quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Irmãos Grimm (O Alfaiate no Céu)

Um lindo dia veio a acontecer que o bom Deus queria descansar um pouquinho do jardim do paraíso, e levou com ele todos os apóstolos e santos, de modo que não ficou ninguém no céu com exceção de São Pedro. O Senhor então lhe ordenou, que na sua ausência, não deixasse ninguém entrar, então, Pedro ficou perto da porta e ficou de vigia o dia todo.
 
Não passou muito tempo e alguém bateu na porta. Pedro perguntou quem era, e o que ele queria? "Eu sou um alfaiate pobre e honesto que implora para entrar," respondeu alguém
de voz suave.
 
"Honesto de verdade," disse Pedro, "como o ladrão que foge da forca! Foste sim um mão leve atrevido a surrupiar as roupas das pessoas. Não poderá entrar no céu. O Senhor me proibiu de deixar qualquer um entrar enquanto ele estiver fora." 

"Deixa disso, seja misericordioso," exclamou o alfaiate. " Migalhas que caem
da mesa por conta própria não são roubadas, e nem vale a pena ficar falando sobre essas coisas. Veja, eu sou manco, estou com bolhas nos pés de tanto caminhar até aqui, possivelmente não conseguirei voltar. Apenas me deixe entrar, e eu farei todo trabalho duro. Carregarei as crianças, lavarei as roupas delas, lavarei e limparei os bancos onde elas ficaram brincando, e remendarei todas as roupas rasgadas delas.
 
Ele foi obrigado a se sentar num cantinho atrás da porta, e teve de ficar quieto e sossegado ali, para que o Senhor, quando Ele retornasse, não o visse e ficasse bravo. O alfaiate obedeceu, mas assim que São Pedro saiu de perto da porta, ele se levantou, e cheio de curiosidade, começou a passear por todos os cantos do céu, bisbilhotando tudo em todos os lugares. Até que ele chegou num lugar onde havia muitas cadeiras lindas e confortáveis, e no centro havia uma cadeira de ouro toda decorada com joias brilhantes, e também ficava num plano mais alto que as outras cadeiras, e na frente dela havia um escabelo[1] de ouro.
 
Ela era, no entanto, o assento onde o Senhor se sentava quando ele estava em casa, e da qual ele podia ver tudo o que acontecia na Terra. O alfaiate permaneceu parado diante dela, e ficou olhando para a cadeira durante um longo tempo, e finalmente subiu e se sentou na cadeira. 

Dali ele via tudo o que acontecia na Terra, e viu uma velhinha muito feia que estava lavando roupas nas margens de um rio, e sem que ninguém percebessem pegou para ela dois véus que estavam de lado.
 
Quando viu isto, o alfaiate ficou tão nervoso que ele pegou o escabelo de ouro, e o jogou do céu lá embaixo na Terra, sobre a cabeça da velha safada. No entanto, como ele não conseguia trazer de volta o escabelo, ele saiu furtivamente da cadeira, se voltou a sentar no lugar atrás da porta, e se comportou como se nunca tivesse saído dali. 

Quando o Senhor e mestre retornou junto com seu séquito celestial, ele não viu o alfaiate atrás da porta, mas quando ele foi se sentar na sua cadeira, percebeu que o escabelo não estava mais lá. Ele perguntou a São Pedro o que tinha acontecido com o seu escabelo, mas São Pedro não sabia o que tinha acontecido. Então, Ele perguntou se alguém havia entrado ali enquanto Ele estava fora.

 "Não estou sabendo de ninguém que tivesse estado aqui," respondeu São Pedro, "com exceção de um alfaiate manco, que ainda está atrás da porta." 

Então, o Senhor mandou que trouxessem o alfaiate diante dele, e lhe perguntou se ele tinha atirado fora o escabelo, e onde ele o tinha colocado? 

"Oh, Senhor," respondeu o alfaiate alegremente, "Eu o atirei lá embaixo na terra, num momento de raiva, sobre uma velhinha que estava roubando dois véus enquanto lavava roupa." 

"Oh, seu velhaco," disse o Senhor, "se eu fosse julgá-lo como você julga, como acha que você teria escapado durante tão tempo?"
 
"Eu não teria mais cadeiras, bancos, assentos, nada aqui, nem mesmo o garfo de usar no forno, mas teria atirado tudo nos pecadores." 

"De agora em diante, não poderás mais ficar no céu, mas deves sair por aquela porta novamente. E vás para onde quiseres. Ninguém aplica punição aqui, com exceção de mim, que sou o Senhor. 

Pedro foi obrigado a expulsar o alfaiate do céu novamente, mas como os sapatos dele estavam furados e os seus pés estavam cobertos de bolhas, ele se apoiou num bastão com a mão, e foi embora bem devagarinho, dizendo "Esperem um pouco", enquanto os bons soldados se sentavam de tanto rir.
=======================
Notas e Referências do Tradutor
[1] Escabelo: banquinho para descanso dos pés.

Fonte:
Wikipedia

Aluízio Azevedo (Vida Literária) I – A Giovani

Ilustração por William Medeiros
(Particular)

Querido desconhecido. - A tua carta é a primeira carta anônima que respondo, das muitíssimas que até hoje tenho recebido. E a razão disso está simplesmente no modo asseado por que me falas. Deitaste um pequenino dominó de seda, mas mo descalçaste as meias e não arregaçaste as mangas da camisa.

Para dizer tudo - creio até que em ti percebi uma banda de luva amarrotada na mão esquerda.

Entra, pois, assenta-te, toma um charuto, e conversemos. Não precisas tirar a máscara; pediste que te não procurasse reconhecer, e eu, apesar de minha curiosidade, estou resolvido a fazer-te a vontade.

Antes de entrarmos no assunto verdadeiro de tua carta, convém declarar-te uma cousa: - Estou reconhecido pelas palavras lisonjeiras que me dedicas e mais ainda pelo interesse que mostras pelas minhas produções.

Nada é tão agradável para quem escreve, como saber que seus escritos preocupam de qualquer forma a atenção de quem quer que seja.

Ofereceste-me obsequiosamente para anotar o meu romance O Mulato e eu aceito e agradeço o oferecimento, sentindo apenas não possuir um exemplar para pô-lo à tua disposição.

Hoje é muito difícil encontrar um volume d'O Mulato.

Quanto ao que dizes a respeito das Memórias do condenado, pesa-me confessar-te uma cousa: - Tu tomaste muito a sério essa obra.

Que não nos ouçam os leitores do rodapé, mas impõe-me a franqueza declarar-te que as Memórias, enquanto não aparecerem em volume, não merecerão desvelos de ninguém.

Romance de au jour le jour, escrito para acudir às exigências de uma folha diária, está, como facilmente se pode julgar, eivado de erros e descuidos, que só na revisão para o volume poderão desaparecer.

Além disso, os erros tipográficos são tantos e tão constantes, que constituem uma verdadeira calamidade. Ainda no último folhetim, eu escrevi - belos brilhantes, e os tipógrafos disseram - velhos brilhantes; em outro lugar falo de pedras limpas, e eles emendaram para límpidas. Isto sem querer citar as repetidas transposições que alteram completamente o sentido do que está escrito; as palavras incompletas, os saltos e mil outros inimigos do estilo e da boa lógica gramatical.

Entretanto, manda-me as tuas notas - elas me poderão ser de grande utilidade. Quando fores razoável, seguirei o teu conselho e quando não fores não seguirei; em todo caso nada perderemos com isso.

Mas vejamos as tuas três primeiras emendas:

1.o) Queima como pus.

Se bem que isto não seja unia frase completamente verdadeira, tem todavia algum fundo de verdade. Há certo pus venenoso, que possui propriedades de cáustico, e queima a epiderme. Podes facilmente verificar esse fato nas feridas venéreas. Contudo não disputo a frase, porque não reconheço nela valor algum.

2.o) O abuso das frases - Que diabo! com os diabos! etc., etc.

Não me pareces nisso muito razoável, mas enfim pode ser que tenhas razão.

3.o) Pedes a supressão de certo adjetivo, porque ele pode lembrar desgostos a uma senhora, que ambos nós respeitamos.

Quanto a isso, só me resta declarar-te uma cousa: - Para poupar um desgosto a uma senhora de minha estima, eu seria capaz de sacrificar um dedo, quanto mais um adjetivo.

Creio que te fiz a vontade; espero por conseguinte que sejas mais severo nas tuas notas. Vê se dizes alguma cousa sobre a concepção artística de meus trabalhos.

Pena é que as Memórias estejam a expirar.

E com esta - adeus, fico-te obrigado e à espera de mais.

ALUÍZIO AZEVEDO

Gazetinha, Rio,

Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura

Loreta Valadares (Poemas Avulsos)

Fonte: Espaço Das (facebook)
Não te esqueças
de mim
minha memória...
a vida que levei
as lutas que ganhei
e as sem vitória.

Não te esqueças
de meu sonho
a gargalhada
e de minh’alma
apaixonada
que te fique
a lembrança
enlouquecida
de viver
intensamente
aos arrancos
sem prantos
totalmente
sem fôlego
Paixão
descabida
de revirar tudo
tudo
tudo...

Não te esqueças
de mim
minha angústia
o tempo
que perdi
as portas
que bati
a tormenta
o fracasso...
Que de mim
te recordes
a ânsia
de ultrapassar
limites
e arrancar
raízes

Maldita
teimosia
de não desistir
nunca
nunca...
==========================================

Vértices
conexos
ângulos
inversos
caminhos
díspares
delicada
flor
(recém)
desabrochada
em terreno
árido.
Para onde vai
o que não foi feito?
Ah! Se eu soubesse...
Ah! Se eu soubesse...

Sei tudo
e não sei nada.
Vida transpassada
alma inquieta
sonho sem limite
estreita passagem
perfeita miragem...

E
não sei nada
de tudo.

Não posso ter perdido
o que nunca tive
nem ter vivido
onde não estive
não posso ter chorado
a lágrima não vertida
e sequer ter aplacado
essa paixão ensandecida
de revolver a vida
tão completamente
e me tornar cativa
dos caminhos
sinuosos
da liberdade
(re)nascente.
================================

Mar
maresia
maremoto
mar morto
marulhar
maravilha.
Mar de rosas
mar alto
encapelado.
Mar aberto
maré cheia
longe mar
beira-mar
Marejar
Lacrimar
.................
Navegar...
navegar
onde-mais
em-que-mar....
========================

Coração,
para quê?
Eixo
do corpo
qual
eixo
do mundo
a executar
a rota
da esfera celeste.

Coração,
para quê?
Viver?
Sentir?
Ou, simplesmente,
com Fernando Pessoa,
“sentir com a imaginação
e não usar o coração”?

Coração,
para quê?
===============================

Tento
não ficar
triste
mas a dor
existe
e a espera
fere
como faca
em ponta
apontando
o instante
que pisca,
pisca
e não brilha...

(e onde é
que está
meu livro
de inglês?)
Não achei...
Não achei...

(enquanto esperava na fila do banco)
=================================

Sono
esquisito
infinito
sonho
espera
de tempos
encantados
de desejos
impossíveis
de trilhas
invisíveis.

Abro
os olhos
e espio
pela janela:
nenhum sinal
da noite.
==================================

Flor
Floreio
Florada
Flor-de-lis
Flor-da-noite
Floral
Floresta

Florete.
Ferino
Corte
============================

Humanas vozes
em gritos
de silêncio
clamam
da vida
uma resposta


Vazados olhos
em visões
sinistras
espreitam
no mundo
a loucura

Paira
sobre ondas
revoltas
(a) tormenta
do tempo
presente

Feixe
de luz
e sombras
atravessado.
Punhal
cravado
no peito
da humanidade

Fonte:
Goulart Gomes (organizador). Antologia do Pórtico.

José Amauri do Nascimento (O Assassinato da Esperança)

O alarme soou quando os ponteiros cruzaram cinco horas em ponto e o pequeno cômodo logo foi tomado pela estridente sonoridade do despertador do relógio comprado no camelódromo do Centro do Rio de Janeiro, fazendo com que Luiz Carlos, num sobressalto, o desligasse para que seus irmãos menores não acordassem. Cansadamente abriu os olhos e esticou o corpo ainda sonolento sobre o colchonete estendido no meio do quarto, de joelhos o dobrou e o empurrou com cuidado pra debaixo do beliche onde dormiam os dois mais novos dos quatro irmãos, levantou cambaleante dando longos bocejos e, a custo, pé ante pé, na penumbra embaçada do dia que começava, tateou as duas redes onde os outros dois se remexiam em leve incômodo.

— Ui! Desculpem-me, voltem a dormir... Shhh...

No único banheiro da casa, onde dispunha apenas de água fria, o coração do garoto que acabara de completar 16 anos, experimentava um misto de sensações que fazia seus batimentos acelerarem descompassadamente.

Seu pai já não mais se encontrava em casa, levantara ainda mais cedo, sua labuta diária beirava doze horas. Sua mãe se encontrava na humilde cozinha fervendo água na única boca que funcionava do fogão velho.

Luiz Carlos tomou um banho apressado, em parte pela baixa temperatura da água, mas principalmente, pela ansiedade que o assolava. Aquele haveria de ser um dia muito importante, não queria se atrasar. Na verdade, sabia: a fila a esperá-lo seria enorme e desejava ser, senão o primeiro, um dos primeiros.

Mesmo não tendo muitas opções, vestiu a melhor roupa, pois lera numa matéria de uma revista velha, que uma boa apresentação contaria pontos. Na cozinha, açodadamente, comeu meio pão dormido sem margarina e tomou um gole de café meio amargo que a mãe acabara de preparar. Já na porta, a mulher, pouco vigorosa, lançou-lhe um olhar pesaroso, mais pela dureza dos dias do que propriamente pelo que, de fato, sentia.

Tentando, o máximo que podia passar-lhes as esperanças que somente o âmago das mães pode acumular, abraçou-o com as poucas forças de braços magros e desejou-lhe, amorosamente, boa sorte.

— A sua bênção mãe! (...)

Em meio aos anseios daquele dia que o tomavam de assalto, o jovem sonhador e esperançoso por dias melhores, viu a porta fechar-se às suas costas. Escadaria abaixo seguiu atalhando as bifurcações dos becos da comunidade.

Em cada esquina um sorriso nervoso desenhava-lhe o rosto e um calafrio fazia cócegas na barriga, porém, o pensamento era um só: o de que a sua vida e de toda a família estavam prestes a mudar, e pra melhor...

Já na última esquina, acesso a avenida principal, onde pegaria a condução que o levaria ao seu destino, num gesto inocente, levou a mão ao bolso da calça por baixo da camisa. Nesse momento um estrondoso estampido ecoou e um forte impacto o atingiu no peito jogando-o para trás de encontro ao muro. Escorregou lentamente parecendo apenas sentar-se, enquanto uma mancha escorria às suas costas pintando de vermelho a parede descascada.

Policiais que se preparavam para uma incursão surpresa, aproximavam-se:

— Você viu tudo! Ele estava armado, ia atirar...

— Não parceiro, esse daí não faz parte da facção, ele só tinha um papel no bolso!

Abaixando-se, retira da mão do jovem, de olhar estático e sem vida, um panfleto onde se lia: Primeiro emprego! Entrevista: A partir das 08:00h.
==========================
*Suboficial da Marinha do Brasil, reside no Rio de Janeiro/RJ, é membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni.
Fonte:
Revista Literária Café-com-Letras – Ano 11 n.11. Teófilo Otoni: Academia de Letras de Teófilo Otoni, 2013.

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 13 – 24 de fevereiro de 1887.

Há tanto tempo calado...
E sabem por quê? Por isto:
Pelo número fadado
Da ceia de Jesus Cristo.

Número treze. Com esta
São treze as minhas Gazetas.
Numeração mui funesta,
Cheira a cova e a calças pretas.

Há, porém, quem afiance
Que treze é dúzia de frade.
É opinião de alcance,
Que anima e que persuade.

Contudo, em uma pessoa
Sendo supersticiosa,
Antes que na cousa boa,
Crê na cousa perigosa.

Daí veio esta comprida
Vadiação; era medo,
Medo de perder a vida
Cedo, mais que nunca cedo.

Lembra-me inda certo dia,
Quando eu tinha treze anos;
Jantamos em companhia
Treze rapazes maganos.

Um acabou reprovado
Na Escola de medicina;
Outro está bem mal casado;
Outro teve pior sina.

Pior, digo, e em muitos pontos;
Geria a casa dos Bentos;
Fugiu, levando dez contos,
Em vez de levar quinhentos.

Outro é político, e anda,
Ora triste, ora sinistro;
Dizem-me que ele tresanda
Vontade de ser ministro.

Em dia de crise, voa
A meter-se em casa, à espera
De alguma notícia boa;
Espera que desespera.

Só sai quando o gabinete
Fica de todo formado,
E jura pelo cacete
Que há de pô-lo derreado.

Bufa, espuma. Abrem-se as câmaras,
E o meu companheiro e amigo
Aguarda o tempo das tâmaras,
E torna ao seu voto antigo.

Outro daqueles rapazes
Procura sinceramente
Entre os meios mais capazes
De encher a barriga à gente.

Um que seja imediato
E de graúdas prebendas,
Ou testamento, ou barato...
Já não há pr'as encomendas!

Cá por mim, tive um inchaço
Na perna esquerda; diziam
Que essa doença era andaço,
E até que muitos morriam.

Sarei; mas foi sobre queda
Couce. A morte tão sombria.
Que tantas casas depreda,
Poupou-me para este dia.

Pois, minha dona, aqui fico,
Já daqui me não arranco,
Achei um recurso rico:
Deixo este número em branco.

Não dou Gazeta nem nada;
Não falo em cousa nenhuma,
Gouvea, moção, espada;
Em suma, de nada, em suma.

E tanto mais ganho nisto
Que, como se fala em rolo,
Podia um lance imprevisto
Tirar-me o melhor consolo.

Que é este: olhar para a rua
Cheia de cousas chibantes,
E dizer — Feliz a lua...
Se é que não tem habitantes.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Nilto Maciel (Os Urubus e Deus)

– Qual a diferença entre a alma e um passarinho?
O que é a alma,
Isaac L. Peretz

 (...) formavit igitur Dominus Deus hominem de limo terrae et inspiravit in faciem eius spiraculum vitae et factus est homo in animam viventem (...)
Vulgate, Genesis, 2:7

O urubu avistou o corpo do menino, empinou-se e bateu as asas. Não pude fazer nada. Aliás, nunca posso fazer nada. Não devo fazer nada. Não posso estorvar os impulsos instintivos dos urubus, nem dos leões, nem dos sapos. Todos eles precisam sobreviver. Os olhos da alma do menino pareciam horrorizados. Então ele, um ser humano, pequenino ser humano, recém-nascido, indefeso, deveria morrer para que urubus sobrevivessem? Não entendia a lógica da morte.

Maria, coitada, mãe tão jovem, sem forças, sem amparo, desorientada, machucada, ferida, agiu por impulso, por loucura, desespero de não ter como criar o filho, de não ter lar, marido, nada. Quem seria o pai? José, João, Marcos, Mateus, Lucas? Pobre Maria, apaixonada, usada, objeto. Grávida, procurou amigas. Não podia ser mãe, abortaria. Ou criava o filho com o pão amassado pelo diabo? Não encontrou quem lhe tirasse as dúvidas. Se me buscou, não lembro. Se rezou a mim, pouco importa. Há o livre arbítrio.           

Chegado o momento de parir, Maria se acocorou, pôs-se a gemer, chorar, praguejar. Um corpo mole e ensanguentado escorria de suas entranhas. Quase a desmaiar, puxou com as mãos o fruto de seu ventre. Sentou-se e chorou mais. Urgia cortar o cordão umbilical, livrar-se daquilo. Apalpou a faca, agarrou-a e fez o corte. Estrangulava a criança? Não, ia lavar-se, descansar, dormir. Ou morrer. Cochilou, recostada à parede do banheiro. Uma barata passeava pelo chão. Apanhou o lençol e jogou-o sobre o corpo do filho. Ajoelhou-se, suada. Enrolou o pano no menino. Colheu o pacote e ergueu-se. Abriu a porta do banheiro e, pé ante pé, dirigiu-se à rua. Talvez fosse madrugada. Caminhou pela calçada. Latas de lixo recostadas a postes e muros. Olhou para os lados, as portas e janelas fechadas. Um carro passou longe, em disparada. Depositou o pacote numa das latas e correu para casa.

A alminha não parava de fazer perguntas. Por que não impedi a fecundação de Maria? Porque não posso impedir a procriação. A vida é necessária, imperiosa. A alma infantil não aceitava as minhas ponderações. Tudo, para ela, parecia injusto, errado, torto, feio, cruel. Fui insultado: chamou-me de tudo, menos de deus. Chamou-me de caos, confusão, desordem, diabo.

De manhã garis passaram pela rua, aos gritos e correrias. Pegavam as latas e despejavam o lixo no interior do caminhão. Levado para o monturo junto ao lixo, o menino foi lançado fora. Urubus, impacientes, espiavam de longe a movimentação dos trabalhadores. Ao virem afastar-se o caminhão, voaram sobre o repasto.

O capitão dos urubus se aproximou do pequeno ser. Olhos arregalados para o mundo, a criança chorava. A ave deu a primeira bicada. Faminta, passou a bicar a barriga, as pernas, o peito. O sangue tingia as penas negras do bicho.

Outros urubus se acercaram do pequeno corpo ainda vivo. E logo o banquete virou disputa, guerra. Com pouco tempo restavam apenas ossos. No entanto, a alma do menino evaporou-se e subiu ao céu. Os urubus se lamentaram, crocitando feito aves malditas. A fome não se resolve nunca, menino. Sim, todos são alimento, tudo é alimento. Nunca viste leão caçando veado? Se é justo ou injusto? Justiça e injustiça são apenas palavras.

O menino quis saber se os causadores de sua tragédia foram os urubus, sua mãe, seu pai, os garis ou o prefeito. Não posso acusar ninguém. Não devemos julgar os personagens das tragédias. Nem qualificá-los, adjetivá-los. Nada de lobo mau, mãe santa, pai-nosso. Compete-nos apenas ver e contar. Não nos cabe desenhar nada, nem dar lições de moral. Os seres existem, os fatos se dão, a vida se faz. E é só.
 
Fonte:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

Concurso de Contos Águas do Tijuco (Resultado Final)

A Fundação Cultural de Ituiutaba promotora do Concurso de Contos Águas do Tijuco, o mais importante concurso de contos do país, tanto pela qualidade dos contistas participantes, da comissão julgadora e pela premiação paga ao vencedor, considerado o maior prêmio literário do Brasil. Esse ano em sua segunda edição tivemos a participação de centenas de contistas, numa disputa que proporcionou a comissão julgadora muita dificuldade para se chegar ao vencedor, devido à qualidade dos contos inscritos. Tivemos a participação de contos vindos do Japão, Alemanha, Portugal e Estados Unidos, de brasileiros radicados nesses países.

Ao final do julgamento, o grande vencedor do 2° Concurso de Contos Águas do Tijuco de Ituiutaba, é Eder Rodrigues de Belo Horizonte, com o conto: “Orquestra de enxadas”. Segue abaixo a relação dos dez (10) contos selecionados pela comissão julgadora, que irá fazer parte do livro editado pela promotora, Fundação Cultural, onde serão publicados os dez contos selecionados, porém, sem ordem de classificação, destaque apenas para o conto vencedor, “Orquestra de enxadas”, que irá receber, além da publicação, R$ 3.000,00.

1º lugar: Orquestra de enxadas – Eder Rodrigues – Belo Horizonte – Minas Gerais

- Anjo Velho – Marina Tschernyschew – Guarujá – SP

- Assimétricos – Lúcio Emílio do Espírito Santo – Bom Despacho – Minas Gerais

- As areias de antes – Helder Luiz Rodrigues – Curitiba – PR

- Movimento das Marés – Osvaldo Vasconcelos Vilela – Rio de Janeiro – RJ

- O último medo – Márcia Maria Carini – Saõ Paulo – SP

- O vento – Tanussi Cardoso – Rio de Janeiro – RJ

- Perfeição – Fábio Dobashi Furuzato

- Réquiem para um escritor anônimo – Diego Trindade Hahn – Santa Maria - RS

- Vento na janela – Elicos Araujo – Brasília – DF

Fonte:
http://fundacaoituiutaba.com.br/?p=1226

Concurso Nacional de Poesias de Ponta Grossa/PR (Resultado Final)

Mais de 400 trabalhos foram inscritos nas categorias local e nacional do Concurso de Poesias 2013, que conheceu os vencedores esta semana. O edital foi promovido pela Fundação Municipal de Cultura (FMC) e Conselho Municipal de Política Cultural (CPMC). A homenageada deste ano é a poeta ponta-grossense Sônia Ditzel Martelo. Os demais concursos literários ainda não divulgaram os resultados.

A Comissão Avaliadora, composta por Sônia Ditzel Martelo, Diego Gomes do Valle e Ubirajara Araújo Moreira, escolheu vencedores locais e nacionais. Cada premiado recebe um prêmio no valor de R$ 1 mil.

O concurso, que acontece desde 2008, visa incentivar a produção literária local e o intercâmbio com brasileiros que gostam das letras. Nesta edição, o edital recebeu centenas de inscrições, dificultando o trabalho da comissão, como explica a professora Sônia Ditzel Martelo. Ela e os demais avaliadores leram 362 poemas nacionais e 63 de Ponta Grossa. “Foi muito intenso e gratificante participar de um concurso nacional dentro da maior seriedade como são os trabalhos desenvolvidos pela Fundação”, reforça Sônia.

O presidente da Fundação Municipal de Cultura, Paulo Eduardo Goulart Netto, lembra que os interessados com residência em Ponta Grossa puderam se inscrever nos dois níveis, bastando enviar trabalhos diferentes e inéditos. “O grande número de inscrições mostra que Ponta Grossa se firma no cenário nacional como uma grande incentivadora e aglutinadora da produção literária, além de mostrar a seriedade do trabalho desenvolvido pelo órgão gestor de Cultura ao longo dos últimos anos”, revela.

Por iniciativa da Comissão Avaliadora, foram conferidas ainda 12 menções honrosas (quatro para poetas ponta-grossenses e oito para outras cidades brasileiras), devido à alta qualidade das produções apresentadas. As obras premiadas e as menções honrosas serão publicadas em antologia, numa edição especial dos concursos de Contos, Poesias e Crônicas de 2013, com 1.500 exemplares, editada pela Fundação Municipal de Cultura no 1º semestre de 2014.

Vencedores

Categoria Nacional:


1º Lugar – Vó e Vô – André Telucazu Kondo, Jundiaí/SP

2º Lugar – Ananás – Rei! – José Jair Batista Filho, de Arujá/SP

3º Lugar – A Vertigem - Adriano Apocalypse de Almeida Cirino, Belo Horizonte/MG

Categoria Local

1º Lugar – Cheiro de Sítio – Elioenai Padilha Ferreira, de Ponta Grossa/PR

2º Lugar – Fugas Caseiras – Kleber Bordinhão, de Ponta Grossa/PR

3º Lugar – Conexão Virtual – Cássia Letícia Miranda Rodrigues, de Ponta Grossa/PR

Menções Honrosas - Local


Escape – Hellen Andréia da Silva Bizerra, de Ponta Grossa/PR

Dez para as Sete – a.m. – Ana Carolina Gilgen, de Ponta Grossa/PR

Testamento - Rosana de Hollebem, de Ponta Grossa/PR

Marés – Samuel Antunes dos Santos, de Ponta Grossa/PR

Menções Honrosas - Nacional

Acróstico – Carlos Alberto de Assis Cavalcanti, de Arcoverde/PE

Poeta Analfabeto – Rômulo César L. Rodrigues de Melo, de Recife/PE

O Milagre dos Corpos - Odenir Paim Peres Júnior (Odemir Tex Jr), de Santa Maria/RS

Poema de Insetos - Marcelo Melo Soriano, de Santa Maria/RS

Porque os Amavam... - Maria Apparecida S. Coquemala, de Itararé/SP

Ilusionismo – Carlos Henrique Costa, de Rio de Janeiro/RJ

Insônia – Rodrigo Ladeira, de Itanhaém/SP

Falado! – Geraldo Trombin, de Americana/SP

Fonte:
http://www.culturaplural.com.br/concurso-de-poesias-revela-resultado/

Prêmio Literário Fundação Biblioteca Nacional 2013 (Resultado Final)

1– Prêmio Alphonsus de Guimaraens

Categoria: Poesia

Vencedor: Armando Freitas Filho – "Dever"
Editora: Companhia das Letras
Comissão julgadora: Celina Portocarrero, Afonso Henriques de Guimarães Neto e Alberto Vasconcelos da Costa e Silva

2 – Prêmio Aloísio Magalhães

Categoria: Projeto Gráfico

Vencedor: Flávia Castanheira – "Contos maravilhosos infantis e domésticos"
Editora: Cosac Naify
Comissão julgadora: Ana Camara Soter da Silveira, Sérgio Liuzzi Guimarães e Victor Alexis Burton

3 – Prêmio Sérgio Buarque de Holanda

Categoria: Ensaio Social

Vencedor: Joel Birman – "O sujeito na contemporaneidade"
Editora: Civilização Brasileira
Comissão julgadora: Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo, Dulce Chaves Pandolfi e Maria Alice Rezende de Carvalho

4 – Prêmio Mario de Andrade

Categoria: Ensaio Literário

Vencedor: Paulo Henriques Brito – "A tradução literária"
Editora: Civilização Brasileira
Comissão julgadora: Maria Flora Sussekind, José Almino de Alencar e Silva Neto e Luiz de França Costa Lima Filho

5 – Prêmio Paulo Rónai

Categoria: Tradução

Vencedor: Denise Bottmann – "Mrs.Dalloway"
Editora: L&PM Editores
Comissão Julgadora:
Berilo Vilaça Vargas, Leonardo Fróes da Silva e Tomaz Adour da Camara

6 – Prêmio Machado de Assis

Categoria: Romance

Vencedor: Verônica Stigger – "Opsianie Swiata"
Editora: Cosac Naify
Comissão julgadora: Sérgio Ferreira Rodrigues Pereira, Marcelo Francisco Batista Moutinho e Tatiana Oliveira Siciliano

7 – Prêmio Clarice Lispector

Categoria: Conto

Vencedor: Cintia Moscovich – "Essa coisa brilhante que é a chuva"
Editora: Record
Comissão julgadora: Jorge Antonio Marques, Luísa Chaves de Melo e André Luis Mansur Baptista

8 – Prêmio Sylvia Orthof

Categoria: Literatura Infantil

Vencedor: Leo Cunha – "Haicais para pais e filhos"
Editora: Record
Comissão julgadora: Elizabeth D’Angelo Serra, Ana Maria Martins Machado e Laura Constância Austregésilo Athayde Sandroni

9 – Prêmio Glória Pondé

Categoria: Literatura Juvenil

Vencedor: Marcos Bagno – "Marcéu"
Editora: Positivo
Comissão julgadora: Rona Hanning, Marisa de Almeida Borba e Ninfa de Freitas Parreira

Fonte:
http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2013/12/premio-biblioteca-nacional-anuncia-livros-vencedores-da-edicao-2013.html

24º Concurso de Contos Paulo Leminski 2013 (Resultado Final)

Vencedores

1º Lugar - "A estranha", de Robson Rosário Curvêlo, de Praia Grande (SP);

2º Lugar - "Lalena, os sapatos e os ovos", de José Humberto da Silva Henriques, de Uberaba (MG);

3º Lugar - "O atirador de facas", de Carlos Bruni Fernandes, de São Paulo (SP);

Melhor Conto Toledano –
 
"Aquele sorriso", de Valdinei José Arboleya.

Menções Honrosas:
(por ordem alfabética)

Celso Cláudio Carneiro, de Goiânia (GO). Conto: “ Ânfora, âncora e Minâncora”;

Márcia Maria Carini, de São Paulo (SP). Conto: “O Barbeiro”;

Euler Lopes Teles, de Barra dos Coqueiros (SE). Conto: “Cauê”;

Edileuza Bezerra de Lima Longo, de São Paulo (SP). Conto: “Com as mãos vazias”;

Bethânia Pires Amaro, de Salvador (BA). Conto: “Leões e gazelas”;

Amarildo de Sousa, de Divinópolis (MG). Conto: “A mulher que fabricava anjos”.