sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Nemésio Prata Crisóstomo / CE (Tributo a Ademar Macedo)



Este Tributo a Ademar
feito com delicadeza,
creio, a ele vai chegar,
e, disso, tenho certeza,
pelas boas mãos de Deus,
que não nega aos filhos Seus
quando pedem com firmeza!

Potiguar de nascimento,
Poeta por vocação,
Ademar, do firmamento,
tornou-se seu cidadão!


De boné, muleta e barba

lá no céu apareceu
um Trovador arretado
era o Ademar, "ôh meu!";
lá foi fazer suas trovas
matutinas, sempre novas,
com o dom que Deus lhe deu!

Silente, chora o Brasil
a morte do Menestrel
Ademar, que já partiu
pra fazer versos no céu!

De boné, barba e muleta
apareceu lá no céu
um porreta de um Poeta
fazendo grande escarcéu
era o Ademar Macedo
que pra Deus partiu mais cedo
pra receber seu laurel!

Cacei, mas não encontrei
as trovas que o Ademar
me mandava, então lembrei:
elas não vão mais chegar!

Muleta, barba e boné:
era a marca registrada;
Poeta de grande fé,
logo pela madrugada
nos mandava, todo dia,
um manjar de poesia...
agora não vem mais nada!

Na campina o cantador
canário pôs-se a trinar
um canto de muita dor
pela morte de Ademar!

Saudades, deixou em muitos!
Mesmo quem não conhecia
o Poeta cara a cara
dele gostava, e sabia
ser Ademar um modelo,
pelo grande amor e zelo
aos versos, que bem fazia!

O Brasil está de luto
pela perda inesperada
daquele que foi um duto
da trova, na Pátria amada!

Arcanjos e querubins
serafins e outros tais
fazem festa nos jardins,
e nas ruas de cristais;
pra receber Ademar
que acabara de chegar
nas mansões celestiais!

Peço a Deus, de coração,
pra Ele bem receber
o nosso querido irmão
Poeta do Amanhecer!

Fonte:
Enviado pelo autor

Ademar Macedo (Trovas do Ademar)


É uma sensação esquisita entrar na internet, e não ver mais as mensagens poéticas que o Ademar enviava todas as manhãs. Parece que há uma lacuna muito grande, um abismo mesmo. Então aqui segue mais algumas trovas dele, para mantermos a sua memória viva sempre.
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Eu aprendi a perder
mesmo sem haver perdido,
também aprendi vencer
“sem humilhar o vencido!” 

Eu, que nunca pude tê-las… 
Que é um sonho do menestrel; 
sonhei enchendo de estrelas, 
meu barquinho de papel! 

Eu sinto a brisa do vento 
como se fosse magia, 
soprando em meu pensamento 
os versos que Deus me envia…

É terapeuta da mente,
mestre maior do saber…
O Livro é o melhor presente
que alguém pode receber. 

Eu, num desejo medonho, 
quis tê-la, mas nunca pude… 
Transformar desejo em sonho, 
foi minha grande virtude! 

Fiz a “pergunta ao espelho” 
que para não me ofender : 
disfarçou, ficou vermelho 
e não quis me responder! 

Fui reviver meu passado 
na casa que pai morou… 
Um velho espelho quebrado, 
foi tudo o que me restou! 

Hoje na terceira idade, 
eu, de amores já vazio, 
voltei ao mar da saudade 
para ancorar meu navio. 

Igualmente aos nossos pais, 
nos cabelos brancos temos 
as impressões digitais 
dos anos que já vivemos. 

Já quase louco de amor, 
envolto num triste enlevo 
ponho toda a minha dor 
no papel…quando eu escrevo! 

Mesmo que a paixão desabe
disto eu não sentirei medo,
o mundo inteiro já sabe
que eu sempre amei em segredo! 

Mesmo sentindo os rancores,
de um mar de dor que me escolta,
eu, afogando essas dores,
nada impede a minha volta! 

Meu momento mais doído
foi perder quem tanto adoro,
por isso eu choro escondido
para ninguém ver que eu choro! 

Minha mente é qual jazida 
onde o verso prolifera.. 
De poesia eu pinto a vida 
com cores da primavera! 

Na construção do desgosto 
de um casamento desfeito, 
criei rugas no meu rosto 
e pus mágoas no teu peito… 

Na “derradeira viagem” 
que nós faremos decerto, 
busco, com fé, a passagem 
para ver Jesus de perto!

Na floresta, a “derrubada” 
deixa em minha alma sequela, 
pois a dor da machadada 
dói mais em mim do que nela. 

Não acredito em trapaça, 
o livre arbítrio eu imponho; 
não há destino que faça 
eu desistir do meu sonho.

Na vida o que me conforta, 
está nesta frase bela: 
“Deus jamais fecha uma porta, 
sem que abra uma janela”!

Ninguém calcula essa dor 
no coração dos mortais… 
Quando a saudade é de amor, 
a dor é cem vezes mais ! 

Ninguém disfarça o carisma…
Quem o tem, sempre o conduz,
sem saber que tem um prisma
refletindo a sua luz. 

No instante da despedida, 
arquivei no pensamento 
a tristeza da partida 
e a dor do meu sofrimento.

No momento em que eu nascia 
Deus colocou no meu ser, 
um mundo de fantasia, 
de poesia e de prazer…

Nos poemas que componho, 
de beleza quase extrema, 
eu ponho em verdade um sonho 
dentro de cada poema!

Num desespero medonho, 
acordei quase enfartando, 
pois vi no melhor do sonho 
que a sogra estava voltando! 

Num triste e cruel enredo 
escrito por poderosos, 
a Terra treme com medo 
das mãos dos gananciosos… 

O grande desmatamento,
por ganância ou esperteza,
põe rugas de sofrimento
no rosto da natureza! 

Oh, Mulher! Quando partiste, 
só você não percebeu; 
seu coração ficou triste… 
Muito mais triste que o meu! 

O papel que eu desempenho
na poesia, não tem preço;
pelos amigos que eu tenho…
Ganho mais do que mereço! 

O tempo austero e sisudo
põe na memória da gente
o alzheimer que apaga tudo
do vídeo tape da mente! 

O tempo, já quase em fuga, 
para aumentar meu desgosto, 
fez nascer mais uma ruga 
entre as rugas do meu rosto!

O tempo, qual sanguessuga, 
para aumentar meu desgosto, 
fez nascer mais uma ruga 
entre as rugas do meu rosto! 

O vento da minha Fé, 
de maneira enternecida, 
sopra, mas deixa de pé 
as dunas da minha vida!

O vício sempre nos joga 
numa dor que nos revolta: 
– ver um filho usando droga, 
numa viagem sem volta!

Para alcançar o perdão,
não há fronteira ou entrave:
a porta do coração
não tem ferrolho nem chave.

Para contar sua história, 
a pobre cigana cria 
uma verdade ilusória 
que ela mesma fantasia! 

Para os sem fé, os tristonhos, 
a vida deles termina 
sem sequer colher os sonhos 
que a própria fé nos ensina…

Olivaldo Junior (Uma Estrela)


A palavra não é minha. Mas a ideia me doma. Então, escrevo.
–––––-
Era uma vez uma estrela. Mas não era uma estrela como outra qualquer que está no céu. Era uma estrela da terra. Tinha caído do céu havia um tempo, mas ainda não estava acostumada com a vida terrestre. Estrela não se acostuma muito fácil com a vida que a gente leva. Vales, selvas e vilas: mas a estrela, caída no meio de um monte de estrume, não brilhava, nem nada. Seu DNA não era dínamo para esgarçar as chinelas pela estrada. A estrela não andava. Portanto, foi preciso esperar. Um dia, sem que esperasse, quase que uma cobra a comeu. Mas, por sorte, passou um carro velho que, espantando o bicho, fez a estrela feliz. O tempo diria se ela sobreviveria ao seu destino. O ninho de uma estrela estava sendo um monturo.

Um dia, sem que a estrela tivesse mais por que esperar, passou uma libélula que, se esgueirando no esterco, tocou a pele da estrela, sujinha de estrume de vaca brava, sem toque, nem truque de excelsa condição. A vida ensina. A mina de estrelas tinha deixado cair uma das suas. As estrelas também caem. Morna, a estrela grudou no inseto transparente que lha sobrevinha, incauto. Atrelada àquela libélula, pôde chegar à cidade e, ao passarem por um poste de iluminação da via pública, saltou de banda das frágeis costas da inocente a salvá-la. Salvadores, muitas vezes, são ingênuos. Socorro também surge sem querer. Bem que alguém podia ser livre.

A estrela estava no alto de um poste de rua, tentando se equilibrar, sondando o terreno. Não estava mais num monte de estrume, sem eira nem beira que a fizesse ser alvo de cobras, nem de aves de rapina. Estava “por cima”. Não estava no céu, mas chegaria lá. Quem não duvida, pode bem alcançar.

A noite avançava. Fazia um tempo de chuva. O vento soprava. A luz daquele poste estava quebrada. Passou um vento mais forte, que empurrou a estrelinha para cima do velho bocal do novo poste. Assim, a luz voltou.

Moji Guaçu, SP, dezesseis de janeiro de 2013.

Fonte:
O Autor

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 16


Ciro Costa
(Limeira/SP, 18 março 1879 –  Rio de Janeiro, 22 maio 1937).

" ROSAS "

Beijo-te as lindas mãos com que me feres.
As lindas mãos com que me feres, beijo.
Entre os desejos meus eu só desejo
ter a vaga ilusão de que me queres.

E é só. E é tudo. Entanto, se puderes
arme com um sorriso o meu cortejo.
Já não me iludo ao ver-te qual te vejo
uma mulher como as demais mulheres.

Ao teu jugo, ai de mim! estou sujeito.
Se há goivos que vicejam no meu peito
vivo contigo, amor, em pensamento.

Toda mulher é rosa - aroma e espinho.
Todo homem é um farrapo solto ao vento
mas, ai dele! sem rosas no caminho . . .
–––––-

Ciro Vieira da Cunha
(São Paulo/SP, 1 junho 1897 – Rio de Janeiro, 26 junho 1976)

" SAUDADE "

Saudade! teu olhar longo e macio
derramando doçura em meu olhar...
Um bocado de sol sentindo frio
uma estrela vestida de luar...

Saudade! pobre beijo fugidio
que eu tanto quis e não cheguei a dar. . .
A mansidão inédita de um rio
na volúpia satânica do mar...

Saudade! o nosso amor... o teu afago...
O meu carinho... o teu olhar tão lindo...
Um pedaço de céu dentro de um lago...

Saudade! um lenço branco me acenando...
Uma vontade de chorar sorrindo,
uma vontade de sorrir chorando...
============

Cláudio Manuel da Costa
(Ribeirão do Carmo (atual Mariana)/MG, 5 junho 1729 – Vila Rica/MG, 4 julho 1789)

" SONETO XXXI "

Estes os olhos são da minha amada:
Que belos, que gentis, e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Por eles a alegria derramada,
Tornam-se os campos de prazer gostosos;
Em zéfiros suaves, e mimosos
Toda esta região se vê banhada;

Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo
Do rosto de meu bem as prendas belas,
Dai alívios ao mal, que estou gemendo:

Mas ah delírio meu, que me atropelas!
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
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Cleómenes Campos, 
(Maroim/SE, 10 agosto 1895 –  São Paulo, 30 abril 1968)

" COR CORDIUM "

Quando eu morrer, procura uma árvore florida,
e cava-lhe no tronco, amada, o meu caixão:
quero que ai repouse o meu corpo sem vida,
longe do humano olhar, dentro da solidão.

Cante-me o réquiem triste a voz da água perdida...
Reze por mim o vento a sua alta oração...
E seja-me o silêncio a lápide escolhida:
- que vale, neste mundo, a maior inscrição?

E, um dia, quando tu, minha doce Querida,
fores ver-me (talvez o tronco esteja são);
para que aches, sem custo, a árvore preferida,

farei cair da altura um fruto em tua mão,
fruto que, ao te roçar a palma comovida,
irá tomando a forma e a cor de um coração...

CORAÇÃO DISTANTE

Eu bem sei que a tua alma está longe da minha,
tão longe que talvez não a possa alcançar:
vela que mal se vê na amplitude marinha,
dando mais a impressão de um reflexo de luar.

Contudo, muita vez, ela se me avizinha,
que a esperança é também uma brisa de mar.
E a alegria, que em tua ausência já nem vinha,
para te receber, não sai do meu olhar.

Não percebes, porém, a minha angústia imensa.
Prefiro o teu desprezo à tua indiferença;
à tua polidez, prefiro o teu rancor!

Teu coração distante, é inútil, pois não ama,
se o inferno ele não é - porque lhe falta a chama,
o céu não pode ser - porque lhe falta o amor!
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Clóvis Ramos
(Clóvis Pereira Ramos)
(Forte Tabatinga/AM, 20 novembro 1922 )

" BEIJO DE SAL "

Marinheiro, parti para longa viagem
e em demanda me pus de longínquo país.
Tinha os olhos de mar perdidos na paisagem,
pelos portos amei as mulheres que eu quis.

Praia branca de luar, sonhadora paragem
onde a nau ancorei - seios brancos de liz.
No meu peito ficou - ilusória miragem!
um nome de mulher, amarga cicatriz.

Por onde naveguei tive-a no pensamento.
Em vão quero apagar sua imagem fatal,
rosto de maresia, alma aérea de vento.

Em vão tento esquecer sua boca sensual,
que teima em me lembrar, momento por momento,
o seu amor de espuma, o seu beijo de sal!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

Soares de Passos (Partida)


Ai, adeus! acabaram-se os dias
Que ditoso vivi a teu lado;
Soa a hora, o momento fadado:
É forçoso deixar-te e partir.
Quão formosos, quão breves que foram
Esses dias d'amor e de ventura!
E quão cheios de longa amargura
Os da ausência vão ser no porvir!

Olha em roda estas margens virentes:
Já o outono lhe despe os encantos;
Cedo o inverno com gélidos mantos
Baixará das montanhas dalém.
Tudo triste, sombrio, e gelado,
Ficará sem verdura nem flores:
Tal meu seio, privado d'amores,
Ficará de ti longe também.

Não sei mesmo, não sei se o destino
Me dará que eu te abrace na volta...
Ai! quem sabe onde a vaga revolta
Levará meu perdido baixel?
Sobre as ondas, sem norte, e sem rumo,
Açoutado por ventos funestos,
Sumirá por ventura seus restos
Nas voragens d'ignoto parcel.

Mas ah! longe esta ideia sombria!
Longe, longe o cruel desalento!
Após dias d'amargo tormento
Virão dias mais belos talvez.
Dá-me ainda um sorriso em teus lábios,
Uma esp’rança que esta alma alimente,
E na volta da quadra florente
Eu coas flores virei outra vez.

Mas se as flores dos campos voltarem
Sem que eu volte coas flores da vida,
Chora aquele que em tumba esquecida
Dorme ao longe seu longo dormir;
E cada ano que o sopro do outono
Desfolhar a verdura do olmeiro,
Lembra-te ainda do adeus derradeiro,
Deste adeus que te disse ao partir!

Fonte: 
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

Edith Modest (Sonhos)


Finalmente os computadores chegaram à escola. Os alunos olhavam para eles com orgulho, curiosidade e respeito. 

Naquela noite, Marilena foi dormir feliz. Muito romântica, sonhava com um príncipe encantado e, para ela, o computador era como um super-herói. Acreditava que ele transformaria sua vida. 

"Mas como? Não entendo nada de computação..." — pensou, insegura. E, para espantar a preocupação, virou-se na cama.

De repente, ouviu um ruído estranho. Olhou para o canto do quarto e... iluminado por uma luz azulada, lá estava ele: o computador. Intrigada, a menina levantou-se, aproximou-se, pé ante pé, e qual não foi seu espanto quando surgiu na tela do monitor um jovem simpático que foi se apresentando:

— Oi, Marilena! Prazer, eu sou o S.O.

— Oi! — respondeu ela, bastante surpresa. E pensou: "S.O.? Só espero que não seja de Serapiano Osmundo..."

Como se tivesse adivinhado, o rapaz explicou:

— S.O., de "Sistema Operacional", viu? E foi você mesma quem me escolheu...

Sorrindo ao perceber o olhar de espanto da garota, S.O. completou: — ...para coordenar os trabalhos aqui.

A menina sorriu encabulada e tentou fingir que sabia da existência de outros "sistemas operacionais" e da possibilidade de escolher entre eles. Depois, resolveu confessar:

— É, é... que eu nunca tive um — gaguejou ela. 

E comentou, preocupada:

— Computador... parece só para homem...

Aí foi a vez de S.O. ficar admirado:

— Para homem? Você nunca ouviu falar de Ada Lovelace? Em meados do século 19, Ada criou o primeiro programa de computador. Ela foi a primeira programadora do mundo!

— Nessa época já existia computador? — perguntou a menina, surpresa. 

— Bem, computador, computador... — hesitou ele. — Os programas de Ada eram pra ser usados num avô dos micros... um precursor do computador, planejado por Charles Babbage, um matemático e cientista meio maluco.

E o rapaz acrescentou com um olhar sedutor:

— Dizem que eles eram apaixonados.

Para Marilena, descortinaram-se novas perspectivas. 

E ela sorriu.

Fonte:
Revista Nova Escola: Contos

Coelho Neto (Mano) Parte 5


FLORES 

Não há ainda um mês que adormeceu em Deus o ser do meu ser, a minha criatura de amor e o leito em que ficou, no dormitório silencioso, já se recama de flores.

As que o acompanharam, em ramos e em capelas, fanaram-se depressa; outras substituíram-nas e também feneceram; em compensação as sementes esparzidas pelo jardineiro funeral, que cuida dos pequeninos canteiros mortuários, mal lhe caíram das mãos na terra fria logo rebentaram em vida, formando uma colcha de verdura que veste e enfeita a melancolia do jazigo.

E tal colcha matizou-se de violetas e margaridas, dálias, cravinas e miosótis.

Quem terá realizado esse milagre de florescência tão rápida? as nossas lágrimas? não! Tu, só tu, Primavera.

Será o remorso de no-lo haveres arrebatado que assim te faz solicita ou pensas, por acaso, que, escondendo em teu manto o túmulo querido farás com que o esqueçamos com a indiferença da terra que sorri em flores sobre a mocidade morta?

Como te enganas, traidora!

Mais prestígio tem a saudade em nossos corações do que tu na terra, cuja vida revigoras, porque, se fazes nascer flores, ela ressuscita o que mataste, evoca-o a todo o instante, trá-lo da sombra eterna e integração na vida e só não o refaz, tal como o tínhamos, porque o corpo lá está no abismo ao qual se desce por uma escada, cujos degraus aluem sobre o incluso como as águas se fecham sobre o náufrago.

A casa está cheia dele: sentimo-lo em toda ela, presente, e, fora, em toda a parte.

Ouvimo-lo. São os seus passos, é a sua voz que impregna o ambiente e sentimo-lo quando o relógio bate, devagar, as horas: as horas em que ele acordava e vinha dar-nos os bons dias; as horas em que ele saía; as horas, lentas e longas, da sua ausência; as horas alegres que o traziam do trabalho e as em que, à noite, ele regressava à casa, cauteloso, indo sempre até o nosso leito dar-nos, na vigília preocupada em que o esperávamos, a felicidade tranqüilizadora da sua presença. Todas essas horas continuam e ele continua a viver em todas elas.

O que nos aflige é a angústia de o não podermos sentir como o sentíamos outrora.

Vemo-lo como imagem refletida em espelho, vemo-lo, mas se tentamos tocá-lo, ai! de nos.

Suplício igual ao de Tântalo é o que nos inflige a saudade.

Vê-lo, ouvi-lo no coração, senti-lo em toda a parte, tê-lo sempre presente em nós e tão distante como a mais remota das estrelas e todas as esperanças...

Temo-lo conosco, na família, que o não esquece.

O seu lugar vazio espera-o sempre.

Quando nos aparece, projetado pelo coração, fala, mas mussitantemente apenas, sem palavras sonoras: batem-lhe os lábios como asas de pássaro cativo. Caminha, e os passos não lhe soam. Estende-nos os braços e nunca o alcançamos, porque, entre nós, interpõe-se uma lâmina, como a de cristal de espelho, que se chama: infinito.

Temo-lo tão perto e tão longe, conosco e para sempre apartado, vivo na imagem, só na imagem que é o reflexo da saudade. 

Seria, talvez, melhor que os mortos partissem de vez, sem deixar rastro, levando consigo para o túmulo todo o ser. Mas não! partem como o sol tramonta: deixando a terra em escuridão, mas cheia de calor. E esse calor na terra é vida; no coração é saudade.

Assim é na saudade dos vivos que os mortos se eternizam, nela é que eles continuam a viver: é o paraíso de tristeza, como o esquecimento é o inferno dos que não souberam fazer-se amar.

E em quantos paraísos de amor vive o espírito querido! Em quantos corações soa o seu nome em apelo lamentoso!

As próprias coisas parecem sentir-lhe a ausência.

Que vazio à mesa e que silêncio! É que ele já se não assenta entre os irmãos, ainda que o seu lugar seja mantido como se ele apenas se haja demorado e possa aparecer de um momento para outro.

Mas ninguém lhe serve o prato, o seu talher não se descruza, não se lhe desdobra o guardanapo, o copo mantem-se-lhe vazio, o seu nome é pronunciado a medo, para não despertar nos corações a dor; e a luz, que incide sobre a cadeira que ele ocupava, já não tira a sombra que lhe traçava o perfil na parede.

Essa sombra ficou e, para sempre, em nossos corações.

E tudo que resta daquele corpo airoso, que era a coluna robusta do meu lar, lá está no cemitério em flores.

Flores, eis o que de meu filho fez a Primavera.

Todo o riso, todo o viçor de uma sadia e honesta juventude, toda a bondade de um coração magnânimo, toda a energia de um caráter espartano, toda a nossa esperança, todo ele enfim, reduziu-se ao que exorna a terra estreita de um túmulo: flores.

Os que passarem por elas, vendo-as lindas, como se ostentam e ignorando-lhes a origem dolorosa, louvarão, decerto, a Primavera que as tirou da morte, mas os que sabem o que elas representam e o que encobrem na terra em que nasceram, esses...

A CASA

Mudar-nos... Por que? se a casa toda está impregnada da sua presença, do seu ser, como o vaso que conteve essência longamente lhe conserva o aroma?

Por que mudar-nos deixando o lar onde, por vezes em eco, os seus passos ressoam, a sua voz timbra serena, e até a sua sombra desliza pelas paredes, como inveterado hábito que se repete inconscientemente?

Quantas vezes, do meu leito, ouço ranger a escada e sinto-o que sobe vagarosamente, ensurdecendo os passos para não despertar os que dormem!

Dar-se-á que os degraus conservem a impressão do seu andar e trepidem, como os móveis estalam, à noite, retraindo ou dilatando as fibras ao contato do ar? 

As tábuas não soam por si e, se estalidam, é que algum piso as recalca.

Paredes de pedra e cal, assoalhos de madeira morta, é possível que dele vos lembreis às horas justas em que ele entrava, pé ante pé, subtil, sem que o sono, que dominava a casa, fosse perturbado?

Se o lar assim se recorda como havemos nós de abandonar esse cantinho cheio de reminiscências, (memória inerte em que ele persiste), porque nele viveu toda a sua alegre infância, nele passou toda a sua adolescência e nele começava a gozar a mocidade?

Se o túmulo, que lhe contém o corpo, não o relega, a casa, que lhe guardou o espírito, não o havia de repudiar, decerto.

Em todos os cantos brincou, saltou, espalhou risos. O raio de sol que, todas as manhãs, entra pela janela junto à qual ficava a sua cama, mal o dia aponta, lá vem insinuando-se no mesmo filão de ouro com que, desde pequenino, lhe enfeitava o sono.

A lâmpada, que o alumiava, acende-se todas as noites; e tudo continua como dantes.

Ao passar junto do meu quarto sinto-o, lá dentro, andar, mover-se. Faro, à escuta. Tudo cessa.

Para que insistir? Para que hei de, com a curiosidade ansiosa do meu desespero, violar o segredo que já não é da vida?

Se ele ali está e não me aparece, ele! Tão meu amigo, é porque não deseja ser visto.

Deixemo-lo com o seu misterioso pudor. É o filho em visita ao lar paterno.

Bem-vindo seja e que Deus o abençoe.

E se, ouvindo aos que nos aconselhavam, nos houvéssemos mudado...?! Pobre espírito!

Quem sabe o que sofreria recorrendo a casa e achando-a habitada por outros, transformada em tudo - na disposição dos móveis, no arranjo dos aposentos, com outros hábitos, outras vozes.

E a própria casa não sentiria com ele? Talvez!

Se vamos piedosamente visitar-lhe o túmulo no cemitério, porque havíamos de fugir ao ambiente onde o seu espírito demora? Lá, debaixo da terra, é a morte; aqui, em todos os ângulos, é a vida: o que ficou, o que existe, o que não parece: ele.

Mudar-nos... Isso seria abandoná-lo, desertar o ninho da saudade, o canto em que ele viveu. O mesmo seria arrancarmo-lo do coração desprezando-o no esquecimento. Se a casa o retém, nós é que o havíamos de repelir? Não!

Onde uma vida se exala fica sempre vestígio. Os tímidos receiam-no; os fortes, os que verdadeiramente amam, com as veras da alma, instam por encontrá-lo, como quem rastreia, em caminho, pegadas de alguém que procura.

Mudar-nos... Não! Fiquemos onde ele perdura.

Longe, entre outras paredes, que nunca lhe copiaram o corpo em sombra; com outras portas, que nunca se lhe abriram; com outros aposentos nunca, em vida, visitados por ele, como o poderíamos sentir?

Aqui, não. Aqui ele está conosco: é a sua casa. Que nela viva.

A LUZ 

Acordo. Ainda é noite. O céu esfuma-se na sombra e o perfil umbroso da montanha, fronteira à minha janela, destaca-se no dilúculo. Respira de leve a aragem.

Aclara aos poucos. Sente-se a luz em marcha. Já as árvores aparecem e as casas realçam, brancas, na massa da verdura.

Chia uma cigarra; outras respondem vividas e um coro de chilreios enche o silêncio pálido. É o despertar nos ramos.

Debruço-me à janela e, em êxtase, contemplo o maravilhoso espetáculo do amanhecer.

O céu recama-se de cores: e uma palheta o oriente e as tintas, que dele escorrem, broslam a paisagem, colorindo-a.

Chove polilha de ouro. Abre-se de todo o azul; responde a terra com o seu verde.

O primeiro raio de sol recena um outeiro e logo as ervas rebrilham. A claridade alastra.

Enche-se o ar de vôos ágeis. Estrídulo recresce o canto matinal dos pássaros.

Um sino soa, límpido.

Passam trabalhadores ainda estremunhados; rodam veículos.

Ressoa soturnamente, longínqua, uma sereia de fábrica.

São os rumores da vida que recomeça.

A vida... Tudo ressurge! Entre as folhas rasteiras andam insetos minúsculos, formigas desfilam em fieiras.

Tudo acorda e entra em atividade: os elementos da natureza, o homem, os animais, os mínimos seres, as coisas, porque as folhas vibram, as flores exalam, o mesmo pó levanta-se. É a vida!...

O relógio bate sonoramente: são os passos do tempo, as horas.

O próprio invisível agita-se, porque é ele, o vento, que meneia, brando e brando, as folhas.

Entretanto, em todo esse deslumbramento ativo, há escuridão e silêncio, falta alguma coisa que minha alma procura em vão.

Já o sol rebrilha, fúlguro. Abrem-se todas as janelas: são as casas que acordam. Foi-se o sono dentro da noite.

E ele? Por que não acorda? Por que não vem do sono? Por que não o despertará a luz; ela, que fez o milagre de vencer a noite no céu, na terra e nos mares; ela, que desencantou a natureza toda; ela, que fez desabrochar a manhã brilhante; ela, onipotente; ela, eterna; ela divina, por que não despertará o que adormeceu?

E o sol ressurge; o sol, que é tudo. E um pouco de terra humana resiste na morte ao reclamo miraculoso da madrugada. 

De que me serve, a mim, todo o esplendor da tua claridade, ó Luz, se, em vez de trazer-me alegria, mais me entristece o coração?

Fazes o dia, tiras o sol do oriente, és a Vida e não tens força para arrancar de um túmulo um pouco de terra.

De que te serve o Poder? E, se o tens, porque só o manifestas no céu, ressuscitando o dia, e deixas a terra cheia de saudades?

És como os pródigos que se dissipam em festins e negam um mendrugo ao pobre que lhes estende a mão.

––––––––
Continua…

Fonte:
http://leituradiaria.com

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Ademar Macedo (Trovas Eternas)


A distância nos redime
se a saudade nos escolta;
ir pra longe é tão sublime
como sublime é a volta!

Adotei o isolamento,
feito um ermitão qualquer.
Pra fugir do casamento
e das manhas de mulher!...

A justiça incompetente,
por um deslize qualquer,
toma o dinheiro da gente
e dá todo pra mulher!…

Almoço e janto poesia.
E neste meu universo,
mastigo um pão todo dia
amanteigado de verso.

A lua, de vez em quando
fica um pouco sem brilhar,
para ficar “espiando”
dois pombinhos namorar!

A lua, sem empecilho,
desfilando, linda e nua,
deixa também o seu brilho
“nas poças d’água da rua”!

A Lua, que a noite ronda
com o seu lindo clarão,
é a lamparina redonda
que ilumina o meu sertão!

A mais triste solidão
que os seres humanos têm
é abrir o seu coração…
Olhar…e não ver ninguém!

Amar… verbo transitivo
que em qualquer conjugação
traz um novo lenitivo
para o nosso coração!

Amigos que valem ouro,
nós deveremos mantê-los
guardados qual um tesouro
para nunca mais perdê-los!

A minha Paz desejada
tá nos versos que componho;
no cantar da passarada
e na beleza de um sonho!…

A minha sogra, assanhada,
no barracão da mangueira,
foi muito mais apalpada
do que laranja na feira!...
Amores na mocidade
sempre deixam cicatrizes,
marcas de dor e saudade
no peito dos infelizes…

A minha sogra, assanhada,
no barracão da mangueira,
foi muito mais apalpada
do que laranja na feira!…

À noite, as brisas divinas
dão som aos seus movimentos;
e, "na Lua," as bailarinas
dançam a valsa dos ventos...

Ao criar os Trovadores
onde o verso prolifera;
para adorná-lo com flores,
Deus criou a primavera!

A pergunta é meio louca,
mas, conhecendo o roteiro;
quero é dar beijo na boca…
“Vida boa é de solteiro”!

Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca fez chover prantos
nos olhos dos nordestinos!

Aquela mão estendida
é Nau que ainda trafega
no mar revolto da vida
que a própria vida renega...

A “solidão” me parece,
ser um conforto sem fim…
quando um grande amor me esquece;
“Ela” se lembra de mim.

As rosas tem seus floridos
que a “natura” se apodera,
dando beijos coloridos
no rosto da primavera!

Assim que começa o dia,
envolto em profundo enlevo,
sinto o cheiro da poesia
em cada verso que escrevo.

A vida escreve-me enredos
com finais que eu abomino.
Meus sonhos viram brinquedos
nas mãos cruéis do destino…

Cada verso que componho,
nele, eu conto um sonho meu;
todos nós temos um sonho…
E cada um que conte o seu!

Caiu meu muro de arrimo;
sinto fraqueza… E, aos oitenta,
nem com Viagra eu me animo,
só se der cobra em noventa!

Causa-me espanto o coqueiro;
algo de bom ele tem…
Mas, sendo torto ou linheiro,
nunca deu sombra a ninguém!

Chega a causar agonia,
uma visita sacana,
que vem pra passar um dia,
passa mais de uma semana!

Coloquei a foto errada.
Viram logo os menestréis…
Como eu vou subir escada
Se me falta um dos meus pés?

Com certa preponderância
eu impus esta verdade:
Quem inventou a distância
não conhecia a saudade!...

Com minha alma amargurada,
envolto em meu sofrimento,
passo inteira a madrugada
jogando versos ao vento…

Com minha alma enternecida,
confesso com todo ardor;
Deus me deu dois dons na vida:
ser “Pai” e ser “Trovador”!…

Com o dom que Deus lhe envia,
no riso o palhaço aflora
um semblante de alegria…
Que ele só sente por fora!
Como quem faz sua escolha,
disfarçando o desatino,
alterei folha por folha
do livro do meu destino!

Com os temas mais dispersos,
eu mesmo me fiz enchente
numa enxurrada de versos
jorrando da minha mente…

Com sua língua de trapo
disse, ao ser mandado embora:
– É moleza engolir sapo,
o duro é botar pra fora!

Construí dentro de mim,
com minh’alma enternecida,
um teatro onde, por fim,
pude encenar minha vida!…

Da Bebida fiquei farto,
bebendo, perdi quem amo;
hoje bebo no meu quarto
as lágrimas que eu derramo.

Da fonte que jorra o amor,
Deus, na sua imensidão,
faz jorrar com todo ardor
as carícias do perdão.

Da ingratidão praticada
eu tirei uma lição:
Perdoar, não pesa nada,
pesado…É pedir perdão!

Das colheitas dadivosas
que Deus deixa nos caminhos,
uns curvam-se e colhem rosas,
outros, só colhem espinhos…

Debruçado sobre a mata,
o luar, tal qual pintor,
pinta as folhas cor de prata
e pinta o chão de outra cor.

De maneira indefinida,
por amar e querer bem;
vou dividir minha vida
com a vida de outro alguém!

De nada eu sinto ciúme,
nem mesmo da mocidade;
pois hoje eu sinto o perfume
da flor da terceira idade!…

Depois do beijo, um aceno,
e, sofrendo em demasia,
bebo doses de um veneno
que a sua ausência me envia.

Depois que chove na mata,
a lua, de luz acesa;
pinta as folhas cor de prata
com tintas da Natureza.

Descobri no envelhecer,
em meus momentos tristonhos,
que eu não tive, em meu viver,
nada mais além de sonhos!…

Descobri no envelhecer
que a musa que me enaltece
não deixa o verso morrer,
pois musa nunca envelhece!

Desde o tempo de menino
vi o quanto eu sou machão;
pois meu lado feminino
é um tremendo sapatão!

De sonhar eu não me oponho
nem sequer me desiludo.
Quem faz de “Paz” o seu sonho,
já fez metade de tudo!…

De um olhar triste, alquebrado,
desse meu filho que é “mudo”…
eu vejo, mesmo calado,
seus olhos dizerem tudo!

Deus, demonstrando poder,
quando a mulher engravida,
transforma a dor em prazer
na celebração da vida!

Deus vendo que não tem fim
essa fé que me conduz,
deixou cair sobre mim
uma cascata de luz!

Do fogo no matagal,
na fumaça que irradia,
vejo um câncer terminal
no pulmão da ecologia!...

Do meu jeito apaixonado,
envolvente, terno, mudo…
Faço um apelo calado,
onde os olhos dizem tudo!

Em busca de ser feliz,
e em prol do amor de nós dois,
quantos atalhos que eu fiz…
Mas só chegava depois!

Em humor não me destaco,
mas, por pura peraltice;
mesmo não sendo macaco,
vou fazendo macaquice.

Em inspirações, imerso,
fiz do sol o próprio guia
para conduzir meu verso
nos caminhos da poesia!

Entre os atos de bonança
e meus pecados mortais,
quando eu botar na balança,
Deus sabe quais pesam mais!…

Envolto numa utopia,
num devaneio sem fim,
vivo hoje uma fantasia
que eu mesmo inventei pra mim.

Essas gotas maculadas,
itinerantes no rosto,
são as lágrimas magoadas
que dão vida ao meu desgosto.

Esses meus versos doridos
que estão bem perto do fim,
são retratos coloridos
que eu mesmo tirei de mim…