sábado, 2 de junho de 2012

A. A. de Assis (Revista Virtual Trovia - n. 150 - junho de 2012)


Inesquecíveis 

Achei minhas esperanças
em pedaços divididas.
Juntei-os e enchi meus sonhos
de mentiras coloridas.
Carolina Azevedo de Castro

No portão os namorados
são como os barcos no cais:
pelos beijos amarrados, 
querem ir... e ficam mais...  
Cleonice Rainho

Trouxe-me grande valia
a verdade que aprendi:
– toda pessoa vazia
é sempre cheia de si.
Delmar Barrão

De tudo por mim sonhado,
o sonho mais lindo, sei,
foi ter na vida encontrado
um sonho que não sonhei!...
J. Gastão Machado

Desconfio que a saudade
não gosta de ti, meu bem.
Quando tu vens, ela vai...
quando tu vais, ela vem...
Luiz Otávio

Tão calmo e frio eu te vejo,
que tristemente recordo:
acordava com teu beijo
e hoje nem vês quando acordo...
Nydia Iaggi Martins

Brincantes

Só três?! (o paizão lamenta),
vendo os bebês no bercinho.
Ah, se a rede não rebenta,
"nóis enchia esse quartinho!"
Jaime Pina da Silveira – SP

Às vezes, tenho ficado
sumamente arrependido, 
não porque tenha falado,
mas só por ter sido ouvido...
José Fabiano – MG

Diz ter sorte “pra cachorro”,
mas nisso não boto fé;
subiu a noventa o morro,
com o “dito” no seu pé!...
Lucília Decarli – PR

A donzela, em confissão,
diz que é moça inconformada, 
porque fez muito arrastão,
mas nunca foi arrastada...
Maria Nascimento – RJ

O reco pergunta ao eco
qual reco que tem mais eco;
o eco responde ao reco
que é o reco do reco-reco...
Osvaldo Reis – PR

A sogra veia do Tião
é tão azeda e ranheta
que quando chupa limão
é o limão que faz careta!
Regiane Ornellas – SP

Hoje eu defino a fofoca,
tão velha quanto a sequoia,
como uma simples minhoca
que se transforma em jiboia.
Roza de Oliveira – PR

O salão, que se destaca,
lota assim que a noite desce,
por um engano na placa:
– “Faço tranças”... tá com S!!!
Therezinha Brisolla – SP

Líricas e filosóficas

Há de, enfim, vir o momento
da correção dos papéis:
mais valor terá o talento
que os diplomas e os anéis!
A. A. de Assis – PR

O Deus que fez lago e monte,
que fez céu, mar, noite e dia,
fez do poeta uma fonte
por onde jorra poesia...
Ademar Macedo – RN

Belíssima trajetória
nos ensina o Criador:
só se conquista a vitória,
com grande dose de amor.
Ângela Stefanelli – RJ

Se alguém te humilha, perdoa,
e se alguém te fere, esquece.
Ódio guardado magoa,
só o amor envolve e aquece.
Arlene Lima - PR

Sem arroubos de eloquência,
teu olhar, espelho mudo,
reflete com transparência
meu olhar que te diz tudo!
Carolina Ramos – SP

Não posso mais recolher
o que perdi no caminho;
mas se alguém me suceder
vai tropeçar em carinho...
Cida Vilhena – PB

Ante a imensidão dos campos,
divago, olhando ao redor:
“Estrelas são pirilampos,
num campo muito maior!”...
Darly O. Barros – SP

Trovador!  Que trova fazes?
– Amigo, nem sei dizer!
Com ela, já fiz as pazes,
casados até morrer!
Diamantino Ferreira – RJ

Palavras doces... permuta
do grande amor entre nós...
agora você só escuta
o acalanto de outra voz!
Dirce Montechiari – RJ

Nesta vida rotineira,
tua saudade em minha alma
é cantiga de goteira
em noite de chuva calma!
Domitilla B. Beltrame – SP

Sobrevoa altos rochedos,
desafia torvelinhos;
mas é no chão, sem segredos,
que a gaivota faz seus ninhos.
Dorothy J. Moretti – SP

Sua luz, como um farol,
me guiou na tempestade:
fez surgir um lindo sol,
que selou nossa amizade.
Eliana Jimenez – SC 

O verde em brasa estalando;
uivos doridos da mata:
gritos horrendos compondo
uma fúnebre sonata!
Eliana Palma – PR

Quando o orgulho é o timoneiro
das viagens da paixão,
qualquer que seja o roteiro
não encontra direção.
 Elisabeth Souza Cruz – RJ

Quantas saudades eu sinto
da infância bela e querida:
 – pedras rolando, não minto,
na longa estrada da vida.
Euclymar Porto – RJ

As pedras do meu caminho
vou transpondo-as com ardor
e cada dia um trechinho
vira caminho do amor!
Flávio Stefani – RS 

Quando a tarde veste o manto,
torna escura a luz do dia.
Saudade dói outro tanto,
do tanto que já doía.
Francisco Garcia – RN

A cobiça sendo um vício
e a renúncia salutar,
nosso menor sacrifício
é saber renunciar.
Francisco Pessoa – CE

Quanta gente nos ilude
e julgamos ser verdade
aquela máscara rude
que finge sinceridade!
Gabriel Bicalho – MG

Pobreza é não ter um sonho,
não tentar fazer o bem...
Riqueza é tornar risonho
o triste dia de alguém!
Gislaine Canales – SC 

Quando foi dada a partida,
com mil gametas brigando,
eu lutei por minha vida
... E continuo lutando!
Héron Patrício – SP

Não choro o tempo perdido
num caminho mal traçado;
o que já foi percorrido,
bem ou mal foi caminhado...
Istela Marina – PR

Não importa a circunstância,
cuidado ao dar o teu passo.
É muito curta a distância
entre sucesso e fracasso!
J. B. Xavier – SP

Uma coisinha de nada
sintetiza imensa dor:
a florzinha abandonada
saudosa de um beija-flor!
Jeanette De Cnop – PR

Grato por sua amizade,
pelo incentivo e carinho.
Ter amigo é, na verdade,
jamais caminhar sozinho.
Jessé Nascimento – RJ

Este conceito traduz
um céu de muito esplendor:
– “amor é facho de luz”
– “perdão é bênção de amor!”
Joamir Medeiros – RN

Uma chave carregamos,
porta de um mundo melhor,
entretanto não largamos
a muleta de um pior.
José Feldman – PR

Quando não houver mais flores
nem cantos de passarinhos,
que será dos trovadores
na solidão dos caminhos?!
José Lucas de Barros – RN

A esperança é uma torrente
que traz, no seu conteúdo,
a fé que faz com que a gente
lute muito... e possa tudo!
José Ouverney – SP

Não vacile ante um impasse,
ninguém sem um só viveu;
tão lindo o dia renasce
da noite, que nem morreu!
Laérson Quaresma – SP

“A trova no Brasil”, de Aparício Fernandes, está completando 40 anos. Uma obra indispensável aos que se interessam pela história da trova.

Se não me dás teu carinho,
se não me queres amar,
sou barco triste e sozinho,
que já não quer navegar.
Luiz Carlos Abritta – MG

Debruçada sobre o berço
do seu querido filhinho,
busca a mãe, com o seu terço,
indicar-lhe um bom caminho.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Vida: caminho que alcança
na esquina a sua metade;
de um lado, vive a esperança,
do outro, dorme a saudade.
Mara Melinni Garcia – RN

O que hoje escrevo com afinco
não deve ser olvidado,
pois traz a marca e o vinco
do que eu vivi no passado.
Marcos Medeiros – RN

Tem seu momento assinado,
desde o ventre, o filho arteiro:
um gol à vida marcado,
naquele chute primeiro!
Mª Conceição Fagundes – PR

Iluminando o meu ser,
o teu sorriso comprova
que com cada alvorecer
o meu amor se renova.
Mª Luíza Walendowsky – SC

Ante os pobres, ter piedade,
ter doçura e compaixão,
é provar a suavidade
que brota do coração.
Marina Valente – SP

Saibam todos que o trabalho
ao homem bom enobrece;
mas quem não pega no malho,
seu espírito empobrece!
Maurício Friedrich – PR

A trova não é antiga; / a trova não é moderna... /
A trova, é bom que se diga, / a trova é somente eterna!

Nas asas da liberdade
firmei meu corpo a voar,
pois ser livre é ter vontade
de não parar de sonhar.
Messody Benoliel – RJ

Sou louco quando preciso
e o remorso não me assalta;
eu nunca tive juízo
e ele nunca me fez falta...
Milton Souza – RS

É triste o destino atroz
dessas crianças de rua;
e a culpa é de todos nós,
também minha e também tua.
Neiva Fernandes – RJ

Quando o amor fica em ruína,
sem chão, paredes... ou teto,
o alicerce nos ensina
que só o carinho é concreto.
Olga Agulhon – PR

A saudade é um velho jeito
de entender meu coração:
quando bate em tom perfeito
não tem som: tem solidão.
Olivaldo Júnior – SP 

Carícia mais eloquente
que meu coração aprova
é te dar um beijo ardente 
nos versos da minha trova!
Renato Alves – RJ

Somente o amor verdadeiro
é por Deus abençoado;
e por não ser passageiro
é tão sublime e sagrado!
Roberto Acruche – RJ

A semente, pequenina,
sob a terra protegida,
é assinatura divina
no grande livro da vida!
Selma Spinelli

O sucesso de um concurso de trovas
começa pela boa escolha dos julgadores.

Tua alma desperta em mim
tanta calma e tanto ardor,
que, se o amor não for assim,
eu mudo o nome do amor!
Sérgio Ferreira da Silva – SP

Coração, nunca te emendas!...
És de fato um sonhador.
Até nas duras contendas
tu vês motivos de amor!
Thalma Tavares – SP

Sobre jornais na calçada,
o menino dorme, exposto,
e o orvalho da madrugada
faz carícias em seu rosto.
Thereza Costa Val – MG

Não quero mais padecer
nem ter a alma ferida;
quero mais é te esquecer
com renúncia e despedida.
Therezinha Tavares – RJ

Amizade e lealdade,
sempre juntas, de mãos dadas:
correntes de identidade
entre almas entrelaçadas.
Vanda Alves – PR

Por mais que o progresso iluda,
deturpe e inverta valor,
o que Deus fez ninguém muda:
amor será sempre Amor.
Vanda Fagundes Queiroz – PR

O coração destemido
transcende qualquer razão,
quando decide, incontido,
confessar a rendição!
Vânia Ennes – PR

Numa riqueza sem fim,
nasce a força da bondade,
como as flores do jardim
na sua simplicidade!
Vidal Idony Stockler – PR

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Alexandre Drayton (Domingo de chuva)


 Domingo, mais um dia como tantos outros, no frio janeiro da Cidade Luz. Dia de lavar a roupa suja, de tentar arrumar a bagunça (permanente!) da casa, de passar o pano no chão, de pensar na semana que começa. Um momento de reflexão desleixada, de estudar o atrasado, dia diferente talvez. 

É pena que a meteorologia não ajudou, empurrando todo mundo algumas horas a mais na cama. Vento, chuva, frio e tempo cinzento podem vencer a idéia de visitar um museu gratuitamente, como é o caso do primeiro domingo de cada mês. E sou capaz de apostar que muitos cederam à tentação da preguiça e, absortos neste clima envolvente, em pouco ou quase nada pensaram.

 E comigo não foi diferente. Até que a físico-química dependência de “checar“ o e-mail, fez-me vir ao tal computador. Eis-me aqui, sem sono e com o estoque de sites a visitar esgotado, tentando escrever algo que tenha sentido ao fim.

 Experimento dar uma sacudida e animada no espírito, saindo um pouco para espiar o tempo. Teve jeito não: as amigas ventania e temperatura baixa me receberam com pompa e circunstância. Sem outra opção entrei, e teimoso como sou, recomecei a teclar.

 Foi difícil não sentir o que se tenta afastar num dia como esse: a tal da cruel saudade. Palavra impar, que dizem só existir em português, chegou sem pedir licença. Entrou, puxou a cadeira e, saboreando um café amargo com Malboro ligths, pôs-se a me incomodar. Esboçando uma resistência esqueço-me dela por longos segundos, ao fim dos quais recebo um direto de direita, perdendo por nocaute.

 Numa ultima tentativa, ensaio comparar àquela do inicio, quando cheguei, essa de hoje. Queria ver se tinha amadurecido, se era mais forte, se podia vir a ser exemplo para os amigos recém-desembarcados. Uma vez mais, o gongo deu-lhe ganho de causa. Houvera de fato apenas uma mudança de nomes, pois a antiga Senhora Saudade hoje se chamava La Madame Nostalgie.

 E assim continuei a senti-la, na certeza de que uma vez mais um mundo de lembranças viria-me à mente. Pensei na família distante, nos amigos que ha’ muito não vejo, em praia, na comidinha gostosa do fundo da panela. Imaginei coisas simples, lugares comuns, mentiras infantis e os tempos de infância. Em verdade, senti-me só.

 Vi, portanto, que solidão e saudade são almas gêmeas. Velhas conhecidas de outrora, promovem incômodos e aleatórios encontros, onde tentam desafiar o sorriso e a alegria, banindo-os para longe algumas vezes. E foi justamente num desses rendez-vous casuais em que vi-me metido. Pensei poder sair de fininho, mas ao final do corredor encontrei porta fechada.

 Não existia outra alternativa, a não ser mascar feito chiclete e digerir sozinho minha angústia. Injusto seria fazer conjecturas, pois tristeza que se preze não se explica, sente-se. E caminhando por essa mesma estrada, imaginei os milhares de solitários mundo afora: habitantes de um mesmo universo, do grande consciente coletivo poeticamente chamado “la solitude”.

 Mas percebi que esta mesma solidão, inenarrável, dura e difícil, tinha outras facetas. Não era a maior de todas, pois conseguia guardar traços de beleza dentro de si. A maior solidão, na verdade, é dos quem não amam e fecham-se no absoluto vazio do nada. Solitários são aqueles que temem a ajuda mútua e que não partilham com o próximo os pequenos segundos da vida. Triste e mísero é o homem que evita sentir suas emoções, permutando solidariedade com egoísmo. A maior solidão é a dos que não acreditam e fazem de seus sentimentos algo torpe, que reflete o amargo e apaga a luz do bem-viver. Solidão real é aquela do infeliz que perdeu suas esperanças, vivendo um pesadelo constante, permeado de pseudo-angústias e cego em relação ao belo mundo ao seu redor.

 Eu, do alto dessas tolas idéias, acreditando na vida e num mundo melhor, vi-me um feliz e pequeno solitário, nada mais. Pois, como bem disse o poetinha:

 — “A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer“.
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Alexandre Drayton, nascido em Fortaleza (CE),  enquanto se especializava na área médica na França, encontrava tempo, em “domingos de chuva”, para escrever crônicas sobre os acontecimentos cotidianos e, sobretudo, a saudade que se abate sobre os que vivem longe de sua pátria.

Fonte:

Sotero Silveira de Souza (O Trovador da Lira Triste) 2


É triste sentir saudade,
De você que amo tanto,
E passar a mocidade,
Sem gozar de seu encanto!

Eu quero a minha cova,
Se de mim lembrar alguém,
Que coloquem esta trova;
Morreu só sem ter um bem!

Meu barquinho pequenino,
Que perdeu-se no alto do mar,
E encontrou o seu destino,
No farol do teu olhar!

O seu braço pequenino,
Com pulseira de brilhantes,
Tem guiado o meu destino,
Por caminhos tão distantes!

Ribeirão que vi correndo,
Para as bandas do sertão,
Diga-lhe que estou morrendo,
E suplico o seu perdão!

Dizem que o amor é um hino,
No conceito universal;
Sempre houve desafino,
Neste hino nacional!

Se acabassem os abrolhos,
E os abismos do mar,
Restariam só  teus olhos,
Tão difíceis de sondar!

Sob a sombra do arvoredo,
Te veijei na noite calma;
Não te aflijas é segredo,
Já aguardei aqui na alma!

Ah! Se Deus me desse sorte,
De seguir todos os teus passos,
Eu quisera ter a morte,
No madeiro dos teus braços!

Meu bem por caridade,
Não me deixes por favor,
Como pode haver maldade,
Na corola de uma flor!

Saudade levo da vida,
Que junto a ti vivi,
Saudade minha querida,
Dos beijos que eu dei em ti!

Beijo poema encantado,
Doce, tão cheio de ardor,
Por isso és consagrado,
O áureo selo do amor!

Lábios, refúgio de amor,
Bálsamo para apaixão,
Delicados como a flor,
Em forma de coração!

Lábios fonte de carinho,
Vermelhos, cor de coral,
Sois igual a um quente ninho,
Entre as rosas de um rosal!

Ao criar Deus a mulher,
De uma costela de Adão,
Pôs uma pedra qualquer,
Em lugar do coração!

Não vou àquele dentista,
Nem que Deus do céu me mate,
Ele é muito saudosista,
Só extrai com alicate!

MInha vida de solteiro,
Foi de fato acidentada;
Trabalhava o ano inteiro,
E no fim nada tinha!

Encontrei um vagabundo,
Soluçando sem cessar,
Porque soube que o mundo,
Estava prestes a acabar!

Ganho bem no meu trabalho,
Que é útil e vital,
Sou um bamba no baralho,
Jogador profissional!

Há homens como gilete,
Que tem cortes dos dois lados;
De noite pintam o sete,
E de dia comportados!

Um médico inteligente,
Como aquele eu nunca vi,
Tem matado muita gente,
Na ponta do bisturi!

No dia em que casei,
Alguém me disse a meio tom;
Custou mas eu te enforquei;
Tu vais ver o que é bom!

Quando Deus criou o mundo,
Descansou como um qualquer;
O homem em um segundo,
Reclamou pela mulher!

Cai a chuva promissora,
Corre forte a enxurrada,
Vou casar com professora,
Para ter a vida folgada!

A crise ninguém resiste,
Do povo ninguém tem dó;
Este dito já existe,
No tempo da minha avó!

Minha vida é uma novela,
De dor e sofrimento,
Desde o dia que com ela,
Me uni no casamento!

Se porventura eu crescer,
E conseguir posição,
Voltarei para agradecer,
Quem me faz perseguição!

Vi muita gente viver,
Com orgulho e aparatos,
E que no dia de morrer,
Não levou nem sapatos!

Uma coisa que redime,
O réu dando-lhe perdão,
É quando ele faz o crime,
Defendendo o seu irmão!

Não é fácil fazer trovas,
Ainda mais ser trovador,
Descobri idéias novas,
É difícil meu senhor!

O que mais quero no mundo,
Os meus mais loucos anseios,
É repousar um segundo,
Na almofada dos teus anseios!

Vem matar a minha mágoa,
Não precisa ter vexame;
Vem aqui, meu pingo d'água,
Na verde folha de inhame!

Os teus lábios vermelinhos,
Que beijo com adoração,
Às vezes, são como espinhos,
No meu pobre coração!

Meus primeiros desenganos,
Feriram-me o coração,
Quando eu vi, aos cinco anos,
O meu pai em um caixão!

O sofrimento não basta,
Para um ser tão pobrezinho;
Oh! Como a vida é madrasta,
Para aquele orfãozinho!

Corre o rio docemente,
No seu líquido caminho,
Dentro dele, indolente,
Vai gozando o meu barquinho!

Sim, tolo é o mortal,
Que confia na mulher,
Seu veneno é fatal,
Igual a uma cobra qualquer!

É doce sentir saudades,
Das serestas madrigais,
Da infância, da mocidade,
Que não volta, nunca mais!

A farmácia, hoje em dia,
É a melhor das profissões;
Basta açúcar e água fria,
E um bocado de limões!

Relógio, meu companheiro,
Que faz tic-tac sem parar,
Paralisa o teu ponteiro,
Pro meu bem não acordar!

O trabalho, meu amigo,
Dizem que é oração,
Conversa, é um castigo,
Pelo pecado de Adão!

No jogo, como no amor,
Existe o perde e ganha;
Em um, perde-se o valor,
No outro, só vergonha!

A saudade e a tristeza,,
Andam juntas pela vida;
Uma, trazendo a incerteza,
A outra, fazendo ferida!

O trabalho é um dever,
E não quero discordar;
Porém melhor seria ser,
Passarinho pra voar!

A violeta perfumada,
Vive oculta e triste assim,
Porque é apaixonada,
Pelo cravo e o jasmim!

A flor saudade é linda,
Tão meiga de roxa cor,
Mas triste se torna ainda,
Quando é a saudade de amor!

Para uns, o amor é aventura,
Para outros, é loteria,
Para muitos é loucura,
Para mim, é grande alegria!

O amor é tão complicado,
Malicioso e enganador,
Como um espinho aguçado,
Na haste de alguma flor!

Saudade, ninguém resiste,
O seu travo de amargador!
Adeus, que palavra triste,
Para quem ama com fervor!

O homem mau, avarento,
Explora até os seus;
Por isso, que eu contento,
Com a vontade de Deus!

Meu amor, sou marinheiro,
Vivo longe, em alto mar;
No meu peito aventureiro,
O teu nome eu vou gravar!

Violão, meu companheiro,
Meu amigo sem igual,
Quem cortou meu cajueiro,
Lá no fundo do quintal!

Na hora em que me casei,
Despedi-me dos meus pais;
Do caminho acenei,
Adeus, pra nunca mais!

Por que cantas à tardinha,
Meu querido sabiá? 
Ao ouvir tua modinha,
Que saudade me dá!

Para que temer a morte,
Se ninguém pode escapar,
Talvez a gente tem sorte,
De ir para um bom lugar!

As coisas mais belas do mundo,
É o amor e a saudade;
O que marca mais profundo,
É o dom da caridade!

Tive muitos amores,
Vividos na vida ao léu,
Uns sepultados com flores,
Será que os verei no céu!

Eu vi os pombos risonhos,
Que fugiram dos pombais,
Iguais os meus lindos sonhos,
Que não voltaram jamais!

Casimiro de Abreu (Carolina) VI – Perdão!


Augusto fugiu espavorido daquela casa onde deixava um cadáver; o cadáver de Fernando, punido pela cólera do Senhor!...

E ele conviveu com esse homem durante tantos anos e chamava-lhe seu amigo!...

E a mulher que ele amara pediu-lhe perdão, confessando o seu erro e o seu arrependimento!...

Ela ainda o amava...talvez! e com esta lembrança ele sentia reviver todo o amor que lhe jurara nos seus dias felizes. Cem vezes quis voltar para trás e levar nos seus braços Carolina desfalecida, que ele reanimaria com o seu hálito abrasador, mas a cabeça andava-lhe à roda, as casas pareciam cair e as pernas tremiam-lhe. Uma febre ardente devorava-lhe o cérebro.

Uma hora depois, dois médicos contemplavam-no estendido sobre a cama. 

Erguia meio corpo, apoiava-se com os cotovelos, e espraiando os olhos desvairados, perguntava com uma voz terrível: “Onde está Carolina?” 

Depois...seus punhos cerravam-se, seus dentes rangiam e murmurando: Fernando! Fernando! caía de novo sobre o travesseiro.  Era o delírio.

À claridade das velas, aquele rosto pálido, que se debatia na cama, parecia o dum espectro agitando-se sobre um túmulo. 

À meia noite cessou-lhe a febre e um sono tranqüilo e longo o conservou deitado até às 10 da manhã. 

Apenas acordou, contra a ordem expressa dos médicos, vestiu-se e saiu. 

Quem o visse na rua diria ser um fantasma. Estava desfigurado como um cadáver; só seus olhos tinham um brilho imenso. 

Dirigia-se apressado para a casa onde se desenrolara a seus olhos o drama da véspera: queria ver Carolina. 

— Quero falar à menina Carolina, disse ele à dona da casa, apenas entrou. 

— O senhor certamente enganou-se com a casa, aqui não há nenhuma Carolina. 

— Pois ela não estava aqui ontem?

— Carolina!...não senhor.

— Se eu estava aqui quando ela desmaiou ontem à tarde!

— Ah! é verdade, mas ela chama-se Amélia. 

— Mudou de nome! disse consigo o mancebo, tinha vergonha que a conhecessem! Depois dirigindo-se à mulher: Não lhe podia falar agora? 

— Ela já cá não está. Saiu ontem mesmo quase à noite, deixando-me uma carta para entregá-la a uma pessoa que a devia vir aqui procurar ontem ou hoje. Talvez seja o senhor. Queira ter a bondade de me dizer o seu nome? 

— Augusto ***.

— Justamente. Vou já buscá-la. 

— Esperava que eu viesse ontem ou hoje e não quis que eu a visse! murmurou ele apenas a mulher saíra da sala.  Compreendo-te, Carolina; tu ainda me amas e receavas que eu te repelisse agora que estás manchada, quando te havia deixado pura. Não, não! não te repilo, porque o meu coração bate da mesma maneira que batia há quatro anos; porque para mim sempre serás a mesma Carolina virgem, inocente, que eu respeitei como irmã; porque terias de mim o perdão voluntário dessas faltas que o mundo te fez cometer. Oh! para que me separei de ti? para que fiz aquela viagem?...

E abafou com o lenço as lágrimas que lhe saltaram dos olhos. 

— Aqui está a carta, disse a mulher entrando. 

Augusto recebeu-a e desceu precipitadamente as escadas. Queria lê-la em casa, porque aí ninguém viria perturbar-lhe a sua dor. 

Meia hora depois, sentado a uma mesa, lia ele a carta de Carolina. 

“ Augusto:

“Perdão! perdão! é de joelhos que to imploro. Não me amaldiçoes; por piedade, ouve-me primeiro. Bem sei que te rasguei o coração, porque tu me amavas deveras, mas já tenho expiado de sobra o mal que te fiz. Para que me deixastes tu, para fazer aquela viagem? Antes não fosses. Chorava todas as tardes debaixo do caramanchão, por ti; chorei três meses. Um dia vi Fernando. Um dia... Perdão! perdão! foi fraqueza; manchei o corpo, mas a alma ficou pura. Não amava senão a ti. Desde esse dia a tua imagem perseguiu-me sempre. Tremia diante da minha família, tremia diante de Deus, tremia diante de tudo! Era culpada! Uma noite, enfim, seduzida por aquele homem, que prometera desposar-me, reparando a falta, deixei a casa onde nascera para nunca mais voltar. Passei essa última tarde com minha mãe, que eu abracei e beijei mil vezes. Minha pobre mãe! que nunca mais te hás-de sorrir para mim! Meu pobre pai, que nunca mais me chamarás a tua Carolina! 
“Oh! Augusto! Augusto! eu tenho sofrido muito.
“Depois, meu filho foi-me arrancado dos braços, e quando pedi a Fernando os meus dias felizes, a minha honra, as carícias de minha mãe e os afagos de meu pai... ele respondeu-me com uma gargalhada e abandonou-me.
“Para onde havia de ir? Para casa de meus pais? Eles fechariam a porta à filha indigna que lhes manchara o nome. Não tinha coragem bastante para suicidar-me...arrojei-me no abismo!...
Mas todas as noites pedia a Deus nas minhas orações, que te pudesse ver ainda uma vez antes de morrer, a ti, o único que tenho amado. Deus ouviu-me, Deus puniu Fernando. 
“Adeus! parto para longe de ti; nunca mais me verás. Não, nunca mais, porque é impossível que o coração de um homem possa amar a mulher que o traiu. Mas ao menos lembra-te que Cristo perdoou a seus algozes, perdoa-me também. Oh! sim, Augusto, perdão! perdão para
CAROLINA.”

Sim, sim, perdôo-te, exclamou o mancebo deixando cair a carta das mãos: perdôo-te, porque sinto renascer todo o amor que eu julgava extinto. Carolina! Carolina! bradou ele, erguendo-se, vem a meus braços, vem, que eu te dou todo o amor que encerra o coração de um homem. 

Meu Deus! meu Deus! dai-me a minha Carolina, que eu nunca amei outra mulher no mundo...

Continua…

Fonte:
ABREU, Casimiro de.  Carolina.  in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu.  2ª ed.   Rio de Janeiro:  Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ