quinta-feira, 7 de março de 2019

J G Araujo Jorge (Trovas de Amor)


1
Ah, pudesse eu ser o mar
que te envolve e acaricia
e que te pode beija
todinha... como eu queria!

2
Ah, quando escuto teus passos
meu coração se acelera,
que um só minuto em teus braços
compensa a angústia da espera!

3
Amor de carne e de beijo,
em que, bem sei, já não crês.
Mesmo em sonho, ainda vejo,
Tu, nem na lembrança o vês.

4
Amor que sofro, que almejo,
mata-me logo de vez!
Longe que estejas, te vejo,
Ao teu lado, nem me vês...

5
Amor que tudo promete,
falso amor das Colombinas:
- juras e beijos: confete!
Abraços - de serpentinas!

6
Antes verdade isto fosse:
dizer que não penso em ti...
Mas basta ver-te, e acabou-se!
Me esqueço que te esqueci.

7
Às vezes não acredito:
- como há de findar assim
o nosso amor infinito ,
se o infinito não tem fim?

8
Assim mesmo te agradeço
depois que tudo passou,
os momentos verdadeiros
que o falso amor deixou...

9
Assim tão só, como eu fico,
tão sem ti, neste amargor,
quem dirá que eu já fui rico,
milionário de amor?!

10
Bendigo o amor e percorro
seu caminho, que conduz
a esse calvário em que morro
nos teus braços, minha cruz!

11
Como o quadro na moldura,
como a rosa no botão,
como Deus na criatura,
- estas no meu coração.

12
Definir a eternidade
é fácil, já a defini:
é o instante de saudade
que eu vivo longe de ti.

13
Digo em vão que te maldigo
( ó pretensão tola e louca! )
- e tudo o que penso e digo
vira trova em minha boca!

14
Disto a ninguém dou a palma
- eu te conheço melhor:
desnudei-te o corpo, a alma,
sei-te, inteirinha, de cor...

15
Dúvidas cruéis, verdadeira,
angústias turvas, espessas...
Chego a querer que não queiras
pra que depois não me esqueças...

16
E dizer que foste um dia
tudo o que eu quis... e foi meu...
E hoje... nem és poesia
que foi tua... e te esqueceu...

17
Eis uma flor, que em meu peito
mudou de espécie, em verdade
Era amor, - amor- perfeito!
E acabou sendo... saudade!

18
Em contrição te contemplo
deusa a quem vou adorar...
Meu coração, é o teu templo,
meu amor, o teu olhar!

19
Era tanto o que eu pedia?
Por que negavas assim?
Afinal eu só queria
que tu te desses à mim...

20
Este amor nunca se apaga:
é chama que me incendeia,
é espuma a florir na vaga,
é vaga a brincar na areia.

21
Explica-me tu, querida,
este absurdo, por favor:
- ser Senhor de tua vida
e Escravo do teu amor?

22
Foi Carnaval, riso e cor,
- menos sonho que alegria...
E o que restou desse amor?
Nada mais que fantasia.

23
Foi um amor de verdade
sei agora, ao ver a flor,
pois esta flor, - a saudade –
só nasce em cova de amor...

24
Foram horas bem vividas
que os dois souberam colher;
se foram ou não fingidas,
que importa agora saber?

25
Fui tudo para esse amor
belo, puro, cruel, devasso...
Fui pirata, fui pierrot,
fui arlequim, fui palhaço...

26
Louco de amor, te busquei,
e ao te encontrar, percebi
que não fui eu que te achei;
eu, sim, é que te perdi.

27
Mentimos. Estamos quites
Eu menti, mentiste, eu sei.
E embora não acredites
mesmo mentindo eu te amei.

28
Mentiste? Foste mesquinha?
Que importa se já não cremos?
Importa é que foste minha
que eu fui teu, e que vivemos!

29
Mentiste. A felicidade
só mentida, assim se expande...
Nem podia ser verdade
felicidade tão grande.

30
Moeda de estranho valor,
que o coração faz cunhar,
quanto mais se gasta o amor,
mais se tem para gastar...

31
Na despedida - com pressa -
escrever me prometeste.
Esqueceste da promessa,
ou apenas me esqueces-te?

32
Não há remédio: estou doente.
É doença este amor por ti!
Não te esqueço, e justamente
por pensar que te esqueci.

33
Não voltes, pois se voltasses
não me verias aqui...
É que hoje sou muitas faces,
mas, por dentro, já morri...

34
Nesta trova tão singela
meu coração vai trair-se...
Quer dizer o nome dela,
mas, para que iludir-se?

35
No teu olhar há dois sóis,
na tua alma, um mal-me-quer,
e há duas luas redondas
no teu corpo de mulher...

36
Nos teus lábios, há dois beijos,
Nas tuas mãos, há dois ninhos...
Nos teu olhos: dois desejos,
no teu destino: caminhos...

37
Nossos dedos: doce trança...
Um balanço: nossos braços...
E eis a rede da esperança
a emaranhar nossos passos...

38
Ó meu amor, por quem choro,
louco e cego de desejo.
- Quanto mais louco, te adoro!
- Quanto mais cego, te vejo!

39
Os meus olhos pões à provas
em desafios fatais...
Teus olhos, são duas trovas
que em silêncio cantam mais...

40
Para ler a minha sorte
e saber se é má ou bela,
com as minhas mãos se importe:
vai ler cigana, as mãos dela.

41
Parece coisa de louco...
Como explicar na verdade
que o amor, que durou tão pouco,
me doa uma eternidade?

42
Pecado ? Afirmo e te juro,
é palavra sem valor,
pois nada existe mais puro
que se pecar... por amor!

43
Pensei que o mundo acabasse
Felizmente era mentira!
- Apenas virara a face
de um disco que eu já ouvira...

44
Podes ter outro Senhor,
até mais rico que um Rei,
mas nunca mais outro amor
há de te dar quando dei.

45
Por ironia maior,
sorriste do meu desgosto,
e sepultaste este amor
nas covinhas de teu rosto...

46
Porque sabes que te cobro
tu te atrasas ao chegar,
e assim me pagas em dobro
os beijos que tens que dar...

47
Quanta prodigalidade!
Em poucos meses, querida,
gastamos felicidade
que dava pra toda a vida!

48
Que eu não tenho coração
não és tu, sou eu que te digo...
- Como hei de ter coração
se tu o levas contigo?

49
Que há de ser esse teu nome
que repito sem querer?
- Substantivo ? Pronome?
Ou verbo, de meu viver?

50
Quis tornar-me um trovador
para dizer que ela é minha,
mas tudo em vão, meu amor
não coube numa quadrinha.

51
Resta um consolo: pensar
no amor que juntos colhemos...
Nem Deus nos pode tirar
os instantes que vivemos!

52
Rosas tolas, tão vaidosas,
que em belas hastes vicejam...
Vem, amor, olha estas rosas,
quero que as rosas te vejam...

53
São céus e abismos profundos
nem eu posso descrevê-los:
mergulho em teus olhos fundos
e me afogo em teus cabelos!

54
Sorris tão perto... Sorrindo,
(ó estranho magnetismo!)
como que em mim vou sentindo
essa vertigem do abismo!

55
Tanto esperei, por meu mal...
Voltaste... E qual o valor?
- se eu hoje sei afinal
que não te quis o outro amor...

56
Uma quadrinha é uma cova
onde a poesia é uma flor,
por isso é que numa trova
vou sepultar este amor.

57
Vida amarga! E na amargura
da vida, eu pensei querida:
- quem dera a tua doçura
para adoçar minha vida!

58
Voltando, ( e a julgo perdida...)
- de onde quer que você ande
esta minha pobre vida
tiraria a sorte grande.

Fonte:
J. G. De Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. IV -  1. Edição, 1965.

Jorge Amado (Mar Morto) Primeira Parte

Resumo comentado por Jayrus Luna

Mar Morto pertence a primeira fase do autor: depoimentos líricos, com predominância do elemento sentimental, sobre rixas, e amores de marinheiros.

A história se passa no Cais da Bahia, onde viviam os marinheiros, e um dos mais antigos era Seu Francisco que criava o sobrinho Guma, ensinando-lhe as leis do mar. Guma, com o tempo, tomou conta do saveiro chamado Valente. A fama de Guma no cais ocorreu em uma noite de tempestade, onde Guma, com o seu Valente, salvou um navio (Canavieiras) que iria naufragar. Depois disso, Guma conheceu Lívia, uma das moças mais bonitas do cais, casou-se com ela e foram morar com Seu Francisco, onde ao lado deles foram morar Rufino (um grande amigo de Guma) e Esmeralda.

Viviam muito bem, até que Guma envolveu-se com Esmeralda que o perseguia, Rufino descobriu, matou Esmeralda e depois matou-se de desgosto. Logo depois, Lívia descobriu que estava grávida. Guma, com remorso de ter traído Rufino e Lívia, pegou o Valente e foi para o mar e bateu nas pedras. Não morreu, mas o Valente ficou totalmente destruído. Lívia teve o filho que se chamava Frederico e Guma estava feliz com o filho, mas ao mesmo tempo arruinado por ter perdido seu saveiro. Sem escolha, começou a contrabandear seda (já tinha comprado outro saveiro) para os árabes. Numa dessas viagens, o filho de um dos árabes tinha ido junto para Porto de Santo Antônio, mas caiu no mar. Guma pulou no mar e conseguiu salvá-lo, mas morreu com seu ato de coragem. Lívia ficou com Frederico e o Seu Francisco, e tomaram conta do saveiro (de nome Paquete Voador) apenas com a lembrança de Guma que ficará na memória do cais, principalmente porque após sua morte as águas do mar se tornaram calmas e mortas, mas também por ele ter sido um homem de coragem e bom coração.

1ª parte

A primeira parte da obra denomina-se IEMANJÁ, Dona dos Mares e dos Saveiros, e possui doze capítulos:

Primeiro capítulo - Tempestade

Jorge Amado destaca a chegada da noite com tempestade, carregada de nuvens, lavando o cais, amassando a areia, balançando os navios atracados e maltratando, sem piedade, os negros da estiva. Todos abandonaram o cais. O preto Rufino, diante do copo de cachaça, sabia que, com a tempestade, Esmeralda não viria ao encontro dele. Mestre Manuel resolveu não sair com seu saveiro, preferiu ficar amando Maria Clara. Lívia ficou, aflita, à beira do cais, sob a chuva e o vento, esperando Guma que vinha no "Valente", desafiando a fúria dos ventos. Um saveiro virou no mar e dois homens (Raimundo e Jacques) caíram na água e morreram.

Segundo capítulo - Cancioneiro do Cais

Cessada a tempestade, Lívia continua esperando Guma e ouve os gemidos de Maria Clara dentro do saveiro com mestre Manuel. Breve ela também estaria nos braços de Guma, pois há oito dias não o via. Rufino conta a Lívia que Raimundo e Jacques morreram afogados, tendo sido seus corpos encontrados por Guma. Todos passam a compartilhar do sofrimento de Judith, mulher de Jacques, uma mulata que ficou com um filho na barriga. Maria Clara ainda soluça de amor. Judith não terá amor esta noite nem nunca mais, pois seu homem morreu no mar. Do forte abandonado, vem a música cantada pelo velho soldado Jeremias, voz possante de preto:

"A noite é para o amor...

"Vem amar nas águas, que a lua brilha...

"É doce morrer no mar...

Terceiro capítulo - Terras do sem fim

Agora, o velho soldado Jeremias entoa uma canção que diz "desgraça é a mulher que casa com um homem do mar, seu destino será infeliz". O velho Francisco conhece essa canção, pois foram quarenta anos num saveiro, e era amigo de todos daquela região. Uma vez, ao salvar uma tripulação, viu o vulto de Iemanjá. Já teve três saveiros, mas agora vivia de remendar velas e do que lhe dava Guma. Frederico, seu irmão e pai de Guma, morreu na tempestade para salvá-lo. Sua mulher Rita morreu do coração quando soube do acidente com o marido.

A mãe de Guma, que o entregou ao pai logo que ele nasceu, chega de Recife para levar o menino. Frederico, mulherengo que nem macaco, passando um mês em Aracaju e prometendo-lhe mundos e fundos, deixou-a naquele estado. Havia morrido, Guma era um filho sem pai e seria criado por ela. O velho Francisco não entregaria o seu sobrinho para uma mulher da vida. Quando foi apresentá-la ao filho, Guma pensou que aquela fosse a mulher que seu tio lhe prometera, que deitaria com ele numa cama, mesmo tendo apenas onze anos. Guma assusta-se ao saber que aquela mulher tão esperada por ele era sua mãe, pois nunca lhe tinham falado dela. Ela o chama de filho e só então Guma sente um pouco de ternura por aquela mulher. Despediu-se e nunca mais voltou. Não iria jamais com ela. Seu destino era o mar. Uma noite, Velho Francisco deixou uma mulata para Guma no saveiro. Depois, vieram outras. Somente quando Guma tinha dezoito anos, o tio contou ao sobrinho as peripécias do irmão, que vivia pelo mundo e uma vez voltou trazendo a vida de um homem na ponta da faca. Guma já era homem, pois manobrava muito bem um saveiro.

Quarto capítulo - Acalanto de Rosa Palmeirão

Neste capítulo, Jorge Amado dá ênfase à história dessa mulata que possuía um ABC com as suas aventuras, contadas por todos, principalmente pelo velho Francisco. Sua fama corria o mundo, e todo marinheiro a conhecia: navalha na saia, punhal no peito, deu em seis soldados, comeu vinte prisões, bateu em muito homem. Andava pelo Recôncavo, sul do Estado e Rio de Janeiro. Uma flor (uma rosa palmeirão) que trazia sempre no vestido herdou-lhe o nome. Não aparecia há anos.

Certa vez, na terceira classe de um navio, chegou do Rio de Janeiro e foi o centro das atenções, reviu a todos e conheceu Guma (tinha-o visto ainda menino) a quem confessou que queria ter um filho e com quem viveu uns tempos. Dessa vez, contou que, vivendo com um tal de Juca, um cabra frouxo que havia apanhando dela invadiu a casa com mais seis homens querendo bater no Juca e abrir a vela. Todos apanharam. Na delegacia, o delegado, que era baiano, já conhecia sua a fama de Rosa Palmeirão. Juca foi-se embora de medo.

Quinto capítulo - Lei

Uma nova tempestade assustou os homens do cais, proibindo viagens e dando prejuízos. Num dia igual a esse, morreu João Pequeno, o mestre de saveiro que mais conhecia a profissão naquele cais. O governo deu uma pensão à mulher dele, cortada por economia. Aparecia nas noites de tempestade.

Xavier, mulato troncudo, chegou no seu saveiro Caboré. Quando lhe perguntam o porquê daquele nome, ele explica, meio alterado: "Foi por causa de uma mulher". Ela o chamava de Caboré, mas ele não sabia por quê. Um dia, sem nenhum motivo, foi embora.

Godofredo, comandante da Companhia, odiado no cais por perseguir a todos, ofereceu duzentos mil réis, mais cem mil réis do seu bolso, para um prático que trouxesse o "Canavieiras", que estava fora, sem poder entrar e pedindo socorro. Seus dois filhos estavam dentro. Guma aceitou o desafio, resgatou o saveiro e salvou a tripulação. A partir desse episódio, ganhou fama no cais da Bahia.

Sexto capítulo - Iemanjá dos cinco nomes

Ninguém no cais tinha um só nome, inclusive Iemanjá, que tinha cinco nomes doces, conhecidos por todos:

IEMANJÁ, seu verdadeiro nome, dona das águas, senhora dos oceanos.

DONA JANAÍNA, para os canoeiros.

INAÊ, para os pretos, seus filhos mais diletos.

PRINCESA DE AIOCÁ, para quem os pretos também faziam suas súplicas.

DONA MARIA, para as mulheres do cais, as mulheres da vida, as mulheres casadas, as moças que esperam noivos.

O pai de santo Anselmo era quem organizava as festas de Iemanjá, presidia as macumbas e, com ordem dela, curava as doenças. No Dique, nas Cabeceiras, em mar Grande, em Gameleira, em Dom Despacho e na Amoeira, seu dia é 2 de fevereiro. Já em Monte Serrat, onde a festa é a maior, seu dia é 20 de outubro. Porém todos se uniam para festejar Iemanjá.

Sétimo capítulo - Um navio ancorou no cais

"Um navio ancorou no cais e nele Rosa Palmeirão foi embora." Alguém a chama de bicha doida, pois só vivia correndo o mundo. Num grupo de conhecidos, Guma, cabisbaixo, é zombado por Maneca e Severiano que, ao ser socado por Guma, puxou de uma faca.

"Severiano encostou-se na parede do mercado, faca na mão, e gritou para Guma:

- Manda Rosa brigar comigo que tu não é homem."

Apesar de Guma pular, o pé de Severiano alcançou-o na boca do estômago. Rodolfo interveio e salvou Guma da morte. Rodolfo, malvisto no cais, chamado por muitos de ladrão, conta a Guma as aventuras do velho Concórdia, seu pai, que tinha uma filha, agora sua irmã, que ele não conhecia. Ela queria ver Guma para agradecer-lhe, pois alguns da tripulação do "Canavieiras" (navio salvo por Guma) eram seus parentes. Na saída, Guma pergunta:

"- Como é o nome dela?

- Lívia!" - respondeu Rodolfo.

Traíra morreu, vítima de um tiro, numa confusão, em um prostíbulo, em uma das cidadezinhas do Recôncavo (Cachoeira), após ter sido socorrido por Guma, que o conheceu na ocasião. No momento da morte, lembrou-se das filhas: Marta, Margarida e Rachel.

Oitavo capítulo - Marta, Margarida e Rachel

Aqui, o autor destaca dr. Rodrigo, que era de família de marinheiros. Seus pais e avós cruzaram os mares como meio de vida. Era magro e fraco, incapaz de levar um saveiro pelas águas; por isso, tratava da moléstia dos marinheiros e tirava até gente da cadeira. Era estimado no cais. Era também poeta, mas somente a professora Dulce sabia que ele fazia poemas sobre o mar. Todos esperavam que os dois se casassem; até saíam e conversavam.

Jorge Amado destaca também as filhas de Traíra (o que morreu com um tiro, em Cachoeira). Marta tinha dezoito anos, cosia peças, estava preparando um enxoval à espera de um noivo. Margarida nadava na beira do rio; Rachel era a menor, de quatro anos, brincava com uma boneca e não sabia pronunciar direito as palavras.

Nono capítulo - Viscondes, Condes, Marqueses e Besouro

Coloca-se em evidência a cidade de Santo Amaro, pátria de muito barão do Império, viscondes, condes e marqueses. Pátria também de gente humilde do cais, pátria de Besouro, o mais valente dos negros do cais, que derramou sangue, esfaqueou, atirou, lutou capoeira e foi morto perto dali, à traição, em Maracangalha, cortado todinho de facão. Virou uma estrela.

No dia em que Traíra morreu, Guma estava para ir ver Lívia, que foi à festa de Iemanjá somente para vê-lo. Lívia nasceu na capital, a cidade das sete portas, onde nascem as mulheres mais lindas do cais. Guma assumiu um compromisso com Rosa Palmeirão: ter um filho com Lívia para Rosa ajudar a criar.

Décimo capítulo - Melodia

Guma fez boa viagem em busca de Lívia, a mais bela mulher que seria oferecida ao mar. O "Valente" correu, e já brilham as luzes da Bahia, Guma já ouve o baticum dos candomblés, parecia ouvir a risada clara de Lívia.

Décimo primeiro capítulo - Rapto de Lívia

Guma alimentava seis meses de um desejo intenso. Chegando de Santo Amaro, Rodolfo levou-o para ver Lívia, que estava bela e tímida. Os tios dela, que tinham uma pequena quitanda e que foram salvos por Guma no acidente com o "Canavieiras", não aceitavam o relacionamento, queriam que ele fosse embora, pois Lívia não podia esperar nada de um marinheiro mais pobre que eles.

Guma entregou a ela uma carta; na verdade, foi escrita pelo doutor Filadélfio, conhecido por todos como doutor, escrevia histórias em versos, ABCs do cais, cantigas. A resposta de Lívia veio quando ele voltava: "- Estou preparando o enxoval."

Os tios proibiram Guma de visitá-la, e Rodolfo sugeriu que ele a raptasse, que a levasse para Cachoeira e casasse na volta. Combinaram tudo para uma semana. E assim se fez. Na ida, preso ao leme do "Valente", sente as carícias dos cabelos dela.

Décimo segundo capítulo - Marcha nupcial

Rodolfo acalma os tios de Lívia, que estavam revoltados, e pede a Guma que faça sua irmã feliz. O casamento seria daí a sete dias, na igreja de Monte Serrat e no fórum.

O velho Francisco ficou danado, pois sabia que um marinheiro não se devia casar. Iria embora. A mulher de Guma poderia não gostar de que ele continuasse morando ali. Mas não foi. Ali mandava Guma. Doutor Filadélfio bebeu no Farol das Estrelas à saúde de Guma e de sua futura.

No dia do casório, o cortejo entrou na casa de Guma. Jeremias trouxera o violão, e o negro Rufino, sua viola. Cantaram as canções do mar; desde aquele dia, que a noite é para o mar. Lívia jurou que seu filho não seria marinheiro.
_______________________
Continua… Segunda Parte: O Paquete Voador

Fonte:

Leon Eliachar (Dicionário de Bolso) Letras E até M


E

Elevador — é esse compartimento tão pequeno onde as pessoas são obrigadas a entender-se por meio de números.

Empresário — sujeito que vive à custa do talento alheio.

Esquecimento — desculpa que nos dão e que nunca mais esquecemos.

F

Fatalidade — tudo aquilo que a gente só prevê depois que acontece.

Fechadura — buraco mais frequentado por um olho do que por uma chave.

Filante — sujeito que só traz cigarro no bolso dos outros.

G

Gorjeta — vergonha que a gente deixa em cima da mesa em forma de dinheiro.

Gráfico — é esse risco que corre para cima e para baixo dentro de uma firma, até acabar o risco ou até acabar a firma.

Gravata — forca da elegância.

Guarda de trânsito — sujeito que só começa a trabalhar quando é posto na rua.

H

Herói — é esse sujeito que teve a sorte de escapar vivo.

Hipócrita — indivíduo que faz tudo para parecer que é aquilo que ele pensa que nós pensamos que ele é.

Horóscopo — é isso que a gente consulta sempre pra ver o que vai acontecer amanhã, mas amanhã a gente só se preocupa novamente com o que vai acontecer amanhã.

I

Imbecil — sujeito que nunca concorda conosco ou então concorda sempre.

Improviso — capacidade de decorar mentalmente.

Indecisão — espaço de tempo que o nosso pé leva do acelerador ao freio diante do sinal amarelo.

Indiferença — é isso que as mulheres começam a aparentar quando já não estão indiferentes.

Intermediário — é esse sujeito que faz a ligação entre dois interesses, visando exclusivamente ao seu.

Irritação — curto-circuito no sistema nervoso.

J

Jingle — musiquinha que repete três vezes as mesmas palavras, as mesmas palavras, as mesmas palavras.

Jogador — sujeito que de tanto jogar acaba mais marcado do que o baralho.

K

Kilograma — medida que depois que passou a ser escrita com QU não conseguiu pesar mais de 900 gramas.

L

Lenço — pecinha que o homem traz sempre duas no bolso: uma para oferecer à mulher, quando ele sai, e outra para apresentar à mulher, quando ele volta.

Louco — sujeito que cisma que é Napoleão, desde os tempos de Napoleão, que foi o único verdadeiro, vai dizer que não fui.

Luva — peça que a mulher experimenta diversas vezes até encontrar uma que se ajuste bem nos seus dedos, depois passa a usá-la fora da mão.

M

Manchete — é isso que sai em cima com letra grande para vender o jornal; assim o jornal pode vender a outra manchete que sai com letra menor.

Manicure — é essa pequena a quem a gente tem sempre de dar uma mãozinha para ela trabalhar.

Mata-borrão — isso que absorve melhor do que ninguém as nossas palavras.

Mecânico — sujeito que nos toma a diferença que conseguimos quando compramos um carro mais barato.

Menu — isso que a gente lê várias vezes pra ver o que tem e pedir o que não tem.

Mesa-redonda — discussão de vários problemas pessoais para resolver um comum.

Intruso — justamente isso: uma palavra que começa com "i" sair na letra "m".

Miss — pequena que divide o seu tempo entre o maio e a fita métrica.

Modéstia — vergonha que temos de reconhecer que somos realmente os maiores.

Modesto — sujeito que se aborrece conosco se concordarmos com ele em achá-lo uma besta.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Thalma Tavares (LUIZ OTÁVIO)


Como bem disse o trovador Izo Goldman numa de suas palestras sobre este tema, não é fácil falar em tão curto espaço de tempo sobre alguém cujo perfil tencionamos traçar com realidade e justiça, desde que se faz necessário, para tanto, uma serie de citações com datas corretas, fatos, pormenores importantes e sobretudo comentários e pensamentos que outros emitiram acerca de sua pessoa e de seu trabalho. É mais difícil ainda falar sobre alguém, quando além de sua grandeza pessoal, há uma obra importante a ser comentada e, acima de tudo quando fala mais alto a emoção sincera do comentarista. Tem razão o nosso irmão trovador quando assim afirma. Não é fácil, mas vamos tentar.

18 de Julho é o dia consagrado ao trovador porque nesse dia, há setenta e oito anos atrás, nascia aquele que mais tarde seria, merecidamente, eleito o Príncipe dos Trovadores Brasileiros: LUIZ OTÁVIO. Nasceu, portanto, aos 18 de julho de 1916, no Rio de Janeiro. Seu nome de batismo era GILSON DE CASTRO, Luiz Otávio foi o pseudônimo que ele adotou para assinar suas trovas, suas poesias e outras manifestações de seu talento literário. Era Cirurgião-Dentista, profissão que exerceu no Rio, onde se formou e mais tarde em Santos para onde se transferiu já no final de sua vida.

A partir de 1950, interessou-se pela Quadra Popular Portuguesa [ou trova de rima simples). Estudando sua forma e suas origens, passou a divulga-la através de publicações diversas. Em razão disso, ingressou no GBT (Grêmio Brasileiro de Trovadores) sediado em Salvador, Bahia. Mais tarde fundou e dirigiu a seção Guanabarina daquela entidade que congregava, alem de trovadores, violeiros, cantadores, repentistas do Nordeste e autores de Cordel. Tempos depois, por questões de divergência quanto a forma poética das "quadrinhas" que compunham aqueles cantadores e trovadores de Cordel, Luiz Otávio, sem criar ressentimentos ou animosidades, deixou o GBT e partiu para a fundação da União Brasileira de Trovadores da qual foi o Presidente Nacional até cair gravemente enfermo, quando foi substituído pelo Trovador CARLOS GUIMARÃES do Rio de Janeiro.

A ideia, no entanto, da criação de uma nova entidade trovadoresca, onde a trova ganhasse a sua maioridade literária, em âmbito nacional, vinha desde 1959, ou antes disso, amadurecendo no espirito de Luiz Otávio. Mas apenas em 1966 pode fundar a Seção do então Estado da Guanabara e esperou até 8 de janeiro de 1967, data em que as seções de outros estados se organizaram em definitivo, para considerar oficialmente fundada a UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES.

Espírito metódico. organizado e detalhista, Luiz Otávio esperou oito anos para concretizar com segurança o seu sonho maior, a verdadeira e harmoniosa união nacional de trovadores, a U.B.T., que, sobrepondo-se às demais academias e agremiações de trovadores já existentes no Brasil, tornou-se uma das maiores, das mais influentes e mais bem organizadas no gênero, em todo o país.

De parceria com outros trovadores notáveis, Luiz Otávio elaborou inúmeros sistemas, métodos e regulamentos que ainda hoje servem de estrutura ao movimento trovadoresco brasileiro, como é o caso dos Estatutos Sociais que até hoje regem legalmente as atividades da U.B.T. em todo território nacional. Ao lado de outro grande trovador e poeta, J. G. de Araújo Jorge, instituiu os Jogos Florais para Trovas, começando por Nova Friburgo, cidade do Estado do Rio que ficou conhecida como a "Capital da Trova no Brasil". Isto, em 1959, muito antes da fundação da U.B.T. É autor de diversos livros de trovas e poesias, entre eles a famosa e disputadíssima Coletânea de Trovas intitulada "Meus Irmãos os Trovadores".

Mas não é isto apenas o que se poderia dizer de Luiz Otávio e sua vida extraordinária. Seria preciso um alentado compêndio, e, sabe-se lá de quantas páginas. E por não podermos alongar demasiadamente estas notas, vamos deixar que ele mesmo nos fale de seus sentimentos e de suas emoções através de suas Trovas,

Inicialmente ele nos fala da trova chamando-a carinhosamente de "quadrinha" e nos diz, falando de si:

Cada quadrinha que faço
em hora calma ou incalma,
é pequenino pedaço
que eu mesmo furto à minha alma.

Depois, já se referindo ao tamanho das quadrinhas, aparentemente pequenas em seus quatro versos, ele diz:

Ó Trovas - simples quadrinhas
que tem sempre um que de novo…
- Como podem quatro linhas
trazer toda a alma de um povo?!

e completa:

Às vezes uma emoção
que na minha alma se aninha,
não cabe bem num poema...
…mas cabe numa quadrinha...

Passando a tratar as quadrinhas por Trovas, reforça a sua opinião sobre a grandeza da “pequena” trova:

Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves,
como a Trova nos faz bem!

e assim conclui sua ideia:

Uma trova pequenina,
tão modesta, tão sem glória,
bem pouca gente imagina,
que também tem sua história.

E reforça assim a sua conclusão:

"Pequena" - dizem zangados,
muitas vezes com desdém.
Jamais saberão, coitados,
que grandeza a trova tem!

Depois de falar do tamanho da Trova, Luiz Otávio nos dá algumas definições desta joia de quatro versos:

Há Trovas, ricas, sonoras,
tem brilho, cintilação...
Lembram "Foguetes de Lágrimas"
nas noites de São João...

e, ainda:

A Trova, quando perfeita,
três reações pode causar:
a gente ri... ou suspira,
ou então, fica a pensar...

Mas, qual é o destino da Trova? Para mostrar os diversos destinos que pode ter uma Trova, ele diz assim:

Toda trova herdou o espírito
navegante português...
Nasce… Foge… Corre o mundo
e abandona quem a fez…

Dura menos que um suspiro
ou como a folha que cai… 
Mas quando penetra na alma,
a Trova fica… Não sai..

Quando a Trova é mesmo boa,
É sempre assim que acontece:
- o dono fica esquecido,
mas a Trova não se esquece…

E dos trovadores? O que é que Luiz Otávio diz dos trovadores ou para os trovadores? Vejamos:

A Trova é tão pura e humilde
que eu julgo, pensando nisto,
que o primeiro Trovador
foi, por certo, Jesus Cristo.

Nem sempre nós conseguimos
traduzir as nossas dores...
Quantas trovas ficam mortas
nas almas dos trovadores…

Mediunidade esquisita
de duração muito breve:
- a Trova - é o povo quem dita,
o trovador… só escreve…

Nesta Trova ele nos diz da maior alegria que um trovador pode ter:

É um prazer bem diferente
e de sabor sempre novo,
ouvir a Trova da gente
andar na boca do povo!…

Nesta outra ele nos fala do desafio, do sonho que é escrever a trova definitiva, se é que ela existe:

Trovador, grande que seja
tem esta mágoa a esconder:
- A Trova que mais deseja,
jamais consegue escrever...

E, completa, falando com modéstia de si mesmo:

A Trova definitiva,
ideal do Trovador,
por mais que eu padeça e viva
eu jamais hei de compor…

Amigo que aconselha, que avisa, Luiz Otávio diz aos trovadores porque é preciso pensar muito ao escrever uma Trova:

Toma cuidado poeta
com teu sentir mais profundo;
a Trova é muito indiscreta:
- e conta tudo a todo mundo…

Voltando a falar de si mesmo, ele confessa em suas Trovas o que significa para ele, ser um trovador:

Não digo não: "minha" Trova
quando faço um verso novo:
- não é minha, nem é nova
quando cai na alma do povo…

Muitas vezes me pergunto,
ao enfrentar duras provas,
se eu suportaria o mundo
sem o meu mundo de Trovas!

 Trova tomou-me inteiro!
Tão amada e repetida
que agora traça o roteiro
das horas de minha vida...

Luiz Otávio mostra, também, como o seu destino, nem sempre muito alegre, se refletiu em suas Trovas e como, através disto, se uniu a nós a quem fraternalmente chamou de "seus irmãos os trovadores":

Enfrentando tantas provas,
ao desenrolar dos anos,
vou tirando da alma Trovas,
e enchendo-a de desenganos…

A sina dos trovadores,
e o meu destino também,
É sofrer as próprias dores
e as dores que os outros tem… 

Mas, apesar de tudo, também houve alegrias em sua vida. E, nestes momentos, ele fazia aquelas Trovas que os nossos irmãos portugueses chamam, acertadamente, de "facetas". Trovas chistosas, que tem graça, que tem alegria sem, no entanto, serem humorísticas. Vejam:

Toda noite ao me deitar,
por certo você reprova,
eu me esqueço de rezar
e fico fazendo Trova…

Nesta Trova pequenina,
quero deixar o sabor 
do beijo que ainda há pouco
eu roubei do meu amor…

Sou devoto, sou um crente!
Não zombes, não rias não…
Trago um rosário de Trovas
no fundo do coração…

De santo tu me chamaste…
Eu juro, ri um pedaço…
Pois nunca vi nenhum santo
fazer as Trovas que eu faço…

A Trova também amenizou o sofrimento de Luiz Otávio. Foi apoiado nela, e no seu ânimo sempre forte, que ele conseguiu superar, senão as intempéries da vida, pelo menos as injustiças humanas:

Louvo a Deus por me ter dado
a sorte de trovador,
pois o mal, quando encantado,
diminui o seu rigor…

Mas não foi apenas o ânimo forte e as Trovas que ampararam Luiz Otávio. Uma outra grande força o apoiou, o animou e o manteve sempre ativo: foi o amor! E o seu amor, como não poderia deixar de ser, foi um grande amor; um amor que ele cantou em Trovas quase sempre marcadas por um traço de tristeza. Trovas como:

Estas Trovas foram sonhos
que um trovador já sonhou…
São uns farrapos tristonhos
de um grande amor que passou…

Saudade - brisa tristonha…
e o meu coração magoado
desprende Trovas… e sonha…
é um rosal despetalado…

Digo tudo sem receio…
Sei amor que não aprovas.
Meu coração retalhei-o
e, de pedaços, fiz Trovas…

Longe de ti triste eu passo,
se vivo mesmo, nem sei…
E, cada Trova que faço
um beijo que não te dei…

Este doce e grande amor,
esta saudade indiscreta,
fizeram de um trovador
o mais tristonho poeta…

Por estar em solidão
tu de mim não tenhas dó.
Com Trovas no coração,
eu nunca me sinto só!

Como dissemos no princípio, não é fácil falar sobre alguém quando a nossa emoção interfere. Não é fácil falar de Luiz Otávio, sabendo que e!e pode estar num canto qualquer deste recinto, sorrindo com certeza de nosso atrevimento de tentar, em alguns minutos, falar de uma vida que levaria outra vida para ser contada. Mas, não faz mal: contamos com a indulgência de Luiz Otávio e, é claro, com a indulgência dos presentes." Até porque, de repente, nos lembramos que para contar quem foi Luiz Otávio, bastariam duas de suas inúmeras Trovas publicadas. Através delas vocês teriam um retrato vivo deste poeta e trovador que foi capaz de plantar uma roseira e faze-la transformar-se no roseiral imenso que hoje ultrapassa as fronteiras deste país. Como dissemos, bastariam estas duas Trovas:

Tirem-me tudo o que tenho
neguem-me todo o valor!
Numa glória só me empenho:
- a de humilde trovador!

Não desejo nem capela
nem mármore em minha cova…
Apenas escrevam nela
pequenina e humilde Trova…

Após este ligeiro esboço do retrato espiritual de LUIZ OTÁVIO, resta-nos completa-lo dizendo que e!e, depois de lutar desesperadamente contra a insidiosa moléstia que o acometeu, e de ver solidamente concretizado o seu grande sonho nacional a UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES; faleceu aos 31 de janeiro de 1977, em Santos, cidade que adotou e da qual recebeu incontáveis manifestações de carinho e apreço, como a Medalha do Mérito Cultural que a Prefeitura daquela cidade lhe outorgou em justa e merecida homenagem póstuma.

Com a sua morte, a Trova ficou de luto, mas continuou florescendo nas Rosas Vermelhas dos inúmeros canteiros que ele espalhou por este Brasil à fora, como símbolo do amor e da paz. Continua vivo nesta Rosa que nem sempre enfeita nossas lapelas, porque a trazemos dentro, definitivamente dentro do coração.

Fonte:
Palestra de Thalma Tavares na União Brasileira de Trovadores/ Seção São Paulo – palestra integrante da Oficina de Trovas ministrada por Izo Goldman, na Oficina da Palavra (Casa Mário de Andrade), em 1991.
Imagem de Luiz Otávio: Desenho de Jaime Pina

terça-feira, 5 de março de 2019

Trova 342 - Aldhiyb Al'Abyad (Maringá/PR)


Teixeira de Pascoaes (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol. 9) IV

IDÍLIO

Sinto que, ás vezes, choras, minha Irmã,
No teu sombrio quarto recolhida...
É que ele vem rompendo a sombra vã
Da Morte, e lhe aparece á luz da vida!

E aflita, como choras, minha Irmã...
Teu choro é tua voz emudecida,
Ante a imagem do Filho, essa Manhã
Em profunda saudade amanhecida.

Silencio! Não palpites, coração;
Nem canto de ave ou mística oração
Um tal idílio venham perturbar!

Deixai o Filho amado e a Mãe saudosa:
O Filho a rir, de face carinhosa,
E a Mãe, tão triste e pálida, a chorar...

DE NOITE

Quando me deito ao pé da minha dor,
Minha Noiva-fantasma; e em derredor
Do meu leito, a penumbra se condensa,
E já não vejo mais que a noite imensa,
Ante os meus olhos íntimos, acesos,
Estáticos, surpresos,
Aparece-me o Reino Espiritual...
E ali, despido o hábito carnal,
Tu brincas e passeias; não comigo,
Mas com a minha dor... o amor antigo.

A minha dor está contigo ali,
Como, outrora, eu estava ao pé de ti...
Se fosse a minha dor, com que alegria,
De novo, a tua face beijaria!

Mas eu não sou a dor, a dor etérea...
Sou a Carne que sofre; esta miséria
Que no silêncio clama!
A Sombra, o Corpo doloroso, o Drama...

NOITES EM CLARO

Passas em claro as noites a chorar;
Dia a dia, teu rosto empalidece...
Faze tu, pobre Mãe, por serenar,
Santa Resignação sobre ela desce!

Rochedo que a penumbra desvanece,
Tu, por acaso, não lhe podes dar
Um pouco desse frio que entorpece
O coração e o deixa descansar?...

Jamais! Não há remédio! Nem as horas
Que passam! Toda a fria noite choras;
Tua sombra, no chão, é mais escura.

Sofres! E sinto bem que a tua dor,
Como se fora um beijo, aceso amor,
Vai-lhe aquecer, ao longe, a sepultura.

DUAS SOMBRAS

Pelas tardes divinas,
Quando a cor se dissolve em lágrimas douradas,
Eu vejo duas Sombras pequeninas,
Andando de mãos dadas.

Como duas crianças que elas são,
Percorrem, a brincar,
Esta minha infinita solidão;
E estático e suspenso, eu fico a olhar, a olhar...

Bate-me o coração; caminho... Na distância,
Através do crepúsculo divino,
Vejo a Sombra infantil da minha infância
E a Sombra do Menino!

E delas me aproximo; e paro; tenho medo
De as ver fugir, assim...
Seus Vultos de quimera e de segredo
Tremem diante de mim...
E como se parecem!
O mesmo adeus no olhar, o mesmo rosto e altura...
E ao pé delas as coisas se enternecem,
E este meu coração aberto em sepultura.

Durante a tua vida, meu Amor,
Quantas vezes, ao ver-te, imaginava
Olhar de perto, a minha infância toda em flor!
E ainda mais: pensava
Que eras a minha própria Infância novamente,
Mesmo diante de mim, ressuscitada
E brincando comigo alegremente,
Nesta velha Paisagem bem amada,
Terra da meia noite, alma do outono...
Nesta casa velhinha, evocadora,
Tocada de luar, de sombra e de abandono,
Da alegria de outrora...
E por isso, no dia em que morreste,
Quando tudo era lágrima, a distância,
Coração, duas cruzes padeceste;
Duas mortes sofreu a minha infância.

LÁGRIMA

Bate-me o luar na face, e o meu olhar
Em lágrima saudosa se condensa...
Vejo-a diante de mim, como suspensa
Na sombra do ar.

E em seu líquido seio de esplendor,
Tua Imagem começa a alvorecer,
Pois toma corpo e vida no meu ser,
Quando a beija, sorrindo, a minha dor...

Ébria do teu espirito sagrado,
A radiosa lágrima estremece,
Enquanto a minha face empalidece
E o luar e a noite cismam ao meu lado...

E a comovida lágrima crepita...
Relâmpago de dor... E nada vejo;
Pois nela está presente o meu desejo
E a minha vida frágil e infinita.

E a lágrima cintila, num adeus...
E, desprendida de meus olhos, ei-la
Já distante, no espaço: é nova estrela
Subindo aos céus...

Fonte:
Teixeira de Pascoaes. Elegias. 1912.

Contos e Lendas do Mundo (China: Os Três Tigres)

por Xu Fang

Nos últimos anos, nossa aldeia foi infestada por tigres, que devoraram muitas pessoas, mais do que se conseguiria contar. Viajantes que passavam por aqui diziam que isso acontecia também no resto da China.

Segundo muitos, os tigres errantes seriam enviados do céu, encarregados de procurar aqueles que tinham conseguido escapar do seu encontro com uma morte violenta. Outros afirmavam que debaixo da pele do tigre se escondem demônios ferozes, espíritos vingadores no estado de furor extremo. A verdade pode existir nessas duas explicações, mas nenhuma  é tão estranha como a do velho Huang.

O velho Huang morava em Mixi, a alguns quilômetros do distrito de Qiao. Ele tinha três filhos grandes na força da idade. Na primavera daquele ano, ele ordenou que eles fossem lavrar o campo nas colinas e durante muitos dias eles saíam bem cedo e voltavam no fim da tarde.

Um dia um vizinho disse ao Huang:

— Teu roçado está cheio de mato.

— Como pode ser? - respondeu o velho Huang. Meus filhos passam lá, trabalhando o dia inteiro.

— Parece que não! -  respondeu o vizinho.

Intrigado, Huang decidiu seguir seus filhos. Na manhã seguinte, foi atrás deles. Logo que chegaram no bosque, no pé da colina, eles tiraram a roupa e a penduraram em galhos de árvore. Depois se transformaram em tigres, pulando e dando terríveis rugidos.

Aterrorizado, o velho Huang voltou depressa para a aldeia. Ele contou ao seu vizinho o que tinha visto e depois se trancou dentro de casa.

De noite, seus filhos voltaram. Esperaram muito, diante da porta fechada, mas ninguém respondia quando chamavam. No fim, o vizinho saiu e explicou que seu pai os renegava, depois do que tinha visto no bosque.

— O que ele viu foi verdade! -  reconheceram os rapazes. - Mas não fazemos assim por nossa vontade. É o mestre dos Céus que nos obriga.

Em seguida, o mais velho chamou seu pai.

— Pai, como poderíamos ser ingratos com o senhor? Sua bondade para conosco é sem limites. Ficamos desesperados por termos sido escolhidos já há tanto tempo para esse papel funesto. Nos últimos dias corremos por montes e vales, na esperança de encontrar alguém para pegar nosso lugar, porque não aceitamos a sorte que nos foi reservada. Não deu certo. Agora, mesmo com o senhor sabendo o que está acontecendo, não podemos desobedecer as ordens. No bolso de cima do meu casaco, pai, tem uma caderneta. Pega essa caderneta, pai, senão o senhor está perdido, e teremos nós três aqui assinado sua sentença de morte.

O velho Huang pegou a lamparina e procurou no bolso de cima do casaco, de onde tirou a caderneta. Ele leu os nomes de todos aqueles que, no distrito, deviam ser mortos pelos tigres. Seu nome vinha em segundo lugar na lista.

— O que podemos fazer? — gritou, desesperado.

— Abre a porta, respondeu o mais velho. Acho que tem uma saída.

O velho Huang abriu a porta. O filho mais velho pegou a caderneta, e os três filhos, retendo os soluços, inclinaram-se diante do pai. Depois disseram:

— Que seja o destino do Mestre dos Céus. Agora, pai, veste quatro ou cinco calças e camisas, uma por cima da outra, mas não afivela o cinto. E agora, reza ajoelhado. Temos um jeito de salvá-lo.

O velho Huang obedeceu. Nem bem tinha se ajoelhado, seus três filhos já tinham virado tigres e caíram sobre ele com as garras afiadas. Com patadas e dentadas, cada um arrancou uma camada das roupas e foram embora rugindo, com farrapos de roupa na garganta.

Nunca mais eles foram vistos na aldeia, e o velho ainda hoje mora no mesmo lugar.

Fonte:
http://www.capparelli.com.br/contos.php

Andréa Motta (Lançamento de Livro dia 26 de março)

Andréa Motta e Nogue Editora, convidam para o lançamento do livro de poesias Natureza Íntima, no dia 26 de março de 2019, à 17h, no Centro de Letras do Paraná (Rua Fernando Moreira, 370 - Centro. Curitiba-Paraná).

É um livro com poemas curtos, mas profundos.

Será uma imensa alegria, contar com sua honrosa presença.