quarta-feira, 6 de março de 2019

Thalma Tavares (LUIZ OTÁVIO)


Como bem disse o trovador Izo Goldman numa de suas palestras sobre este tema, não é fácil falar em tão curto espaço de tempo sobre alguém cujo perfil tencionamos traçar com realidade e justiça, desde que se faz necessário, para tanto, uma serie de citações com datas corretas, fatos, pormenores importantes e sobretudo comentários e pensamentos que outros emitiram acerca de sua pessoa e de seu trabalho. É mais difícil ainda falar sobre alguém, quando além de sua grandeza pessoal, há uma obra importante a ser comentada e, acima de tudo quando fala mais alto a emoção sincera do comentarista. Tem razão o nosso irmão trovador quando assim afirma. Não é fácil, mas vamos tentar.

18 de Julho é o dia consagrado ao trovador porque nesse dia, há setenta e oito anos atrás, nascia aquele que mais tarde seria, merecidamente, eleito o Príncipe dos Trovadores Brasileiros: LUIZ OTÁVIO. Nasceu, portanto, aos 18 de julho de 1916, no Rio de Janeiro. Seu nome de batismo era GILSON DE CASTRO, Luiz Otávio foi o pseudônimo que ele adotou para assinar suas trovas, suas poesias e outras manifestações de seu talento literário. Era Cirurgião-Dentista, profissão que exerceu no Rio, onde se formou e mais tarde em Santos para onde se transferiu já no final de sua vida.

A partir de 1950, interessou-se pela Quadra Popular Portuguesa [ou trova de rima simples). Estudando sua forma e suas origens, passou a divulga-la através de publicações diversas. Em razão disso, ingressou no GBT (Grêmio Brasileiro de Trovadores) sediado em Salvador, Bahia. Mais tarde fundou e dirigiu a seção Guanabarina daquela entidade que congregava, alem de trovadores, violeiros, cantadores, repentistas do Nordeste e autores de Cordel. Tempos depois, por questões de divergência quanto a forma poética das "quadrinhas" que compunham aqueles cantadores e trovadores de Cordel, Luiz Otávio, sem criar ressentimentos ou animosidades, deixou o GBT e partiu para a fundação da União Brasileira de Trovadores da qual foi o Presidente Nacional até cair gravemente enfermo, quando foi substituído pelo Trovador CARLOS GUIMARÃES do Rio de Janeiro.

A ideia, no entanto, da criação de uma nova entidade trovadoresca, onde a trova ganhasse a sua maioridade literária, em âmbito nacional, vinha desde 1959, ou antes disso, amadurecendo no espirito de Luiz Otávio. Mas apenas em 1966 pode fundar a Seção do então Estado da Guanabara e esperou até 8 de janeiro de 1967, data em que as seções de outros estados se organizaram em definitivo, para considerar oficialmente fundada a UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES.

Espírito metódico. organizado e detalhista, Luiz Otávio esperou oito anos para concretizar com segurança o seu sonho maior, a verdadeira e harmoniosa união nacional de trovadores, a U.B.T., que, sobrepondo-se às demais academias e agremiações de trovadores já existentes no Brasil, tornou-se uma das maiores, das mais influentes e mais bem organizadas no gênero, em todo o país.

De parceria com outros trovadores notáveis, Luiz Otávio elaborou inúmeros sistemas, métodos e regulamentos que ainda hoje servem de estrutura ao movimento trovadoresco brasileiro, como é o caso dos Estatutos Sociais que até hoje regem legalmente as atividades da U.B.T. em todo território nacional. Ao lado de outro grande trovador e poeta, J. G. de Araújo Jorge, instituiu os Jogos Florais para Trovas, começando por Nova Friburgo, cidade do Estado do Rio que ficou conhecida como a "Capital da Trova no Brasil". Isto, em 1959, muito antes da fundação da U.B.T. É autor de diversos livros de trovas e poesias, entre eles a famosa e disputadíssima Coletânea de Trovas intitulada "Meus Irmãos os Trovadores".

Mas não é isto apenas o que se poderia dizer de Luiz Otávio e sua vida extraordinária. Seria preciso um alentado compêndio, e, sabe-se lá de quantas páginas. E por não podermos alongar demasiadamente estas notas, vamos deixar que ele mesmo nos fale de seus sentimentos e de suas emoções através de suas Trovas,

Inicialmente ele nos fala da trova chamando-a carinhosamente de "quadrinha" e nos diz, falando de si:

Cada quadrinha que faço
em hora calma ou incalma,
é pequenino pedaço
que eu mesmo furto à minha alma.

Depois, já se referindo ao tamanho das quadrinhas, aparentemente pequenas em seus quatro versos, ele diz:

Ó Trovas - simples quadrinhas
que tem sempre um que de novo…
- Como podem quatro linhas
trazer toda a alma de um povo?!

e completa:

Às vezes uma emoção
que na minha alma se aninha,
não cabe bem num poema...
…mas cabe numa quadrinha...

Passando a tratar as quadrinhas por Trovas, reforça a sua opinião sobre a grandeza da “pequena” trova:

Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves,
como a Trova nos faz bem!

e assim conclui sua ideia:

Uma trova pequenina,
tão modesta, tão sem glória,
bem pouca gente imagina,
que também tem sua história.

E reforça assim a sua conclusão:

"Pequena" - dizem zangados,
muitas vezes com desdém.
Jamais saberão, coitados,
que grandeza a trova tem!

Depois de falar do tamanho da Trova, Luiz Otávio nos dá algumas definições desta joia de quatro versos:

Há Trovas, ricas, sonoras,
tem brilho, cintilação...
Lembram "Foguetes de Lágrimas"
nas noites de São João...

e, ainda:

A Trova, quando perfeita,
três reações pode causar:
a gente ri... ou suspira,
ou então, fica a pensar...

Mas, qual é o destino da Trova? Para mostrar os diversos destinos que pode ter uma Trova, ele diz assim:

Toda trova herdou o espírito
navegante português...
Nasce… Foge… Corre o mundo
e abandona quem a fez…

Dura menos que um suspiro
ou como a folha que cai… 
Mas quando penetra na alma,
a Trova fica… Não sai..

Quando a Trova é mesmo boa,
É sempre assim que acontece:
- o dono fica esquecido,
mas a Trova não se esquece…

E dos trovadores? O que é que Luiz Otávio diz dos trovadores ou para os trovadores? Vejamos:

A Trova é tão pura e humilde
que eu julgo, pensando nisto,
que o primeiro Trovador
foi, por certo, Jesus Cristo.

Nem sempre nós conseguimos
traduzir as nossas dores...
Quantas trovas ficam mortas
nas almas dos trovadores…

Mediunidade esquisita
de duração muito breve:
- a Trova - é o povo quem dita,
o trovador… só escreve…

Nesta Trova ele nos diz da maior alegria que um trovador pode ter:

É um prazer bem diferente
e de sabor sempre novo,
ouvir a Trova da gente
andar na boca do povo!…

Nesta outra ele nos fala do desafio, do sonho que é escrever a trova definitiva, se é que ela existe:

Trovador, grande que seja
tem esta mágoa a esconder:
- A Trova que mais deseja,
jamais consegue escrever...

E, completa, falando com modéstia de si mesmo:

A Trova definitiva,
ideal do Trovador,
por mais que eu padeça e viva
eu jamais hei de compor…

Amigo que aconselha, que avisa, Luiz Otávio diz aos trovadores porque é preciso pensar muito ao escrever uma Trova:

Toma cuidado poeta
com teu sentir mais profundo;
a Trova é muito indiscreta:
- e conta tudo a todo mundo…

Voltando a falar de si mesmo, ele confessa em suas Trovas o que significa para ele, ser um trovador:

Não digo não: "minha" Trova
quando faço um verso novo:
- não é minha, nem é nova
quando cai na alma do povo…

Muitas vezes me pergunto,
ao enfrentar duras provas,
se eu suportaria o mundo
sem o meu mundo de Trovas!

 Trova tomou-me inteiro!
Tão amada e repetida
que agora traça o roteiro
das horas de minha vida...

Luiz Otávio mostra, também, como o seu destino, nem sempre muito alegre, se refletiu em suas Trovas e como, através disto, se uniu a nós a quem fraternalmente chamou de "seus irmãos os trovadores":

Enfrentando tantas provas,
ao desenrolar dos anos,
vou tirando da alma Trovas,
e enchendo-a de desenganos…

A sina dos trovadores,
e o meu destino também,
É sofrer as próprias dores
e as dores que os outros tem… 

Mas, apesar de tudo, também houve alegrias em sua vida. E, nestes momentos, ele fazia aquelas Trovas que os nossos irmãos portugueses chamam, acertadamente, de "facetas". Trovas chistosas, que tem graça, que tem alegria sem, no entanto, serem humorísticas. Vejam:

Toda noite ao me deitar,
por certo você reprova,
eu me esqueço de rezar
e fico fazendo Trova…

Nesta Trova pequenina,
quero deixar o sabor 
do beijo que ainda há pouco
eu roubei do meu amor…

Sou devoto, sou um crente!
Não zombes, não rias não…
Trago um rosário de Trovas
no fundo do coração…

De santo tu me chamaste…
Eu juro, ri um pedaço…
Pois nunca vi nenhum santo
fazer as Trovas que eu faço…

A Trova também amenizou o sofrimento de Luiz Otávio. Foi apoiado nela, e no seu ânimo sempre forte, que ele conseguiu superar, senão as intempéries da vida, pelo menos as injustiças humanas:

Louvo a Deus por me ter dado
a sorte de trovador,
pois o mal, quando encantado,
diminui o seu rigor…

Mas não foi apenas o ânimo forte e as Trovas que ampararam Luiz Otávio. Uma outra grande força o apoiou, o animou e o manteve sempre ativo: foi o amor! E o seu amor, como não poderia deixar de ser, foi um grande amor; um amor que ele cantou em Trovas quase sempre marcadas por um traço de tristeza. Trovas como:

Estas Trovas foram sonhos
que um trovador já sonhou…
São uns farrapos tristonhos
de um grande amor que passou…

Saudade - brisa tristonha…
e o meu coração magoado
desprende Trovas… e sonha…
é um rosal despetalado…

Digo tudo sem receio…
Sei amor que não aprovas.
Meu coração retalhei-o
e, de pedaços, fiz Trovas…

Longe de ti triste eu passo,
se vivo mesmo, nem sei…
E, cada Trova que faço
um beijo que não te dei…

Este doce e grande amor,
esta saudade indiscreta,
fizeram de um trovador
o mais tristonho poeta…

Por estar em solidão
tu de mim não tenhas dó.
Com Trovas no coração,
eu nunca me sinto só!

Como dissemos no princípio, não é fácil falar sobre alguém quando a nossa emoção interfere. Não é fácil falar de Luiz Otávio, sabendo que e!e pode estar num canto qualquer deste recinto, sorrindo com certeza de nosso atrevimento de tentar, em alguns minutos, falar de uma vida que levaria outra vida para ser contada. Mas, não faz mal: contamos com a indulgência de Luiz Otávio e, é claro, com a indulgência dos presentes." Até porque, de repente, nos lembramos que para contar quem foi Luiz Otávio, bastariam duas de suas inúmeras Trovas publicadas. Através delas vocês teriam um retrato vivo deste poeta e trovador que foi capaz de plantar uma roseira e faze-la transformar-se no roseiral imenso que hoje ultrapassa as fronteiras deste país. Como dissemos, bastariam estas duas Trovas:

Tirem-me tudo o que tenho
neguem-me todo o valor!
Numa glória só me empenho:
- a de humilde trovador!

Não desejo nem capela
nem mármore em minha cova…
Apenas escrevam nela
pequenina e humilde Trova…

Após este ligeiro esboço do retrato espiritual de LUIZ OTÁVIO, resta-nos completa-lo dizendo que e!e, depois de lutar desesperadamente contra a insidiosa moléstia que o acometeu, e de ver solidamente concretizado o seu grande sonho nacional a UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES; faleceu aos 31 de janeiro de 1977, em Santos, cidade que adotou e da qual recebeu incontáveis manifestações de carinho e apreço, como a Medalha do Mérito Cultural que a Prefeitura daquela cidade lhe outorgou em justa e merecida homenagem póstuma.

Com a sua morte, a Trova ficou de luto, mas continuou florescendo nas Rosas Vermelhas dos inúmeros canteiros que ele espalhou por este Brasil à fora, como símbolo do amor e da paz. Continua vivo nesta Rosa que nem sempre enfeita nossas lapelas, porque a trazemos dentro, definitivamente dentro do coração.

Fonte:
Palestra de Thalma Tavares na União Brasileira de Trovadores/ Seção São Paulo – palestra integrante da Oficina de Trovas ministrada por Izo Goldman, na Oficina da Palavra (Casa Mário de Andrade), em 1991.
Imagem de Luiz Otávio: Desenho de Jaime Pina

terça-feira, 5 de março de 2019

Trova 342 - Aldhiyb Al'Abyad (Maringá/PR)


Teixeira de Pascoaes (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol. 9) IV

IDÍLIO

Sinto que, ás vezes, choras, minha Irmã,
No teu sombrio quarto recolhida...
É que ele vem rompendo a sombra vã
Da Morte, e lhe aparece á luz da vida!

E aflita, como choras, minha Irmã...
Teu choro é tua voz emudecida,
Ante a imagem do Filho, essa Manhã
Em profunda saudade amanhecida.

Silencio! Não palpites, coração;
Nem canto de ave ou mística oração
Um tal idílio venham perturbar!

Deixai o Filho amado e a Mãe saudosa:
O Filho a rir, de face carinhosa,
E a Mãe, tão triste e pálida, a chorar...

DE NOITE

Quando me deito ao pé da minha dor,
Minha Noiva-fantasma; e em derredor
Do meu leito, a penumbra se condensa,
E já não vejo mais que a noite imensa,
Ante os meus olhos íntimos, acesos,
Estáticos, surpresos,
Aparece-me o Reino Espiritual...
E ali, despido o hábito carnal,
Tu brincas e passeias; não comigo,
Mas com a minha dor... o amor antigo.

A minha dor está contigo ali,
Como, outrora, eu estava ao pé de ti...
Se fosse a minha dor, com que alegria,
De novo, a tua face beijaria!

Mas eu não sou a dor, a dor etérea...
Sou a Carne que sofre; esta miséria
Que no silêncio clama!
A Sombra, o Corpo doloroso, o Drama...

NOITES EM CLARO

Passas em claro as noites a chorar;
Dia a dia, teu rosto empalidece...
Faze tu, pobre Mãe, por serenar,
Santa Resignação sobre ela desce!

Rochedo que a penumbra desvanece,
Tu, por acaso, não lhe podes dar
Um pouco desse frio que entorpece
O coração e o deixa descansar?...

Jamais! Não há remédio! Nem as horas
Que passam! Toda a fria noite choras;
Tua sombra, no chão, é mais escura.

Sofres! E sinto bem que a tua dor,
Como se fora um beijo, aceso amor,
Vai-lhe aquecer, ao longe, a sepultura.

DUAS SOMBRAS

Pelas tardes divinas,
Quando a cor se dissolve em lágrimas douradas,
Eu vejo duas Sombras pequeninas,
Andando de mãos dadas.

Como duas crianças que elas são,
Percorrem, a brincar,
Esta minha infinita solidão;
E estático e suspenso, eu fico a olhar, a olhar...

Bate-me o coração; caminho... Na distância,
Através do crepúsculo divino,
Vejo a Sombra infantil da minha infância
E a Sombra do Menino!

E delas me aproximo; e paro; tenho medo
De as ver fugir, assim...
Seus Vultos de quimera e de segredo
Tremem diante de mim...
E como se parecem!
O mesmo adeus no olhar, o mesmo rosto e altura...
E ao pé delas as coisas se enternecem,
E este meu coração aberto em sepultura.

Durante a tua vida, meu Amor,
Quantas vezes, ao ver-te, imaginava
Olhar de perto, a minha infância toda em flor!
E ainda mais: pensava
Que eras a minha própria Infância novamente,
Mesmo diante de mim, ressuscitada
E brincando comigo alegremente,
Nesta velha Paisagem bem amada,
Terra da meia noite, alma do outono...
Nesta casa velhinha, evocadora,
Tocada de luar, de sombra e de abandono,
Da alegria de outrora...
E por isso, no dia em que morreste,
Quando tudo era lágrima, a distância,
Coração, duas cruzes padeceste;
Duas mortes sofreu a minha infância.

LÁGRIMA

Bate-me o luar na face, e o meu olhar
Em lágrima saudosa se condensa...
Vejo-a diante de mim, como suspensa
Na sombra do ar.

E em seu líquido seio de esplendor,
Tua Imagem começa a alvorecer,
Pois toma corpo e vida no meu ser,
Quando a beija, sorrindo, a minha dor...

Ébria do teu espirito sagrado,
A radiosa lágrima estremece,
Enquanto a minha face empalidece
E o luar e a noite cismam ao meu lado...

E a comovida lágrima crepita...
Relâmpago de dor... E nada vejo;
Pois nela está presente o meu desejo
E a minha vida frágil e infinita.

E a lágrima cintila, num adeus...
E, desprendida de meus olhos, ei-la
Já distante, no espaço: é nova estrela
Subindo aos céus...

Fonte:
Teixeira de Pascoaes. Elegias. 1912.

Contos e Lendas do Mundo (China: Os Três Tigres)

por Xu Fang

Nos últimos anos, nossa aldeia foi infestada por tigres, que devoraram muitas pessoas, mais do que se conseguiria contar. Viajantes que passavam por aqui diziam que isso acontecia também no resto da China.

Segundo muitos, os tigres errantes seriam enviados do céu, encarregados de procurar aqueles que tinham conseguido escapar do seu encontro com uma morte violenta. Outros afirmavam que debaixo da pele do tigre se escondem demônios ferozes, espíritos vingadores no estado de furor extremo. A verdade pode existir nessas duas explicações, mas nenhuma  é tão estranha como a do velho Huang.

O velho Huang morava em Mixi, a alguns quilômetros do distrito de Qiao. Ele tinha três filhos grandes na força da idade. Na primavera daquele ano, ele ordenou que eles fossem lavrar o campo nas colinas e durante muitos dias eles saíam bem cedo e voltavam no fim da tarde.

Um dia um vizinho disse ao Huang:

— Teu roçado está cheio de mato.

— Como pode ser? - respondeu o velho Huang. Meus filhos passam lá, trabalhando o dia inteiro.

— Parece que não! -  respondeu o vizinho.

Intrigado, Huang decidiu seguir seus filhos. Na manhã seguinte, foi atrás deles. Logo que chegaram no bosque, no pé da colina, eles tiraram a roupa e a penduraram em galhos de árvore. Depois se transformaram em tigres, pulando e dando terríveis rugidos.

Aterrorizado, o velho Huang voltou depressa para a aldeia. Ele contou ao seu vizinho o que tinha visto e depois se trancou dentro de casa.

De noite, seus filhos voltaram. Esperaram muito, diante da porta fechada, mas ninguém respondia quando chamavam. No fim, o vizinho saiu e explicou que seu pai os renegava, depois do que tinha visto no bosque.

— O que ele viu foi verdade! -  reconheceram os rapazes. - Mas não fazemos assim por nossa vontade. É o mestre dos Céus que nos obriga.

Em seguida, o mais velho chamou seu pai.

— Pai, como poderíamos ser ingratos com o senhor? Sua bondade para conosco é sem limites. Ficamos desesperados por termos sido escolhidos já há tanto tempo para esse papel funesto. Nos últimos dias corremos por montes e vales, na esperança de encontrar alguém para pegar nosso lugar, porque não aceitamos a sorte que nos foi reservada. Não deu certo. Agora, mesmo com o senhor sabendo o que está acontecendo, não podemos desobedecer as ordens. No bolso de cima do meu casaco, pai, tem uma caderneta. Pega essa caderneta, pai, senão o senhor está perdido, e teremos nós três aqui assinado sua sentença de morte.

O velho Huang pegou a lamparina e procurou no bolso de cima do casaco, de onde tirou a caderneta. Ele leu os nomes de todos aqueles que, no distrito, deviam ser mortos pelos tigres. Seu nome vinha em segundo lugar na lista.

— O que podemos fazer? — gritou, desesperado.

— Abre a porta, respondeu o mais velho. Acho que tem uma saída.

O velho Huang abriu a porta. O filho mais velho pegou a caderneta, e os três filhos, retendo os soluços, inclinaram-se diante do pai. Depois disseram:

— Que seja o destino do Mestre dos Céus. Agora, pai, veste quatro ou cinco calças e camisas, uma por cima da outra, mas não afivela o cinto. E agora, reza ajoelhado. Temos um jeito de salvá-lo.

O velho Huang obedeceu. Nem bem tinha se ajoelhado, seus três filhos já tinham virado tigres e caíram sobre ele com as garras afiadas. Com patadas e dentadas, cada um arrancou uma camada das roupas e foram embora rugindo, com farrapos de roupa na garganta.

Nunca mais eles foram vistos na aldeia, e o velho ainda hoje mora no mesmo lugar.

Fonte:
http://www.capparelli.com.br/contos.php

Andréa Motta (Lançamento de Livro dia 26 de março)

Andréa Motta e Nogue Editora, convidam para o lançamento do livro de poesias Natureza Íntima, no dia 26 de março de 2019, à 17h, no Centro de Letras do Paraná (Rua Fernando Moreira, 370 - Centro. Curitiba-Paraná).

É um livro com poemas curtos, mas profundos.

Será uma imensa alegria, contar com sua honrosa presença.


domingo, 3 de março de 2019

Lydia Lauer ( ???? - 2004)


Abre a gaiola, menino,
deixa o pássaro voar.
Deus lhe deu este destino:
ramos verdes, sol e o ar.

A casa da minha sogra.
é lugar onde me escondo.
ninguém me pega, nem logra
em casa de marimbondo.

A droga muito entusiasma
menino inexperiente,
fazendo dele um fantasma,
um malvado e dependente.

A espuma do mar é doce,
mesmo ele sendo salgado,
o inventor fez com que fosse
sem sal o doce inventado.

A mulher é descansada!...
Preguiçosa é o que ela é,
pois faz sempre bem sentada
o que o homem faz em pé.

Ao dormir, os animais
permanecem sempre alerta.
Os homens e os ancestrais
só roncam de boca aberta.

Aqui vai um grande abraço,
num cacho do meu carinho
que, enrosquilhado num laço
tem cor e gosto de vinho.

Barata na marmelada
na banca do seu Abreu
chora, toda lambuzada
o “barato” que morreu.

Com meu olhar distraído
mal noto a vida danando,
num palco já escurecido
com a cortina fechando.

Cor: amarelo vibrante
Sabor: espetacular
Espuma: branca, constante.
Cerveja: bem de-va-gar.

Cumpre o dever com cuidado
que é uma nobre lei cristã.
O tempo desperdiçado
vai fazer falta amanhã.

Disse o tomate à banana,
ele que era só um fedelho:
- Não tire a roupa bacana,
que fico todo vermelho.

É fácil criar a trova.
Basta rimar a receita:
ter bom ritmo, ideia nova,
metrificação perfeita.

É inverno de manhãzinha...
campo branco de geada...
Chimarrão? Lá na cozinha,
onde a porta é franqueada.

Ela deixou sobre a mesa,
numa folha de papel,
cruel adeus... que vileza!
Uma flor e o meu anel.

Envolvido na emoção
e esplendor deste luar,
meu amor, peço perdão
se esqueci de te beijar.

Este poncho esfarrapado
é uma bandeira pra mim.
Na refrega desfraldado
acompanhou-me... até o fim.

É uma estação de lamentos,
tem um jeito de abandono.
Folhas cansadas de ventos
morrem no peito do outono.

Eu sou um barco sem leme
na falta da sua mão.
Sem apoio, a minha treme,
procurando amparo em vão.

Há, na enseada da vida,
três caravelas no cais:
Uma, esperança perdida
Duas, sofrendo demais.

Lua cheia na varanda,
suave aroma de flor
é a inspiração que comanda
a lira do trovador.

Luz modesta e pequenina
de valor raro, puríssimo
é a chama da lamparina
acompanhando o Santíssimo.

Minha mãe é tão velhinha,
delicada, carinhosa,
tem a cabeça branquinha,
mas o frescor de uma rosa.

Minha mãe quando mocinha
em cuidados e desvelos,
com a flor que mais convinha
enfeitava seus cabelos.

Nariz vermelho, gelado,
no inverno mal aguento.
É claro, segue pelado
na frente cortando o vento.

No verão, na minha terra,
vem mosquito safadão.
Faz zum... zum... e depois ferra.
deixa marca e comichão.

O bigode do compadre
vai ficar para depois.
Falo só no da comadre,
pois que vale pelos dois.

O biquíni no varal
balançando o dia inteiro
sem querer faz muito mal
aos rapazes do mosteiro.

O careca inteligente
que se salva como pode
não dá bola, vai em frente,
de cavanhaque e bigode.

O ciúme bem dosado
é uma taça de licor,
meio amargo, mas rosado,
numa bandeja de amor.

O ciúme pediu prazo
junto ao tribunal do amor.
O juiz deu fim ao caso
na solitária da dor.

O meu clone certo dia,
lá no céu tentou entrar,
mas, sem a carta de alforria,
São Pedrinho o fez voltar.

O meu marido pinguço
é feio como a desgraça
pobre, careca, dentuço,
e se afunda na cachaça.

O trovador se liberta
compondo versos risonhos.
É assim... uma porta aberta
nos paraíso dos sonhos.

O vento levou meu sonho,
rodopiou com vontade,
fez meu coração tristonho,
pergaminho da saudade.

Parabéns ao tropeirismo
por desbravar nossa terra,
pelejador do civismo
que faz conquista sem guerra.

Praia sem graça é aquela!
Só tem cara cabeludo,
pirralho feio e magrela
e velha mostrando tudo.

Praia!... Sol! Manhã risonha!
O ar vai ficando quente.
Ah! biquíni sem vergonha!
Não hã cristão que te aguente!

Quando não puder bater,
em teu peito o coração,
salva a vida de outro ser
na sublime doação.

Realidade da vida
que fica atrás da cortina,
liberal ou proibida,
é sempre a que mais fascina.

Roda do tempo girando,
no espaço largo sem fim
é como um disco gravando
a vida dentro de mim.

Se falar, tenha certeza.
Não diga palavra oca.
São joias da natureza
o que sai da sua boca.

Se no lugar por onde passas,
deixares bens e carinhos.
encontrarás também graças
e amores nos teus caminhos.

Solta a barca pescador!
Vai ao mar pescar com ela.
Fica em terra teu amor
aguardando na janela .

Tudo temos de pagar:
o pão, a roupa, a cachaça...
e quem não se conformar,
nem no céu entra de graça.

Uma estrelinha cadente
encontrou seu namorado.
Deu-lhe um beijo incandescente
e um abraço enluarado.

Vai caravela perdida,
nos grandes mares distantes,
como pétala esquecida
na saudade dos amantes.