemendo na voz do vento. 
–Alcy Ribeiro S. Maior/RJ– 

U m a P o e s i a  

No exercício do garimpo
a busca é mesmo constante,
pelas pedras preciosas,
dentre as quais o diamante;
e o poeta todo dia
no garimpo da poesia
faz um verso a cada instante. 
Hélio Pedro/RN–

Soneto do Dia  

AMOR. 
–Amilton Maciel Monteiro/SP– 

Alguns me julgam peça de museu, 
De pouca ou de nenhuma utilidade; 
Um homem que, se ainda não morreu, 
Apenas serve de curiosidade...

De fato, neste mundo em que o himeneu
Agora é relegado à iniqüidade, 
O que pensar de um esposo que viveu
Feliz, dez lustros de fidelidade?

- Por certo que é um louco tal sujeito!
(dirá alguém). Não pode ele ter feito
Tamanho sacrifício em sua vida!

Mas eu responderei a esse descrente:
Jamais tem existência compungida,
Quem ao amor se dá completamente!

Nilto Maciel (Gilmar de Carvalho: Singular e Plural)


Dos personagens que constituem a geração literária surgida por volta de 1970 no Ceará é Gilmar de Carvalho um dos mais singulares. Não participa de grupos. Não está à frente de movimentos. Não promove encontros, reuniões, com vista a levantar a poeira. Não corre atrás de figurões da intelectualidade, a pedir votos, apoio, indicações. Não imita este ou aquele escritor da moda, como não imita os antigos. Por tudo isso, dizem-no avesso a greis, clãs e famílias literárias. Ovelha negra. Pastores de todos os matizes o veem passar e apenas coçam a barba. Porque Gilmar nem escuta a zoada da mutuca. Prefere a pesquisa à pescaria de peixes ornamentais. Contraditoriamente, é um erudito voltado para a cultura popular. Além disso, é compositor de cantos e não mero contista, contador de histórias, embora ame os contadores de histórias do sertão e das periferias de Fortaleza, cantadores, cordelistas, violeiros, Patativa do Assaré.  

Perguntam-me: “Você se dá bem com Gilmar? Parece tão difícil, tão arredio.” De difícil acesso, querem dizer. Poucos contatos mantive com ele; conversamos apenas o necessário. Faltaram oportunidades. Primeiro porque somos de pouca conversa. Segundo porque me mantive longe do Ceará por muitos anos. No entanto, muito me falaram dele: genial, talentoso, arrogante, besta, orgulhoso... Os melhores e os piores adjetivos acompanham sua biografia. Ou seu perfil. Traços tortos em mesas de bar, dos maledicentes, dos invejosos, dos que nada fazem ou escrevem. 

A primeira composição dele a me chegar aos olhos (antes de publicada, antes de incluída em livro) terá sido “Pluralia tantum”. Duas folhas de papel. Li-a com estranheza (admiração e susto). Que diabo era aquilo? Todos os plurais clássicos. Apenas isto. Mas me agradaram. Pela novidade, pela pesquisa, pela singularidade, pela ousadia. Nada de enredo, começo, meio e fim, protagonista, foco narrativo. Nada de usual da forma do conto. Muitos anos depois, conheci o livro Pluralia Tantum. E senti novo impacto. Mais forte, porque não mais um “texto” curto diferente de tudo, mas diversos “cantos” (não contos, não narrativas, não histórias como as que eu costumava ler) em linguagem renovada. E não só isso: a Bíblia, a mitologia grega, as lendas indígenas e da cultura negra brasileira, o candomblé, os orixás, as danças, a cultura de massas. 

Com Pluralia tantum, Gilmar se tornaria conhecido no microuniverso dos intelectuais (usava-se muito este termo) cearenses. Conhecido e admirado. Mais adiante, encontrei-o, por acaso, na Praça do Ferreira. Mostrou-me as provas de novo livro. Demonstrava euforia (nem tanto, porque não é de euforias), porque sabia da importância de sua obra. Pois, para espanto de todos, logo viria a lume o mais singular romance da segunda metade do século XX brasileiro: Parabélum. 

Gilmar se sabe homem de difícil trato. Reconhece: “Não devo ser dos mais fáceis. Faço análise, com interrupções, há 40 anos”. Vontade de mudar, de ser diferente do que é? “Talvez tenha pouca paciência com pessoas que tenham projetos diferentes dos meus. Não compreendo como o projeto de um escritor seja fazer parte de uma instituição anacrônica (como as academias de letras) fundada no século XIX. Não tenho paciência para Clube do Bode”. É verdade, as rodinhas literárias de Fortaleza estão repletas de pequenos escritores cujos sonhos maiores não são escrever obras fundamentais ou, pelo menos, de algum valor literário, mas ingressar na Academia Cearense de Letras. Ou aparecer nas páginas (colunas sociais) dos jornais da província.

Comigo o trato tem sido fácil. Conversamos como civilizados: índios do Cariri e da Serra de Baturité, negros, cafuzos, curibocas. Mas como podem julgá-lo de “difícil trato”, se não fala de ninguém, se não faz crítica literária? “Não tenho tempo para falar mal dos outros. O meu tempo é voltado para a pesquisa e a produção. Inclusive finais de semana”. Por isso, suas opiniões a respeito da literatura cearense não se tornam públicas. Prefere silenciar, embora tenha lá os seus ídolos. Gosta de Moreira Campos, Juarez Barroso e Gerardo Mello Mourão. E não esconde essa predileção. Mas quem não gosta deles? “Dos vivos, gosto muito de Marly Vasconcelos. Mas é difícil falar dos vivos”, confessou-me.

Dia desses fiz-lhe um pedido. Teria como me presentear o Parabélum e o Pluralia tantum? Não os encontramos mais nas livrarias e ambos me foram surrupiados de casa, por algum visitante inescrupuloso?

Gosto de ler Gilmar de Carvalho. Mas também de ouvir sua fala inteligente, plural. Gostaria de vê-lo mais. Entretanto, eu o tenho visto muito mais na televisão, a falar de cultura popular, em debates e homenagens, do que pessoalmente.  

            Fortaleza, janeiro de 2010.

Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/node/209

Lygia Bojunga Nunes (Corda Bamba) Parte 2


Aspectos temáticos

 As diferenças sociais é o primeiro tema abordado em Corda Bamba, pois é esse tema que desencadeia a trama. De um lado, temos o pessoal simples do circo cuja vida é difícil, arriscada e com muitas dificuldades financeiras e em contraste a este temos Dona Maria Cecília, para quem o dinheiro compra tudo, objetos e até pessoas. Assim, tenta comprar Marcelo, o namorado de Márcia, mãe de Maria, para dela afastá–lo.

 Esses dois mundos se encontram quando a mulher Barbuda e Foguinho levam a menina Maria para morar com a avó, pois os pais de Maria haviam morrido em um acidente no circo.

 O segundo tema abordado são as questões trabalhistas. A luta concreta por um ofício digno e protegido por leis de segurança do trabalho é explicitado, quando um colega de circo, Foguinho, tenta convencer Marcelo e Márcia para que não andem na corda bamba sem a rede embaixo.

 Esses dois temas encontram-se como que entrelaçados entre si, em Corda Bamba, pois um deles nos remete ao outro. É a atitude da mãe de Márcia (tentar separar Márcia e Marcelo) que empurra eles para a vida de circo, e são as dificuldades financeiras, a exploração da classe menos favorecida, neste caso os artistas de circo, que fazem com que as personagens Marcelo e Márcia deixem de lado as questões de segurança no trabalho e trilhem para o caminho da morte.

Corda bamba tematiza a dominação exercida por uma classe privilegiada, de forma agressiva. A avó de Maria é representante dessa classe, exercendo seu autoritarismo, achando-se no direito de comprar tudo e todos. O que Lygia Bojunga Nunes deseja é explicitar, em um nível possível de ser compreendido pelo leitor criança, as contradições do momento histórico em que se vive.

 Analisando a relação criança versus adulto, a narrativa de Lygia Bojunga Nunes lida com o problema da autoridade, deslocando-o para a perspectiva da criança. A família e a escola são agentes privilegiados da opressão institucionalizada que o adulto exerce sobre a criança, sob o disfarce da proteção, e isso transparece nas obras de Lygia Bojunga Nunes.

 Em Corda bamba, nota-se que Dona Cecília exerce sua autoridade, sem respeitar o próximo. Na relação familiar de Dona Maria Cecília com Márcia e Maria, observa-se a assimetria em que a avó de Maria impõe a sua autoridade e poder.

 Foguinho e Barbuda, como Márcia e Marcelo, representam o casal em que o respeito mútuo predomina, constituindo exemplos de uma relação familiar ideal. A hegemonia do adulto se dá ainda e com igual ou maior ênfase na escola, o principal aparato ideológico do Estado. Em Corda bamba, isso transparece nas aulas particulares de Maria, em que o medo por não saber matemática é simbolizado pelo cachorro da professora que fica embaixo da mesa e ameaça Maria a todo instante, impedindo-a de prestar atenção.

 A obra tematiza a dominação exercida por uma classe privilegiada, de forma contundente. A avó de Maria, a protagonista, é uma senhora da mais alta sociedade, está habituada a comprar objetos e pessoas. Assim tenta comprar Marcelo, o namorado de Márcia, mãe de Maria, para dela afastá-lo. A luta concreta por um ofício digno e protegido por leis de segurança do trabalho é explicitada quando um colega de circo tenta convencer Marcelo e Márcia para que não andem na corda bamba sem a rede embaixo. "Cada um que topa trabalhar do jeito que vocês estão topando, puxa para trás todo o mundo que está trabalhando também". E ainda a idéia do coletivo da classe trabalhadora formada pela luta de cada indivíduo.

 Em Corda bamba, Maria vai em busca de sua identidade por meio da corda bamba, um elemento circense. A atividade artística é vista como forma de o indivíduo liberar suas tensões, a fim de melhor integrar-se ao grupo social, livre dos conflitos existenciais.

 O uso do elemento simbólico para revelar os problemas existenciais da criança é original em suas obras, possibilitando ao leitor identificar-se com as situações apresentadas, ajudando-o a elaborar seus próprios conflitos.

 Embora se possa verificar uma postura engajada de Lygia Bojunga Nunes no que se refere às questões políticas, sociais, demonstrando uma opção ideológica de esquerda em Corda bamba, percebe-se que a escritora trata dessas questões em sua obra com sutileza, por meio das ações dos personagens, dos relatos dos acontecimentos, recorrendo a imagens simbólicas e alegóricas, sem usar discurso moralizante, panfletário. Lygia Bojunga escapa do panfleto porque ela não dá recado nem faz mensagem. Ela narra com seu olhar e deixa a formulação crítica por conta do leitor. Sua literatura é critica e engajada, utilizando-se da fantasia e da paródia, transfigurando o real, fazendo arte poética.

 É possível observar, em Corda bamba, uma preocupação com assuntos ligados à sociedade, como a luta pela igualdade social e questões como a situação de exploração em que vivem as pessoas menos privilegiadas economicamente, trazidas ao texto de modo especial. É o caso de Marcelo, símbolo do homem explorado, humilhado, engolido pelo sistema. Por necessitar sobreviver na “corda bamba” da vida, arrisca-se para ter uma existência mais digna, como pode ser constatado pelo relato de sua história a Márcia, em que trata das dificuldades por que passava, da miséria de sua infância, feita de “uma porção de nada”, e do seu trabalho no circo, quando ainda era solteiro. No circo, sujeita-se à exploração do dono, fazendo o número da corda sem rede de proteção, com o objetivo de conseguir mais público.

 Aceita o desafio a fim de ganhar fama e melhorar o salário. No entanto, não consegue realizar o número, pois o medo o domina, e ele é despedido. O sonho de um trabalho digno, que atenda às normas de segurança, com seguro de vida e defesa contra acidentes, além de um salário condizente, torna-se distante. Esse fato traumatiza-o e ele não consegue emprego em outro circo, visto que foi humilhado. Assim, é obrigado a procurar outro tipo de serviço, resolvendo ser pintor de parede de prédio.

 Devido ao desrespeito às necessidades dos outros, os pais de Maria acabam morrendo depois de terem sido obrigados a realizar o espetáculo sem rede de proteção para liquidarem as dívidas contraídas na busca da filha que fora raptada pela avó. As circunstâncias da vida fazem com que não cumpram a promessa feita de nunca trabalhar sem a rede de proteção.

 Sem utilizar-se do tom moralista, comum da literatura infanto-juvenil, a autora vai registrando o esquema vigente nas sociedades capitalistas, em que o individualismo se tornou mola propulsora do progresso econômico.

 Já Dona Maria Cecília poderia ser vista, alegoricamente, como uma réplica do poder constituído que, principalmente na década de 70, excedeu-se em suas prerrogativas de dono absoluto do poder. Ela, por ter dinheiro, acha-se no direito de mandar e desmandar nas pessoas, como fez com sua filha Márcia, controlando-a desde pequena, escolhendo suas roupas, colégios, amigas e até seu namorado. Quando Márcia se apaixona por Marcelo, pintor de paredes e artista de circo, opõe-se ao namoro pelo fato de o rapaz ser pobre e lhe oferece um cheque de alto valor, para que desistisse de se casar com sua filha. Para não se tornar apenas mais um “bem consumível” da sogra, o rapaz rasga o documento e vai-se embora, seguido de Márcia. Os dois a abandonam, para não se deixarem envolver por princípios valorativos baseados no dinheiro.

 Dona Maria Cecília não consegue “comprar” Marcelo com seu dinheiro, mas “compra” seus três primeiros maridos, mostrando o alcance de seu poder econômico. São pessoas pertencentes à classe média da população.

 Por comodismo, esses maridos se deixaram cooptar pela atração por postos que lhes garantissem melhores condições de vida, para poderem dedicar-se ao prazer do seu trabalho, sem se preocuparem com o sustento. No entanto, apesar de, aparentemente, se venderem ao poder econômico, simbolizado pela Dona Maria Cecília, não se deixaram subjugar aos desmandos da autoridade.

 O quarto marido de Dona Maria Cecília, seu Pedro, é símbolo de uma visão humanista do mundo, opondo-se aos três primeiros. Seu Pedro não se deixa comprar e nem pretende impor-se pela autoridade, sabe respeitar o próximo: “nem eu mando em você, nem você manda em mim”.

 No entanto, o ápice do poder, do autoritarismo, da opressão, do desrespeito pelo ser humano por parte de Dona Maria Cecília Mendonça de Melo é mostrado quando ela “compra”, utilizando seu prestígio econômico, uma velha contadora de história, um ser humano, apenas para dar um presente diferente à neta.

 Há a denúncia da miséria em que vivem as pessoas, que precisam se vender para poderem sobreviver. A Velha da História simboliza o povo humilde, sofredor, faminto, os sem-teto, os descamisados, os miseráveis deste planeta que necessitam de se vender a troco de comida. Não possuem o mínimo necessário para sua sobrevivência e se submetem a qualquer humilhação, além de viverem em situações subumanas. Lygia Bojunga Nunes trabalha isso de forma humorística, para enfatizar a ironia da vida dessas pessoas, pois quem passou fome a vida inteira acaba morrendo de tanto se fartar com o que mais desejava – comida.

 Lygia tece a narrativa fundada em dois planos: o inconsciente e o consciente. No plano do inconsciente, verifica-se o interior de Maria, sua situação interna. No plano do consciente, observa-se a criança incompreendida, privada de quaisquer direitos, submetida a uma relação de dependência absoluta. Assim, a vida de Maria é relatada de forma que sua biografia vai fragmentariamente sendo compreendida, à medida que a menina vai recuperando a memória, desvelando o seu passado e recriando a sua história.

 O aprendizado de Maria no circo, as instruções que a mãe lhe proporciona não são valorizados pelas demais personagens. Segundo a avó e a própria escola, a menina está atrasada em conhecimentos e precisa igualar-se às demais crianças, por isso freqüenta aulas particulares com Dona Eunice. A professora é um protótipo de tirania, um falso educador, ministrando lições mas dando muito pouco de si, incentivando a submissão e menosprezando o medo que Maria sentia do cachorro.

 A escola descrita em Corda bamba ensina valores e modos de comportamentos da classe dominante, ignorando a bagagem de conhecimentos e experiências que a menina já traz consigo. A realidade escolar com que Maria se defronta, com conteúdos desconexos e desvinculados do conhecimento, nada acrescenta à interioridade da personagem.

Corda bamba exemplifica o realismo humanista, por focalizar o assunto da angústia e da crise existencial do homem do nosso tempo, esmagado pela opressão social.

 Tanto Maria como os protagonistas de outras obras de Lygia Bojunga Nunes buscam o auto-conhecimento na integração dos vários planos da consciência à realidade de um mundo exterior percebido sob diferentes ângulos e nas suas diversas faces.

 A personagem não é fixada de modo rígido, quer nos traços psíquicos, quer nos físicos. A personagem Maria é registrada de forma indireta, pelo seu tipo miúdo, sua idade e seu temperamento reprimido. Sua figura, embora apresentada como centro do processo diegético, interessa sobretudo no plano discursivo, como instrumento de veiculação de valores e de idéias.

Corda bamba apresenta uma visão pequeno-burguesa do mundo, estruturada de modo a realçar o fenômeno da reificação, visão essa dominada pelos efeitos do poder do capital sobre a vida de cada pessoa, sendo, portanto, contraposta a uma visão humanista do homem.

 Verifica-se na personagem Maria o desequilíbrio da personagem ocorre a partir do motivo gerador da sua amnésia (a visão da morte dos pais). Após lembrar-se das experiências passadas, reestrutura-as na tentativa de buscar o equilíbrio da sua vida presente. Esse equilíbrio é atingido ao final da diegese, porém, por um discurso aberto, sugerindo o não fechamento da história de vida da personagem.

 Lygia enfatiza o aspecto social em suas narrativas e, por meio de uma linguagem simples, inocente no seu plano expressivo, emprega os símbolos e as alegorias, dados que são, no plano criativo, expressões curiosas do estado das idéias nas décadas de 60 e 70, de um Brasil sofredor das conseqüências de uma política repressora.

 Em relação à linguagem descritiva, Corda bamba enriquece-se de detalhes aparentemente supérfluos, por exemplo, a respeito da professora particular que dá aulas a Maria (o braço cheio de pulseiras, as unhas grandes e esmaltadas etc.), pois tais elementos são fundamentais para a caracterização do realismo humanista da autora. Segundo a estudiosa, a descrição não tem a função de inventariar exaustivamente pormenores do objeto, mas sim uma função mais elevada de embasar o universo simbólico da ficção.

 No processo de recuperação da memória de Maria, Lygia Bojunga Nunes faz uso de um vasto campo de símbolos, como portas, cores, compartimentos fechados, flores, sonhos, corredor, corda, arco, mar, água, barco.

 A perda da memória de Maria ante a morte dos pais e todo o processo de sua recuperação tornam-se significativos quando transposto para o plano do real, visto que a anistia tem como característica intrínseca o esquecimento. A perda da memória de Maria pode-se relacionar com a perda de memória do povo brasileiro, assim como a necessidade de Maria recuperar a memória, com a própria necessidade de a sociedade brasileira não se deixar impregnar pelo esquecimento e lutar pelo reavivamento do passado. Com a trajetória de Maria, que não se conforma com a perda da memória e empreende um retorno ao passado, desvendando paulatinamente os mistérios das portas coloridas que lhe desvelam a história de sua vida e de sua família, o que lhe cria condições para inserir-se no presente e projetar o seu futuro, Lygia Bojunga Nunes aponta a mesma trajetória para a sociedade brasileira.

 Em Corda bamba há características reveladoras do sistema autoritário e opressivo da sociedade. Dona Maria Cecília Mendonça de Melo é representante desse sistema, visto que nela se encontra a junção do autoritarismo com a corrupção, exercidos por meio do poder do dinheiro. Essas características podem ser percebidas nas suas relações interpessoais, que são exclusivamente monetárias. Quando Dona Maria Cecília se apaixonou, não soube conquistar os maridos, foram todos comprados. Para separar a filha de seu namorado, ela usou do dinheiro para afastá-lo. Para agradar a neta, ela comprou um ser humano.

 A avó de Maria poderia ser vista, alegoricamente, como uma réplica do poder constituído que, principalmente na década de 70, se excedeu em suas prerrogativas de dono absoluto do poder.

 Como vimos, Lygia Bojunga Nunes dá atenção especial à escola, que é vista como uma extensão do poder central, pois reflete o mesmo sistema hierárquico daquele, em que um detém o poder e os outros se submetem a ele. A pesquisadora observa que a valorização do ensino como um bem necessário para a formação integral do indivíduo e a crítica à forma como esse ensino se processa caminham paralelamente nas obras da escritora. Portanto, para ela, a importância do saber e a descrença na transmissão desse saber coexistem nas obras de Lygia Bojunga Nunes, refletindo o pensamento crítico daqueles que, analisando o Brasil das últimas décadas, constatam a crescente degradação do ensino.

 Além disso, faz referência à miséria, à instabilidade no emprego, à sujeição do indivíduo aos perigos de uma profissão que põe em risco a vida e à falta de união da classe em busca de melhores condições de emprego.

 Em Corda bamba é possível observar um processo de renovação. Maria, ao perder a memória, necessita reconstituir a vida, pois se encontra sem identidade. Para resgatá-la, ela realiza um processo de regressão de forma simbólica. Assim, é apresentado ao leitor o resgate da identidade da garota, ao mesmo tempo em que se vai desvendando o cotidiano monótono da vida burguesa que a avó quer oferecer-lhe como opção. Sem memória, Maria encontra-se entre o mundo fantástico do circo, porém perdido, e o mundo de privilégios que o dinheiro da avó pode proporcionar-lhe. Isto permite à narradora cruzar dois níveis narrativos, mostrando a tensão constante que se estabelece entre o mundo interior, entre ser e parecer. Maria, se pudesse, gostaria de escolher a vida circense, para viver com os amigos Barbuda e Foguinho. Porém, por ser criança e ter a avó como a única pessoa da família, precisa ficar com ela. A convivência com a avó dá-se de forma negativa. Maria não consegue ultrapassar a barreira existente entre a avó e ela. Dona Maria Cecília, por ser extremamente autoritária, desumana, sem sentimentos, dificulta o relacionamento com a neta, pois a relação com ela é só material.

 Sendo assim, Maria refugia-se em seu mundo interior, porém esquecido, que precisa ser resgatado a todo custo, como elemento de resistência. Ao fazer esse percurso interno de busca do seu passado, configurado por meio de cortes na narrativa, misturando vários tempos, dando ao texto caráter fragmentário, é acompanhada pelo leitor. Dessa maneira, são apresentados ao leitor pedaços de discurso que se juntam para, no final, possibilitar a restauração da identidade de Maria. Cabe ao leitor recolher os fragmentos e reconstituir a história. Assim, somente com a participação ativa do leitor, o significado se compõe. O discurso de Corda bamba requer um leitor participante, capaz de compor os dados lançados pelo narrador. Esse recurso funciona como elemento que aponta para a ‘artificialidade’ da criação, oferecendo uma zona de distanciamento que alerta para o processo de produção da linguagem. O texto mostra-se, desta forma, como criação, ilusão.

 A história de Maria pode ser percebida como “real”; porém, pela maneira como ela está estruturada, solicitando a intervenção do leitor, verifica-se que é ficção.

 Na narração do resgate da identidade de Maria, há um convite implícito ao leitor para que faça também esse retrocesso em sua vida, embora não se pretenda que esta adesão seja automática. Ao acompanhar a restauração do passado de Maria, o leitor poderá igualmente passar por um processo de regressão e questionar o seu passado, a sua vida, abrindo as portas fechadas, buscando, do mesmo modo que Maria, a sua identidade.

 O seu discurso não se quer verdade, objetivando passar valores morais e pedagógicos, doutrinando o leitor, ou uma receita de como superar um trauma, mas cria um espaço crítico entre a autora e o leitor, para ser preenchido por este, espaço para que o leitor tenha um papel ativo e reconstrua os fragmentos narrativos, dando sentido ao texto.

 Percebe-se, portanto, que, em Corda bamba, a ordenação metódica do mundo é rompida definitivamente, e propõe-se ao leitor viver na corda bamba, em oscilação, onde são incertos os limites entre o possível e o impossível, entre o ser e o parecer. O ser humano busca o equilíbrio, o equilíbrio interior, vivendo em tensão sobre dois pólos, para encontrar a síntese.

 A Velha da História contava histórias para enganar a fome dos filhos, num comportamento herdado de sua mãe, conforme a história de sua vida relatada a Maria.

 Esse episódio deixa Maria estupefata. Não conseguia entender como alguém pode comprar outro ser humano.

 Repetindo o ato de “comprar” pessoas, Dona Maria Cecília demonstra que continua a mesma pessoa egoísta, autoritária e sem sentimentos. Não consegue perceber que a tristeza de Maria decorre da saudade dos pais e do circo, tudo o que ela mais queria. A culpada era ela mesma, pois, por egoísmo, ao ser abandonada pelo quarto marido, resolve ter a neta perto de si. Para Dona Maria Cecília, o conforto e os bens materiais que oferecia à neta seriam suficientes para substituir o carinho, o amor que os pais lhe dispensavam.

 Essa atitude de Dona Maria Cecília demonstra o processo de reificação do ser humano: Maria é o objeto que ela mantém em troca de conforto e bens materiais e serve para substituir a perda do último marido, seu Pedro. A Velha Contadora de História passa a ser um objeto também, comprado por meio de bens alimentícios, com a função de distrair Maria. Nos dois casos, verifica-se que Dona Maria Cecília objetiva satisfazer seus próprios interesses: primeiro, agradar Maria, para que ela fique em sua companhia, desconsiderando as carências afetivas que a ausência dos pais lhe provoca. Segundo, comprar a Velha, para que se torne um objeto capaz de agradar sua neta, para fazê-la permanecer junto dela. O fato de Lygia Bojunga Nunes inserir os relatos da Velha Contadora de História e dos maridos de Dona Maria Cecília na história de Maria tem o objetivo de crítica ao comportamento da avó, reforçando a incapacidade de Dona Maria Cecília amar o próximo, e enfatizar que seu relacionamento é exclusivamente monetário.

 Lygia Bojunga Nunes vai desmascarando o artificialismo de muitas atitudes dos adultos, no decorrer da narrativa, e deixa transparecer a crítica à sociedade cujos valores estão adulterados. O exercício do poder corruptor do dinheiro é explícito ao comprar a Velha da História. Por ser rica, Dona Maria Cecília acha-se no direito de “comprar”, mandar e desmandar nas pessoas.

 Percebe-se também a crítica que faz aos preconceitos existentes nas relações humanas. De modo muito perspicaz, a autora vai combatendo-os, demonstrando que dependem do ponto de vista da pessoa. Como no caso de Márcia e Marcelo, apesar das diferenças sociais e econômicas, um completava o outro no amor.

 A consciência do indivíduo como parte integrante de um todo abrangente está intimamente relacionada com a valorização do trabalho como meio de realização do homem em suas obras.

 Em Corda bamba, pode-se perceber essa questão na fala de Foguinho tentando convencer Márcia e Marcelo a não fazerem o número da corda sem a proteção de rede.

 Foguinho e Barbuda demonstram possuir consciência de uma classe: “— Você tá deixando eles te explorarem, Marcelo!”. Enquanto que Márcia e Marcelo parecem não ter essa consciência de classe: “— Que outros?... — Que que tem, ué?”. A preocupação de Foguinho com todos os que trabalham na profissão de trapezistas expressa um ponto de vista coerente e unitário na realidade imaginada. A classe que ele simboliza e representa se opõe à classe representada pelo patrão, dono do circo. Essa personagem implícita representa a classe burguesa, é aquele que se apropria da mais-valia, na condição de explorador dos artistas Márcia e Marcelo. Estes se deixam explorar, arriscando a vida para aumentar a renda do patrão. Barbuda e Foguinho representam a consciência efetiva de uma classe, mediando os dois pólos, interessando-se não apenas pelos amigos, mas por todos da sua profissão, preocupando-se, portanto, com o ser humano em geral. Tem-se, assim, nesse episódio, a luta de classes expressando-se, acima de tudo, na luta ideológica.

Fonte: 
Alice Atsuko Matsuda Pauli - Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Disponível em Passeiweb