domingo, 9 de setembro de 2018

Olivaldo Júnior (Meus Desertos)

Não, meus desertos não são feitos de areia, pedras e sal. Meus desertos são períodos hiatos em minha existência, que, às vezes, parece mais de uma, ou mais de mil, ao mesmo tempo. Tempo. Eis a areia que escorre de um lado para o outro na ampulheta, tanto a de dentro, quanto a de fora. Porque, não sei se você sabe, mas um deserto interior só pode nascer quando existe um descompasso entre a ampulheta interior e a outra, a exterior. Deus é muito engenhoso mesmo! Fez o homem à Sua imagem e semelhança, ou seja, não igual a Ele, mas à imagem e semelhança Dele, um vislumbre do que um dia poderemos, ou que poderíamos ser.

Meus desertos, na verdade, são minhas lágrimas não choradas, minhas músicas não cantadas, meus enterros que não fiz direito. Por isso, ao meu redor, fantasmas emocionais, mentais e espirituais me fazem ver os fantasmas que deixei para trás, sem direção. Pois meus desertos são minha forma de estancar meu choro, meu som, minha falta do que me faz falta e eu não quero ver. Cego, tateio no escuro dos meus desertos a saída para o meu próprio oásis.

Cansado, com a trouxa da vida nas costas, me encosto-me à beira do mundo e me vejo passar. Sim, eu me desdobro e me vejo passar entre os vivos, certo de que eu também, feito eles, também vivo e, nessa hora, me apalpo um pouquinho, para me certificar de que estou mesmo entre todos. Todos vivem seus desertos, isso é certo. Os meus, embora não venham do Saara, nem das dunas tão lindas dos Lençóis Maranhenses, meus desertos são tão vastos quanto a Inteligência Divina. Pena, que eu seja humano!... Pena, que eu seja um!... Não, não quero mais ter pena de mim... Quero enxergar o outro lado da fúria e chegar, chegar a mim.

Fonte: O Autor

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Álvaro Posselt (Lançamento do livro "Bichinhos de Estima São")

Neste 01/09, sábado, das 10 às 18 horas, lanço meu livro Bichinhos de estima são.

O evento será aqui em casa mesmo e marca a abertura oficial do espaço como casa cultural.

Haverá também: 

Banca de bolo da Bru Gonçalves

Banca de risoto, crepiocas e caldinhos da Soraia Guillarducci

Arte em cerâmica com a Kezia Talisin
Duendes, fadas e outros seres mágicos com a Silvina Gonzalez
Exposição de quadros no ateliê e muito mais!

Endereço: Rua Ebenezer, 96 - Pilarzinho - Curitiba/PR.

O livro já está disponível para pedidos via correio: R$ 35,00 já com frete.

Um abraço.
Alvaro Posselt
41-99183-1371

Fonte da imagem: https://www.pikdo.me/tag/alvaroposselt

VIII Concurso Literário “Cidade de Maringá” (Resultado Final)


A- CRÔNICAS

Alba Helena Correa
Niterói-RJ
Os saraus na casa dos prazeres

Edileuza Bezerra de Lima Longo
São Paulo-SP
Última volta

Maria Cristina Bonnafé
São Paulo-SP
Um poeta do outro lado do muro

Paulo Roberto de Oliveira Caruso
Rio de Janeiro-RJ
O pranto da sorte

Rosana Dalle Leme Celidônio
Pindamonhangaba-SP
Lição de Carnaval

B- POEMAS LIVRES

Antonio Rosalvo Accioly 
Nova Friburgo – RJ
Mármore

Maria Cristina Bonnafé
São Paulo-SP
Artes Todas

Maurício Cavalheiro 
Pindamonhangaba-SP
Mãos miúdas

Tatiana Alves Soares Caldas   
Rio de Janeiro-RJ
Ode à Alegria

C - TROVAS

LÍRICO-FILOSÓFICAS

NOVOS TROVADORES:

Antonio Francisco Pereira 
Belo Horizonte – MG
A arte está em todo canto,
desde o chão até a estrela.
Sem esconder seu encanto
até o cego pode vê-la.

Olga Maria Dias Pereira 
Pelotas – RS
Dentre as artes divulgadas,
com beleza e esplendor,
ressaltam-se as pinceladas
das obras do Criador.

Sílvia Maria Svereda 
Irati – PR
Fruto da imaginação
eu procuro recriar.
Ponho ali meu coração
na arte de desenhar.

VETERANOS:

Lúcia Sertã 
Nova Friburgo – RJ
Quando a folha seca e muda
segue no seu abandono,
ela abraça o vento e ajuda,
com arte, a pintar o outono.

Maurício Cavalheiro 
Pindamonhangaba-SP
Das obras de arte, as mais belas,
as que têm  mais graça e brilho,
é evidente: são aquelas
que nós chamamos de filho.

Pedro Ornellas 
São Paulo – SP
Tomando as mãos, de sequestro,
quando a regência executa,
é o coração do maestro
que empunha e brande a batuta!

Professor Garcia 
Caicó – RN
Entre o bom artista e a arte
se há bens que, por si, se explicam,
é que, quando o artista parte,
seus feitos, nas artes, ficam!

Renata Pacola 
São Paulo - SP
Em minha idade escondida,
está a arte de viver:
de tanto brincar com a vida,
esqueci de envelhecer...

Sérgio Fonseca 
Rio de Janeiro – RJ
Há de ser bom de arte e engenho
quem tem na vida em que vive
viola como a que eu tenho,
amores como os que eu tive...

Vanda Fagundes Queiroz 
Curitiba – PR
Mãozinha suja de tinta
toca a folha de papel...
e o pequeno artista pinta
uma obra-prima fiel.

TROVAS HUMORÍSTICAS

Élbea Priscila de Sousa e Silva 
Caçapava – SP
O galo anda pensativo
sem saber que o louro arteiro
pintou de verde bem vivo
os ovos do galinheiro!

José Ouverney 
Pindamonhangaba – SP
Vi papai (mas ele nega)
e a mãe do amiguinho meu
brincando de “pega-pega”...
Depois... o arteiro sou eu!!!

Maurício Cavalheiro 
Pindamonhangaba - SP
Se ela está sob o chuveiro,
o sobrinho espiá-la  vai.
Sai pra lá, moleque arteiro,
que agora é a vez do... papai!

Pedro Ornellas 
São Paulo – SP
Esconde a jarra quebrada
e a mãe quer levar ´no embrulho`...
“Que foi isso???”, “Não foi nada...
Foi mentira do barulho!”

Renata Pacola 
São Paulo - SP
Um doce enlevo ao luar
entre um arteiro e uma arteira,
terminou ao acertar
as contas com a parteira!

terça-feira, 28 de agosto de 2018

III Concurso Literário “Maria Mariá” (Resultado Final)

premiados em ordem alfabética

A - POEMAS LIVRES

Amélia Marciolina Raposo da Luz 
Pirapetinga – MG
Bordadeiras

Ana Cristina Mendes Gomes 
São Pedro da Aldeia – RJ
Artista do Amor

Antonio Rosalvo Accioly 
Nova Friburgo – RJ
Eva

Maria Cristina Bonafé 
São Paulo – SP
Desenho Fêmeo

Tatiana Alves Soares Caldas 
Rio de Janeiro – RJ
Recusa

B - TROVAS

NOVOS TROVADORES:

Luiz Vieira 
Irati – PR
Sobre os saltos, altaneira...
para o que der e vier.
Pés no chão...uma guerreira...
é a arte de ser mulher.

Lucêmio Lopes da Anunciação 
Canela – RS
Ser mãe, ter emprego e amar,
enfrentar tudo o que houver:
ela pratica no lar
a arte de ser mulher.

Tatiana Alves Soares 
Rio de Janeiro – RJ
Ser mulher é uma arte:
toda mulher é artista;
seja no todo ou em parte,
ela é quase equilibrista.

VETERANOS:

Ana Cristina 
São Paulo – SP
Ser mulher é a própria arte
de multiplicar por cem
o carinho que reparte
e, muitas vezes, nem tem...

Arlindo Tadeu Hagen 
Juiz de Fora – MG
O homem diga o que quiser
mas de certezas carece
que as artes de ser mulher
somente a mulher conhece.

Jaime Pina da Silveira 
São Paulo – SP
Ser dona da própria vida.
Ir... e vir de onde quiser...
Sempre amar-se... na medida,
sem deixar de ser mulher.

Francisco Gabriel 
Natal – RN
Da família, o baluarte,
construtora de caminhos,
só a mulher possui a arte
de tecer rosas de espinhos.

Professor Garcia 
Caicó – RN
A mãe tinha pouco estudo,
mas tudo quanto aprendeu...
ensinou ao filho mudo
com gestos que Deus lhe deu!

Therezinha Dieguez Brisolla 
São Paulo – SP
Mundo moderno... e valente,
vai a mulher trabalhar...
e ainda é, felizmente,
o anjo da guarda do lar!

Vanda Fagundes Queiroz 
Curitiba – PR
“Eu vi minha mãe rezando”...
é o poeta, em seu mister,
com arte santificando
a arte de ser mulher.

sábado, 25 de agosto de 2018

Trova 320 - José Lucas de Barros


Emílio de Meneses (Poemas ao Anoitecer) I


GOTA D’ÁGUA

Olha a paisagem que enlevado estudo!...
Olha este céu no centro! olha esta mata
E este horizonte ao lado! olha este rudo
Aspecto da montanha e da cascata!...

E o teu perfil aqui sereno e mudo!
Todo este quadro que a alma me arrebata,
Todo o infinito que nos cerca, tudo!
D'água esta gota ao mínimo retrata!...

Chega-te mais! Deixa lá fora o mundo!
Vê o firmamento sobre nós baixando;
Vê de que luz suavíssima me inundo!...

Vai teus braços, aos meus, entrelaçando,
Beija-me assim! vê deste azul no fundo,
Os nossos olhos mudos nos olhando!...

MATINA

Noite! Cesse o teu ar imoto e quedo!
Quero manhã! todos os sons que vazas!
Fujam do ninho ao lépido segredo
Todas as bulhas de reflantes asas.

Sol! tu que a terra fecundando a abrasas.
Desce da aurora em raio doce e a medo,
Todas as luzes travessando o enredo
Diáfano e leve das nevoentas gazas.

Telas festivas deslumbrai-me a vista!
Cantos alegres desferi-me em roda
Em toda a luz, em todo o som que exista.

E a natureza toda em harmonia,
Iluminada a natureza toda,
Surja gloriosa no raiar do dia.

VIDA NOVA

De uma vida sem fé de nebuloso inverno,
Furtei-me sacudindo o gelo da descrença.
Aquece-me outra vez este calor interno,
Esta imensa alegria, esta ventura imensa.

Sinto voltar de novo a minha antiga crença,
Creio outra vez no céu, creio outra vez no inferno,
Na vida que triunfe ou na morte que a vença
Creio no eterno bem, creio no mal eterno!

E quando enfim do corpo a alma for desgarrada
E procure entrever a região constelada
Que aos bons é concedida, esplêndida a irradiar,

Ao coro festival de um hino triunfante
Abra-se a recebê-la, olímpico e radiante
Todo o infinito céu do teu sereno olhar!...

O PEIXE
(José Maria de Heredia)

Do mar, ao fundo, o sol, em misteriosa aurora,
Dos corais da Abissínia a floresta alumia,
Banhando, à profundez da tépida bacia
A fauna que floresce e a palpitante flora.

E tudo o que do oceano o iodo ou o sal colora
A anêmona marinha, as algas de haste esguia,
Põe suntuoso desenho em púrpura sombria
Na pedra verminosa onde o pólipo mora.

Amortecendo o brilho à refulgente escama,
Um grande peixe vaga entre a enlaçada rama;
Da água as ondas, em torno, indolente desfralda.

Mas súbito ele agita a barbatana ardente,
E à tona do cristal azulado e dormente,
Corre um rastilho de ouro e nácar e esmeralda!

AS SEREIAS

Fui pelo mar em fora. A recurva trirreme
Ampla, em prata estendendo um rastilho de espuma,
Leva, léguas além, a áurea canção que geme
E canta, d'harpa, e ri, nas cordas, uma a uma.

Vibra sempre a canção; adelgaça-se a bruma;
Surge a lua, e ao luar, a superfície treme
Do mar que a essa canção em colo a vaga apruma,
Extreme de paixões, de cóleras extreme.

Tão sugestivo é o canto, e entre as vagas do oceano
Os golfins e dragões sorvem-lhe o eco em tal dose,
Que pouco a pouco vão tomando o aspecto humano.

Súbito, cessa o canto e as sereias em rima,
Mudas pasmam de ver esta metamorfose:
- Monstros do ventre abaixo e deusas ventre acima.

Fonte:
Emílio de Meneses. Obra Reunida. 
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1980.

II Jogos Florais de Itaocara/RJ (Resultado Final)


ÂMBITO NACIONAL

Tema: AMIZADE 

VETERANOS: (por ordem alfabética)

Almir Pinto de Azevedo – Cambuci/Itaocara/RJ

Antônio Augusto de Assis – Maringá/PR

Elbea Priscila de Souza e Silva – Caçapava/SP

Jaime Pina da Silveira – Sp/SP

João Costa – Saquarema/RJ

Luiz Moraes – S José dos Campos/SP

Maria Madalena Ferreira – Magé/RJ

Mariângela Tavares – São Gonçalo/RJ

Maurício Fernandes Leonardo – Ibiporã/PR

Roberto Resende Vilela – Pouso Alegre/MG

Roderique Pedro Albuquerque – Itaboraí/RJ

Wanda de Paula Mourthé – Belo Horizonte/MG

Tema: AMIZADE 

NOVOS TROVADORES: (por ordem alfabética)

Eduardo Lázaro De Barros – Bauru/SP

Jerson Lima De Brito – Porto Velho/RO

José Almir Loures – Astolfo Dutra/MG

Maria Zilnete De Moraes Gomes – Campos Dos Goytacazes/RJ

Odete Alves Macieira – Cambuci/RJ

Sílvia Maria Svereda – Irati/PR

HUMORÍSTICA  

Tema: FUNK: (por ordem alfabética)

Alba Helena Correa – Niterói/RJ

Antônio Augusto de Assis – Maringá/PR

Cleber Roberto de Oliveira – S. João De Meriti/RJ

Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho – Juiz De Fora/MG

Eduardo Sussumo Smozono – Franca/SP

Élbea Priscila de Souza e Silva – Caçapava/SP

Ervando Ferreira Freitas – Cardoso Moreira/RJ

Márcia Jaber – Juiz De Fora/MG

Marialice Araújo Vellozo – São Gonçalo/RJ

Mariângela Tavares – São Gonçalo/RJ

Paulo Roberto de Oliveira Caruso – Rio De Janeiro/RJ

Pedro Melo – União Da Vitória/PR

Plácido Ferreira do Amaral  Júnior – Caicó/RN

Professor Garcia – Caicó/RN

Renata Paccola – São Paulo/SP

Roderique Pedro de Albuquerque – Itaboraí/RJ
_____________________________

Entrega dos Prêmios: Dia 30/09/2018 

Será Lançada a 1ª Antologia Digital de Trovas de Itaocara.

As Trovas Somente Serão Divulgadas no Dia  

Vinicius de Moraes (O amor por entre o verde)


Não é sem frequência que, à tarde, chegando à janela, eu vejo um casalzinho de brotos que vem namorar sobre a pequenina ponte de balaustrada branca que há no parque. Ela é uma menina de uns 13 anos, o corpo elástico metido nuns blue jeans e num suéter folgadão, os cabelos puxados para trás num rabinho-de-cavalo que está sempre a balançar para todos os lados; ele, um garoto de, no máximo, 16, esguio, com pastas de cabelo a lhe tombar sobre a testa e um ar de quem descobriu a fórmula da vida. Uma coisa eu lhes asseguro: eles são lindos, e ficam montados, um em frente ao outro, no corrimão da colunata, os joelhos a se tocarem, os rostos a se buscarem a todo momento para pequenos segredos, pequenos carinhos, pequenos beijos. São, na sua extrema juventude, a coisa mais antiga que há no parque, incluindo velhas árvores que por ali espaçam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem dariam para escrever todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois têm uma tal ancestralidade que nunca se há de saber a quantos milênios remontam.

Eu os observo por um minuto apenas para não perturbar-lhes os jogos de mão e misteriosos brinquedos mímicos com que se entretêm, pois suspeito de que sabem de tudo o que se passa à sua volta. Às vezes, para descansar da posição, encaixam-se os pescoços e repousam os rostos um sobre o ombro do outro, como dois cavalinhos carinhosos, e eu vejo então os olhos da menina percorrerem vagarosamente as coisas em torno, numa aceitação dos homens, das coisas e da natureza, enquanto os do rapaz mantêm-se fixos, como a perscrutar desígnios. Depois voltam à posição inicial e se olham nos olhos, e ela afasta com a mão os cabelos de sobre a fronte do namorado, para vê-lo melhor e sente-se que eles se amam e dão suspiros de cortar o coração. De repente o menino parte para uma brutalidade qualquer, torce-lhe o pulso até ela dizer-lhe o que ele quer ouvir, e ela agarra-o pelos cabelos, e termina tudo, quando não há passantes, num longo e meticuloso beijo.

Que será, pergunto-me eu em vão, dessas duas crianças que tão cedo começam a praticar os ritos do amor? Prosseguirão se amando, ou de súbito, na sua jovem incontinência, procurarão o contato de outras bocas, de outras mãos, de outros ombros? Quem sabe se amanhã quando eu chegar à janela, não verei um rapazinho moreno em lugar do louro ou uma menina com a cabeleira solta em lugar dessa com os cabelos presos? E se prosseguirem se amando, pergunto-me novamente em vão, será que um dia se casarão e serão felizes? Quando, satisfeita a sua jovem sexualidade, se olharem nos olhos, será que correrão um para o outro e se darão um grande abraço de ternura? Ou será que se desviarão o olhar, para pensar cada um consigo mesmo que ele não era exatamente aquilo que ela pensava e ela era menos bonita ou inteligente do que ele a tinha imaginado?

É um tal milagre encontrar, nesse infinito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado... Esqueço o casalzinho no parque para perder-me por um momento na observação triste, mas fria, desse estranho baile de desencontros, em que frequentemente aquela que devia ser daquele acaba por bailar com outro porque o esperado nunca chega; e este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mãos sem querer se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e não se reconheceram. E é então que esqueço de tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me crucifico neles banhado em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer que lhe causasse dano; e gostaria que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e nossos olhos indecomponíveis ficassem para sempre abertos mirando muito além das estrelas.

Fonte:

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Trova 319 - Edweine Loureiro (Saitama/Japão)

Trova premiada no I Concurso de Trovas de Vila Velha/ES, 2018

Faustino da Fonseca Júnior (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol.4) IV


EM VIAGEM

Noite de lua cheia, pura brisa
Agita caprichosamente o mar
Onde o navio rápido desliza,

Dentro da superfície circular
Formada pelas aguas buliçosas
Que a abobada celeste vem tapar.

As nuvens, em manadas caprichosas,
O vapor desafiam na carreira,
Passando em turbilhões vertiginosas.

Defendendo o navio, precavida,
As aguas vão tingir de rubra cor,
A lanterna vermelha, suspendida,

E faz correr do flanco do vapor
Um jato cor de sangue, qual baleia,
Ferida pela mão do trancador.

A proa corta a vaga que volteia.
Há um arfar gigantesco, convulsivo,
D'um imenso coração que bate e anseia.

E d'aquelle organismo, forte, vivo,
Saem soluços de estridor medonho,
Saem rugidos d'um toar altivo.

Esse gigante que se ri do oceano
É criação, quase milagre, sonho,
D'outro gigante, o pensamento humano!

LIRISMO

Quisera possuir a lira harmoniosa
Dos vates geniais, dos reis da poesia
De Camões ou do Tasso, o Dante ou Cimaros
A bela inspiração a doce melodia.

Para te descrever em rima caprichosa
O meu amor sem fim, ir com a moda queria,
Dedicar-te um poema e chamar-te formosa
Tratar-te por “Marília” em vez do teu “Maria”.

Mas os versos por mais que faça vão errados,
Não soam nunca bem e fogem á medida,
E por isso não quero estar com mais cuidados.

Gosto muito de ti, bem o sabes querida.
Mas não posso imitar os outros namorados
Piegas que em idílio arrastam toda a vida.

MINIATURA

O céu puro e sereno,
O mar auri-fulgente,
O ar tépido, ameno,
O campo sorridente,

A rama do arvoredo,
A frança dos salgueiros,
A voz do fraguedo,
Que límpidos ribeiros!

Ao fundo entre a folhagem
Beijada pela aragem
Risonha reclinada

Estavas tu, Elvira.
Eu empunhando a lira
Cantei a minha amada.

DESCRENÇA

Trabalho. E cada dia que decorre
Vem trazer-me maior desilusão.
É mais uma esperança que me morre,
É mais um fundo golpe ao coração.

E acreditava, louco, no direito!
E cria, visionário, na honradez!
Inda abrigava puras no meu peito
Ilusões que este pântano desfez!

A ganância, a ambição, a intriga vil,
Como sapos e rãs n'um lodaçal,
Asquerosos, vão tudo macular.

Vence o ladrão, o néscio, o imbecil
Oh! Quem tivesse o rir de Juvenal,
Um raio pr'a orgia fulminar!

LUAR

Como é linda esta noite de luar!
Nos raios de fulgor fosforescente
Vejo recordações do teu olhar!

Fico então a cismar. Mas de repente
Uma nuvem pesada, vagarosa,
Lembra-me de que estás saudosamente

Tanto longe de mim! E pesarosa
Fica minha alma a contemplar o céu
Enamorada, crente e desditosa.

E contudo diviso um sorrir teu
No puro azul d'estrelas cintilante
Onde vagueia o pensamento meu!

Tudo consola um coração amante.
A crença de que estás também fitando
O lindo céu de mundos fulgurante,

O nosso puro amor idealizando,
Isso me basta ao coração amante,
E me vai a saudade mitigando!

Fonte:
Faustino da Fonseca Júnior. Lyra da mocidade Primeiros versos. 
Angra do Heroismo/Portugal, 1892