quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Tatiana Belinky (História do Folclore Paulista Recontada: Viola no Saco)


Vocês sabem por que quando alguém perde uma discussão, ou coisa assim, e tem de se calar, se diz que "fulano meteu a viola no saco"? Pois eu vou contar. 

Há muito tempo, quando os bichos falavam e muitas coisas eram diferentes, havia muita festança no mundo. Um dia houve uma festa no céu e todos os bichos foram convidados. Entre eles, um dos mais esperados era o Urubu, porque as danças dependiam das músicas que ele tocava na viola. 

No dia da festa, o Urubu enfiou sua viola no saco e, antes de iniciar a viagem, foi beber água na lagoa. Lá encontrou o Sapo Cururu, que se secava ao sol. Enquanto o Urubu bebia, o espertalhão do Cururu, que também queria ir à festa, se escondeu dentro da viola para viajar de carona. 

Quando o Urubu chegou ao céu, foi muito bem recebido, pois todos esperavam por ele para começar a dançar o cateretê e a quadrilha. Mas antes o chamaram para beber umas e outras. 

O Urubu foi, deixando a viola encostada num canto. O Cururu aproveitou para pular da viola sem ser visto e foi se empanturrar com os quitutes da festa. O Urubu também comeu e bebeu até não poder mais e não viu que o Cururu, aproveitando uma distração sua, se escondera de novo dentro da viola para tornar a tirar uma carona na volta para a terra. 

Quando chegou a hora de voltar, o Urubu guardou a viola no saco e saiu voando de volta para casa. Durante o vôo, estranhou que a viola estivesse tão pesada. "Na vinda foi fácil, mas na volta está difícil. Será que fiquei fraco de tanto comer e beber?", pensou ele. Por via das dúvidas, examinou o saco com a viola e acabou descobrindo o malandro do Sapo Cururu agachado lá dentro. Furioso por ser usado desse jeito, o Urubu começou a sacudir o saco com a viola, para despejar o Cururu lá do alto e se ver livre dele. 

O Cururu, com medo de se esborrachar no chão pedregoso lá em baixo, recorreu à sua proverbial esperteza e começou a gritar: "Urubu, Urubu, me jogue sobre uma pedra, não me jogue na água, que eu morro afogado!".

O Urubu, tolo, querendo se vingar do Sapo, viu lá de cima uma lagoa e tratou logo de despejar o Sapo dentro d’água, que era pra ele se afogar. O espertalhão do Cururu, que só queria era isso mesmo, saiu nadando, feliz da vida. O bobão do Urubu só não ficou "a ver navios" porque não havia navios naquela lagoa. E é por isso que, quando alguém perde a partida e tem de sair quieto e calado, dizem que "fulano teve de meter a viola no saco"...

Fonte:
Revista Nova Escola: Contos

Coelho Neto (Mano) Parte I


A INSPIRAÇÃO DO LIVRO

Tendo perdido os primeiros filhos, que foram tantos quantos os que sobreviveram, “como se a Vida apostasse com a Morte em lhe não ceder uma só vitória, tirando de cada túmulo uma ressurreição”, Coelho Netto desistiu do aperreado sistema, tão mal sucedido, de encerrar e atabafar em lãs os pequeninos, decidindo-se pelo da liberdade e dos exercícios físicos. E os outros sete medraram. Emmanuel, o Mano, era o mais velho. Robusto, culto, modesto e bom, ele simbolizava o tipo de atleta perfeito que Coelho Neto, sempre eqüidistante das competições partidárias, idealizou na sua campanha pelo aprimoramento da juventude brasileira.

No Fluminense Football Club, Mano integrou o mais famoso conjunto de amadores da história do football carioca, conquistando o tri-campeonato da cidade em 1917-1918-1919. Sua morte, em conseqüência de séria contusão que sofreu num jogo do Fluminense, ocorreu a 30 de Setembro de 1922, quando contava 24 anos de idade.

Depois da maior desgraça da sua vida, Coelho Neto, como forçado das letras, tendo de escrever sem cessar para manter a subsistência da família, quando tomava lugar à mesa, para começar o trabalho diário, só trazia um pensamento:

“Falando ou escrevendo esquecem-me as expressões, faltam-me os termos. Só tu ficaste, tu só, tudo mais se esvaiu”.

E, procurando derivativo sua imensa desventura, fez da pena um rosário e desfiou em lágrimas, dia a dia, o Livro da Saudade – “Mano”.

Paulo Coelho Neto 
Setembro de 1956

CAPELAS

Ele era bom. Tinha a serenidade dos fortes. A juventude do seu corpo de atleta guardava uma alma antiga, de orgulhosa origem, mas sempre alegre por perdoar e esquecer. Nunca lhe saiu da boca uma queixa. Acostumara os lábios ao ritmo do louvor.

Sabia admirar. Sabia amar.

Mano!

Quem o apelidou assim, de pequenino, adivinhou que, depois de grande, quando olhasse, de olhos abertos, a vida, havia de ser o que foi: o irmão... o Mano, mais moço ou mais velho, dos outros homens que o conheceram, os amigos da sua intimidade e aqueles que, junto de Coelho Netto e da companheira admirável desse nobre artista, aprenderam o culto da beleza e da bondade.
Álvaro Moreyra.

ÚLTIMA VITÓRIA

A Coelho Neto.

Era uma forte e meiga criatura,
Alma infantil em corpo de gigante;
E n'arena o julgáreis sempre ovante,
Da Grécia antiga olímpica figura.

Mas como cá na terra a desventura
Apunhala o valor a cada instante,
Chega-se a Morte ao moço triunfante
P'ra tocá-lo co'a ponta d'asa escura.

Preces da aflita mãe, que a dor crucia,
Prantos do pobre pai, que era um poeta,
Tudo o supremo transe lhe angustia.

Mas tinha o lutador crenças de asceta,
Rompe-se em luz o nimbo da agonia...
Sorri... Mais uma vez vencera o atleta.
Carlos de Laet

A MORTE DO SOL
A Coelho Neto

Rubro clarão no poente...
Desce abrasado o Sol... Por um momento,
Dir-se-ia
Que em sua marcha lenta se detém...
Contempla, a última vez, no firmamento
A estrada percorrida, desde o Oriente,
Numa larga passagem triunfal.

Vai mergulhar no Além,
Penetrar na Agonia,
Perder-se no seu próprio sangue - a Luz...
Sabe que vai morrer... Olha o declive
Que ao túmulo conduz;
Lança depois o último olhar
De saudade final
Sobre a terra distante, sobre o mar,
E rola no horizonte... - É a noite que se eleva...
É a Treva.
Parece que na terra nada vive,
Nada existe
Tudo se esvaiu: a forma, a cor,
Que são a alma das coisas no Universo...
Tudo agora é diverso
No cenário do mundo
Que vai viver sem luz e sem calor.
O sol partiu e o céu, pálido e triste,
Tornou-se mais profundo.

Para que serve a treva? Que razão
A faz surgir assim, tão bruscamente,
Após a fulgurante luz do dia?
Por que a noite, senão para melhor
Destacar o fulgor
Longínquo das estrelas?
Por que a noite, senão
Para aos homens dizer que todas elas
São outros tantos sóis, iguais ao Sol
Que vemos apagar-se no ocidente
Para se erguer de novo no arrebol?
Sóis que não morrem, que desaparecem
Somente ao nosso olhar e, quando descem
No horizonte, à mesma hora da descida,
Que é apenas ilusória,
Estão surgindo em plena glória
E em plena vida
Para outras regiões do espaço infindo...
Porque tudo que é lindo,
Perfeito e forte
Não pode aniquilar-se pela morte.

A existência nos mostra cada dia
Que o fluido da Beleza ou da Energia
Jamais se exala
Para perder-se; apenas se transforma,
Se aperfeiçoa e sobe numa escala
Em que se purifica a essência ou a forma
Das coisas... Vida é apenas harmonia.
Só na aparência alguma coisa ofusca
Esta ascensão contínua. Nada existe
Que, em verdade, a perturbe e a morte não seria
A única exceção
Para a parada brusca
Na evolução fatal da Natureza.
O espírito da Força e da Beleza
Não se dilui: persiste,
Segue em demanda de outra perfeição,
E, se escapa a visão dos nossos olhos,
Deixa d'alma nos íntimos refolhos
Tênues fios de viva claridade
Que, pelo pensamento, e elas nos unem
Por todo o sempre e que, talvez, um dia
Nos servirão de guia
No mistério que envolve a Eternidade,
E onde, vestindo novas existências
As parcelas das coisas, nas essências
De um mesmo todo extinto, se reúnem...

- Por isto quando o Sol desaparece
E o clarão do seu rastro empalidece
E se extingue na sombra, esse repouso
De morte transitória
É o início apenas de uma nova glória!
Octávio Ribeiro da Cunha

AGONIA
A GABY

Se o amor nos aproximou mais fez ele unindo-nos inseparavelmente. Vendo-o, era como se nos víssemos, aos dois, em um só reflexo - tu e eu, e, com tal visão, vivíamos felizes contemplando-a debruçados sobre a correnteza da vida.

Hoje!...

Em vez do espelho límpido, no qual nos mirávamos sorrindo, vejo apenas a água triste das lágrimas que transbordam dos teus e dos meus olhos, água fúnera, turvada pela saudade, limo que assenta no fundo do coração.

Pior que o Letes do esquecimento é, sem dúvida, a memória, fonte onde nasce o rio da saudade, corrente lúrida, toldada de lembranças. E é nesse rio que nos debatemos, tu e eu, descendo juntos para o oceano ilimitado, com esperança de ainda o encontrarmos, como se fosse possível achar no fundo da água morta a sombra que flutuou na sua superfície.

DOR

A alegria dispersa; a dor concentra.

É na dor que, em verdade, sentimos que um filho é carne da nossa carne.

Ao vê-lo sofrer vibramos doloridamente e, se ele geme, o seu gemido ressoa-nos no coração.

Os ais que lhe escapam do martírio são frechas que nos lancinam e, se baixam do clamor à queixa humilde, doem-nos ainda mais, como a punção de uma lanceta aguda que se nos crava paulatinamente.

Se o enfermo sara esquecem-se tais vozes, se elas, porém, se calam suspensas pela morte, então represam-se-nos no íntimo, e nunca mais o coração as esquece e os gemidos nele perduram como fica eterno nas conchas o marulho soturno do mar.

INSONE

A casa não dormia. Era a única na rua sossegada que se mantinha aberta e acesa durante a noite toda e, ainda que silencioso, ensurdecido pelos cuidados, o movimento nela era contínuo. Falava-se aos cochichos, e, volta e meia, no quarto em que ele sofria, vígilo, soava a exclamação angustiosa:

“Se eu dormisse uma hora!”

O sono, que enchia a casa, acabrunhando aos que o desvelavam - tantas noites despertos! - só não lhe chegava, a ele.

Os enfermeiros revezavam-se-lhe à cabeceira e, por toda a parte, em desordem, eram pacotes de algodão, ampolas, rolos de gaze, frascos.

De quando em quando alguém chegava-se à luz com o termômetro.

Em todo o caso havia esperança e, quando os pássaros começavam a cantar nas árvores e o céu desensombrava-se em rosicler e ouro, mais se animavam os corações.

“Se eu dormisse uma hora...!” arquejava, cansado, o pobrezinho.

O sol entrava a jorros. Era o dia e começava na rua o movimento.

Todos contavam vê-lo, de repente, sorrir, anunciando o alivio desejado e ele, rolando aflitamente os olhos, agitando-se no leito, ansioso, insistia nas palavras tristes:

“Se eu dormisse uma hora...!”

E, assim, passaram-se nove dias e nove noites, dias de tortura, noites em claro, longas, exaustivas, sem sono, gemidas, até que, ao fim da tarde décima, ao lento soar das sete horas, abriram-se-lhe muito os olhos, encheram-se-lhe de lágrimas e, entre nós dois, ela e eu, ele começou a aquietar-se, deixou de gemer para dormir, e adormeceu, enfim, não por uma hora, mas para não acordar mais, nunca mais!

–––––––––continua

Fonte:
http://leituradiaria.com

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 15


Castro Alves
Antonio Frederico de Castro Alves.
(Cachoeira/BA, 14 março 1847 –  Salvador/BA, 6 julho 1871)

" BARBORA "

Erguendo o cálice que o Xerez perfuma,
loura a trança, alastrando-lhe os joelhos,
dentes níveos em lábios tão vermelhos,
como boiando em purpurina espuma;

um dorso de Walkíria . . . alvo, de bruma,
pequenos pés sob infantis artelhos,
olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
mas como eles também sem chama alguma;

garganta de um palor alabastrino,
que harmonias, e música respira . . .
No lábio - um beijo. . . no beijar - um hino;

harpa eólia, a esperar que o vento a fira,
- um pedaço de mármore divino . . .
É o retrato de Barbora - a Hetaíra.

" DULCE  "
                                                           
Se houvesse ainda talismã bendito
que desse ao pântano - a corrente pura,
musgo - ao rochedo, festa - à sepultura,
das águias negras - harmonia ao grito...

Se alguém pudesse ao infeliz precito
dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
no poema dos beijos - infinito...

Certo . . . serias tu, donzela casta,
quem me tomasse em meio do Calvário
a cruz de angústias que o meu ser arrasta! . . .

Mas se tudo recusa-me o fadário,
na hora de expirar, ó Dulce, basta
morrer beijando a cruz do teu rosário.

" SONETO A NOBREZA D'ALMA "
                                                           
Aqui, onde o talento verdadeiro
Não nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no público respeito
Se conquista o brasão mais lisonjeiro.

Aqui onde o gênio sobranceiro
E, de torpes calúnias, ao efeito,
Jesuína, dos zoilos a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!

Repara como o povo te festeja...
Vê como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!

Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif’rente ao regougar da inveja,
"Das almas grandes a nobreza é esta.”
===========

Castro Menezes
Álvaro de Sá Castro Menezes
(Niterói/RJ, 3 junho 1883 –  Rio de Janeiro/GB, 7 março 1920)

" MUSA PAGÃ "

Junto à herma de um fauno irônico e lascivo
erguida entre mirtais, num bosque silencioso,
certa vez te detive o passo alado e esquivo
e apertei contra mim teu corpo voluptuoso.

Tive a impressão de ser um semideus cativo.
Foi um beijo sensual, um frêmito de gozo . . .
Mas nunca mais senti o aroma quente e ativo
dessa flor, que é teu corpo olímpico e formoso.

Vendo-te hoje passar como uma estátua fria
de Penélope fiel, de novo a fantasia
daquela hora pagã eu rememoro e avivo.

E és sempre, para mim, a ninfa esquiva e linda,
a ninfa que enlacei, numa loucura infinda,
junto à herma de um fauno irônico e lascivo...

" SONETO À CARMEN "

Carmen, sou eu... Aqui me tens, bem perto
de ti, fiel ao doce amor antigo,
casto eflúvio do céu que anda comigo,
única luz no meu destino incerto.

Aqui me tens, em pranto, a sós contigo,
lembrando o nosso lar, hoje deserto ....
Lar feliz, sonho bom de que desperto
para cobrir de rosas teu jazigo...

Junto da tua humilde sepultura,
ajoelho-me, sentindo que na altura,
sob os olhos de Deus leve revoas.

Tua imagem. piedosa. me aparece...
Moves; os lábios numa eterna prece
e me estendes as mãos, e me perdoas...
==============

Cecília Meireles
Cecilia Meireles Grilo
(Rio de Janeiro/GB, 7 novembro 1901 – Rio de Janeiro/RJ, 9 novembro 1964)

" A INOMINÁVEL "

Leve... - Pluma . . . Surdina... Aroma... Graça...
Qualquer coisa infinita... Amor... Pureza...
Cabelo em sombra, olhar ausente, passa
como a bruma que vai na aragem prêsa . . .

Silenciosa, imprecisa, etérea taça
em que adormece o luar... Delicadeza...
Não se diz... Não se exprime... Não se traça. . .
Fluído... Poesia... Névoa... Flor... Beleza...

Passa. . . - É um morrer de lírios. . . Olhos quase
fechados... Noite... Sono... O gesto é gaze
a estender-se, a alegrar-se... E enquanto vão

fugindo os passos teus, visão perdida,
chovem rosas e estrelas pela vida...
Silêncio! Divindade! Iniciação!
========

Celso Pinheiro
(Barras/PI, 24 novembro 1887 – Teresina/PI, 29 junho 1950)

" FLOR INCÓGNITA "

Por essas tardes doces de novenas,
tive um sonho de todo imaginário:
fazer das minhas rimas um rosário
para ofertar-te, irmã das açucenas!

Tu, que és a inveja viva das morenas
e a pérola gentil do meu rimário
guardá-lo-ias, como um relicário,
no teu seio de arminhos e de penas. . .

E se fosses ao templo, como agora,
às tuas orações de tanto enlevo,
bendiria este amor Nossa Senhora. . .

Meu Deus, como seríamos felizes!
Tu rezando os Sonetos que te escrevo,
eu rezando as palavras que me dizes...
============

Celso Vieira
Celso Vieira de Matos Melo Pereira
(Garanhuns/PE, 12 janeiro 1878 – Rio de Janeiro, 19 dezembro 1954).

" PLAGON "

Glória imortal da helena fantasia,
maravilha da Forma encantadora!
Não seria mais bela, nem seria
mais orgulhosa se uma Deusa fora.

Ei-la que passa: rútila, irradia
dos seus cabelos a alvorada loura;
ao vê-la, a gente evoca a sinfonia   
do mar da Jônia à Vênus tentadora.

Ei-la que passa: tudo se ilumina
à luz de seus olhares; tudo exalta
seu porte, ao som de sua voz divina . . .

E os anjos voam no infinito ao vê-la,
pois desejam saber se acaso falta
no cortejo da noite alguma estrela!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

Isidro Iturat (Arte Poética) parte 1


OUTRA DEFINIÇÃO INFRUTUOSA DO TERMO “POESIA” 

Palavra ritmicamente ordenada,
ou veículo visível para a alma
invisível, ora o rio que mana 

alimentício, ou a sede que não acaba,
mulher mistérica nua na cama,
deus que sopra, ou uma má álgebra. 

Ou o assombro, ou o amar, e/ou a raiva. 

O pleno todo, o carente nada.
(Isidro Iturat )

NOTA AO LEITOR

          O texto a seguir constitui uma síntese das ideias que considero mais essenciais sobre criação poética que pude acumular durante os meus anos de exercício literário. A razão de sua existência provém da praticidade  que supõe dispor de um documento único, breve e de fácil consulta que possa ajudar a mantê-las presentes. Inicialmente, decidi realizá-lo como um apoio à minha própria tarefa literária, mas também pensando na possibilidade de que pudesse auxiliar o trabalho de outros autores.

 1. ADQUIRIR CONHECIMENTO

                                                     Retirado en la paz de estos desiertos,
                                                     con pocos pero doctos libros juntos...
                                                                                         Francisco de Quevedo

1.1. SOBRE AS LEITURAS

          Na hora de aprender sobre qualquer tema, é conveniente procurar primeiro as melhores obras e os melhores autores. Na abordagem de cada matéria, sempre existe aquele livro realmente capaz de expandir com verdadeira força a nossa visão do assunto, aquele autor que tem especial talento, especial capacidade para separar o importante do insignificante etc. A leitura de um só livro excelente pode aportar em poucos dias um alto grau de conhecimento que, de outra maneira, exigiria anos de leituras de uma qualidade mais diluída, além de mostrar aquilo que nunca chegaria a ser aprendido por outros meios.

           E, por extensão, cabe adotar a atitude de procurar sempre as melhores bibliotecas, livrarias, listados de bibliografia, centros de ensino e mestres possíveis.

           Um bom sistema para procurar bibliografia quando não dispomos de orientação pode ser, por exemplo, ir até uma biblioteca de uma universidade, idealmente aquela que tenha um maior prestígio em relação à matéria que queremos aprender (o acesso ao edifício e a consulta aos livros costuma ser possível mesmo que não sejamos alunos da instituição). Ali, podemos tentar reunir o maior número de livros sobre o tema e folheá-los para selecionar os melhores. Dentre todos, podemos escolher de um a três para leitura.

           Por que nas universidades? Simplesmente, porque os compêndios das obras mais refinadas costumam ser encontrados em suas bibliotecas, ou nos listados de bibliografia oferecidos em suas matérias (hoje em dia, estes últimos podem ser encontrados facilmente na Internet). Estas obras, justamente por ser as mais refinadas, também são ignoradas por quase todos com frequência, e chegam a deixar de ser editadas. Mas, por causa do interesse dos professores especialistas, sobrevivem nas prateleiras das bibliotecas universitárias.

           Caso não seja possível tal acesso, logicamente a pessoa terá de se adaptar à sua realidade: se não é na universidade, será na Internet, ou nas livrarias da própria cidade, ou na livraria de outra cidade porque a nossa não possui os livros etc., mas acima de tudo, tentar fazer sempre o máximo possível, custe o que custar, para ter acesso ao bom conhecimento.

           Nota: Gostaria de destacar ao leitor, que não vou sugerir aqui nada que eu mesmo não tenha experimentado e constatado como produtivo.

1.2. O MELHOR LEITOR É UM RELEITOR E UM MEDITADOR DAQUILO QUE FOI LIDO

          Primeiro, a frase de Gustave Flauvert[1]: “Como seríamos sábios se conhecêssemos bem somente cinco ou seis livros”; e depois, Arthur Schopenhauer[2]: “Meditação: só com ela nos apropriamos daquilo que lemos”.

           Estas ideias são especialmente necessárias em nossos dias, nos quais somos frequentemente impelidos a receber grandes volumes de informação e com grande velocidade, o que nos leva, em último caso, a interiorizar solidamente bem pouca coisa de tudo isso.

           Então, primeiro é necessário selecionar as leituras, ler e reler (sem esquecer de sublinhar, anotar, esquematizar etc.); depois, meditar profundamente sobre o que foi lido, caso a matéria valha a pena.

1.3. OS DICIONÁRIOS

          O hábito de utilizar os dicionários na hora de escrever é fundamental para manter nosso corpus particular de palavras em movimento e crescimento, contando também com que o processo de aprendizado oferece naturalmente altos e baixos, períodos de avanços lentos e rápidos, estancamentos, regressões e novos avanços. Este hábito, então, facilitará dispor do acervo expressivo necessário para quem pretende escrever, dominar fenômenos como a rima, superar a recorrência excessiva de determinadas palavras... ,ou seja, expandir o próprio universo interior.

           Os dois tipos mais necessários são:

           1º. O dicionário geral. Além dos motivos mencionados acima, será útil no momento da criação porque, com frequência, quando surge uma frase na nossa mente, alguma palavra nos parece atraente e não sabemos claramente o que significa. O dicionário confirmará se a mesma é adequada ao contexto ou não.

           2º. O dicionário de sinônimos e antônimos. É apropriado para o caso contrário, quando aparece no verso uma palavra cujo significado conhecemos, que expressa justamente a ideia desejada, mas precisamos de uma outra porque a sua forma não se harmoniza na frase ou quando incluída em um verso de medida regular, não tem o número de sílabas adequado.

           Outras sugestões que podem ajudar de acordo com a preferência pessoal: enciclopédias, dicionários de gírias, jargões, retórica, terminologia literária, filosofia, psicologia, sociologia, etimológicos, de símbolos etc.

1.4. ANTOLOGIAS E OBRAS INDIVIDUAIS

          Além de um primeiro contato com os autores, a leitura de antologias e manuais de história da literatura nos permitirá obter, relativamente em pouco tempo, uma visão panorâmica sobre a poesia de qualquer cultura de nosso interesse. Também é preciso levar em consideração que sem conhecer pelo menos as obras e recursos utilizados pelos poetas historicamente mais influentes, será mais fácil cair no equívoco de pensar que estamos inovando, quando, realmente, não é assim.

           Para adquirir um conhecimento amplo e ao mesmo tempo profundo, pode ser útil dedicar alguns períodos para obter esta imagem panorâmica da cultura e outros para focar em apenas um autor, abrangendo assim o geral e o específico.

1.5. EDUCAR O DISCERNIMENTO

          A leitura é qualquer coisa, menos algo inócuo. As modificações nas ideias e estados de ânimo podem ser radicais, principalmente na leitura dos grandes escritores, os quais costumam distinguir-se por saber fascinar através da forma. Isto pode significar, por exemplo, que sem nos darmos conta interiorizemos ideias que podem ser daninhas. Por isso, para o leitor e especialmente para o leitor-escritor, que depois de receber a mensagem se converterá em um novo emissor, é extremamente necessário se exercitar no discernimento, do que há de ser bom ou não, tanto para si mesmo como para os outros.

           Será recomendável meditar, tanto sobre as ideias quanto sobre os estados de ânimo que o texto induz. Por exemplo, depois de ler um autor que transmite niilismo com eficácia, podemos esperar sentir-nos deprimidos, desesperançados, coléricos etc.; diante de outro vitalista, sentir coisas como amor, coragem, alegria... Também será necessário ver o que queremos incorporar para nós mesmos, pois, em grande parte, somos aquilo que comemos.

           Não se trata, contudo, de eliminar de repente qualquer leitura que intuitivamente nos pareça ameaçante. De fato, não será incomum que uma obra seja de nosso interesse, por exemplo, para aprender sobre o seu estilo e que contenha realidades perante as quais sintamos aversão. Uma leitura abordada com os filtros críticos bem dispostos afetará em menor medida as nossas emoções. Então, delimitar o grau que permitiremos nos deixar levar pelo texto é sempre possível.
––––––––

Continua…

Fonte:
http://www.indrisos.com/ensayosyarticulos/artepoeticaportugues.html#4

Teatro de Ontem e de Hoje (Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite)


Segundo espetáculo do Teatro Cacilda Becker, a estréia da obra-prima do autor norte-americano Eugene O'Neill, inédita no Brasil, cria intensa expectativa na elite cultural brasileira e o espetáculo transforma-se em um grande acontecimento.

A montagem deveria inaugurar as atividades do Teatro Cacilda Becker - TCB, mas a companhia é obrigada a estrear com texto de autor nacional, obedecendo a uma lei de 1953 que exigia das novas companhias dramáticas que encenassem peças de dramaturgos brasileiros em seus primeiros espetáculos. Mesmo assim, enquanto prepara O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna, a equipe ensaia Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, a peça à qual a companhia dedica o maior período de elaboração em toda a sua trajetória. 

O texto encarna o gosto de uma geração que descende do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, e que se afina com o teatro europeu, valorizando a obra literária como expressão cultural e histórica. Nesse teatro, a qualidade da direção está em ser imperceptível: seu desafio é materializar em cena a expressão do sentido humano e poético do texto. Eugene O'Neill é um dos autores mais cultuados daquele momento e, o teatro, a manifestação artística mais propícia a aglutinar jornalistas, intelectuais e artistas em um acontecimento social. 

A peça conta a história da família do ator James Tyrone, que desperdiçou seu talento, repetindo-se no papel do Conde de Monte Cristo, está reunida em sua casa de campo, durante o verão, quando as temporadas teatrais são suspensas. Mary Tyrone, sua esposa, acaba de voltar de um período de cura e todos esperam que ela evite recaídas no uso de morfina, da qual se tornara dependente devido ao tratamento ministrado por um mau médico depois do parto de um dos filhos. A avareza de James Tyrone sacrifica também James Tyrone Jr. e Edmund Tyrone, alter-ego de Eugene O'Neill. Ao longo de um dia, todas as tensões e ressentimentos da família emergem e, quando a noite chega, Mary já está mergulhada em seu delírio, por não suportar a realidade, especialmente a doença do caçula Edmund, cuja tuberculose acaba de ser diagnosticada. 

Os críticos, são unânimes em exaltar o mérito e a honestidade do empreendimento, o desempenho dos atores, a intimidade do diretor Ziembinski com o estilo psicológico, que lhe permite criar uma ampla variedade de climas. "A Companhia Cacilda Becker, pelo valor dos seus elementos, é provavelmente a primeira do teatro brasileiro atual. Queremos dizer com isso que nenhum, entre os nossos jovens conjuntos, possui igual experiência, igual número de primeiras figuras. Este espetáculo vale também por demonstrar que os seus diretores sabem compreender a responsabilidade que lhes pesa sobre os ombros, ao escolher, para estréia em São Paulo, um texto de enorme valor e de interpretação dificílima".1 Ao mesmo tempo, as críticas mostram pouco entusiasmo no que diz respeito ao resultado. Cacilda Becker, que aos 37 anos interpreta uma mulher de 54, Mary Tyrone, tem um de seus momentos de maior brilho. Mas até mesmo em relação ao seu desempenho e ao de Walmor Chagas há discordância. Enquanto alguns consideram que a atriz realiza uma de suas melhores interpretações, outros afirmam que ela parece menos convincente que nas atuações anteriores e atribuem o problema ao monocórdio da voz, embora todos reconheçam que ela tem emoção e força. "Cacilda Becker é Mary Tyrone. A sua maneira de encarar e resolver a personagem não se assemelha à de Florence Eldridge, criadora original do papel em Nova York. Cacilda, levada pelo seu temperamento, é menos sonhadora, menos fora da realidade, mais atuante, mais incisiva, mais presente, mais de carne e osso, mais afirmativa e dramá¬tica. O resultado, entretanto, a quantidade final de emoção, se assim ios dizer, é igual, elevadíssima em ambos os casos - exceto na cena final, a da 'loucura de Ofélia', como a classifica cruelmente James Tyrone Jr., que se presta melhor à linha desenvolvida por Florence Eldridge. Em suma, uma grande criação dramática da nossa maior atriz".2 Paulo Francis escreve que em determinada cena há um movimento de cabeça da atriz que "vale mais do que meia hora de conversa de O'Neill".3 A Associação Brasileira de Críticos Teatrais - ABCT, considera Cacilda Becker a melhor atriz daquele ano e Ziembinski o melhor diretor.

O espetáculo não obtém, no entanto, o êxito esperado. A temporada é interrompida ao fim de cinco semanas. A historiadora Maria Inez Barros de Almeida avalia sua importância histórica: "Na verdade, não se realizando o desejado êxito, realizou-se uma aventura artística que valeu por si mesma. As gerações da época sabiam que algo de muito intenso tinha sido tentado. O espetáculo preservou-se na memória dos contemporâneos como um ponto de referência, mesmo que tenha sido para negá-lo como obra plena".4

Notas

1. PRADO, Décio de Almeida. Teatro em progresso. São Paulo: Martins, 1964, p. 124.

2. PRADO, Décio de Almeida. Teatro em progresso. São Paulo: Martins, 1964, p. 122.

3. FRANCIS, Paulo. In: ALMEIDA, Maria Inez Barros de. Panorama visto do Rio: Teatro Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Minc/Inacen, 1987, p. 28.

4 ALMEIDA, Maria Inez Barros de. Panorama visto do Rio: Teatro Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Minc/Inacen, 1987. p. 30.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 780)



Uma Trova de Ademar  

Uma mensagem de luz
que trouxe uma fé tamanha
foi aquela que Jesus
deixou pra nós na montanha.
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Há momento em que a bondade
forja a mentira bonita,
porque sente que há verdade
que jamais pode ser dita!...
–Maria Nascimento/RJ– 

Uma Trova Potiguar  

O coração do poeta,
que abriga toda emoção,
flechado por uma seta,
sangra somente paixão.
–Marcos Medeiros/RN– 

Uma Trova Premiada  

2000   -   Sete Lagoas/MG 
Tema   -   DESCOBERTA   -   M/H 

Em cada dia eu renasço
- apesar de envelhecer –
descobrindo, passo a passo,
a alegria de viver!
–Marina Bruna/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

A saudade que me invade
ninguém já sofreu, porque
a saudade é mais saudade
se é saudade de você...
–Darcy Tecídio/RJ– 

U m a P o e s i a  

No trabalho das colmeias 
me inspiro em meu dia-a-dia, 
eu e a abelha laboramos 
numa intensa parceria: 
ela tira o mel das flores 
e eu ponho em minha poesia. 
–José Lucas de Barros/RN– 

Soneto do Dia  

UMA LÁGRIMA DE AMOR. 
–Sônia Sobreira/RJ– 

Sonho com uma lágrima de amor, 
aquela que renova uma esperança, 
que traga para mim, nova aliança 
e me faça esquecer tamanha dor... 

Sonho com uma lágrima de amor 
que me inspire novo alento e confiança, 
aquela que me encha de bonança 
e expresse um sonho bom! Seja o que for. 

Uma lágrima de amor que inspire versos, 
rimas perfeitas, vendavais dispersos, 
que ressuscite os sonhos que mataste. 

Que leve os crepúsculos tristonhos, 
saudade das saudades dos meus sonhos
e a névoa das lembranças que deixaste.

Jornais e Revistas do Brasil (Jornal das Famílias)


Período disponível: 1863 a 1878 
Local: Rio de Janeiro, RJ 
Continuação de: Revista popular

Hoje, mais corajosos do que d’antes, (...) resolvemos sob o novo título de Jornal das Famílias, melhorar a nossa publicação. O Jornal das Famílias, pois, é a mesma Revista Popular, d’ora avante mais dedicada aos interesses domésticos da família brasileira.

São os seus collaboradores os mesmos distinctos cavalheiros a quem tanto deve a Revista, accrescendo outros a quem tivemos a honra e a fortuna de angariar.

Mais do que nunca dobraremos os nossos zêlos na escolha dos artigos que havemos de publicar, preferindo sempre os que mais importarem ao paiz, á economia doméstica, á instrucção moral e recreativa, á hygiene, n’uma palavra, ao recreio e utilidade das famílias.” 

Assim o editor francês Baptiste Louis Garnier – criador no Rio de Janeiro, em 1844, em sociedade com seus irmãos na França, da “Garnier Irmãos”, logo depois denominada apenas “B. L. Garnier” ou apenas “Garnier” – apresentava, no primeiro número, o Jornal das Famílias. A publicação sucedia à Revista Popular, também por ele editada, que circulara de 1852 a 1862. 

Enquanto esta última tratava de assuntos diversos, como ciência e agricultura, para um público amplo, o alvo da nova publicação eram as mulheres de classe média e alta, público que crescia acompanhando o processo de urbanização do país.

Contos, poesias, romances, culinária, moda, higiene eram os assuntos dominantes. E selecionados de modo a não ferir os valores das famílias da “boa sociedade”: no 16º volume da Revista Popular, ao anunciar a mudança pela primeira vez, os editores tranquilizavam os assinantes, informando que eles passariam a receber a nova publicação, e também às “mães de família [que] não devem recear que ele penetre em seu santuário. Haverá todo o cuidado, como na Revista Popular, para a escolha dos artigos.”1 Impresso em Paris, o que lhe conferia melhor qualidade gráfica, era bem mais ilustrado que a anterior. De Paris também vinha grande parte das matérias, especialmente aquelas sobre moda. Mas seu principal e um dos mais frequentes colaboradores foi o carioca Machado de Assis, que ali publicou de 60 a 70 textos, em sua maioria contos. 

A Biblioteca Nacional tem 183 edições deste periódico, todos eles disponíveis nesta Hemeroteca Digital.

Nota
 1. MELLO, Kátia Rodrigues. Jornal das Famílias e Machado de Assis: Um perfil do Periódico de Garnier e seu principal colaborador. 

Fonte
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/jornal-das-famílias