quinta-feira, 25 de outubro de 2012

José de Alencar (Ao correr da pena) 29 de outubro: O Passeio Público


(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).

Quando estiverdes de bom humor e numa excelente disposição de espírito, aproveitai uma dessas belas tardes de verão como tem feito nos últimos dias, e ide passar algumas horas no Passeio Público, onde ao menos gozareis a sombra das árvores e um ar puro e fresco, e estareis livres da poeira e do incômodo rodar dos ônibus e das carroças.

Talvez que, contemplando aquelas velhas e toscas alamedas com suas grades  quebradas e suas árvores mirradas e carcomidas, e vendo o descuido e a negligência que reina em tudo isto, vos acudam ao espírito as mesmas reflexões que me assaltaram a mim e a um amigo meu, que há cerca de um ano teve a  habilidade de transformar em uma semana uma tarde no Passeio público.

Talvez pensareis como nós que o estrangeiro que procurar nestes lugares, banhados pela viração da tarde, um refrigério à calma abrasadora do clima deve ficar fazendo bem alta idéia, não só do passeio como do público desta corte.

A nossa sociedade é ali dignamente representada por dois tipos curiosos e dignos de uma fisiologia no gênero de Balzac. O primeiro é o estudante de latim, que, ao sair da escola, ainda com os Comentários debaixo do braço e o caderno de significados no bolso, atira-se intrepidamente qual novo César à conquista do ninho dos pobres passarinhos. O segundo é o velho do século passado que, em companhia do indefectível compadre, recorda as tradições dos tempos coloniais, e conta anedotas sobre a Rua das Belas Noites e sobre o excelente governo do sr. Vice-Rei D. Luís de Vasconcelos.

Assim, pois, não há razão de queixa. O passado e o futuro, a geração que finda e a mocidade esperançosa que desaponta, fazem honra ao nosso Passeio, o qual fecha-se às oito horas muito razoavelmente, para dar tempo ao passado de ir cear, e ao futuro de ir cuidar nos seus significados.

Quanto ao presente, não passeia, é verdade; porém, em compensação, vai ao Cassino, ao Teatro Lírico, toma sorvetes, e tem mil outros divertimentos agradáveis, como o de encher os olhos de poeira, fazer um exercício higiênico de costelas dentro de um carro nas ruas do Catete, e sobretudo o prazer incomparável de dançar, isto é, de andar no meio da sala, como um lápis vestido de casaca, a fazer oito nas contradanças, e a girar na valsa como um pião, ou como um corrupio.

Com tão belos passatempos, que se importa o presente com esse desleixo imperdoável e esse completo abandono de um bem nacional, que sobrecarrega de despesas os cofres do Estado, sem prestar nenhuma das grandes vantagens de que poderiam gozar os habitantes desta corte?

Quando por acaso se lembra de semelhante coisa, é unicamente para servir-lhe de pretexto a um estribilho de todos os tempos e de todos os países, para queixar-se da administração e lançar sobre ela toda a culpa. Ora, eu não pretendo defender o governo, não só porque, tendo tanta coisa a fazer, há de por  força achar-se sempre em falta, como porque ele está para a opinião pública na mesma posição que o menino de escola para o mestre, e que o soldado para o sargento, isto é, tendo a presunção legal contra si.

Contudo parece-me que o estado vergonhoso do nosso Passeio Público não é unicamente devido à falta de zelo da parte do governo, mas também aos nossos usos e costumes, e especialmente a uns certos hábitos caseiros e preguiçosos, que têm a força de fechar-nos em casa dia e noite.

Nós que macaqueamos dos franceses tudo quanto eles t~em de mau, de ridículo e de grotesco, nós que gastamos todo o nosso dinheiro brasileiro para transformar-nos em bonecos e bonecas parisienses, ainda não nos lembramos de imitar uma das melhores coisas que eles têm, uma coisa que eles inventaram, que lhes é peculiar e que não existe em nenhum outro país a menos que não seja uma pálida imitação: a flânerie.

Sabeis o que é a flânerie? É o passeio ao ar livre, feito lenta e vagarosamente, conversando ou cismando, contemplando a beleza natural ou a beleza da arte; variando a cada momento de aspectos e de impressões. O companheiro inseparável do homem quando flana é o charuto; o da senhora é o seu buquê de flores.

O que há de mais encantador e de mais apreciável na flânerie é que ela não produz unicamente o movimento material, mas também o exercício moral. Tudo no homem passeia: o corpo e a alma, os olhos e a imaginação. Tudo se agita; porém é uma agitação doce e calma, que excita o espírito e a fantasia, e provoca deliciosas emoções.

A cidade do Rio de Janeiro, com seu belo céu de  azul e sua natureza tão rica, com a beleza de seus panoramas e de seus graciosos arrabaldes, oferece muitos desses pontos de reunião, onde todas as tardes, quando quebrasse a força do sol, a boa sociedade poderia ir passar alguns instantes numa reunião agradável, num círculo de amigos e conhecidos, sem etiquetas e cerimônias, com toda a liberdade do passeio, e ao mesmo tempo com todo o encanto de uma grande reunião.

Não falando já do Passeio Público, que me parece injustamente votado ao abandono, temos na Praia de Botafogo um magnífico boulevard como talvez não haja um em Paris, pelo que toca à natureza. Quanto à beleza da perspectiva, o adro da pequena igrejinha da Glória é para mim um dos mais lindos passeios do Rio de Janeiro. O lanço d’olhos é soberbo: vê-se toda a cidade à vol d’oiseau, embora não tenha asas para voar a  algum cantinho onde nos leva sem querer o pensamento.

Mas entre nós ninguém dá apreço a isto. Contanto que se vá ao baile do tom, à ópera nova, que se pilhem duas ou três constipações por mês e uma tísica por ano, a boa sociedade se diverte; e do alto de seu cupê aristocrático lança um olhar de soberano desprezo para esses passeios pedestres, que os charlatães dizem ser uma condição da vida e de bem-estar, mas que enfim não têm a agradável emoção dos trancos, e não dão a um homem a figura de um boneco de engonço a fazer caretas e a deslocar os ombros entre as almofadas de uma carruagem.

A boa sociedade não precisa passear;  tem à sua disposição muitos divertimentos, e não deve por conseguinte invejar esse mesquinho passatempo do caixeiro e do estudante. O passeio é a distração do pobre, que não tem saraus e reuniões.

Entretanto, se por acaso encontrardes o diabo Coxo de Lesage, pedi-lhe que vos acompanhe em alguma nova excursão aérea, e que vos destampe os telhados das casas da cidade; e, se for noite em que a Charton esteja doente e o Cassino fechado, vereis que a atmosfera de tédio e monotonia encontrareis nessas habitações, cujos moradores não passeiam nunca, porque se divertem de uma maneira extraordinária.

Felizmente creio que vamos ter breve uma salutar modificação nesta maneira de pensar. As obras para a iluminação a gás do Passeio Público e alguns outros reparos e melhoramentos necessários já começaram e brevemente estarão concluídos.

Autorizando-se então o administrador a admitir o exercício de todas essas pequenas indústrias que se encontram nos passeios de Paris para comodidade dos freqüentadores, e havendo uma banda de música que toque a intervalos, talvez apareça a uma banda de música que toque a intervalos, talvez apareça a concorrência, e o Passeio comece a ser um passatempo agradável.

Já houve a idéia de entregar-se a administração a uma companhia, que, sem nenhuma subvenção do governo, se obrigaria a estabelecer os aformoseamentos necessários, obtendo como indenização um direito muito módico sobre a entrada, e a autorização de dar dois ou três bailes populares durante o ano.

Não achamos inexeqüível semelhante idéia; e, se não há nela algum inconveniente que ignoramos, é natural que o Sr. Ministro do Império já refletido nos meios de leva-la a efeito.

Entretanto o Sr. Ministro que se acautele, e pense maduramente nesses melhoramentos que está promovendo. São úteis, são vantajosos; nós sofremos com a sua falta, e esperamos ansiosamente a sua realização. Mas, se há nisto uma incompetência de jurisdição, nessa caso, perca-se tudo, contanto que salve-se o princípio: Quod Dei Deo, quod Cesaris Cesare.. 

A semana passada já o Sr. Pedreira deu motivo a graves censuras com o seu regulamento do asseio público. E eu que caí em dizer algumas palavras a favor! Não tinha ainda estudado a questão, e por isso julgava que, não dispondo a Câmara Municipal dos recursos necessários para tratar do asseio da cidade, o Sr. Ministro do Império fizera-lhe um favor isentando-a desta obrigação onerosa e impossível, e a nós um benefício, substituindo a realidade do fato à letra morta das posturas.

Engano completo! Segundo novos princípios modernamente descobertos em um jornal velho, a Câmara Municipal não tem obrigação de zelar a limpeza da cidade, tem sim um direito; e por conseguinte dispensa-la de cumprir aquela obrigação é esbulha-la desse seu direito. Embora tenhamos as ruas cheias de lama e as praias imundas, embora a cidade às dez horas ou meia-noite esteja envolta numa atmosfera de miasmas pútridos, embora vejamos nossos irmãos, nossas famílias e nós mesmos vítimas de moléstias provenientes destes focos de infecção! Que importa! La garde meurt, mais ne se rend pas. Morramos, mas respeite-se o elemento municipal; salve-se a sagrada inviolabilidade das posturas!

Filipe III foi legalmente assassinado, em virtude do rigor das etiquetas da corte espanhola. Não é muito, pois, que nós, os habitantes desta cidade, sejamos legalmente pesteados, em virtude das prerrogativas de um novo regime municipal.

A pouco tempo eu diria que isto era mais do que um contra-senso,  porém hoje, não; reconheço que o Ministro do Império não deve tocar no elemento municipal, embora o elemento municipal esteja na pasta do Ministro do Império, que aprova as posturas e conhece dos recursos de suas decisões.

Respeite-se, portanto, a independência da edilidade, e continuemos a admirar os belos frutos de tão importante instituição, como sejam a reedificação das casas térreas da Rua do Ouvidor, a conservação das biqueiras, o melhoramento das calçadas das Ruas da Ajuda e da Lapa, e a irregularidade da construção das casas, que se regula pela vontade do proprietário e pelo preceito poético de Horácio – Omnis variatio delectat.

Ora, na verdade um elemento municipal, que tem feito tantos serviços, que além de tudo tem poetizado esta bela corte com a aplicação dos preceitos de Horácio, não pode de maneira alguma ser privado do legítimo direito que lhe deu a lei de servir de valet de chambre da cidade.

Pelo mesmo princípio, sendo o pai obrigado a alimentar o filho, sendo cada um obrigado a alimentar-se a si mesmo, qualquer esmola feita pela caridade, qualquer instituição humanitária, como recolhimento de órfãos e de expostos, não pode ser admitido, porque constitui uma ofensa ao direito do terceiro.

E agora que temos chegado às últimas e absurdas conseqüências de um princípio arbitrário, desculpem-nos aqueles a quem contestamos o tom a que trouxemos discussão. Neste mundo, onde não faltam motivos de tristeza, é preciso rir ainda à custa das coisas as mais sérias.

A não ser isto, provaríamos que o Sr. Ministro do Império, tomando as medidas extraordinárias que reclama a situação, respeitou e considerou o elemento municipal, e deixou-lhe plena liberdade de obrar dentro dos limites de sua competência. Se me contestarem semelhante fato, então não terei remédio senão vestir o folhetim de casaca preta e gravata branca, e voltar à discussão com a lei numa mão e a lógica na outra.

Aposto, porém, que a esta hora já o meu respeitável leitor está torcendo a cabeça em forma de ponto de interrogação, para perguntar-me se pretendo escrever uma revista hebdomadária sem dar-lhe nem ao menos uma ou duas notícias curiosas.

Que quer que lhe faça? O paquete de Liverpool chegou domingo, mas a única notícia que nos trouxe foi a do desembarque na Criméia. Ora, parece-me que não é preciso ter o dom  profético para adivinhar os lances de semelhante expedição, que deve ser o segundo tomo da tomada de Bommarsund, já tão bem descrita, todos sabem por quem.

Há três ou quatro vapores soubemos que se preparava a expedição da Criméia; depois disto, as notícias vieram, e continuaram a vir pouco mais ou menos desta maneira. – As forças aliadas embarcaram. – estão em caminho. Devem chegar em tal tempo. – Chegaram. – Desembarcaram. – Reuniu-se o conselho general para resolver o ataque. – O ataque foi definitivamente decidido. – Começou o assalto. – Interrompeu-se o combate para que os pintores ingleses tirem a vista da cidade no meio do assalto. – Continuou o combate. – Fez-se uma brecha. – Nova interrupção para tirar-se a vista da brecha.

Isto, a dois paquetes por mês, dá-nos uma provisão de notícias que pode chegar até para meados do ano que vem. Provavelmente durante este tempo mudar-se-ão os generais, e os pintores da Europa terão objeto para uma nova galeria de retratos, os escritores tema para novas brochuras, e os jornalistas matéria vasta para publicações e artigos de fundo. E todo este movimento literário e artístico promovido por um bárbaro russo, o qual com a ponta do dedo abalou a Europa e tem todo o mundo suspenso! 

É um fenômeno este tão admirável como o que se nota no Teatro Lírico nas noites em que canta a Casaloni. A sua voz extensa e volumosa, e os enormes ramos de flores enchem o salão de tal maneira, que não cabe senão um pequeno número de espectadores; o resto, não achando espaço e não podendo resistir à  força de tal voz, é obrigado a retirar-se. Entretanto os desafetos da cantora dizem que ela não tem entusiastas e adoradores! Tudo porque ainda não compreenderam aquele fenômeno artístico e musical!

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

58a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação da Inauguração: 26 de outubro)


Evento organizado pela Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) chega a sua 58ª edição 

A Feira do Livro de Porto Alegre, evento que já recebeu a Medalha da Ordem do Mérito Cultural da República, começa amanhã, 26/10, e segue até o dia 11/11. 

A feira é organizada pela Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) e chega esse ano a sua 58ª edição. Durante 17 dias do evento, a Praça da Alfândega abrigará as bancas de editoras, distribuidores e livrarias. 

Já o Cais do Porto, outro ponto importante do centro histórico da capital gaúcha, comportará expositores e a programação da Área Infantil e Juvenil. 

Em prédios no entorno da Praça, serão sediadas mesas-redondas, oficinas e apresentações artísticas da programação adulta, totalizando mais de 300 atividades. 

As sessões de autógrafos são um dos pontos altos da Feira. Nesta edição, serão mais de 700, em um total que ultrapassa os 1,6 mil autores. 

A expectativa de público – 1,7 milhão de pessoas – supera até mesmo a população de Porto Alegre.

Horários da Feira
Área Infantil e Juvenil: 9h30 às 20h
Áreas Geral e Internacional: 12h30 às 21h
Informações

(51) 3225 5096 
 (51) 3286 4517
informacoes@camaradolivro.com.br

SEXTA, 26 DE OUTUBRO

MESAS REDONDAS E DEBATES

Abertura do Seminário Internacional O papel da biblioteca e da leitura no desenvolvimento da sociedade.
Sala dos Jacarandás - Memorial do RS (09h) 

Seminário Internacional O papel da biblioteca e da leitura no desenvolvimento da sociedade
Sala dos Jacarandás - Memorial do RS (09h30) (10h) (11h15) (14h) (16h30) 

Abertura Oficial da 58ª Feira do Livro de Porto Alegre
Teatro Sancho Pança - Armazém B do Cais do Porto (19h) 

Reunião das Editoras Universitárias.
Sala Leste - Santander Cultural (14h) 

AUTOGRAFOS

Cecília Bajour
Memorial - Sala dos Jacarandás (18h30) 
Sexta, 26 de outubro

Silvia Castrillón
Memorial - Sala dos Jacarandás (18h30)

Fontes:
Câmara Brasileira do Livro

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Cybele Meyer (O Sucesso da Mala)


Ilustração Ana dos Anjos
 Respiro ofegante. Trago nas mãos uma pequena mala e uma agenda tinindo de nova. É meu primeiro dia de aula. Venho substituir uma professora que teve que se ausentar "por motivo de força maior". Entro timidamente na sala dos professores e sou encarada por todos. Uma das colegas, tentando me deixar mais à vontade, pergunta:

 - É você que veio substituir a Edith?

 - Sim - respondo num fio de voz.

 - Fala forte, querida, caso contrário vai ser tragada pelos alunos - e morre de rir.

 - Ela nem imagina o que a espera, não é mesmo? - e a equipe toda se diverte com a minha cara.

 Convidada a me sentar, aceito para não parecer antipática. Eles continuam a conversar como se eu não estivesse ali. Até que, finalmente, toca o sinal. É hora de começar a aula. Pego meu material e percebo que me olham curiosos para saber o que tenho dentro da mala. Antes que me perguntem, acelero o passo e sigo para a sala de aula. Entro e vejo um montão de olhinhos curiosos a me analisar que, em seguida, se voltam para a maleta. Eu a coloco em cima da mesa e a abro sem deixar que vejam o que há lá dentro.

 - O que tem aí, professora?

 - Em breve vocês saberão.

 No fim do dia, fecho a mala, junto minhas coisas e saio. No dia seguinte, me comporto da mesma maneira, e no outro e no noutro... As aulas correm bem e sinto que conquistei a classe, que participa com muito interesse. Os professores já não me encaram. A mala, porém, continua sendo alvo de olhares curiosos.

 Chego à escola no meu último dia de aula. A titular da turma voltará na semana seguinte. Na sala dos professores ouço a pergunta guardada há tantos dias:

 - Afinal, o que você guarda de tão mágico dentro dessa mala que conseguiu modificar a sala em tão pouco tempo?

 - Podem olhar - respondo, abrindo o fecho.

 - Mas não tem nada aí! - comentam.

 - O essencial é invisível aos olhos. Aqui guardo o meu melhor.

 Todos ficam me olhando. Parecem estar pensando no que eu disse. Pego meu material, me despeço e saio.

Fonte:

Edi Longo/SP (Salada Poética )


Edi é de São Paulo/SP
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Da coletânea Declame para Drummond 2012
110º aniversário do poeta e vários poemas no meio do caminho pelo Brasil

Clarice disse:
“só conheço duas formas de descobrir se o mundo é redondo:
estudando ou sendo feliz”.
Chico cochichou:
“devagar é que não se vai longe”
Vinícius vaticinou:
“sei não, sei não, a vida tem sempre razão”
Drummond dramou:
“há uma pedra no caminho”
Pessoa apessoou:
“o poeta é um fingidor”

E, eu, num “insight” bendito
peguei tudo o que foi dito
escrito bonito
fiz uma salada poética
sem qualquer rima ou métrica:
...vesti-me de aprendiz
...crédula como um monge
...peguei a vida na mão
...da pedra fiz um carinho
...fingindo ser fingidor...
bem, foi o Pessoa quem falou!
E a minha mente acreditou.

Será que poeta sou? 

Heloísa Crespo (Ciranda “Professor Versos”) Parte IV – Berenice Guedes (Ideal de Normalista)


Quando entrei no Magistério
Pensava mudar o Mundo!
Ensinar era Mistério
Dos maiores, mais profundos!

Quarenta anos depois
Vejo meus sonhos perdidos...
Mas tentei com mil ou dois
E alguns não foram vencidos:

Houve uns que conseguiram
Conhecimento alcançar.
Superaram-me! E seguiram
E hoje podem me ensinar!

Entretanto muitos outros
Ficaram pelo caminho
Com conhecimentos rotos
Embora roupa de arminho!

Penso então, eu, muitas vezes
Se fiz tudo o que podia?!...
- Entre vitórias, revezes,
Esforcei-me todo o dia! -

Professora Normalista
Eu amei o que fazia!
Alegra-se minha vista
Quando me vêem e: “Bom dia!”

Uma coisa tenho certa
Mil amigos! Eu os fiz!...
Abri-lhes a porta certa
E, por eles... Sou feliz!.

Fonte:
Organização e Programação Visual: Heloisa Crespo
Campos dos Goytacazes/RJ.

Folclore Inglês (As Três Respostas)


Antiga balada inglesa adaptada por Tatiana Belinky
da série Folclore em Sala de Aula

Na Inglaterra daquele tempo, vivia na corte do rei João um importante prelado, o abade de Canterbury, tão vaidoso que um dia chegou a se vangloriar de ser mais rico e de ter um palácio mais belo do que o próprio soberano. Quando essa notícia chegou aos ouvidos do monarca, este ficou muito irritado e mandou convocar o prelado à sua presença.

O abade apressou-se a comparecer perante o rei, sem desconfiar da surpresa que o aguardava. O rei João foi ríspido, dizendo que a gabolice do abade constituía crime de lesa-majestade, punido com a pena de morte e o confisco dos bens do réu. O abade tremeu de medo, jurando ser inocente e implorando o perdão real. E tanto suplicou que o rei João, fingindo compadecer-se dele, disse que o perdoaria, se ele respondesse às três perguntas que lhe faria em seguida.

— A primeira pergunta é a seguinte: assim como me vês, sentado no meu trono de ouro, com a minha coroa na cabeça e o cetro na mão, dize-me quanto eu valho em dinheiro. A segunda pergunta é: quanto tempo eu levaria a cavalo para fazer a volta ao mundo? E a terceira é: o que eu estou pensando aqui e agora?

Assustado, o abade de Canterbury pediu ao rei João que lhe concedesse três dias para pensar nas respostas. O rei, fazendo-se de generoso e certo de que o prelado jamais responderia às suas perguntas, concedeu-lhe esse prazo.

O abade saiu apressado, consultou doutores, sábios e feiticeiros, mas ninguém soube responder àquelas perguntas. Ao entardecer do terceiro dia, de volta ao seu palácio, cruzou com o pastor do seu rebanho de ovelhas. Reparando no aspecto abatido do amo, o pastor lhe perguntou qual a razão de tamanha tristeza. O abade, num desabafo, contou-lhe sua infeliz e perigosa situação. E muito se surpreendeu ao ouvir do pastor uma estranha proposta.

— Acho que sei a solução para o seu caso. Repare que nós dois temos a mesma altura e o mesmo porte. Se confiar em mim, eu me apresentarei amanhã em seu lugar perante o rei, disfarçado em traje de monge. Se Deus quiser, acharei as respostas às três perguntas.

Como não tinha nada a perder, o abade concordou com o plano. No dia seguinte, o pastor, encoberto pelo capuz do hábito do monge, apresentou-se ao rei João à espera das três perguntas, que o monarca lhe fez em seguida, sem reconhecê-lo.

— Então, abade atrevido, responde-me sem hesitar: assim como me vês, sentado no meu trono de ouro, com a minha coroa na cabeça e o cetro na mão, quanto eu valho em dinheiro?

— A resposta, disse o pastor disfarçado, é a seguinte. Nosso Salvador foi vendido por 30 moedas. Portanto, o vosso valor é 29 moedas, pois acho que Vossa Majestade concordará que vale uma moeda menos do que Nosso Senhor.

— Não pensei que eu valesse tão pouco, sorriu o rei. Mas dize-me agora em quanto tempo posso cavalgar em volta do mundo.

— Vossa Majestade, respondeu o falso abade, deve levantar-se ao nascer do dia e seguir cavalgando atrás do Sol até a manhã seguinte, quando o astro nascer outra vez. Assim, sem erro, terá dado a volta ao mundo em 24 horas.

— Nunca pensei, riu o rei, que a volta ao mundo pudesse ser feita tão depressa. Mas agora me diga, abade, o que estou pensando neste exato momento?

— Vossa Majestade, respondeu o esperto pastor, pensa que está falando com o abade de Canterbury. Mas a verdade é que não passo de um pobre pastor de ovelhas.

E, afastando do rosto o capuz de monge, concluiu:

— Estou aqui para pedir perdão para mim e para o meu amo, o abade.

Dessa vez, o rei João riu às gargalhadas e disse:

— Por teres alegrado o meu dia, eu te perdôo pelo atrevimento e mando te dar uma bolsa de dinheiro como recompensa. Vai em paz e dize ao teu patrão que te agradeça porque, graças a ti, eu o perdôo também. Mas ele que se guarde de novas gabolices!


Para trabalhar com o imaginário dos alunos, lance mão dos personagens e cenários medievais que povoam o conto. Se quiser ir mais além, use o texto como apoio nas aulas de Português e Geografia. Foi o que fez Vera Bastazin, professora de Literatura do Departamento de Arte da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É dela o plano interdisciplinar que você verá a seguir, pensado para turmas de terceira a sexta série.

BEM-VINDOS À FANTASIA

"Na Inglaterra daquele tempo, vivia na corte do poderoso rei João um importante prelado, o abade de Canterbury..." A primeira frase do conto introduz rapidamente o aluno no mundo dos castelos e reis. Leia o período em voz alta e, em seguida, inicie um saudável e interessante exercício de inquisição, formulando perguntas que devem ser respondidas oralmente. Como será o interior e o exterior de um palácio? O que faziam os monarcas naquele tempo? Como se vestiam os reis e as rainhas? O que era a corte real? Existem monarcas ainda hoje? Qual seu papel atual? Só leia o restante do conto depois de ter instigado a imaginação da garotada. O texto também é rico em palavras estranhas à linguagem corrente, como "prelado", "gabolice", "confisco". Ótima oportunidade para, na aula de Português, treinar com a turma o uso do dicionário. Depois de devidamente esclarecidas, essas palavras se aliam a outras para uma nova atividade. A partir dos substantivos "rei", "abade" e "pastor", sugira que façam um agrupamento de termos que se relacionem diretamente com os personagens da história. Como no quadro abaixo.

REI = majestade – trono – cetro – palácio - coroa
ABADE = prelado – monge – assustado – vaidoso - perdão
PASTOR = rebanho – capuz – esperto – pobre - disfarce

UMA VOLTA AO MUNDO

Nas aulas de Geografia, use a segunda pergunta feita pelo rei ("Quanto tempo eu levaria a cavalo para dar a volta ao mundo?") para trabalhar questões relativas ao sistema solar. Comece pela Terra, explorando sua forma e seu tamanho. Para dar uma volta completa no nosso planeta pela linha do Equador, uma pessoa a cavalo teria que percorrer cerca de 12 mil quilômetros. Pelos pólos, a distância diminuiria 20 quilômetros, já que eles são achatados. A resposta do pastor só faz sentido num tempo em que se imaginava que o Sol dava a volta na Terra, e não o contrário. Bastava seguir o astro-rei do nascente ao poente para completar o percurso. Era a teoria geocêntrica, que você também pode opor à heliocêntrica, com o Sol no centro do Universo.

Fonte:
Revista Nova Escola

Edinar Corradini / RJ (Meu Poeta)


Edinar é de Teresópolis/RJ
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Da coletânea Declame para Drummond 2012
110º aniversário do poeta e vários poemas no meio do caminho pelo Brasil

Me debruço sobre teus poemas, sinto-me viva.
E mansamente minha alma Cresce
Cada verso teu acorda meus sonhos
Por sentir teu cantante em meus ouvidos
Passear pelos versos num florir de das palavras
Em minha mente aquela essência
Como um perfume de uma flor que o vento trás
Vejo teus versos conversar comigo 

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 706)



Uma Trova de Ademar  


Mesmo que a paixão desabe
disto eu não sentirei medo,
o mundo inteiro já sabe
que eu sempre amei em segredo!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional  

Este Amor que nos cativa
e que nossa alma acalenta,
é, por vezes, chaga viva
que muito dói, mas contenta.
–Clarisse Sanches/PRT–

Uma Trova Potiguar  

Lindo horizonte desponta
nos meus sonhos de menino,
mas só Deus sabe dar conta
da saga do meu destino.
–Zé de Sousa/RN–

Uma Trova Premiada  

2007   -   Ribeirão Preto/SP
Tema   -   LIVRO   -   1º Lugar.

Seria a paz mais presente
e o porvir menos incerto
se na mão do adolescente
sempre houvesse um livro aberto!
–Rita Mourão/SP–

...E Suas Trovas Ficaram  


Amor... Amor que eu conheço
pode ser uma obsessão,
mas persiste a qualquer preço,
nunca sai do coração.
–Lívio Barreto/CE–

U m a P o e s i a  


Alternâncias de alegria
e de tristeza é a meta,
de um coração remendado

por sonhos que o tempo veta.
e o riso com pouco encanto,
esconde as veias de pranto
no coração de um poeta.

–Lima Júnior/PE–

Soneto do Dia  

ORAÇÃO DE POETA.
–Miguel Russowsky/SC–


– Que me darás, Senhor, pela jornada
de dores, privações e misereres?
– Eu te darei a noite salpicada
de estrelas e silêncio. Que mais queres?


– E para a solidão da madrugada?
– Já fiz o mundo cheio de mulheres.
procura e encontrarás a tua amada.
Faz os mais lindos versos que puderes.


– Mas como irei, Senhor, reconhecê-la?
– Há no céu, entre todas, uma estrela
que apenas tu verás. Que mais perguntas?


– E este frio e esta angústia que ora sinto?
– quando ela penetrar em teu recinto
a primavera e a paz hão de vir juntas.

Heloísa Crespo (Ciranda “Professor Versos”) Parte III – Trovas: Antonio Cabral e A. A. de Assis


Amor tem três dimensões:
É pai, mãe e professor.
Mas pai, mãe são ligações,
Professor, só puro amor.
Antonio Cabral



Meu amigo professor,
moldaste o meu coração.
Contigo aprendi que Amor
é sempre a maior lição!
A. A. de Assis

Fonte:
Organização e Programação Visual: Heloisa Crespo
Campos dos Goytacazes/RJ.

José de Alencar (Ao correr da pena) 22 de Outubro: Um Sermão de Monte Alverne


(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).

O tempo serenou; as nuvens abriram-se, e deixam ver a espaços uma pequena nesga de céu azul, por onde passa algum raio de sol desmaiado, que, ainda como que entorpecido com o frio e com a umidade da chuva, vem espreguiçar-se indolentemente sobre as alvas pedras das calçadas.

Aproveitemos a estiada da manhã, e vamos, como os outros, acompanhando a devota romaria, assistir à festividade de São Pedro de Alcântara, que se celebra na Capela Imperial!

A igreja ressumbra a severa e impotente majestade dos templos católicos. Em face dessas grandes sombras que se projetam pelas naves, da luz fraca e vacilante dos círios lutando com a claridade do sai que penetra pelas altas abóbadas, do silêncio e das pompas solenes de uma religião verdadeira, sente-se o espírito tomado de um grave recolhimento.

Perdido no esvão de uma nave escura, ignorado de todos e dos meus próprios amigos, que talvez condenavam sem remissão um indiferentismo imperdoável, assisti com o espírito do verdadeiro cristão a esta festa religiosa, que apresentava o que quer seja fora do comum.

Sob o aspecto contido e reservado daquele numeroso concurso, elevando-se gradualmente do mais humilde crente até às últimas sumidades da hierarquia social, transpareciam os assomos de uma  curiosidade sôfrega e de uma ansiedade mal reprimida. Qual seria a causa poderosa que perturbava assim a gravidade da oração? Que pensamento podia assim distrair o espírito dos cismas e dos enlevos da religião?

Não era de certo um pensamento profano, nem uma causa estranha que animava aquele sentimento. Ao contrário: neste templo que a religião enchia com todo o vigor de suas imagens e toda a poesia de seus mitos, neste recinto em que as luzes, o silêncio e as sombras, as galas e a música representavam todas as expressões do sentimento, só faltava a palavra, mas a palavra do Evangelho, a palavra de uma inspiração sublime e divina, a palavra que cai do céu sobre o coração como um eco da voz de Deus, e que refrange aos lábios para poder ser compreendida pela linguagem dos homens.

Era isto o que todos esperavam. Os olhos se voltavam para o púlpito onde havia pregado Sampaio, S. Carlos e Januário; e pareciam evocar dos seus túmulos aquelas sombras ilustres para virem contemplar um dia de sua vida, uma reminiscência de suas passadas glórias.

Deixai que emudeçam as orações, que se calem os sons da música religiosa, e que os últimos ecos dos cânticos sagrados se vão perder pelo fundo dos erguidos corredores ou pelas frestas arrendadas das tribunas.

Cessaram de todo as orações. Recresce a expectação e a ansiedade; mas cada um se retrai na mudez da concentração. Os gestos se reprimem, contêm-se as respirações anelantes. O silêncio vai descendo frouxa e lentamente do alto das abóbadas ao longo das paredes, e sepulta de repente o vasto âmbito do templo.

Chegou o momento. Todos os olhos estão fixos, todos os espíritos atentos.

No vão escuro da estreita arcada do púlpito assomou um vulto. É um velho cego, quebrado pelos anos, vergado pela idade. Nessa bela cabeça quase calva e encanecida pousa-lhe o espírito da religião sob a tríplice auréola da inteligência, da velhice e da desgraça.

O rosto pálido e emagrecido cobre-se desse vago, dessa oscilação do homem que caminha nas trevas. Entre as mangas do burel de seu hábito de franciscano cruzam-se os braços nus e descarnados.

Ajoelhou. Curvou a cabeça sobre a borda do púlpito, e, revolvendo as cinzas de um longo passado, murmurou uma oração, um mistério entre ele e Deus.

Que há em tudo isto que desse causa à tamanha expectação? Não se encontra a cada momento um velho, a quem o claustro seqüestrou do mundo, a quem a cegueira privou da luz dos olhos? Não há aí tanta inteligência que um voto encerra numa célula, e que a desgraça sepulta nas trevas?

É verdade. Mas deixai que termine aquela rápida oração; esperai um momento... um segundo... ei-lo!

O velho ergueu a cabeça; alçou o porte; a sua fisionomia animou-se. O braço descarnado abriu um gesto incisivo; os lábios, quebrantando o silêncio de vinte anos, lançaram aquela palavra sonora, que encheu o recinto, e que foi acordar os ecos adormecidos de outros tempos.

Fr. Francisco de Monte Alverne pregava! Já não era um velho cego, que a desgraça e a religião mandava respeitar. Era o orador brilhante, o pregador sagrado, que impunha a admiração com a sua eloqüência viva e animada, cheia de grandes pensamentos e de imagens soberbas.

Desde este momento o que foi aquele rasgo de eloqüência, não é possível exprimi-lo, nem sei dize-lo. A entonação grave de sua voz, a expressão nobre do gesto enérgico a copiar a sua frase eloqüente, arrebatava; e levado pela força e veemência daquela palavra vigorosa, o espírito, transpondo a distância e o tempo, julgava-se nos desertos de Said e da Tebaida, entre os rochedos alcantilados e as vastas sáfaras de areia, presenciando todas as austeridades da solidão.

De repente, em dois terços, com uma palavra, com um gesto, muda-se o quadro; e como que a alma se perde naquelas vastas e sombrias abóbadas do Mosteiro de São Justo, para ver com assombro Pedro de Alcântara em face de Carlos V, o santo em face da grandeza decaída.

Aqueles que em outros tempos ouviram Monte Alverne, e que podem comprar as duas épocas de sua vida cortada por uma longa reclusão, confessam que todas as suas reminiscências dos tempos passados, apesar do prestígio da memória, cederam a esse triunfo da eloqüência.

Entre as quatro paredes de uma célula estreita, privado da luz, é natural que o pensamento se tenha acrisolado; e que a inteligência, cedendo por muito tempo a uma força poderosa de concentração, se preparasse para essas expansões brilhantes.

O digno professor de eloqüência do Colégio de Pedro II; desejando dar aos seus discípulos uma lição de prática de oratória, assistiu com eles, e acompanhado do respeitável diretor daquele estabelecimento, ao belo discurso de Monte Alverne.

Não me animo a dizer mais sobre um assunto magnífico, porém esgotado por uma dessas penas que com dois traços esboçam um quadro, como a palavra de Monte Alverne com um gesto e uma frase.

Contudo, se este descuido de escritor carece de desculpas, parece-me que tenho uma muito valiosa na importância do fato que preocupou os espíritos durante os últimos dias da semana, e deu tema a todas as conversações.

Parece, porém, que a chuva só quis dar tempo a que a cidade do Rio de Janeiro pudesse ouvir o ilustre pregador, sem que o rumor das goteiras perturbasse o silêncio da igreja.

À tarde o tempo anuviou-se, e a água caía a jorros. Entretanto isto não impediu que a alta sociedade e todas as notabilidades políticas e comerciais, em trajes funerários, concorressem ao enterro de uma senhora virtuosa, estimada por quantos a  tratavam, conhecida pelos pobres e pelas casas pias.

A Sra. Baronesa do Rio Bonito contava muitas afeições, não só pelas suas virtudes, como pela estimação geral de que gozam seus filhos. O grande concurso de carros que acompanharam o seu préstito fúnebre em uma tarde desabrida é o mais solene testemunho desse fato.

Entre as pessoas que carregaram o seu caixão notaram-se o Sr. Presidente do Conselho, o Sr. Ministro do Império e alguns Diretores do Banco do Brasil. É o apanágio da virtude, e o único consolo da morte. Ante os despojos exânimes de uma alma bem  formada se inclinam sem humilhar-se todas as grandezas da terra.

Esses dois fatos, causa de sentimentos opostos, enchem quase toda a semana. Desde pela manhã até a noite a chuva caía com poucas intermitências, e parecia ter destinado aqueles dias para as solenidades e os pensamentos religiosos.

Apesar da esterilidade e sensaboria que produz sempre esse tempo numa cidade de costumes como os nossos, apesar dos dissabores dos namorados privados dos devaneios da tarde, e dos ataques de nervos das moças delicadas, os homens previdentes não deixavam de estimar essas descargas de eletricidade, e essas pancadas d’água, que depuram e refrescam a atmosfera.

Na opinião (quanto a mim estou em dúvida), essas caretas que o tempo fazia aos prognosticadores de moléstias imaginárias, valiam mil vezes mais do que todas as discussões de todas as academias médicas do mundo.

Quanto mais, se soubessem que o Sr. Ministro do Império durante esses dias se preocupava seriamente das medidas necessárias ao asseio da cidade, mostrando assim todo zelo em proteger esta bela capital dos ataques do diabo azul. Sirvo-me deste nome, porque estou decidido a não falar mais em cólera, enquanto não resolverem definitivamente se é homem, se é mulher ou hermafrodita.

Para este fim o Sr. Pedreira consultou o presidente da câmara municipal, e incumbiu ao Sr. Desembargador chefe de polícia a inspeção do serviço, cujo regulamento será publicado oportunamente.

Com as providências que se tomaram, e especialmente com a medida da divisão dos distritos e da combinação da ação policial com o elemento municipal, a fim de remover quaisquer obstáculos, creio que podemos esperar resultados úteis e eficazes.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Elicio Pontes / DF (Romantismo)


Da coletânea Declame para Drummond 2012 
110º aniversário do poeta e vários poemas no meio do caminho pelo Brasil 

Escrever poemas derramados 
falando sempre de amor 
era algo que eu não me permitia. 
Pedi socorro, então, a quem devia. 
Busquei Vinícius de Moraes: 
- meu deus, como ele sabia! 
Como dizia loucuras de amor 
com seu jeito vinícius. 
O grandioso poetinha 
era lírico, romântico, despejado 
e vergonha disso, não tinha. 
Carlos, esse Drummond, então 
não falava apenas de uma pedra 
e do caminho ocupado pela pedra 
nem sofria somente com os josés 
e seus impasses desesperados 
sem saber aonde ir, agora. 
(...) Deixai-me verter lágrimas 
sofrer e gozar as paixões 
eleger e cantar minha musa, 
a mulher inesperada 
que então se fez poesia. 

Heloísa Crespo (Ciranda “Professor Versos”) Parte II – António Barroso (Tiago) – O Professor


É sacerdócio, não é profissão,
É um dar-se, a si próprio, por amor,
Com prazer de ensinar, o professor
Sempre se entrega de alma e coração.

A sua vontade e a sua ambição
É ultrapassar todos os escolhos
E, aos alunos, fazer abrir os olhos
P’ra vida, para o sonho e p’ra razão.

O professor só pensa que é mais nobre
Ensinar tanto o rico como o pobre
Com a força da fé, por si, sentida.

Sem nunca se cansar ou esmorecer,
Seu destino será, até morrer,
Sempre a preparar homens para a vida.

Fonte:
Organização e Programação Visual: Heloisa Crespo
Campos dos Goytacazes/RJ