quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Irmãos Grimm (Rei Bico-de-Tordo)

Um Rei tinha uma filha que era linda além de qualquer medida, mas que era tão orgulhosa e arrogante que nenhum pretendente era bom o suficiente para ela. Ela mandou embora um após o outro, assim como os ridicularizava.

Certa vez o Rei fez um grande banquete e convidou então, de longe e de perto, todos os jovens que pudessem casar. Eles estavam todos organizados em uma linha de acordo com seus níveis e reputação; primeiro vieram os reis, então os grão-duques, então os príncipes, condes, barões, e os gentios. Então a filha do rei passou pelas fileiras, mas para cada um ela tinha alguma objeção para fazer; um era muito gordo, "O barril de vinho", ela disse. Outro era muito alto, "longo e magro com pouco dentro." O terceiro era muito baixo, "pequeno e grosso nunca é rápido." O quarto era muito pálido, "Tão pálido quanto a morte." O quinto era muito ruivo, "Um galo de briga." O sexto não era direito o suficiente, "Um galho verde seco atrás do fogão."

Então ela tinha algo para dizer contra cada um, mas ela se fez especialmente agradável sobre o bom rei que estava quieto bem no final da fila, e cujo queixo cresceu um pouco curvo. "Bem," ela gritou e riu, "ele tem um queixo parecido com uma bico-de-tordo!" e a partir de então ele ganhou o apelido de Rei bico-de-tordo.

Mas o velho Rei, quando viu que sua filha não fazia nada além de zombar das pessoas, e desdenhava todos os pretendentes que havia reunido ali, ficou com muita raiva, e jurou que ela teria como seu marido o primeiro mendigo que viesse a sua porta.

Alguns dias depois um violinista veio e cantou abaixo da janela, tentando ganhar um pouco de esmola. Quando o Rei ouviu ele, disse, "Deixe-o entrar." Então o violinista veio, com sua sujeira, roupas rasgadas, e cantou diante do Rei e sua filha, e quando ele terminou pediu por um presente insignificante. 

O Rei então disse, "Sua música me agradou tanto que eu te darei minha filha aqui, como esposa."

A filha do Rei estremeceu, mas o Rei disse, "Eu fiz um juramento de te dar para o primeiro mendigo que aparecesse, e vou manter minha palavra." 

Tudo que ela dizia era em vão; o padre foi trazido, e ela teve que se deixar casar ao violinista na mesma hora. 

Quando estava terminado o Rei disse, "Agora não é apropriado para você, uma mendiga, permanecer mais no meu palácio, você pode ir agora com o seu marido."

O mendigo a levou para fora pela mão, e ela foi obrigada a andar a pé com ele. Quando eles chegaram a uma grande floresta ela perguntou, "A quem pertence esta bela floresta?" 

"Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua." 

"Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!"

Logo depois eles chegaram a uma campina, e ela perguntou de novo, "A quem pertence esta bela e verde campina?" 

"Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua." 

"Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!"

Então eles chegaram a uma grande cidade, e ela perguntou de novo, "A quem pertence esta bela grande cidade?" 

"Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua." 

"Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!"

"Não me agrada," disse o violinista, "ouvir você sempre desejar por outro marido; não sou bom o suficiente para você?" 

Por fim eles chegaram a uma pequena cabana, e ela disse, "Oh, meu deus! que casa pequena; a quem pertence esta barraca miserável de segunda categoria?" 

O violinista respondeu, "Esta é minha casa e sua, onde nós viveremos juntos."

Ela teve que se inclinar para poder passar pela porta. "Onde estão os criados?" disse a filha do Rei. 

"Que criados?" respondeu o mendigo; "você deve fazer por conta própria o que quiser que seja feito. Apenas acenda o fogo de uma vez, e coloque água para cozinhar minha sopa pois estou muito cansado." 

Mas a filha do Rei não sabia nada sobre acender o fogo ou cozinhar, e o mendigo teve que ajudá-la para conseguir qualquer coisa bem feita. Quando terminaram a escassa refeição eles foram para a cama; mas ele a forçou a acordar bem cedo de manhã para cuidar da casa.

Por alguns dias eles viveram deste jeito tão bem quanto podia, e veio então o fim de todas as suas provisões. Então o homem disse, "Mulher, não podemos seguir mais comendo e bebendo aqui sem ganhar nada. Teça algumas cestas." 

Ele saiu, cortou alguns salgueiros, e os trouxe para casa. Então ela começou a tecer, mas os salgueiros duros machucaram suas delicadas mãos.

"Vejo que isto não funcionará," disse o homem; "melhor você fiar, talvez consiga fazer melhor." 

Ela sentou e tentou fiar, mas o duro fio cortou seus dedos macios fazendo o sangue escorrer. 

"Veja," disse o homem, "você não serve para nenhum tipo de trabalho; Fiz uma barganha ruim por você. Agora vou tentar fazer algum negócio com os potes e cerâmicas; você deve se sentar no mercado e tentar vendê-las." 

"Ai de mim," ela pensou, "se qualquer pessoa do reino de meu pai vier ao mercado e me ver sentada lá, vendendo, como eles irão zombar de mim?" 

Mas não houve jeito, ela tinha que ir exceto se quisesse morrer de fome.

Pela primeira vez ela foi bem sucedida, pois as pessoas ficaram satisfeitas de comprar cerâmicas de uma mulher e ela era muito bonita, e pagavam o que ela pedia; muitos inclusive davam o dinheiro e deixavam os potes com ela também. 

Então eles viveram com o que ela ganhara enquanto durou, então o marido comprou um novo lote de cerâmica. Com estes ela sentou na esquina do mercado, e ajeitou a sua volta pronta para começar a vender. Mas de repente veio um ladrão de estradas bêbado galopando ao longe, e ele cavalgou entre os potes quebrando todos em mil pedaços. 

Ela começou a chorar, e não sabia o que fazer por medo. "Ai de mim! o que acontecerá comigo?" ela gritou; "o que meu marido dirá disso?"

Ela correu para casa e contou a ele sua falta de sorte. 

"Quem se sentaria na esquina do mercado com cerâmicas?" disse o homem; "para de chorar, vejo muito bem que você não pode fazer um trabalho comum, então fui ao palácio de nosso Rei e pedi se eles não teria um lugar para uma empregada na cozinha, e eles prometeram aceitar você; deste jeito irá conseguir comida de graça."

A filha do Rei era agora empregada na cozinha, e tinha que estar a disposição do cozinheiro, e fazer o trabalho mais sujo. Em seus bolsos ela prendeu um pequeno pote, no qual ela levava para casa sua parte dos restos, e com estes eles viviam.

Aconteceu que o casamento do filho mais velho do Rei iria ser celebrado, e a pobre mulher subiu e foi até a porta do salão para observar. Quando todos as velas foram acessas, e pessoas, cada uma mais bonita que a outra, entraram, e tudo estava cheio de glória e esplendor, ela pensou na sua sorte com o coração triste, e amaldiçoou o orgulho e arrogância que a humilhou e a trouxe para tamanha pobreza.

O cheiro delicioso dos pratos que estavam sendo trazidos pra dentro e fora alcançaram ela, e agora e então os empregados jogaram para ela alguns pedaços deles: estes ela guardou nos potes e levou para casa.

De repente o filho mais velho do Rei entrou, vestido em veludo e seda, com uma corrente de ouro em seu pescoço. E quando ele viu a bela mulher em pé perto da porta ele a segurou pela mão, e a teria levado para dançar; mas ela se recusou e recuou com medo, porque ela viu que era o Rei Bico-de-tordo, seu pretendente que ela havia repudiado com escárnio. 

Seu esforço foi em vão, e ele a levou para o salão; mas o barbante pelo qual seus bolsos estavam pendurados partiu, e os potes caíram, a sopa escorreu, e as migalhas se esparramaram. E quando as pessoas viram, houve uma risada e zombaria geral, e ela ficou tão envergonhada que preferia estar mil vezes num buraco abaixo do chão. 

Ela saltou em direção a porta e teria fugido, mas nas escadas um homem a segurou e trouxe de volta; e quando olhou para ele era o Rei Bico-de-tordo novamente. 

Ele disse a ela gentilmente, "Não tenha medo, sou o violinista com quem tem vivido naquela cabana miserável. Por amor a você me disfarcei assim; e também fui o ladrão de estradas bêbado que cavalgou entre a cerâmica. Tudo isto foi feito para seu espírito orgulhoso, e para puni-la pela insolência com o qual você zombou de mim."

Então ela chorou amargamente e disse, "Fiz muito errado, e não sou digna de ser sua esposa." 

Mas ele disse, "Console-se, os dias ruins estão no passado; agora nós vamos celebrar nosso casamento." 

Então as damas de companhia vieram e a colocaram numa roupa esplêndida, e seu pai e toda a sua corte vieram e desejaram sua felicidade pelo seu casamento com o Rei Bico-de-tordo, e a alegria começou a sério. 

Gostaria que eu e você estivéssemos lá também.

Fonte:
Contos de Grimm

A Saudade em Versos Diversos II


DÚ KARMONA
Saudade...


" ...     Quando penso que já foi...
Volta e rasga, sangra e dói!
Nem sei onde está, sei que ficou...
O que ficou... é mais que a dor...
Dor da falta, da perda...
Ficou um vácuo que me devora...
E tento sentir o que deixou
para estancar toda esta dor... "

FERNANDO PESSOA
Saudade

 
Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi e voou
E hoje é já outro dia.

MARTHA MEDEIROS
Vivendo e Aprendendo


Eu sou feito de Sonhos
interrompidos
Detalhes despercebidos
Amores mal resolvidos.

Sou feito de
Choros sem ter razão
Pessoas no coração
Atos por impulsão.

Sinto falta de
Lugares que não conheci
Experiências que não vivi
Momentos que já esqueci.

Eu sou
Amor e carinho constante
Distraída até o bastante
Não paro por um instante.


Tive noites mal dormidas
Perdi pessoas muito queridas
Cumpri coisas não prometidas.

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
Pensei em fugir para não enfrentar
Sorri para não chorar.

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
Amizades que não cultivei
Aqueles que eu julguei
Coisas que eu falei.

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
Lembranças que fui esquecendo
Amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.

ODYLA PAIVA
Saudade de você


Não há um dia que não lembre de você.
Saudade do seu abraço,
Saudade da sua voz,
Saudade de como você era para mim.

Não há um dia que não lembre de você.
Saudade de nossas conversas,
Saudade de seus recados ao telefone,
Saudade de saber você ao meu alcance.

Não há um dia que não lembre de você.
Saudade de fazer perguntas,
Saudade das suas respostas,
Saudade da sua atenção.

Não há um dia que não lembre de você.
Saudade de nossas saídas,
Saudade do “tudo bem”,
Saudade, saudade, saudade de você.

PABLO NERUDA
Fostes minha, fui teu


Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos
Já não se adoçará junto a ti a minha dor.

Mas para onde vá, levarei o teu olhar
E para onde caminhes levarás a minha dor.

Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
Uma curva na rota por onde o amor passou.

Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame
Daquele que corte na tua chácara o que semeei eu.

Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.

Do teu coração me diz adeus uma criança
E eu lhe digo adeus.

VINICIUS DE MORAES
Sem despedidas suas


Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

Teófilo Braga (O Sapatinho de Cetim)

Recolhido no Algarve

Era uma vez um homem viúvo e tinha uma filha; mandava-a à escola de uma mestra que a tratava muito bem e lhe dava sopinhas de mel. Quando a pequenita vinha para casa, pedia ao pai que casasse com a mestra, porque ela era muito sua amiga. O pai respondia:

– Pois queres que case com a tua mestra? Mas olha que ela hoje te dá sopinhas de mel, e algum dia te dará de fel.

Tanto teimou, que o pai casou com a mestra; ao fim de um ano teve ela uma menina, e tomou desde então grande birra contra a enteada, porque era mais bonita do que a filha. Quando o pai morreu é que os tormentos da madrasta passaram as marcas. A pobre da criança tinha uma vaquinha que era toda a sua estimação; quando ia para o monte, a madrasta dava-lhe uma bilha de água e um pão, ameaçando-a com pancadas se ela não trouxesse outra vez tudo como tinha levado. A vaquinha com os pauzinhos tirava o miolo do pão para a menina comer, e quando bebia água tornava a encher-lhe a bilha com a sua baba. Deste feitio enganavam a ruindade da madrasta.

Vai um dia adoeceu a ruim mulher, e quis que se matasse a vaquinha para lhe fazer caldos. A menina chorou, chorou antes de matar a sua querida vaquinha, e depois foi lavar as tripas ao ribeiro; vai senão quando, escapou-lhe uma tripinha da mão, e correu atrás dela para a apanhar. Tanto andou que foi dar a uma casa de fadas, que estava em grande desarranjo, e tinha lá uma cadelinha a ladrar, a ladrar.

A menina arranjou a casa muito bem, pôs a panela ao lume, e deu um pedaço de pão à cadelinha. Quando as fadas vieram, ela escondeu-se detrás da porta, e a cadelinha pôs-se a gritar:

– Ão, ão, ão,
Por detrás da porta
Está quem me deu pão.

As fadas deram com a menina, e fadaram-na para que fosse a cara mais linda do mundo, e que quando falasse deitasse pérolas pela boca, e também lhe deram uma varinha de condão.

A madrasta assim que viu a menina com tantas prendas, perguntou-lhe a causa daquilo tudo, para ver se também as arranjava para a filha. A menina contou o sucedido, mas trocando tudo; que tinha desarrumado a casa, quebrando a louça, e espancado a cadelinha. A madrasta mandou logo a filha, que fez tudo à risca como a mãe lhe dissera tintim por tintim. Quando as fadas voltaram, perguntaram à cadelinha o que tinha sucedido; ela respondeu:

– Ão, ão, ão,
Por detrás da porta está
Quem me deu com um bordão.
   
As fadas deram com a rapariga, e logo a fadaram que fosse a cara mais feia que houvesse no mundo; que quando falasse gaguejasse muito, e que fosse corcovada. A mãe ficou desesperada quando isto viu, e dali em diante tratou ainda mais mal a enteada.

Houve por aquele tempo uma grande festa dos anos do príncipe; no primeiro dia foi a madrasta ao arraial com a filha, e não quis levar consigo a enteada que ficou a fazer o jantar. 

A menina pediu à varinha de condão que lhe desse um vestido da cor do céu e todo recamado com estrelas de ouro, e foi para a festa; todos estavam pasmados e o príncipe não tirava os olhos dela. 

Quando acabou a festa, a madrasta veio já achá-la em casa a fazer o jantar, e não se cansava de gabar o vestido que vira. 

No segundo dia, foi a menina à festa, com o poder da varinha de condão, e com um vestido de campo verde semeado de flores. 

No terceiro dia, quando a menina viu que a madrasta já tinha ido para casa, partiu a toda a pressa, e caiu-lhe do pé um sapatinho de cetim. O príncipe assim que viu aquilo correu a apanhar o sapatinho, e ficou pasmado com a sua pequenez. Mandou deitar um pregão, que a mulher a quem pertencesse o sapatinho de cetim seria sua desposada. Correram todas as casas e a ninguém servia o sapatinho.

Foi por fim à casa da mulher ruim, que apresentou a filha ao príncipe, mas o pé era uma patola e não cabia no sapatinho de cetim; perguntou-lhe se não tinha mais alguém em casa. 

Quando a madrasta ia responder que não, abriu-se a porta da cozinha, e apareceu a enteada com o vestido do primeiro dia das festas e com um pezinho descalço, que serviu no sapatinho de cetim. O príncipe levou-a consigo, e à madrasta deu-lhe tal raiva, que se botou da janela abaixo e morreu arrebentada.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 40 – 14 de dezembro de 1887

Por Júpiter! Cobre o rosto.
Risonha Hélade amiga,
Cobre-o de pejo e desgosto;
Chora a tua graça antiga.

Lembras-te daqueles tempos,
— Da galante mocidade,
Em que eram teus passatempos
Grave e fina agilidade?

Em que as tuas formas belas
Mostravam-se aos olhos puros,
Tempos quase sem mazelas,
Quase sem dias escuros?

Então floresciam jogos
De toda casta e destino,
E coros cheios de rogos
Ao céu e ao povo divino.

Já não falo dos famosos
Jogos de corridas — quando
Voavam carros briosos
Pelo solo venerando.

Falo (e serve ao que ora trato)
Falo daquelas usanças
Em que vinha o pugilato
Entre cantigas e danças.

Seguramente que havia
Pancada — porém pancada
De valor e bizarria
Por uma cousa sagrada.

Eram modos e maneiras
De lutar de língua e punho,
Traziam tantas canseiras,
Grécia, o teu amável cunho.

E agora, ai, chora pitanga!
Pitanga é fruta moderna,
Mas a qualquer mágoa ou zanga
Qualquer fruta é fruta eterna.

Contudo, se não te agrada,
Chora aquele mel do Himeto,
Que inda agora a abelha amada
Verte ao comum e ao seleto.

Chora o que for, chora, chora...
Vês este grego, chamado
Manuel Rottas, que aqui mora?
Foi há pouco encarcerado.

Que pensas tu que fazia
Este filho tão malandro,
Em cujas veias podia
Correr sangue de Lisandro?

Ouve... fecha os olhos... Cobre
O belo rosto, faceira;
Não há cautela que sobre...
Rotas era capoeira.

Sim, capoeira, repito.
E cometia na praça
Das Marinhas o delito
De dar aos colegas caça.

Chamavam-lhe por gracejo
O grego das ostras, nome
Que em si mesmo não dá pejo,
Antes creio que dá fome.

Grego e capoeira! Ó manes
Dos seus avós acabados!
Ó recordações inanes
De outros tempos e outros lados!

Bem conheço que, assim como
Cada roca tem seu fuso,
Cada macieira seu pomo,
Tem cada terra seu uso.

Nem é o uso que me espanta
Espanta-me esse contraste
Da terra e da sua planta,
Da habitação e do traste.

Bem sei que a Grécia recente
É outra da Grécia antiga,
Mas no coração da gente
És a mesma, Hélade amiga.

E por mais que a razão pura
Mostres que ora estás mudada,
Espanta-me esta figura:
Rasteira, grego e facada.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Natalício Barroso (Rastro de Fogo)

"O ato de escrever é uma espécie de lepra, uma enfermidade cancerosa e opaca que deve ser escondida das pessoas que transitam normalmente à luz do dia"
Kafka


As vinhas da ira bem que poderiam ter uma outra composição se tivesse ocorrido com John Steinbeck o mesmo que aconteceu comigo. Havia terminado de dar um ponto final no meu último romance quando, por descuido, toquei uma das teclas do computador que, no lugar de salvar, deletava depois de mandar as mensagens, via e-mail, para outros computadores – pois foi o que aconteceu. O endereço, felizmente, era de um sobrinho meu mas, como não o encontrei em casa, deixei para telefonar depois; quando telefonei, mais tarde, havia saído novamente. Assim, passei o dia inteiro procurando localizar meu sobrinho; quando dei com ele, à noite, disse-me que havia enviado aquele mesmo texto para uma outra pessoa (não sei qual); como possuía o endereço eletrônico desta pessoa, passou para mim. Não tinha o telefone dela, asseverou, mas não era difícil localizá-la pelo e-mail. Assim tentei.

A sensação que tive quando comecei a mandar e-mails pra um conhecido e outro em busca de Rastro de fogo (como se chamava meu romance) era a de que ele havia se perdido. Tinha entrado na boca de um monstro que, mesmo que atenda pelo nome de Internet, nem por isso é menos voraz do que um buraco negro no interior do qual – se alguém conseguisse vê-lo por dentro – havia de se deparar com coisas extraordinárias: textos antiquíssimos, da época de Assurbanipal, ou outros, mais recentes, mas, nem por isso, menos valiosos.

A noite, quando chegou, encontrou-me debruçado sobre o computador. A luz da vela, que havia posto no canto esquerdo da tela para iluminar meus rascunhos, tal como os monges faziam no tempo dos velhos castelos medievais, apenas bruxuleava enquanto eu escrevia.

Moro sozinho. Minha casa tal como um velho solar abandonado à beira de uma estrada, mais parece um casarão antigo – destes mal-assombrados – do que uma residência; no entanto, é aí mesmo que moro. A intenção, quando resolvi comprar um prédio antigo e mal assombrado num lugar ermo como este foi, justamente, a de não ser importunado por ninguém. Mas sou. As pessoas passam defronte da mansão onde moro e, como a acham muito estranha, resolvem parar o carro para vê-la por dentro. Fosse eu um assassino – ou algo parecido – já teria morto várias delas mas, como não sou, deixo-as pensar que a velha herdade de dois andares com um brasão na fachada está vazia realmente. Assim, seguem adiante. Eu fico por trás das cortinas olhando para elas; quando vão embora respiro fundo. A casa é muito pesada; fosse um trailler dava um jeito de levá-la para longe da estrada; como não é, o jeito é ir me acostumando com ela.

Kafka, autor de livros importantes como O processo e A metamorfose, escreveu, certa vez, que "o ato de escrever é uma espécie de lepra, uma enfermidade cancerosa e opaca e opaca que deve ser escondida das pessoas que transitam normalmente à luz do dia" – e tem razão. Afinal, qual o profissional que, para trabalhar, precisa se isolar dos outros?

A comparação mais acertada sobre a vida e a literatura que considero, no entanto, não é nem a de Kafka; a comparação mais acertada que acho é a que fez um autor anônimo quando comparou os poetas e romancistas de seu tempo com monstros tal como o Dr. Jekyll de Louis Stevenson e Charles Ward de Howard Philip Lovecraft. A comparação é evidente. A literatura, assim como uma droga qualquer servida por uma feiticeira em uma taça de ouro, transforma o indivíduo num homem solitário; capaz de praticar qualquer desatino.

Alexandre Dumas, se não tivesse sido escritor, talvez tivesse se tornado um homicida. Basta dizer que, quando escrevia, tinha o hábito de pendurar vários bonecos diante dele; quando seus personagens começavam a brigar o autor de Os três mosqueteiros também se punha a atirar ou a traspassar os seus bonecos com uma espada. Isso, para mim pelo menos, é uma prova mais do que evidente de que Dumas era, no fundo, um assassino.

A maior tolice da humanidade, portanto, é imaginar que a poesia – tanto quanto a música ou a pintura – é inútil. Tenho para mim, que não sou genial, que a poesia é muito mais importante aos homens do que todo o petróleo que se encontra atualmente sob a terra. Assim, a única comparação possível que se pode fazer entre a produção literária e o mundo circundante, é com o amor – pois só o amor, a exemplo da inspiração, é capaz de mudar, completamente, o comportamento das pessoas.

Mas não enveredemos por este caminho.

Voltemos à minha preocupação inicial: a perda de meu livro.

Quantos escritores perderam seus livros no passado? Muitos. Camões foi um deles. Nenhum, contudo, perdeu o seu original da maneira como perdi o meu. Camões, se não me engano, perdeu os seus poemas ("livro de muita erudição, doutrina e filosofia", segundo um de seus contemporâneos, Diogo do Couto) numa viagem que fez de Goa para Moçambique. Eu perdi o meu sem sair de casa e é sem sair de casa que pretendo achá-lo novamente. Afinal, fazer como os escritores antigos que batiam de porta em porta em busca de seus originais, é impossível – pois não há original algum. Há uma série de palavras iluminadas que, da mesma forma como surgiram no mundo, podem desaparecer.

Gostaria até de saber o que acontece com os textos quando a pessoa que trabalha neles digita a tecla destinada a apagar todos eles. Será que desaparecem completamente ou será que viram uma pequena centelha dentro do computador capaz de incendiar uma cidade inteira se, por acaso, forem tocados outra vez? É difícil dizer. A minha situação, em todo caso, não é nada fácil. Camões, quando perdeu seu livro em Moçambique tinha muito mais chances de encontrá-lo do que eu – apesar de não tê-lo achado. Um dia o encontram – quem sabe? A minha obra-prima, infelizmente, jamais. Ela pode até está sendo acessada, neste exato momento, por um português ou um gaulês. Tudo isso é possível. Como ela não existe, porém (pelo menos na mente destas pessoas) ninguém vai imaginar que se perdeu ou que alguém a procura, desesperadamente, na Internet.

Outro dia recebi uma mensagem em árabe no meu site. Como não sei árabe, resolvi apagar a mensagem; hoje, se tivesse recebido esta mesma mensagem não teria feito isso; iria pensar que alguém, depois de atirar o tapete no chão e rezar para Alá com o rosto voltado para Meca, tinha lido o meu apelo e, tendo encontrado o meu livro, mandava um recado para mim.

Como ainda não havia perdido nada na Internet, porém, dei pouca atenção àqueles garranchos todos. Pobre de mim!, comparo-me, na situação em que me encontro, a um pirata que, como o Capitão Ahab no Perquot, procura por uma baleia que, se não é Moby Dick, é, pelo menos, algo tão difícil de encontrar quanto ela. E aqui estou, navegando noite e dia neste mar que, se não tem céu nem estrelas tem, pelo menos, as ondas cibernéticas de um veículo de comunicação.

A aldeia onde nasci é pequena e fica a poucos quilômetros daqui. De vez em quando aparece gente de lá. "Seu pai", dizem elas, "mandou isso e aquilo para você". Eu recebo. Afinal, como todo escritor pobre que tem, como único orgulho, a sua literatura, não posso me dar ao luxo de dispensar seja lá o que for. Assim, recebo meus antigos vizinhos, mas sinto que não gostam de mim.

Houve um tempo, quando morava na aldeia, que me tratavam até com certa deferência; neste tempo, contudo, eu era uma outra pessoa, ainda não tinha descoberto a literatura; hoje, depois que li Tolstoi, Dostoievski e Proust, não sou mais o mesmo. É natural, portanto, que meus antigos vizinhos, quando me veem, se sintam mal. A casa onde moro, por outro lado, não ajuda muito; como costuma ficar fechada noite e dia e a única pessoa que se move, dentro dela, sou eu, não há como negar o pavor que isso provoca nos outros.

Mas isso pouco importa. Melhor do que estas observações fortuitas e pouco esclarecedoras, é que tenho tido notícias de Rastro de fogo. Foi visto no Himalaia, ao pé de um rio que, segundo dizem, percorre aquela região durante o verão; também foi visto na Índia ou em regiões mais distantes como a China; teve um amigo meu que, como morou por lá, disse haver acessado os sites brasileiros e viu o meu livro passar por ele tal como aquele rio que desce o Himalaia durante o verão.

A história mais incrível que ouvi a respeito de meu romance, porém, não foi a de que passou por choupanas ou por palácios requintados; a história mais incrível foi a de uma senhora que, se dizendo muito emocionada depois de folheá-lo (parece que o imprimiu), me falou de vários personagens que, infelizmente, não eram os meus. assim, fica muito difícil dar, na Internet, com o que existe apenas em potencial mas não concretamente; por outro lado é interessante dar com estas pessoas que, antes mesmo que você se apresente, parece que já sabem tudo sobre você: quando nasceu, onde e quando (chegam a este tipo de perversão) vai morrer. No início até estranhava isso; com o tempo, porém, passei a dar pouca importância a este tipo de vidente. Hoje, quando ligo o computador, a única coisa que me interessa é o meu romance. Onde se encontra? Em que tipo de rede está sendo acessado neste momento? Não sei. Alguém, no entanto, talvez o esteja lendo justamente agora quando pergunto por ele e não consigo localizá-lo.

A vida é estranha. As pessoas, por mais que pareçam próximas, por causa da Internet, continuam distantes; esta ideia de que o computador foi capaz de reduzir o mundo a uma simples aldeia de pescadores, não passa de especulação; pois a única coisa que se vê, no mundo, depois do computador, não é a sabedoria mas a ignorância.

Rafael, meu amigo, apareceu no solar onde moro e me trouxe notícias do mundo real. A aldeia onde nasci e onde meus pais ainda residem, foi praticamente varrida por um vento muito forte. As pessoas ficaram tão impressionadas com aquilo – a força do vento – que tiveram medo; algumas delas, por sinal, foram obrigadas a repor as telhas que o vento, depois de sua passagem, havia levado consigo; a casa de meus pais, felizmente, não sofreu nenhum dano – exceto, contou-me Rafael sorrindo, uma árvore enorme, do tamanho de uma torre, que praticamente desabou; não fosse o muro que cerca a casa, ela teria caído mas, como o muro é alto e resistente, manteve-a praticamente suspensa no ar por um bom tempo.

Todas essas histórias de um mundo que eu praticamente havia esquecido, me impressionava bastante. Rafael, enquanto isso, continuava falando: meus pais, depois que o vento passou e levou as folhas verdes (e outras nem tão verdes), resolveram dilapidar a árvore. E assim foi feito. A frente da casa onde moram, portanto, não tem mais aquela velha carnaubeira que, como uma palmeira no deserto, anunciava para as pessoas que o oásis começava ali; a carnaubeira tombou, sob o peso das intempéries; felizmente, como não tombou para dentro mas para fora do terreno onde a casa se encontra, não feriu ninguém.

Rafael, quando me dava essas notícias, sorria. Havia alguma coisa de ingênuo em Rafael, é verdade. Ele via o mundo como sempre foi; era incapaz de reter algo, na memória, que não tivesse, primeiro, passado por um de seus sentidos. Agia, no tempo dos computadores e dos satélites artificiais, com a mesma simplicidade com que os irmãos de José, segundo o Velho Testamento, agiam quando partiam em grupo para o Egito. A maneira de Rafael contar uma história, portanto (ou dar uma notícia) não diferia muito da maneira como os velhos escribas do tempo de Israel relatavam suas profecias; caso tivesse paciência para ouvir Rafael por mais algum tempo, era bem possível que, assim como os aviões que cruzam os céus, ele me falasse de tropas de jumentos que, à semelhança dos camelos que atravessam o Saara, na África, cruzam os sertões com as cangalhas carregadas de frutas ou legumes; como o meu tempo é todo ele dedicado à leitura ou às minhas pesquisas infrutíferas, é verdade, na Internet, despedi-me dele e vi quando, no lugar de entrar num carro, como seria de esperar no século XXI, montou num cavalo – tão bem selado quanto o de qualquer outro do século XIX – e saiu por aí, trotando.

Com a partida de Rafael voltei a meus afazeres costumeiros. A tela do computador, como sempre, mostrava um quadro de Rembrandt que, com o tempo, se transformava num outro, de Rubens, e assim sucessivamente até retornar ao quadro de Rembrandt outra vez; depois que apertei um botão no teclado, porém, tudo isso desapareceu; surgiu, no lugar da pintura voluptuosa de Rembrandt, de Rubens ou de Ticiano, a página branca da Internet sobre a qual me pus a trabalhar. Meu livro, como sempre, era uma incógnita, mas não custava nada dar um novo passeio por aí e ver se o localizava em algum lugar.

Havia um recado para mim. A língua na qual havia sido escrito me era inteiramente desconhecida; em todo caso, como estava determinado a não deixar passar nenhuma informação (mesmo que não fosse sobre meu livro) resolvi imprimi-la e mandá-la para alguém em algum lugar do mundo, que pudesse identificá-la. Assim, imprimi o seguinte:

Os caracteres, como se pode observar, não são ocidentais, mas asiáticos; as letras, imitando ideogramas chineses ou japoneses, até parecem esculpidas e não apenas desenhadas sobre a superfície branca do papel. A decifração delas, contudo, e não a sua aparência, era o que mais me chamava a atenção. O que será que significavam? De onde vinham e quem, dentre as milhares de pessoas que possuem computador no mundo, pode ter pensado em mandá-las para mim? Terão elas alguma relação com meu trabalho literário perdido na Internet ou não? A única maneira de saber isso, naturalmente, era lendo a mensagem – e foi o que fiz. Mandei-a para alguns japoneses que conhecia no Japão, exatamente, e eles me enviaram a resposta. Aquelas garatujas não pertenciam à terra dos samurais nem à China mas a Coréia; um deles, como lia coreano perfeitamente, me mandou dizer o seguinte: meu livro tinha sido lido por uma grande figura da Coréia do Norte; ela, a figura, ficou interessada na história mas, como estava incompleta, gostaria de saber como poderia obter os outros capítulos.

A leitura de meu livro, como se vê, tinha sido feita em coreano. Isso significa que estava sendo traduzido para outras línguas. O esquisito, nisso tudo, era que, apesar de traduzido parece que meu nome e meu e-mail continuavam na capa ou na folha de rosto do romance.

Por outro lado nada me tirava da cabeça que, como meu livro estava sendo impresso e traduzido por aí, não acharia nem um pouco estranho se ele aparecesse publicado com o nome de outra pessoa. Como não estava registrado com meu nome, era natural que não tivesse como provar sua autoria – o que muito me preocupava, evidentemente.

A tela do computador, assim como um buraco negro no interior do qual se pode ver de tudo, funcionava, para mim, como uma janela enorme depois da qual eu tanto podia ver quanto ouvir tudo aquilo que passava na minha frente.

A alegria que senti quando soube que aquelas figuras geométricas que vinham da Coréia tinham algo a ver com meu livro, me deixaram quase sem fôlego. Como manter contato com tal criatura? Como perguntar a ela em coreano ou em inglês que eu não tinha mais os capítulos que faltavam nem possuía aqueles que ela – este seguidor de Buda mal disfarçado em militar – havia lido?

Tudo isso passava por minha cabeça com a mesma velocidade com que os meteoros atravessam a atmosfera terrestre, se iluminam por um instante e desaparecem para sempre em seguida.

Havia, porém, uma alternativa. Aqueles mesmos japoneses com os quais eu me comunicava em inglês e que sabiam do meu romance, podiam me ajudar. E assim aconteceu. A informação de que eu gostaria de receber os poucos capítulos que meu leitor coreano possuía, foi enviada para ele; estes poucos capítulos, contudo, nunca chegaram. A impressão que eu tenho é a de que o coreano, desconfiando de que talvez eu não fosse o autor daquela obra-prima, resolveu não me importunar mais ou, quando muito, não se preocupar mais comigo. Assim, a segunda vez em que tive a informação de meu livro (a primeira foi quando aquela velhinha me escreveu dizendo que o havia lido mas, quando citou os personagens percebi que não se tratava de meu romance mas de um outro) foi uma nova decepção.

As regiões montanhosas da Coréia que ficam entre a China e o Japão, parece que guardam, para sempre, pedaços deste meu trabalho que, pelo visto, se perdeu para sempre.

Santa ignorância!, a Internet, já disse alguém, se parece muito com os redemoinhos que se agitam nas proximidades da Noruega; ali, quando eles aparecem, as pessoas têm o hábito de contemplá-los de longe mas nunca de se aproximar. A tolice que cometi, na minha busca desesperada de ser lido, foi esta: ter apertado um botão, no computador, que não só joga os trabalhos escritos na Internet; também os desmancha completamente no monitor onde foram gerados; assim acho que agi como um náufrago que, tendo encontrado uma ilha e não sabendo como se comunicar com o continente, se serve da única alternativa que dispõe no momento: esvazia as velhas garrafas de rum para colocar, dentro delas, cartas e mapas onde supostamente se encontra no oceano; feito isso espera o momento em que um navio ou um homem de bom coração que tenha lido suas mensagens venha procurá-lo e salvá-lo da solidão.

A casa onde moro, como já disse antes, é um tanto quanto misteriosa. De vez em quando as portas e as janelas batem, sozinhas. Quando isso acontece tenho a impressão de que não estou realmente sozinho neste velho bangalô. Mas deve ser só impressão. Mesmo assim – para tirar todas as dúvidas – desço as escadas de madeira que dão no térreo e saio por aí abrindo e fechando portas e janelas; quando estou muito disposto vou mais longe. Levanto um velho alçapão, em tudo parecido com aqueles que se vê em filmes de terror, e desço uma escada que, se não é de madeira nem por isso deixa de ser tão tétrica quanto aquela: trata-se de uma escada de ferro – bastante enferrujada, por sinal – que vai dar numa antiga adega e num poço cheio de sapos e casas de aranha. Ali abro os baús que se conservam amontoados no chão para ver se encontro algum vampiro dentro deles mas não acho nada nem ninguém.

Não há nada mais absurdo do que procurar fantasmas onde eles talvez não existam – mas como dizem que moro com alguns deles (há quem diga que sou um deles) tomo as minhas precauções pois a fantasia, mais do que a realidade, é responsável por coisas absurdas. Gontcharov, autor de Oblomov, passou a vida toda acusando Turgueniev de haver roubado parte de suas novelas. Chegou ao cúmulo de se trancar com algumas delas num quarto.

Tinha medo de Turgueniev – considerado um pilantra por ele – aparecer por acaso em sua residência e levar as suas últimas produções. Assim, quando penso que há alguém em casa ou que algum fantasma – mal saído das páginas de Oscar Wilde – se infiltrou nos compartimentos lúgubres do velho prédio onde percorro as salas e corredores em silêncio, não penso duas vezes, corro atrás dele; quando o encontro (como se isso fosse possível) (mas há sempre indícios deles em lugares tristes e remotos como este onde me refugio) dou-lhe as boas vindas; quando não me deparo com eles fecho as portas e janelas para que não batam mais e volto para o computador.

A sala onde trabalho também é tão lúgubre quanto o resto da casa, mas, como tem duas janelas – uma que dá para o mar, muito longe, e outra que dá para a aldeia onde nasci – é até arejada. A ventania, quando entra na sala, no entanto (e faz isso com certa frequência), penetra nela com tanta violência que não deixa nada – nem mesmo as cortinas (e olhe que são pesadas) – imóveis. A luz do sol, por sua vez, me deixa ver coisas incríveis. Marcas de antigos quadros que foram pendurados durante muito tempo nas paredes; livros, quase do tamanho de códices medievais retirados das estantes em volta aparentemente com violência e pesados bustos de bronze que apenas sugerem a sua presença com o recorte ainda visível por cima dos plintos mal conservados. Mesmo assim me sinto bem aqui. É como se o corvo de Allan Poe estivesse aqui, entre essas quatro paredes, batendo as asas e esperando o momento certo para, como fez com o poeta norte-americano certa vez, me dizer aquilo que mais temo ouvir neste mundo: "never, never more..."

Foram poucas as pessoas que leram meu romance, realmente. Com exceção de meu sobrinho, para quem mandei uma cópia sem saber, acho que só o amigo dele para quem havia enviado o e-mail, leu o meu livro; esta criatura que mora na Coréia e que teima em ignorar meu apelo para que me mande pelo menos algumas páginas de meu trabalho, foi outro leitor. Assim, num mundo onde habitam quase cinco bilhões de pessoas, talvez apenas quatro ou cinco tiveram a oportunidade – mais do que o prazer, penso eu – de ler meu último romance.

Todos que o leram, felizmente, dizem que gostaram muito. Apenas uma delas – aquela velhinha que, no final, vi que não tinha lido o meu mas outro original – fez uma ressalva: "seu livro é muito bom, disse-me ela, mas há um porém..." Foi a partir deste porém, por sinal, que vi que não se tratava do meu mas de outro texto.

Dizem por aí que quando alguém escreve um livro tem que esperar pelo menos alguns anos para publicá-lo; isso, felizmente, no tempo de Horácio que, quando editou aquele opúsculo a que deu o nome de Poética, escreveu, textualmente, que todo poeta que se preza terá que aguardar pelo menos nove anos para, finalmente, dar à luz seus rabiscos. E quem sou eu para me contrapor a Horácio?

O mundo no qual vivemos, no entanto, não permite mais tamanha disparidade. Tudo no mundo hoje (devido à televisão e ao computador, naturalmente) tem que ser imediato. Talvez por isso não se redijam mais livros como antigamente. Virgílio, quando morreu, ainda não havia terminado a Eneida e Dante, que passou boa parte de sua vida no exílio, só publicou a Comédia (aclamada como "divina" posteriormente) após dez anos de trabalho. Mas será que a literatura terá que ser sempre assim: cheia de exigências? Stendhal, autor de livros famosos como Lucien e Crônicas italianas, que o diga; ele que publicou O vermelho e o negro após muitos anos de trabalho (mas não tanto quanto pretende Horácio) teve que enfrentar um dilema gravíssimo: a partir de quando O vermelho e o negro seria entendido? Stendhal, ele mesmo, respondeu: "daqui há trezentos anos". E foi o que aconteceu.

Pobre Stendhal, fosse médico, o que teria ocorrido? A literatura, felizmente (ou será infelizmente?), tem esta virtude: o autor pode até ser derrotado; a sua produção literária, contudo, pode se sair vitoriosa.

Hoje, no entanto, não se pensa mais assim. A fúria com que os meios de comunicação procuram desvendar o futuro é tão grande que, por mais que se queira exaltar aqueles que se contrapõem a isso, não se consegue.

A literatura, por outro lado, não foge à regra: a poesia, que era escrita com a maior parcimônia (porque era feita para as gerações futuras e não as contemporâneas) sofreu um abalo tão grande com os novos meios de comunicação que deixou de ser poesia para se transformar em letra de música: sendo assim fica difícil imitar Camões ou Fernando Pessoa. Camões porque, como não tinha condições – nem físicas nem financeiras – para publicar Os lusíadas, passou a vida inteira esperando uma oportunidade que só surgiu à beira da morte; Fernando Pessoa, que não estava nem um pouco interessado em se exibir para o mundo como poeta apenas deixou escrito, no baú, o seguinte: "Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,/ eles lá terão a sua beleza, se forem belos/ (...)/ porque as raízes podem estar por debaixo da terra/ mas as flores florescem ao ar livre e à vist" – e assim aconteceu. Seus poemas, como eram belos, vieram à luz e, com eles, a vida boêmia e obscura deste cidadão pacato que ganhava seu sustento traduzindo cartas comerciais num pequeno escritório da Baixa, em Lisboa.

A necessidade de se exibir hoje em dia é tão grande, no entanto, que tanto a poesia quanto as outras artes não têm mais importância alguma: ninguém publica livros ou promove vernissage para mostrar seus trabalhos: o objetivo é outro. A imprensa está aí. A televisão, como atinge milhares de pessoas ao mesmo tempo, é capaz de dar notoriedade a qualquer um, independentemente da qualidade de sua produção. Por isso as "instalações", que não exigem nada do artista, a não ser "boas relações", pululam por aí.

Mas aqui estou eu me metendo onde não devo. Melhor do que falar mal da criatividade alheia é voltar a falar de meu livro que, como continua viajando pela Internet, talvez já tenha sido publicado na Indonésia com o nome de outra pessoa enquanto o autor, que sou eu, fica por aqui remoendo tamanha desdita.

Miguel de Cervantes, para escrever Dom Quixote, imagina que o autor deste livro é um árabe chamado Cide Hamete Benengeli cujos rascunhos encontrou num mercado, comprou e pagou a um outro árabe para o traduzir. O mesmo acontece comigo. O autor de Rastro de fogo (título do meu livro) sou eu; o tradutor, no entanto, seja ele quem for, é quem passou a deter os Direitos Autorais a partir do momento em que assumiu a sua paternidade – e talvez seja assim mesmo. Marco Polo, que nunca escreveu uma linha sequer sobre a sua vida, também é considerado autor daquele livro que desde a Idade Média circula pelo mundo e que tem a China como cenário principal; o verdadeiro autor do livro de Marco Polo, contudo, não foi ele mas um outro veneziano chamado Rusticiano ou Rustigielo de Pisa que, como foi preso pelos genoveses numa torre em 1298 ali se encontrou com o filho de Nicolo Polo e passou a ouvi-lo: ao sair da prisão, Rusticiano, que não era tolo, escreveu e publicou o livro que, até hoje, leva o nome de Marco Polo e não de seu verdadeiro autor.

Meu livro, certamente, não fará o mesmo sucesso de Dom Quixote nem, muito menos, de Marco Polo mas só o fato de ser meu e não ser assinado por mim me machuca tanto quanto aquela segunda parte do Cavaleiro da Triste Figura, escrita, supostamente, por Lope de Veja e que tanto mal causou a D. Miguel – a ponto deste investir furiosamente contra o falsário: "isso não é carga para os seus ombros", vocifera o pacato Dom Miguel contra Lope de Veja, "nem assunto para seu resfriado engenho".

Agora, porém, é tarde. Não dá mais para recuperar o que foi perdido. Miguel de Cervantes conseguiu: matou o ingenioso hidalgo no final de sua segunda saída pelas terras da Mancha; eu, como não disponho nem da primeira nem da última página de minha produção literária, só possuo um consolo: a casa onde moro e que, se fosse vista por um escritor genial – Edgar Allan Poe, por exemplo – é bem provável que tal criatura, num rasgo de imaginação sem limites, comparasse a minha situação com a de "um vírus perdido no interior de um arquivo morto" – e estaria certo. Difícil seria dar com estas palavras num dos textos de Poe.

Mesmo assim fica a imagem: a casa onde moro é, de certa forma, um arquivo; eu, por outro lado, não passo de um vírus que, fuçando os computadores da Europa e da Ásia, procuro um livro que, como a luva de um astronauta antigo que se perdeu no espaço sideral, também se perdeu num espaço que, se não é tão incomensurável quanto o Cosmo, não deixa de ser mais ou menos equivalente a ele: a Internet.

Assim, para que minhas lamúrias não se prolonguem por muito tempo e este "desabafo" não se transforme num novo romance, reproduzo, aqui (à guisa de informação) o refrão que todo dia envio pela Internet: mandem meu livro de volta, ordeno mais do que suplico; preciso muito dele, choramingo em seguida – tanto quanto Merlin quando foi aprisionado por Morgana e ainda hoje se encontra lá mais indefeso do que cativo em sua nuvem.
 
Rastro de fogo, como disse, é o nome do romance que escrevi e que sumiu. A história, banal, tem, pelo menos, uma virtude: boa parte dela se passa no espaço sideral e não aqui, na Terra. As personagens principais, portanto, são um asteróide e um arquiteto. A função do asteróide é a de atingir o arquiteto, no futuro; a deste é servir como prova de que o futuro da humanidade talvez, como diz lá o ditado árabe, já esteja escrito nas estrelas.

A grande surpresa que tive estes dias, no entanto, foi assustadora: alguém, não sei quem, me mandou trechos deste bendito romance pela Internet. Abri o computador um dia e, quando fui ver, lá estavam eles – os trechos. A alegria, no início, foi imensa; com o tempo, porém, vi que não tinha muito motivo para comemorar. Havia tantas mudanças na composição do romance que não era mais o mesmo que redigi. Era outro.
 
As pessoas quando mudam ou fazem uma viagem muito longa, são altamente admiradas por isso – principalmente quando aprendem línguas novas ou falam de lugares por onde passaram e ninguém nunca imaginou que tal coisa fosse possível um dia.
 
A situação do livro é diferente: ninguém quer saber de ler um romance que, tendo sido escrito por uma pessoa, passou por tantas transformações ao longo de sua trajetória, que nenhum leitor saberia identificar o autor nem a língua em que foi redigido. De repente passa do português para o inglês, deste para o alemão e assim por diante como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Assim, para quem lê Homero é preferível pensar que se trata de um único autor do que de vários que, se revezando ao longo do tempo, nos deram estas duas obras-primas que são a Ilíada e a Odisséia.

A mesma coisa – ou quase – ocorreu com meu livro na Internet. A diferença – se houve alguma – foi apenas de lugar (e tempo) mas não de comportamento. As pessoas que se debruçaram sobre a Ilíada e a Odisséia para modificá-los ou para acrescentar alguma nova aventura, todas elas eram gregas; a língua que usaram, portanto, foi a grega; as pessoas que se aproveitaram do meu romance para criar novos personagens ou dar vida às suas idéeas macabras nem todas elas eram portuguesas -–ou de língua portuguesa – pertenciam a vários países e a várias etnias.

As ideias do Dr. Frankestein quando se pôs a juntar restos de cadáveres, eram a de criar o homem do futuro; o mesmo homem que Nietzsche havia profetizado em seus livros e que o Dr. Mengelli, médico nazista, tentou reviver durante a II Guerra Mundial. A criatura que surgiu destas duas experiências, contudo, não foi nem um super-homem, como queria Nietzsche, nem um ser altamente civilizado como o Dr. Mingelli sonhou no futuro mas, como afirma a autora, um monstro abominável.
 
Rastro de fogo, como passou pelo mesmo processo de formação adotado pelo professor Frankenstein no romance de Mary Shelley (Dr. Mengelli não existe neste universo), também não foge à regra. Aquelas criaturas que Santo Agostinho pensava que existiam na América antes desta ser descoberta, perdem é feio para a aparência miserável de meu romance. Caso Rastro de fogo tivesse tido a sorte de ser modificado por aqueles mesmos escritores que substituíram Homero no passado, a sua redação teria melhorado consideravelmente, mas como quem interferiu em sua narrativa não tinha a mesma genialidade dos colaboradores de Homero, o resultado foi o pior possível: Rastro de fogo, hoje, é mais digno de um estudo de teratologia do que de estética.

A história, no entanto, não muda. Continua a mesma. Trata da viagem interplanetária de um meteoro.

A viagem, no meu livro, pelo menos, começa em Saturno, o planeta; dali o objeto perdido no espaço sideral se dirige para a Terra. Neste exato momento nasce, na Terra, uma criança que se chama Eduardo. A trajetória de Eduardo, desde o instante em que nasce até aquele em que se torna adulto, está intimamente relacionada com a do meteoro pois este – mesmo sem Eduardo saber – está destinado a matar o filho de Dona Creuza. Assim, todos os passos que Eduardo dá, na Terra, são imediatamente relacionados com os movimentos que o meteoro executa no espaço.

No meu texto Eduardo não vive no melhor dos mundos; também não vive no pior – tem lá as suas paixões e as suas ambições: arquiteto, pai de família, sai por aí desenhando plantas de casas e acompanhando a construção de algumas delas; quando o engenheiro o interpela por algum motivo, Eduardo não se deixa convencer: exige que a casa em construção seja levantada de acordo com a planta que elaborou e não de acordo com as ponderações apresentadas pela engenharia civil.

A vida de Eduardo, neste caso, é semelhante a de qualquer outro que, como ele, exerce uma profissão dita liberal – pois este homem feliz (pelo menos até certo ponto) – está condenado a ter um fim trágico: o fragmento espacial que surgiu no Universo antes mesmo de a Terra ser o que é – o habitat não só da humanidade mas de uma imensa quantidade de seres vivos – parece que o persegue desde que o mundo foi criado.

Aí está o resumo – mal pincelado, é verdade – de meu romance. A intenção, quando escrevi este livro, foi a de chamar a atenção das pessoas para o fato de que o futuro – se existe – já está no passado: a nossa morte, neste caso, já está resolvida há muito tempo assim como as nossas aspirações, tão difíceis de serem atingidas, talvez já tenham sido alcançadas de alguma maneira.

A história que me chegou pelo computador, como disse antes – apesar de todas as interferências apontadas – não é muito diferente desta. Eduardo que, no meu romance, se chama José Eduardo Horta, no livro que me foi enviado, tem outro nome: Eduardo, apenas; a mulher dele, que se chamava Ane, passou a se chamar Luiziane e a mãe – uma personagem importante na novela – também não se chama Creuza mas Lucíola.

A mudança do nome dos personagens principais, penso eu, tem um objetivo muito claro: confundir o leitor ao mesmo tempo em que procura dar maior credibilidade à nova narrativa.
 
A história principal – aquela que trata da morte de Eduardo por um asteróide – esta é contada na íntegra – com algumas alterações, logicamente: a morte de Eduardo, no romance que escrevi, não se dá num espaço aberto, mas fechado; a morta de Eduardo no livro em questão ocorre numa praça e não numa sala. A diferença de lugar, como se pode notar, também é uma outra estratégia do Lope de Veja moderno para, como no caso do nome dos personagens do meu romance, confundir tanto o leitor quanto o autor verdadeiro.

Agora, porém, não há mais alternativa. Rastro de fogo, o livro que escrevi, não me pertence mais: pertence àqueles que o copiaram e o publicaram na Internet mas, como a Internet tem as suas peculiaridades – nem tudo o que está nela pertence a quem o introduziu mas a quem o descobriu – talvez tenha alguma outra oportunidade: provar que Rastro de fogo me pertence e não a um aventureiro que, tendo tomado conhecimento dele por intermédio da rede mundial de computadores dele se assenhoreou e o publicou como sendo o dono de um livro que nem sequer copiou direito.

A dificuldade que vou ter, claro, vai ser a de provar isso perante a justiça. Caso houvesse uma legislação específica de Direitos Autorais para quem trabalha na Internet, seria mais fácil; mas, como não há, o jeito vai ser apelar para a sorte.

Rafael esteve comigo novamente na casa onde moro e, como sempre, trouxe novas notícias da vila. Meu pai, segundo ele, está muito preocupado comigo; afinal, andam dizendo por aí que não sou mais o mesmo. Aquela criança que jogava bola em torno da aldeia e que todo mundo conhecia como sendo o filho do seu Nô, não existe mais.

As ideias de Rafael, claro, se confundem com as da aldeia mas como o mensageiro de meu pai está mais próximo de mim e de minha família do que os demais, parece que não dá muita atenção ao que escuta. Por isso Rafael, quando fala, me faz rir por dentro.

O fato de meu pai está preocupado comigo, no entanto, me deixa apreensivo. Ele sabe muito bem o que levou a me isolar completamente do mundo no qual vivi até então. Kafka, como citei antes, foi muito feliz quando disse que todo escritor é como um vampiro que não deve ser sequer tocado pela luz do sol quanto mais pelas pessoas que o rodeiam.

A conversa que tive com Rafael, portanto, foi bastante proveitosa. Como Rafael lida com o mundo de uma maneira bastante diferente da minha, acho que esta disparidade facilita – e muito – a nossa conversação mas não é o suficiente para me tirar deste mundo de sonho e fantasia no qual me habituei e no qual outros escritores – Sófocles e Montaigne, por exemplo – também mergulharam completamente.

Após esta longo digressão que começou com as dificuldades que a poesia, o conto ou o romance trazem para aqueles que se dedicam à sua produção e terminou agora com o retorno – feito aos pedaços, é verdade – de meu último romance, voltamos a falar da minha casa e das histórias macabras que a cercam – e por quê? Porque a minha vida, aqui dentro, não difere muito da dos ascetas que, pretendendo se afastar do mundo – seja lá porque for – escolhem um lugar ermo e distante como este para morar; quando estes ascetas são monges ou pessoas dadas à religião, o lugar onde moram (ou o pequeno oratório que constroem perto do tugúrio onde dormem) se transforma em igreja ou em capela que, com o tempo, vira catedral; a minha situação, logicamente, não é nem um pouco semelhante à de tais criaturas até porque, como não tenho a menor pretensão de ser pioneiro em nada, é natural que esta casa velha e mal assombrada venha a ser, no futuro, o que sempre foi: um antro medonho de morcegos e fantasmas.

Por falar em fantasma, aqui vai um segredo aterrador: tenho visto coisas surpreendentes estes últimos dias; desde que meu livro – ou pedaços dele – reapareceu no meu site, aliás, que tenho tido visões estranhíssimas. A primeira delas foi a de que o mar, pacato a princípio, levantava,, como se fossem páginas mal arrancadas de um temporal, ondas e mais ondas de poesia em torno de mim; a segunda – tão esquisita quanto esta – foi a de uma mulher que, como carregava um ramo de oliveira numa das mãos, confundi com uma Suplicante de Minerva – e assim era – mas, no momento de depositar os ramos sob os pés da deusa adorada pelos tebanos no tempo de Édipo, a Suplicante mudava de direção e punha os ramos de oliveira diante de mim.

A explicação mais satisfatória que encontrei – isso depois de vários dias de meditação – foi a seguinte: as ondas do mar, quando se ergueram na minha frente, não estavam apenas me mostrando poemas e contos fabulosos: estavam me incitando, penso eu, a voltar a escrever; as Suplicantes de Minerva, por outro lado, fazia a mesma coisa só que, no lugar de me mostrar o reino mágico da poesia e da prosa, me tratava como se eu fosse um deus – pois só um deus (apontava ela com seu gesto) era capaz de exercer a mesma profissão de Homero.

As visões, neste caso, se sucediam – eram uma atrás das outras e cada uma delas mais fascinante que a outra. Assim, cada janela que batia, cada degrau que rangia ou cada lufada de vento que por acaso entrava no prédio ou na sala onde me encontrava e levantava a poeira quase secular que me envolvia, me chamava a atenção para uma destas visões ou para uma ideia que eu ainda não tinha tido e que era quase impossível esquecer.

Desta forma aqui estou escrevendo estes rascunhos que, a princípio, não tinha a menor intenção de publicar, mas, como parece que se tornaram imprescindíveis para o romance que perdi, aqui estão eles expostos à luz do dia como se fossem velhos manuscritos do Mar Morto recém descobertos em Quram, na Palestina.

Mal conservados e mal traduzidos ainda nem por isso deixo de publicar na íntegra para que tanto os escritores quanto os leitores mais afoitos tomem conhecimento do meu infortúnio e possam se precaver melhor contra tudo e todos que os cercam no momento em que estão lendo ou escrevendo.

Acho até que foi a partir deste dia – este dia em que tomei esta decisão heróica de mostrar as próprias entranhas – que tudo mudou. Abri as portas e janelas do casarão onde moro, afugentei os fantasmas que me perseguiam e deixei que as visões – aquelas visões de escritor mal sucedido que me importunavam tanto – desaparecessem completamente.

Agindo assim cheguei à conclusão de que a poesia, tanto quanto o romance, também tem a sua luz interior, como aquela que guiou os hebreus no deserto no tempo de Moisés, e é capaz de transformar um ser esquivo e arredio como todo escritor num ser humano mais ou menos tratável e equilibrado emocionalmente como deve ser toda e qualquer pessoa…

Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/nb2.html

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas – Natalício Barroso

Natalício Barroso nasceu em Itapipoca, 1957. Em 1977 ingressou na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Ceará. Trabalhou no Instituto Municipal de Arte e Cultura – RioArte – e na Fundação Biblioteca Nacional. Publicou Poemas de abril, Philobiblion, 1987; Sintonia, Achiamé, 1992; A triste sina do Imperial, Espaço e Tempo, 1998; e O capacete de Aquiles, Esteio, 1997. De 2006 são A vida amorosa de Marco Polo, Aníbal Barca e a Família Cordebar, num único volume.

Nas quatro narrativas enfeixadas no volume intitulado Novelas Reunidas, Natalício Barroso se mostra um narrador consciente de seu ofício, movendo-se em diversos espaços temáticos. Assim, sem nos atermos à ordem dada por ele às narrativas, parte do passado mitológico e mítico da Grécia antiga, passa pelo século XX e termina num futuro remoto, numa viagem interestelar. Aparentemente, não há nada em comum entre as novelas. No entanto, há muito de “grego”, de busca do destino do homem, na novela “interestelar”. O mesmo se pode afirmar em relação às novelas “cariocas”: nelas está também presente o mito da eterna busca da origem do homem, do destino, do fim. Sendo assim, os conflitos poderiam ser de ordens diversas. Todavia, há um elo comum entre as novelas, no que diz respeito ao cerne do prisma dramático – a morte, a angústia, a dor.

Na primeira novela, “Viagem Sem Fim”, a própria viagem pelo espaço se constitui na célula dramática central, não fosse também o conflito de gerações: os astronautas humanos, de um lado, e os astronautas nascidos na espaçonave, descendentes dos primeiros, de outro. Os dramas vão se desenrolando no dia-a-dia: mortes, crimes, traições. O grande drama é, pois, a infinitude da viagem, como se vê na última frase: “A nossa viagem, definitivamente, não tem fim”. E aí reside a angústia dos personagens, dos navegadores do espaço: nunca mais regressarão à Terra. Como se isso significasse a morte.

As duas novelas intermediárias, “A Triste Sina do Imperial” (na verdade, “O Velho Marinheiro, a Baía de Guanabara e a Triste Sina do Imperial”) e “A Casa de Gustavo”, são de um mesmo tempo histórico, o final do século XX. Os dramas são semelhantes: na primeira, a vida atribulada do velho marinheiro José Valdivino, suas peripécias, suas andanças ou naveganças, e a obsessão do romancista Matheus por escrever o romance da vida do marinheiro; na segunda, mais uma vez um narrador-literato às voltas com um personagem incomum, um jogador de futebol que, após pendurar as chuteiras, decide ser poeta, e, mais do que isso, escrever o grande poema épico brasileiro. Na verdade, não há conflitos nas duas narrativas. As histórias vão se desenrolando como num diário. O tempo vai passando, os personagens vão envelhecendo, perdendo as ilusões, e morrendo. Apenas isto. Nada de tragédias, de grandes traições, de crimes bárbaros.

A última novela (será mesmo novela?), “Cartas de Pilos”, é uma transcriação de um capítulo da Guerra de Troia, dos dias seguintes ao conflito entre gregos e troianos. Não há propriamente dramas. Na verdade, são mencionados alguns “trechos” de dramas (ou tragédias) da Grécia antiga, encontrados nos livros de mitologia e nos poemas homéricos, como o de Édipo.

Natalício Barroso sabe situar muito bem os personagens no espaço da ação, embora na novela “espacial” isto se torne mais difícil. Fora da nave os personagens terão como espaço o “vácuo” e as estrelas; dentro da nave (e há pouca descrição dela) o espaço é minimamente mencionado. Acredito até que Natalício não tenha tido a intenção de escrever ficção científica. Conhecedor da cidade do Rio de Janeiro, onde viveu durante alguns anos, locomove os personagens das duas novelas lá ambientadas pelos mais famosos logradouros e pelas ilhas. O velho marinheiro e o narrador Matheus palmilham a Cidade Maravilhosa, palco da ação de ambos: um como aventureiro, outro como caçador de histórias. Para o leitor é um passeio turístico dos mais gostosos. O espaço da ação na narrativa do  jogador de futebol é mais restrito: a casa onde morava. Os personagens aparecem jogando xadrez na sala de jogos, passeando pelos corredores e pelos jardins, ceando na sala de jantar. E por que o espaço nesta novela não é um estádio ou um campo de futebol? Talvez porque o herói da narrativa seja um ex-jogador de futebol, cujo grande mérito consistia em converter em gol pelo menos um chute em cada partida, e cujo grande demérito se resumia em nada jogar.

O tempo nas novelas de Natalício é um tempo longo, quase interminável na viagem espacial. Nas “Cartas de Pilos” ele flui lentamente: vão cartas, vêm cartas. A cada missiva, uma novidade. A história do marinheiro dura anos e anos. Ora estamos na juventude do herói, ora na sua velhice. Assim também na história do jogador. O tempo referido em ambas novelas é, porém, “controlado” por seus respectivos  narradores, no uso constante do flashback.

            Os personagens de Natalício são bem delineados, sobretudo os principais. São notáveis as aparições de Sorel, o primeiro narrador; Heidegger, “um poeta nato”, filho de Sorel; Kátia, a mulher de Sorel; a outra Kátia; Helsing, Dilthey e outros. As personalidades de cada um afloram a cada momento. Lembrar do velho marinheiro José Valdivino e do jogador-poeta Gustavo é mais fácil ainda. As loucuras sublimes de ambos, seus sonhos, suas angústias – tudo neles é narrado com a riqueza das histórias fabulosas. E o que dizer dos narradores (alter-ego de Natalício?), com seus problemas de relacionamento conjugal e amoroso, suas ânsias de colher os melhores frutos nos pomares das vidas de seus amigos “personagens”?

A linguagem nas novelas de Natalício Barroso é simples, sem ser coloquial. Vê-se concisão nas frases, embora quase não use a frase curta, cortada. Não há excesso de frases. O diálogo cede lugar à narração. O uso do travessão nas falas é pouco frequente nestas narrativas. É mais comum o narrador transmitir as falas dos demais personagens no interior de suas narrações. A descrição é discreta, a não ser num momento, quando se refere às ilhas do Rio de Janeiro. Mesmo nesse caso, a narrativa não perde fôlego e não enfada o leitor.

O ponto de vista na primeira novela, apesar de ser o da primeira pessoa ou o do narrador-testemunha, traz uma novidade: ao morrer o primeiro narrador, outro o substitui, como na vida, como numa viagem, como na “viagem sem fim”.  Nas novelas “cariocas” o narrador às vezes assume a posição de protagonista, sem nunca se confundir com o narrador onisciente. São técnicas usadas por quem leu muito e exercitou em larga escala a arte de narrar.

                Natalício Barroso, poeta de grandes méritos, deu-nos quatro boas novelas, verdadeira viagem sem fim pelos caminhos da imaginação. A prosa de ficção tem mais um cultor erudito, consciente de seu papel no palco da literatura brasileira e da importância de ser um cultivador de palavras e histórias.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

2º Prêmio de Trovas Humorista Chico Anísio/2013 – UBT-Maranguape (Resultado Final) 1a. Parte

ÂMBITO NACIONAL/INTERNACIONAL

TEMA: SORRISO (S)
(Trova Lírica/filosofica)

VENCEDORES

1º. Lugar:

Não tem o céu a candura,
não tem o mar a pujança,
não tem o mel a doçura
de um sorriso de criança.
JOEL HIRENALDO BARBIERI
Taubaté/SP

2º. Lugar:


Tarde sem luz!...E eu, tristonho,
vejo, sem graça, o sol posto...
Finjo um sorriso e me ponho
a por mais luz no meu rosto!
FRANCISCO GARCIA (PROFESSOR GARCIA)
Caicó/RN

3º. Lugar:

Às vezes, meigo e sensível;
outras, de raiva e desdém...
Por um sorriso é possível
enxergar a alma de alguém!
RENATA PACCOLA
São Paulo/SP

MENÇÕES HONROSAS

4º. Lugar:


Com seu sorriso de santa
(que a mim encanta e diverte)
e sua voz que acalanta,
qualquer ateu se converte.
RONNALDO ANDRADE
São Bernardo do Campo/SP

5º. Lugar:

Para maior euforia
de Chico, no Paraíso,
Maranguape poderia
ser "Capital do Sorriso"!!!
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP

6º. Lugar:


Em sonho lembro a vagar,
teu sorriso, teus desvelos,
tuas mãos a deslizar
como a brisa, em meus cabelos.
Sônia Maria Sobreira da Silva
Rio de Janeiro/RJ

MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:


Mesmo sendo renomado,
pintor nenhum há que trace
esse sorriso levado
que emoldura a tua face !
ANTONIO COLAVITE FILHO
Santos/SP

8º. Lugar:


Teu sorriso de menina
No rostinho adolescente,
brilha mais que a purpurina,
sob a luz do sol nascente!
SIMÃO ELANE MARQUES RANGEL
Rio de Janeiro/RJ

9º. Lugar:


O sorriso da criança
revela, além da beleza,
a vitória da esperança
contra um mundo de incerteza!
CARLOS ALBERTO DE ASSIS CAVALCANTI
Arcoverde/PE

DESTAQUES

10º. Lugar:


Ante o sorriso inocente
- puro e aberto, sem mistério -
de uma criança contente,
quem consegue ficar sério?!
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

11º. Lugar:


Teu sorriso divinal,
que enternece, que inebria,
traz no traço angelical,
todo o ardor, da poesia...
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY
Natal/RN

12º. Lugar:

Sua vida não tem brilho,
carrega pesada cruz,
mas o sorriso do filho
enche seu mundo de luz.
OLYMPIO DA CRUZ SIMÕES COUTINHO
Belo Horizonte/MG

= = = = = = = = = = =
ÂMBITO: ESTADUAL

TEMA: SORRISO (S)
(Trova Lírica/filosofica)

TROVAS VENCEDORAS

VENCEDORES

1º. Lugar:


Disfarçado de sorriso
Ao som de harpas e banjos
Chico chega ao paraíso
Carregado pelos anjos.
HORTÊNCIO PESSOA
Fortaleza/CE

2º. Lugar:


Este sorriso estampado
na tua face risonha,
por certo será gravado
no coração de quem sonha.
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

3º. Lugar:


Mesmo sendo passageiro
Sempre transmite emoção,
Um sorriso verdadeiro
Brotado do coração.
ANA MARIA NASCIMENTO
Aracoiaba/CE

MENÇÕES HONROSAS

4º. Lugar:

Na vida, tudo tem preço,
Saber viver, é preciso,
Ser feliz tem endereço
Use a moeda sorriso.
LUIZ CARLOS A BRANDÃO
UBT-Maranguape/CE

5º. Lugar:


Teu sorriso é qual o dia
Quando vai amanhecer:
É doçura, é poesia,
Não dá para descrever.
JOÃO OSVALDO SOARES (VAVAL)
UBT-Maranguape/CE

6º. Lugar:

São Pedro com um sorriso
Sua trombeta tocou
Pois, Chico, sem dar aviso
Em seu aprisco adentrou.
HORTÊNCIO PESSOA
Fortaleza/CE

MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:


Quando se torna abrangente,
Um sorriso de pureza,
Faz o coração da gente
Ser transmutado em beleza.
ANA MARIA NASCIMENTO
Aracoiaba/CE

8º. Lugar:


No Nordeste quando chove
molhando todo sertão
todo povo se comove
com sorriso de emoção.
ARGENTINA AUSTREGÉSILO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

9º. Lugar:

Ante o sorriso sincero
que sempre traz alegria,
traduz-se no que mais quero:
é vivê-lo todo dia.
ARGENTINA AUSTREGÉSILO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

DESTAQUES

10º. Lugar:

O sorriso nos faz bem.
Sua dose é sem medida,
Adoça a sorte de quem,
Tem amargores na vida.
ABELARDO NOGUEIRA XAVIER
Aracoiaba/CE

11º. Lugar:


Teu sorriso sedutor
É martírio da saudade
Reacende com fervor
Folguedos da mocidade!
FRANCINETE AZEVEDO
Fortaleza/CE

12º. Lugar:


Com um sorriso estampado
numa face escaveirada,
o retirante, coitado,
abandona a terra amada...
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE
============
continua...

Irmãos Grimm (A Noiva do Coelhinho)

Era uma vez uma mulher e uma filha que viviam num lindo jardim repleto de repolhos, e um pequeno coelho se aproximou, e no tempo de inverno comeu todos os repolhos.

Então, a mãe diz para a filha, — "Vá lá até o jardim, e expulse o coelho de lá."

A garota diz para o coelho: — “Ei, você está acabando com os nossos repolhos.”

O coelho responde: — “Venha aqui, garotinha, e sente no meu rabinho, e vamos juntos para a toca onde eu moro.”

Mas a garota não queria acompanhá-lo.

No dia seguinte, o coelho aparece novamente e come os repolhos, então, a mãe diz para a filha, — “Vá lá até o jardim, e expulse o coelho de lá.”

A garota diz para o coelho: — “Ei, você continua comendo todos os nossos repolhos.”

O coelhinho responde: — “Venha aqui, garotinha, e sente no meu rabinho, e vamos juntos para a toca onde eu moro.”

A garota se recusa.

No terceiro dia o coelho aparece novamente, e come os repolhos.

Diante disso, a mãe fala para a filha: — “Vá lá até o jardim, e expulse o coelho de lá.

A garota diz para o coelho: — “Ei, você continua comendo todos os nossos repolhos.”

O coelhinho responde: — “Venha aqui, garotinha, e sente no meu rabinho, e vamos juntos para a toca onde eu moro.”

A garota decide se sentar no rabo do coelho, e então, o coelho a leva para conhecer a sua pequena toca, e diz: — “Agora, quero que você prepare para mim repolho verde e grãos de milho, e eu irei chamar os convidados para o casamento.”

Então, todos os convidados do casamento chegaram.

"Quem eram os convidados do casamento?" Isso eu posso responder porque uma outra pessoa me contou. "Eram todos coelhos, o corvo estava lá como padre, para casar a noiva com o noivo, e a raposa era a sacristã, e o altar ficava debaixo do arco-íris."

A garota, todavia, estava triste, porque ela estava muito sozinha.

O coelhinho chegou e disse: — “Abram as portas, abram as portas, os convidados do casamento estão felizes.”

A noiva não diz nada, apenas chora. O coelhinho vai embora. Depois, retorna e diz: — “Tirem as tampas, tirem as tampas, os convidados estão com fome.”

A noiva novamente não diz nada, e chora. O coelhinho vai embora.

O coelhinho retorna e diz: — “Tirem as tampas, tirem as tampas, os convidados estão esperando.”

Então, a noiva não diz nada, e o coelhinho vai embora, mas ela confecciona uma boneca de palha com suas roupas, e dá para a boneca uma colher para mexer, e a coloca perto do caldeirão com milho, e volta para a casa da sua mãe.

O coelhinho retorna mais uma vez e diz: — “Tirem as tampas, tirem as tampas,” se levanta, e bate na cabeça da boneca até que a touca dela cai.

Então, o coelhinho viu que não era sua noiva, e vai embora e fica triste.

Fonte:
Contos de Grimm

Concurso de Poesia Popular da UBT Maranguape - 2013 (Trovas : Resultado Final)

ÂMBITO – NACIONAL/INTERNACIONAL
 

Objetivo: Destinado a homenagear ao historiador Capistrano de Abreu, pela passagem dos 160 anos de seu nascimento, ocorrido em 23 de outubro de 1853 em Maranguape/Ceará, patrono emérito da ACLA.

Tema: Deve constar na trova lírica/filosófica uma das palavras:
Capistrano, Capistrano de Abreu, historiador, Maranguape, Ceará, maranguapense, cearense, Columinjuba, academia, ACLA.

TROVAS CLASSIFICADAS

VENCEDORES

1º. Lugar:


Nas letras teve por plano
ser um guerreiro fiel...
E as armas de Capistrano
foram a pena e o papel!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA - Nova Friburgo/RJ

2º. Lugar:


Capistrano, tua glória,
de nós todos tem aval,
por dares crédito à História
do Brasil Colonial!
DODORA GALINARI - Belo Horizonte/MG

3º. Lugar:


Homem de sete instrumentos,
o Capistrano de Abreu,
é dos maiores talentos
que, no Brasil, floresceu.
GERALDO LYRA - Recife/PE

 MENÇÕES HONROSAS:

4º. Lugar:


“Capistrano”, tens na História,
tamanha beleza e porte,
que  revestiste de glória,
transcendendo o tempo e a morte!
IVONE TAGLIALEGNA PRADO - Belo Horizonte/MG

5º. Lugar:


Capistrano, nosso filho,
pelas obras que gerou
e o saber de grande brilho,
Maranguape iluminou.
DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO - Juiz de Fora/MG

6º. Lugar:


Capistrano...um baluarte
que Maranguape bendiz,
na escrita pôs a sua Arte,
no coração...seu País!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA - Nova Friburgo/RJ

MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:


Capistrano fez história
do Brasil e nos deixou
o seu legado de glória
que ele em vida conquistou!...
THEREZINHA TAVARES - Nova Friburgo/RJ

8º. Lugar:


Capistrano colhe a história
e dela traça o perfil:
- em cada fato, uma glória!
- em cada glória, o Brasil!
CAROLINA RAMOS - Santos/SP

9º. Lugar:


Todo o Brasil reconhece
de Capistrano, o valor.
Maranguape se envaidece
de ser berço do escritor.
ALBA HELENA CORRÊA - Niterói/RJ

DESTAQUES

10º. Lugar:


Maranguape, sua história,
rica de prosa e poesia
tem Capistrano por glória
patronando a Academia.
NILTON MANOEL - Ribeirão Preto/SP

 11º. Lugar:


Capistrano, gente rara,
deixou mensagem sutil:
só com vergonha na cara
salvaremos o Brasil.
OLYMPIO DA CRUZ SIMÕES COUTINHO - Belo Horizonte/MG

12º. Lugar:


Por seus feitos culturais,
Maranguape lhe proveu,
Patrono dos Imortais,
oh Capistrano de Abreu!
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY - Natal/RN
=
=

ÂMBITO ESTADUAL - CEARÁ

VENCEDORES

1º. Lugar:


João Capistrano de Abreu
escreveu bem nossa história
por isso é que mereceu
tanta fama e tanta glória.
JOÃO OSVALDO SOARES - Maranguape/CE

2º. Lugar:


Ao longo da trajetória
de grande pesquisador
Capistrano fez História
de imensurável valor.
ANA MARIA NASCIMENTO - Araçoiaba/CE

3º. Lugar:

Um grande homem da história
que Maranguape nos deu
e nos trouxe muita glória,
foi Capistrano de Abreu.
ARGENTINA ANDRADE - Fortaleza/CE

 MENÇÕES HONROSAS

4º. Lugar:


Em território serrano,
foi por lá onde nasceu,
O ínclito Capistrano
De ilustre família Abreu.
HAROLDO LYRA - Fortaleza/CE

5º. Lugar:


Toda História do Brasil
por Capistrano contada,
nos mostra sempre o perfil
desta terra abençoada.
BÁRBARA MAYÃ ALENCAR - Fortaleza/CE

6º. Lugar:


Uma personalidade
que em Maranguape nasceu
nos deu a celebridade,
de Capistrano de Abreu.
BÁRBARA MAYÃ ALENCAR - Fortaleza/CE

 MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:


Por mais um ano de história
De Capistrano de Abreu,
Faz-lhe jus, pela memória,
Maranguape, o berço seu!
ABELARDO NOGUEIRA - Araçoiaba/CE

8º. Lugar:

João Capistrano Honório
Com sobrenome de Abreu.
Um historiador notório.
Maranguape o concebeu.
ARTEMIZA CORREIA - Ocara/CE

9º. Lugar:

Com Capistrano de Abreu,
que grande historiador!-
O nosso povo aprendeu
a pesquisar com primor.
ANA MARIA NASCIMENTO - Araçoiaba/CE

 DESTAQUES

10º. Lugar:


Um marco na nossa história
Capistrano nos legou,
Foi sua profunda glória
O que ele nos deixou.
ARGENTINA ANDRADE - Fortaleza/CE

11º. Lugar:


Capistrano, não morreu,
em Maranguape, a raiz,
o seu nome já venceu
conservado no verniz.
SONIA NOGUEIRA - Fortaleza/CE

12º. Lugar:


Abreu família querida
mais destacada do ano,
cento e sessenta assistida
como o clã de Capistrano.
HAROLDO LYRA - Fortaleza/CE

Michel Roberto (A Filha de Marlene)

Ela olhou bem fundo nos olhos de sua mãe. Havia alguns minutos que aqueles círculos não tão brilhantes despertavam a sua curiosidade. Simplesmente era um mundo novo sendo descoberto a cada piscar de olhos, a cada movimento daquelas mãos que acabaram de sentir o que era uma dor física insuportável.

Seus cabelos loiros, curtos e cacheados eram herança de seu pai, um polaco que vivia enfurnado nas casas de jogos da cidade. Anteontem até duvidaram que ela fosse mesmo filha de Marlene, tamanha era a diferença de cor, cabelo e, principalmente, de vida nos olhos. “Certeza que é essa sua filha, Marlene?” – disse a dona da banca de revista que ficava perto da esquina onde a mãe pedia esmola.

Agora a menina usava seus preciosos minutos para desvendar aquele olhar de sua mãe. Um olhar de alguém que já deveria ter pedido a conta da vida e se ausentado para sempre. Alguém que já estava utilizando um bônus nesse nosso jogo de viver. E desvendar esse olhar tão sem vida não era o principal objetivo da menina, mesmo porque ainda não era capaz de sequer formular algum pensamento válido acerca da tristeza que estava impregnada no olhar de sua mãe. Apenas lhe chamava a atenção o sentimento indeterminado que subia por sua garganta.

Marlene sentiu profundamente sua filha tentando desvendar qual sentimento a mãe lhe passava. Sentimento de dor, esquecimento, desconsideração, talvez uma mágoa que chega de antemão. Nem ela sabia qual sentimento que o seu olhar transmitia para as outras pessoas. Mas sabia sim que de alguma forma um simples contato de olhos modificava a atitude de qualquer um que se atrevesse a cruzar o mesmo campo de visão que o dela. Era amargo demais.

Agora, depois de queimar o dedo de sua filha sem querer com uma brasa do cigarro, Marlene já não enxergava nada em sua frente, a não ser a porta da igreja a sua frente com um Jesus Cristo crucificado sangrando nas mãos, cabeça e pés, pedindo para ela o acompanhar, pois aquela vida já não mais pertencia a ela. Era chegada a vez de sua filha e, nesse momento, deveria ser apenas ela a continuar.

Colocou a menina em cima daquelas caixas de papelão que se transformavam em abrigo durante a noite fria. Passou na banca, avisou a dona que o Polaco estava pra chegar e apanhar a menina. Saiu.

Nunca mais se ouviu falar de Marlene.

Fonte:
Contos Maringaenses

Teófilo Braga (O Cavalinho das Sete Cores)

Recolhido em Lagoa, no Algarve

Um conde tinha ficado cativo na guerra dos mouros. Levaram-no ao rei para que fizesse dele o que quisesse. Tinha o rei três filhas, todas três muito formosas, que pediram ao pai que o deixasse ficar prisioneiro no castelo até que o viessem resgatar. A menina mais velha foi ter com o conde, e disse-lhe que casaria com ele, se lhe ensinasse qualquer coisa que ela não soubesse. O cativo disse:

– Pois ensino-te a minha religião, e vens comigo para o meu reino, e casaremos.

Ela não quis. Deu-se o mesmo com a segunda.

Veio por sua vez a menina mais moça; quis aprender a religião, e combinaram fugir do castelo, sem que o rei soubesse de nada. Disse então ela:

– Vai à cavalariça, e hás de lá encontrar um rico cavalinho de sete cores, que corre como o pensamento. Espera por mim no pátio, à noite, e partiremos ambos.

Assim fez. A princesa apareceu com os seus vestidos de moura, com muitas joias, e à primeira palavra que disse logo o cavalinho das sete cores se pôs nas vizinhanças da cidade donde era natural o cativo conde.

Antes de chegar à cidade havia um grande areal; o conde apeou-se, e disse à princesa moura que esperasse ali por ele, enquanto ia ao seu palácio buscar fatos próprios para aparecer na corte, porque estava com roupas de cativo e ela de mourisca.
   
Assim que a princesa ouviu isto, rompeu em um grande choro:

– Por tudo quanto há não me deixes aqui, porque hás de te esquecer de mim.

– Como é que isso pode ser?

– Porque assim que te separares de mim e alguém te abraçar logo me esqueces completamente.

O conde prometeu que se não deixaria abraçar por ninguém, e partiu; mas assim que chegou ao palácio a sua ama-de-leite conheceu-o, e com a alegria foi para ele e abraçou-o pelas costas. Não foi preciso mais; nunca mais ele se pôde lembrar da princesa. Ela tinha ficado no areal, e foi dar a uma cabana onde vivia uma pobre mulher, que a recolheu e tratou bem; ali foi ter a notícia que o conde estava para casar com uma formosa princesa, e na véspera do casamento a mourinha pediu ao filho da velha que levasse o cavalinho das sete cores a passear no adro da igreja em que se haviam de casar.

Assim foi; quando chegou o noivo com o acompanhamento, ficou pasmado de ver um tão belo cavalinho, e quis mirá-lo de mais perto. O moço que o passeava andava a dizer:

– Anda, cavalinho, anda,
Não esqueças o andar,
Como o conde esqueceu
A moura no areal.

O noivo lembrou-se logo da sorte que lhe tinha caído, desfez o casamento com a princesa e foi buscar a mourinha com quem casou, e viveram muito felizes.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português