quinta-feira, 25 de abril de 2019

II Troféu "Camões de Literatura" - para as Academias de Letras do PR (Prazo 28 de maio)


Conselho Estadual da Comunidade Portuguesa do Paraná
CECPP
(fundado em 6 de março de 1981)

 
CONCURSO DE OBRAS DE ACADÊMICOS
2019

Definição:
Concurso de  obras publicadas por acadêmicos  envolvendo a valorização da Língua  Portuguesa e de obras, caso hajam,  que envolvam Luiz Vaz de Camões, serão também aceitas.

Objetivo:
Divulgar obras de acadêmicos envolvendo a valorização da Língua Portuguesa e avaliar a capacidade criativa de talentos literários.

REGULAMENTO
1 – Participantes: Acadêmicos pertencentes a Academias de Letras situadas no Estado do Paraná.

1.1 – As Academias de Letras deverão encaminhar o nome de apenas um acadêmico acompanhado de currículo e de sua obra, escolhido dentre os confrades e confreiras.

1.2 -As Academias de Letras deverão enviar, junto com a indicação do acadêmico escolhido, um resumo da importância dos trabalhos do autor para a Língua Portuguesa, ressaltando, caso haja, obra ou obras do autor que destacam a figura de Luiz Vaz de Camões.

1.3Não poderão participar membros do Conselho Estadual da Comunidade Portuguesa pertencentes a uma das  Academias de Letras inseridas no Estado do Paraná, bem como seus parentes próximos.

2 – Identificação
 2.1 – O envelope  com os nomes dos acadêmicos escolhidos e  as devidas obras deverão ser endereçados ao Conselho Estadual da Comunidade Portuguesa do Paraná  – CECPP, aos cuidados da Presidente Maria Inês Botelho, residente à Rua Luiz Rezende, nº 1009, Jardim Bela Vista – Mandaguari (PR), CEP: 86.975-000.

 3 – Prazo
3.1 - O prazo para postagem do envelope tem data limite até 28 de maio de 2019, considerada a data carimbada pelo serviço postal.

4 – Seleção
4.1 – A Comissão  que avaliará e classificará a  obra  apresentada  será constituída por pessoas idôneas e capacitadas, indicadas pelo CECPP.

5 – Premiação
5.1 – Será entregue o II Troféu “Camões de Literatura” em  reunião prevista para tal fim, no Centro Português de Maringá, sito à Rua Luiz de Camões, nº136, centro, Maringá (PR), em dia e hora a ser divulgado, posteriormente, ao acadêmico vencedor e à Academia na qual está inserido.

5.2 - Aos demais acadêmicos participantes será entregue certificado de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido em prol da literatura e da língua portuguesa.

6 – Disposições Finais
6.1 – As obras de acadêmicos selecionadas pelas Academias respectivas integrarão o acervo do Conselho Estadual da Comunidade Portuguesa do Paraná – CECPP.

6.2 – O Conselho Estadual da Comunidade Portuguesa do Paraná – CECPP
 reserva o direito de divulgar as obras recebidas sem prévia autorização de seus autores.

6.3 – Não haverá apelação às decisões da Comissão.

6.4- As Academias e autores inscritos comprometem-se na aceitação deste Regulamento, na íntegra.

6.5 – Os  documentos e obras enviadas pelas Academias de Letras do Estado do Paraná em desacordo com este Regulamento serão desclassificados.

Mandaguari (PR), 23 de abril  de 2019
   Conselheira Maria Inês Botelho
Presidente

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Ficha de Inscrição


Conselho Estadual da Comunidade Portuguesa do Paraná
CECPP

Fundado em 6 de março de 1981


1. Nome da Academia de Letras:

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    2.  Acadêmico participante:

2.1. nome:

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2.2. nome da obra:

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3 . Observações:

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Assinatura do (a) Presidente da Academia
 

terça-feira, 23 de abril de 2019

Monteiro Lobato (A vida em Oblivion: Os três livros)


1908

A cidadezinha onde moro lembra soldado que fraquejasse na marcha e, não podendo acompanhar o batalhão, à beira do caminho se deixasse ficar, exausto e só, com os olhos saudosos pousados na nuvem de poeira erguida além. Desviou-se dela a civilização. O telégrafo não a põe à fala com o resto do mundo, nem as estradas de ferro se lembram de uni-la à rede por intermédio de humilde ramalzinho.

O mundo esqueceu Oblivion, que já foi rica e lépida, como os homens esquecem a atriz famosa logo que se lhe desbota a mocidade. E sua vida de vovó entrevada, sem netos, sem esperança, é humilde e quieta como a do urupê escondido no sombrio dos grotões.

Trazem-lhe os jornais o rumor do mundo, e Oblivion comenta-o com discreto parecer. Mas como os jornais vêm apenas para meia dúzia de pessoas, formam estas a aristocracia mental da cidade. São “Os Que Sabem”. Lembra o primado dos Dez de Veneza, esta sabedoria dos Seis de Oblivion.

Atraídos pelas terras novas, de feracidade sedutora, abandonaram-na seus filhos; só permaneceram os de vontade anemíada, débeis, faquirianos. “Mesmeiros”, que todos os dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada prosperidade, lamuriam do presente e pitam – pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo.

Entre as originalidades de Oblivion uma pede narrativa: o como da sua educação literária.

Promovem-se três livros venerandos, encardidos pelo uso, com as capas sujas, consteladas de pingos de vela – lidos e relidos que foram em longos serões familiares por sucessivas gerações. São eles: La mare d’Auteuil, de Paulo de Kock, para o uso dos conhecedores do francês; uns volumes truncados do Rocambole, para enlêvo das imaginações femininas; e Ilha maldita, de Bernardo Guimarães, para deleite dos paladares nacionalistas. O dono primitivo seria talvez algum padre morto sem herdeiros. Depois, à força de girarem de déu em déu, esses livros forraram-se à propriedade individual. Quem, por exemplo, deseja ler o Rocambole diz na rodinha da farmácia:

– Onde andará o Rocambole?

Informam-no logo, e o candidato toma-o das mãos do detentor último, ficando desde esse momento como o seu novo depositário. Processo sumaríssimo e inteligente.

Quando se esgotou a minha provisão de livros e, ignorante ainda da riqueza literária da terra, deliberei decorrer ao estoque local, dirigi-me a um dos Seis. O homem enfunou-se de legítimo orgulho ao dar-me os informes pedidos.

– Temos obras de fôlego, poucas mas boas, e para todos os paladares. Gênero pândego, para divertir, temos, “por exemplo”, La mare d’Auteuil, de Paulo de Kock. Impagável!

– Obrigado. De Koch, nem a tuberculina.

– Temos o célebre Rocambole, “gênero imaginoso”; infelizmente está incompleto; faltam uns dezessete volumes.

– Não me serve o resto.

– E temos uma obra-prima nacional, a Ilha maldita, do “nosso” Bernardo Guimarães.

Parando aí o catálogo, era forçoso escolher.

No concerto dos nossos romancistas, onde Alencar é o piano querido das moças e Macedo a sensaboria relambória dum flautim piegas, Bernardo é a sanfona. Lê-lo é ir para o mato, para a roça – mas uma roça adjetivada por menina de Sion, onde os prados são amenos, os vergéis floridos, os rios caudalosos, as matas viridentes, os píncaros altíssimos, os sabiás sonorosos, as rolinhas meigas. Bernardo descreve a natureza como um cego que ouvisse contar e reproduzisse as paisagens com os qualificativos surrados do mau contador. Não existe nele o vinco enérgico da impressão pessoal. Vinte vergéis que descreva são vinte perfeitas e invariáveis amenidades. Nossas desajeitadíssimas caipiras são sempre lindas morenas cor de jambo.

Bernardo falsifica o nosso mato. Onde toda a gente vê carrapatos, pernilongos, espinhos, Bernardo aponta doçuras, insetos maviosos, flores olentes. Bernardo mente.

Mas como mente menos que o Paulo de Kock ou o truculento Ponson, pai do Rocambole, escolhi-o.

Veio o livro. Volume velho como um monumento egípcio e como ele revestido de inscrições. Cada leitor que passava ia deixando o rastro gravado a lápis.

“Li e gostei”, dizia um, “Li e apreciei”, afirmava certa senhorita. Inscrição quase em cuneiforme rezava “Fulano leu e apreciou o talento do grande escritor brasileiro”. Outro versificava: “Já foi lido – Pelo Walfrido”. Tal moça notara parcimoniosamente: “Li” e assinou. Um amigo da ordem inversa pôs: “Li e muito gostei”.

Houve quem discordasse. “Li e não gostei”, declarou um fulano. O patriotismo literário dum anônimo saiu a campo em prol do autor: “Os porcos preferem milho a pérolas”, escreveu ele embaixo. Monograma complicadíssimo subscrevia isto: “O Rocambole diverte mais”.

E assim, por quanto espaço em branco tinha o livro, margens ou fins de capítulo, as apreciações se alastravam com levíssimas variantes ao sóbrio “Li e gostei” inicial. Havia nomes bem antigos, de pessoas falecidas, e nomes das meninas casadeiras da época.

Os intelectuais de Oblivion bebiam à farta naquela veneranda fonte. Em Bernardo abeberavam-se de “estilo e boa linguagem”, conforme afirmou um; no Rocambole truncado exercitavam os músculos da imaginativa; e no Paulo de Kock, os eleitos, os Sumos (os que sabiam francês!) fartavam-se da grivoiserie permitida a espíritos superiores.

Essa trindade impressa bastava à educação literária da cidade. Feliz cidade! Se é de temer o homem que só conhece um livro, a cidade que só conhece três é de venerar. Veneração, entretanto, que não virá, porque o mundo desconhece totalmente a pobrezinha da Oblivion…

segunda-feira, 22 de abril de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) VII


DECLARAÇÃO DE AMOR

Não te recordas mais? - Dois anos são passados
após aquela noite clara, e aquele mar
que espraiando distante, ouvir nos fez, calados,
os segredos de amor que estava a murmurar.

Nós dois -  Quanta saudade!... Os braços enlaçados
fitávamos sonhando, o azul, cheio de luar,
- e os grãozinhos, de luz, no céu, pulverizados,
numa estrada que além... fugia ao nosso olhar...

- Que mais?... Tudo era belo - e no íntimo casando
a beleza do espaço à beleza da terra
não pude me conter, e os olhos teus fitando

disse: " Que mar feliz!... Que infinito esplendor!...
Que pode haver maior que o céu que tudo encerra
mais belo que esta noite?... E tu disseste: "o amor!"

DEDICATÓRIA N.1

Este meu livro é todo teu, repara
que ele traduz em sua humilde glória
verso por verso, a estranha trajetória
desta nossa afeição ciumenta e rara!

Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara
tanta coisa afinal na nossa história...
E este verso – é a feliz dedicatória...
onde a minha alma inteira se declara...

Abre este livro... E encontrarás então
teu coração, de amor, rindo e cantando,
cantando e rindo com o meu coração...

E se o leres mais alto, quando a sós,
é como se estivesses me escutando
falar de amor com a tua própria voz!

DEDICATÓRIA N.2

 Para você, - amigo ou amiga -
que encontraram a minha poesia na rua,
pouca e pobre,
e a adotaram, e a recolheram ao coração...
Todo o meu reconhecimento por essa louca
e nobre ação.

Em nome da minha poesia
agradeço-lhes a pura alegria,
muito mais que alegria: comunhão!

Que é comunhão ou alegria
encontrar quem nos compreenda
quem nos estende a mão

quem partilhe conosco pão e música
na mesma canção.

DERRADEIRA INSPIRAÇÃO

Este é o último verso onde talvez
a tua imagem seja percebida,
- o instante derradeiro em que te vês
a inspirar o meu verso e a minha vida...

Guarda-o depois das linhas que tu lês
morrerás... e hás de ser sempre esquecida...
- não tornarei sequer uma só vez
a falar na lembrança mais querida...

Este é o último adeus que ainda te dou,
- termina aqui a imensa trajetória
que o teu destino sobre o meu traçou...

Daqui por diante... avançarei sozinho,
e nunca mais te encontrarás na história
dos versos que fizer em meu caminho!

DESFOLHANDO

Essa boca, pequena, e assim vermelha,
que ao botão de uma rosa se assemelha,
- quanta vez provocava os meus desejos
desabrochando em flor entre os meus beijos...

Essa boca, pequena e mentirosa,
que diz, tanta mentira cor-de-rosa,
- era a taça de amor onde eu saciava
toda a ansiedade da minha alma escrava ...

Beijando-a, compreendia que eras minha...
Meu amor transformava-te em rainha,
teu amor me fazia mais que um rei...

Agora, tu fugiste... E eu sofro, quando
vejo um outro em teus lábios desfolhando
a mesma rosa que eu desabrochei!...

DESPERTANDO

Escancaro as janelas para o dia
nessa manhã de sol, quente e sadia,
em toda a sua intensa claridade...
E a alma da sombra é expulsa, ante a alegria
da luz que em jorros o meu quarto invade...

E eu vendo luz... Pensei: - ah! Se eu pudesse
- essa minha alma tão sombria e triste,
abrir ao sol que lá por fora existe
dourando as coisas e tornando-as belas!...

E fiquei a pensar: - ah! Se eu pudesse
abrir minha alma aos céus como as janelas!...

DESPETALANDO

Vou traçando estes versos displicentemente

A mão vai caminhando a esmo no papel
como um bêbado andando pela rua
a acompanhar seus passos distraídos...

Vou traçando estes versos indolentemente...
e eles traduzem... vagos... preguiçosos
as saudades e os gozos
que ficaram ressoando em meus sentidos...

Arranco-os... são pedaços de mim mesmo
cheios de ti, de ti que estás presente
dentro do meu amor,

vou traçando-os assim, bem displicente,
a esmo,
- despetalando tudo o que a minha alma sente
como quem despetala alguma flor!...

DIGO QUE ESQUEÇO

Creio que te esqueci... de agora em diante
já não há nada entre nós dois, não há,
- achaste-me orgulhoso e intolerante
e eu te achei menos fútil do que má...

Foi um momento só... foi um instante
essa nossa ilusão, e hoje, onde está
aquele amor inquieto e delirante?
- Bem que pensava: - é falso! morrerá!

Sinto apenas que tenha te adorado,
e que hoje sofra em vão, inutilmente
procurando apagar todo o passado...

Digo que esqueço... que não penso em ti!
- Mas não te esqueço nunca, e justamente
porque fico a pensar que te esqueci.

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Leandro Bertoldo Silva (O Menino que Aprendeu a Imaginar)



O livro O menino que Aprendeu a Imaginar já está com data de lançamento confirmada para o dia 30 de abril de 2019, em Padre Paraíso/MG, às 19 horas.
  
O livro O MENINO QUE APRENDEU A IMAGINAR traz a reflexão da fantasia e do lúdico na vida das crianças, a importância de enxergar o mundo através das histórias e de se interagir com o outro através da arte e das simplicidades.

O livro tem o propósito de resgatar o poder criativo da criança, fazer o adulto revisitar suas lembranças e memórias dos tempos em que um simples barquinho de papel era motivo de muitas aventuras num dia de chuva… E o que dizer daquela professora que foi tão importante e faz com que queiramos ser importantes para alguém? E as histórias contadas ao redor da fogueira ou do fogão de lenha… Quem nunca se imaginou viajando pelos lugares e vivendo aventuras?

O MENINO QUE APRENDEU A IMAGINAR sou eu, é você, são nossos filhos e filhas, nossos netos e netas, nossos alunos, nossos pais, nossos avós que, por algum motivo, precisamos todos reaprender a reconectar com nossa criança, nosso Ser e nossa essência.

E então, vamos acordar os sonhos, pois um dia nunca é igual ao outro para quem tem um livro nas mãos…

SINOPSE

Chateado por não ter nada de diferente para fazer, Oswaldo fica dentro do seu quarto cheio de lamentações quando um grande livro de histórias que fica bem no alto da estante cai “sozinho” no chão. O susto, já enorme, aumenta ainda mais quando o menino percebe que não foi um acidente, mas obra do seu brinquedo predileto: um lindo palhacinho de roupas coloridas e chapéu de guizos.

Gesticulando e dando mil cambalhotas, o palhacinho conduz Oswaldo a mundos que ele não conhecia, como a casa de um caçador onde entra, disfarçado de menino, o temível bicho Mapinguari; Vê a chuva cair lá fora levando nas enxurradas um barco de papel e, dentro dele, uma criança cheia de imaginação; E o que dizer de uma professora bem diferente ao apresentar à turma o seu amigo Geógrafo, um Atlas falante?

Repleto de surpresas, a história reserva ainda uma muito maior no final que, certamente, fará meninos, meninas e até adultos terem outros olhos para a leitura e para os livros.

A história base desse trabalho foi publicada na revista AMAE Educando, em 2009, em Belo Horizonte, teve uma montagem de teatro e ganha agora em livro publicado pela Alforria Literária uma nova estrutura e conceito, inclusive nas ilustrações feitas por Adilson Amaral – psicólogo e artista do Vale do Jequitinhonha – trazendo uma proposta que dialoga com a importância da imaginação a partir da leitura e das imagens não sugestionadas para que o leitor crie a sua própria realidade.

Um livro escrito com um grande carinho, não apenas por ser o primeiro infanto-juvenil do autor, mas por se basear em sua própria história de vida e no que acredita.

Fonte:
https://arvoredasletras.com.br/

Vinicius de Moraes (Cãibra)



 Um cacho de gente pendura-se ao meu lado, do estribo do bonde descendo a Presidente Vargas em demanda da Central. Na ponta do cacho, como uma banana não prevista, um mulatinho segura-se ao bonde por apenas dois dedos de cada mão. Numa hora lá, ouço-o dizer:

- Puxa, que cãibra!

Olho a penca humana do meu lugar à ponta do banco. Tenho à minha esquerda um velho que cochila, com toda a pinta de funcionário da Central, os punhos puídos e a gravata desfiando no nó. À minha frente há uma mulata gorda, de pé, ou melhor, no seu impressionante posterior, Vejo, nas caras à minha volta, sinais de imemorial fadiga e paciência, Dir-se-ia que estamos na Índia. A cor de todo mundo é a da desnutrição e da desesperança. Há poucos rostos escanhoados. Muitos olhos trazem sinais de conjuntivite crônica e paira um ar geral de avitaminose dentro do elétrico a transportar lentamente a sua carga humana para a cidade. O sol bate a pino no cacho pendente, como a querer amadurá-lo à força, e rapidamente. Lá de fora chega-me novamente a voz, meio aflita:

- 'Tou com uma cãibra!

Mas ninguém dá atenção. O bonde prossegue um pouco mais, eu de olho no mulatinho de cara contraída, os braços elásticos a abraçar de fora a penca de homens de cerrada catadura. "Ele vai cair..." penso comigo. Mas logo depois acho que não, que ele aguenta mais um pouquinho, porque já por estas alturas estamos atingindo a antiga praça Onze, onde há um ponto de parada. Mas a voz chega novamente, aflitíssima, enquanto eu vejo os dedos do mulatinho com as pontas brancas de esforço, agarrados como garras ao balaústre:

- Não aguento mais essa cãibra!

A queda veio em seguida, mas o "roxinho" era muito safo. Apesar de cair de costas, ele aproveitou o movimento, girou numa espetacular pantana e pôs-e de pé. Foi evidentemente sorte sua o bonde estar a fraca velocidade.

Vi-o ainda sacudindo o braço da cãibra que o tomara, sem qualquer sinal aparente de ferimento ou choque. O seu substituto no cacho ficou olhando, o corpo estirado para fora do bonde, e comentou meio para si mesmo:

- O homem devia 'tar com uma cãibra...

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1966.