quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 133


Elisa Alderani (Natal Tropical)


Já há tempo moro no Pais tropical,
quando chega Natal, sinto tristeza...
voltam com certeza as lembranças
tão queridas dos tempos passados
na minha tão amada Terra natal...

Estou no meio do caminho...
São quarenta Natais italianos
mais quarenta brasileiros...
Natal tropical já virou costume
neve e gelo parecem esquecidos
mas, para mim, Natal verdadeiro!

Lá precisava aquecer casa,
carro, e todos os lugares...
aqui precisa refrescar...O resultado é igual...
Chega o Natal... Presentes ... Festas...
Árvore decorada. Papai Noel... Shopping...

E o sentido do Santo Natal?
Parece perdido...
Precisa encontrar o Menino Jesus...
Vamos à procura Dele?
A estrela ainda brilha no Céu !
Aquecer o coração com a Sua presença
doando Amor, fraternidade e  perdão!

Fonte:
Poema enviado pela poetisa.
Imagem de fundo do Papai Noel obtida em Amo Frases

Contos e Lendas do Mundo (Nação Tupinambá: Terra, Fogo e Água)


Existem, espalhados por esse mundo, muitos mitos e histórias que falam de grandes cheias que representam uma segunda oportunidade para a humanidade. Este mito dos Tupinambás é uma história que fala da Terra, do fogo e da água.

No tempo em que o planeta era completamente plano, sem a menor colina, vale ou montanha à vista, a terra estendia-se a perder de vista. Não havia mares nem oceanos, apenas o número suficiente de lagos para fornecer a água de que as pessoas necessitavam para beber e as árvores para crescer.

Esse mundo, assim como o seu povo, fora criado e cuidado por alguém chamado Monan, que existia antes do princípio de si mesmo, portanto não tinha começo nem fim. Era, é e será sempre.

Monan tratava os humanos como crianças mimadas e deixava-os fazer o que queriam, desde que o respeitassem como seu criador, assim como à Terra, que fizera para nela viverem.

No começo, tratava-se de uma situação satisfatória. Todos os dias eram dias de descanso e prazer para o seu povo que, no entanto, à medida que o tempo ia passando, se foi tornando ingrato.

- Para que precisamos nós de Monan? - perguntou um, levando um fruto à boca e saboreando a sua doçura pegajosa. - Quem me dera que nos deixasse em paz.

- Temos tudo o que queremos - acrescentou um outro. - Monan não nos serve para nada.

A certa altura, as pessoas começaram a falar mal do seu criador e a criticar o mundo que este fizera para eles.

- Seria melhor que tornasse os dias mais ensolarados - queixou-se um.

- Cá por mim, não eram tão brilhantes - resmungou outro.

- Porque terá o céu este azul tão enfastiante? - lamuriou-se um outro. E o que ainda era pior, houve quem começasse a falar da Terra como se esta tivesse aparecido por acaso... esquecendo-se completamente de Monan.

No início, Monan não ligou importância ao fato. Achava que as ideias disparatadas do seu povo acabariam por passar e que, em breve, todos voltariam a sentir-se gratos como no passado. No entanto, enganava-se.

Monan, preocupado com o rumo seguido por aqueles que criara com tanto carinho, voltou as costas à Terra e aos seus habitantes, deixando-os entregues à vida sem ele. Mas quando o seu comportamento começou a tomar proporções graves, achou que lhe competia pôr termo a tal situação.

Enviou um fogo terrível do céu. Este fogo, chamado Tatá, era tão quente e violento que não só destruiu tudo o que era vivo como também fez com que a Terra se enrugasse e encarquilhasse, dando origem ao que hoje são os montes, vales e montanhas que conhecemos.

Este acontecimento teria representado o fim da humanidade, se Monan não tivesse salvo uma pessoa antes de enviar o fogo. Era-lhe muito penoso destruir todas as suas criações, daí que tenha preservado um homem chamado Irin-Mage.

Irin-Mage olhou para a Terra e viu as chamas subirem cada vez mais alto.

- Quereis que as chamas também destruam o céu e as estrelas? perguntou ao seu criador. - Se não fizerdes nada para as suster, em breve este fogo devastador chegará aqui acima e consumirá o vosso próprio lar!

Monan fez então cair do céu uma chuva abundante como nunca se vira até então nem nunca mais se voltou a ver. A água brotou das alturas em vastas cascatas, extinguindo o fogo de Tatá.

As cinzas do incêndio foram varridas para longe e surgiram então os mares e os oceanos que hoje existem. As águas, ao misturarem-se com as cinzas, tornaram-se salgadas, razão pela qual diferem das dos rios, lagos e ribeiros, alimentados por chuvadas vindas mais tarde.

A Terra, com os seus montes, vales, montanhas, oceanos e mares, parecia até mais bela do que antes.

- Irei pôr-te ali, Irin-Mage - disse Monan. - O teu lugar não é no céu.

- Fico-vos grato - retorquiu o único ser humano que sobrevivera. Além de me salvardes a vida, colocais-me num mundo maravilhoso... apesar de saber que a solidão me será muito pesada por não ter alguém com quem o partilhar.

Monan fitou-o com bondade.

- És um homem bom - disse -, o que me faz feliz por te ter escolhido. Arranjar-te-ei uma esposa com a qual possas partilhar este mundo novo. Tende muitos filhos, pois será de vós que todas as pessoas virão.

Dito isto, Monan colocou Irin-Mage na Terra, juntamente com a sua nova esposa.

O tempo foi passando e Irin-Mage gerou muitos filhos na sua esposa, porém nenhum era tão poderoso como Maira-Monan, assim chamado para homenagear o criador que dera uma segunda oportunidade à humanidade.

Maira-Monan era um feiticeiro poderoso e conhecia todos os segredos da Natureza. Gostava de viver longe de todos; no entanto, partilhava muitos dos seus segredos com os outros, tornando assim mais fácil a vida na Terra. Transmitiu às pessoas o segredo do fogo e ensinou-as a cultivar as suas próprias safras.

Os poderes de Maira-Monan eram, no entanto, muito superiores. Foi ele que transformou os animais em todas as diferentes espécies que hoje conhecemos. Quando Monan colocou os pais de Maira-Monan na Terra, depois do fogo e da cheia, forneceu-lhes muitos tipos diferentes de árvores e plantas; porém, os animais eram todos iguais. Foi Maira-Monan que, servindo-se das suas artes, os tornou diferentes uns dos outros, criando tatus, garças, piranhas, abutres, entre uma miríade de outros. Encheu a terra, a água e o ar de vida.

Algumas pessoas - naquela altura já eram muitas - tinham medo de Maira-Monan.

- Que ele queira criar todos esses tipos diferentes de animais não tem importância - comentou uma mulher. - O pior é se ele decide focar a sua atenção em nós. E se resolve achar que devemos ter uma forma diferente?...

- Ou outra cor, ou tamanho? - concordou o marido.

- E se ele achar que devemos viver no oceano como se fôssemos peixes? Quem é que irá fazer-lhe frente? - perguntou a mulher. É demasiado poderoso.

- Temos de o impedir que o faça! - exclamou o vizinho.

- Sim - entoaram em coro. - Sim!

Finalmente, traçaram um plano e chamaram Maira-Monan a uma aldeia próxima.

- Ficamo-vos gratos por terdes vindo, grande sábio - saudou o chefe da aldeia. - Temos um pedido a fazer-vos, mas antes disso gostaríamos que demonstrásseis os poderes de que tanto temos ouvido falar.

- Se assim o desejais - acedeu Maira-Monan, filho de Irin-Mage, ignorando a armadilha que lhe preparavam e divertido com a ideia de ter de provar o seu poder. - Que quereis que eu faça?

- Apenas que atravesseis três fogueiras que acendemos para esse fim disse o chefe da aldeia.

- Se isso vos der prazer - aquiesceu Maira-Monan, sendo, então, conduzido até à primeira fogueira.

Caminhou lentamente por entre as labaredas, pisando as brasas incandescentes com as solas nuas dos pés como se não fossem mais do que pedrinhas de arestas afiadas. Saiu do outro lado sem a menor chamuscadela.

- Não sei o que isso poderá provar - observou o grande feiticeiro -, mas estou pronto para a segunda fogueira.

Os aldeãos levaram-no então até à segunda fogueira. Esta continha um feitiço com o qual Maira-Monan não contava. Mal entrara no meio da chamas, vacilou e caiu sobre os joelhos, perante as exclamações de quem assistia. Tê-lo-iam realmente derrotado?

As chamas envolveram Maira-Monan, que desapareceu numa explosão de luz brilhante, à qual se seguiu um estrondo tão violento que chegou aos céus.

Aqueles que o tinham enganado fugiram em pânico, aterrorizados com o que tinham feito, sem saberem se haviam de tapar os olhos ou os ouvidos.

No alto, a explosão chegou a um espírito chamado Tupan, que apanhou o feixe de luz cegante e transformou-o em raios. Quanto ao barulhento PUM, fez dele um trovão. Desse dia em diante, Tupan passou a ser o espírito dos trovões e dos raios.

Portanto, sempre que surge uma tempestade acompanhada de raios e trovões, é em memória de Maira-Monan. Também nos faz recordar a maior de todas as borrascas que o mundo já conheceu, quando o Criador inundou a Terra e deu aos humanos uma segunda oportunidade.

Fonte:
Mitos e Lendas Sul Americanas

Jerson Brito (Sonetos Escolhidos)


A LUA POR TESTEMUNHA
(Sonetilho)

De prata, a seta alumia
Paixão e amor transbordantes
Os corpos loucos, arfantes
A dama vê, luzidia

Argêntea luz presencia
Ledice* de dois amantes
Enlevo os faz suspirantes
Imersos em fantasia

Cenário doce qu'enfeita
Assiste, linda e contente
Sorrindo, faceira, espreita

Momento por demais quente
Testemunha, satisfeita
A Lua tão reluzente…
__________________________
*Ledice - qualidade do que é ledo; alegria, contentamento.
__________________________
AMOR FUGAZ

Manhã de sol, jardim lindo, vivaz...
Meu pranto rega as rosas sorridentes
porque lembro que tu por mim não sentes
o amor que - não sabia - era fugaz.

Eu molho um beija-flor, aflito assaz,
são lágrimas que caem, insistentes.
Saudade dos teus ósculos ardentes
consome o meu viver cruel, voraz.

As marcas indeléveis dessa história
açoitam o meu peito sofredor
outrora tão feliz, leve, risonho.

Momentos que ficaram na memória
agora só me trazem grande dor,
pois eu ainda os vivo quando sonho.
__________________________

GRITOS DA NATUREZA

Gemidos abafados... Desespero!
Motores insensatos... Vai-se a vida!
A nossa natureza consumida
sem dó nem piedade... Destempero!

Florestas que se vão... Quanto exagero!
O verde cada vez é cor sumida.
Assim, a humanidade está perdida!
Se sobra pouca mata, há entrevero.

Não dá para entender o ser humano:
destrói seu ambiente, a sua casa
querendo agigantar seus capitais.

Parece irracional, por tão insano...
Não sabe que, se em volta tudo arrasa,
as cenas que já viu não verá mais.
__________________________

NUVEM DOS MEUS ENCANTOS

Oh, nuvem serena de toque macio
Às mãos tão suaves que apalpam maçã
Entrego-me inteiro em total desvario
Sentindo a magia da mais fina lã

O vento te traz em festivo assobio
Eu me refastelo na linda manhã
Aqueço minh'alma, domino meu frio
Tu és dos encantos jeitosa artesã

Eu quero em teus braços fazer meu abrigo
Dos sonhos dourados o doce recanto
Qualquer das veredas que trilhes eu sigo

Afagos gostosos, sem par acalanto
Eu tenho deveras estando contigo
E disso resulta um feliz, alto canto
__________________________

O JARDIM DOS SONHOS

Na firme relva dos meus sonhos eu caminho
Por entre cores e perfumes fascinantes
Noto sorrirem meus sentidos radiantes
Embriagados pelo enleio, um nobre vinho

Me cumprimentam joias lindas, odorantes
Vejo bailar no céu cantor longe do ninho
A melodia rara entoa o passarinho
Puro deleite a me tomar, doces instantes

Metamorfoses concluídas, matizadas
Dão mais beleza àquela cena já sublime
Plena de paz e harmonia abençoadas

Torpor, delírio, sei que em vão é tal pedido
Mas vou rogar que o despertar não se aproxime
Chegando, em breve quero estar adormecido
__________________________

PEDRA PRECIOSA

Explorador que sou encontro a mina
A reluzir me surge a joia rara
Meu coração, ao contemplar, dispara
Tanta a beleza que seduz, fascina

Tesouros lindos, explosão de brilhos
D'alta pureza a encantar o andante
Me vejo atônito naquele instante
Por um momento abandonei os trilhos

Em regozijo e dessa luz mui pleno
Logrei partir pr'a sideral viagem
Na qual notei o quanto és formosa

Felicidade, em venturoso aceno
Sorriu pra mim por meio dessa imagem
O teu olhar é pedra preciosa
__________________________

RETRATO DE UMA PAIXÃO

Meu coração flechado, incandescente
Em brasa, é só paixão, não se consome
Quanto mais queima, mais ele tem fome
Da tua chama forte e mui ardente

Mergulho em rio de fogo... Que Profundo!
Voraz a me sugar por caudaloso
Intenso, sedutor, misterioso
Império da emoção... Oh, lindo mundo!

Das armas do prazer disponho, enfim
Pros braços da loucura eu te arrebato
Pintando a nossa cena de carmim

Desejos se entrelaçam sem recato
Me vejo inteiro em ti... Te sinto em mim!
Guardei dentro do peito esse retrato

Fonte:
Recanto das Letras

Regina Céli Alves da Silva (A Ciranda do Tempo na Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar)


No romance Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, a leitura dos elementos narrativos, tais como, espaço, tempo, narrador, linguagem, mostra-se bastante reveladora, permitindo uma análise consistente da obra.

Neste artigo, voltaremos o foco para a categoria temporal no texto de Nassar. O título da narrativa, nesse sentido, já é bastante revelador, pois inscreve no sintagma “lavoura arcaica” as dimensões de espaço e tempo para a qual está voltado. Portanto, mais do que observar um aspecto óbvio nas construções ficcionais, isto é, o investimento temporal que as perpassa, chamamos a atenção para o fato de esse investimento ser de suma importância para o estudo da obra citada. Antes, porém, de iniciarmos as reflexões sobre o tempo, torna-se necessário um brevíssimo resumo do romance, sem o qual, talvez, nossas incursões fiquem prejudicadas.

A história é narrada, em primeira pessoa, por André, personagem principal da trama. Ele é o filho pródigo, aquele que retorna a casa, pelas mãos do irmão mais velho, que o encontra e implora por sua volta. A partir desse reencontro com Pedro, André inicia o retorno, tanto através da memória, relembrando os acontecimentos que o marcaram enquanto ainda vivia na casa dos pais, quanto pela experiência da chegada ao lar, agora com uma visão mais apurada. Os pais e os outros irmãos, especialmente Ana, com quem tem (ou quer ter) uma relação incestuosa, e Lula, o irmão mais novo, ficam satisfeitos em revê-lo.

De antemão, percebemos que a exposição das ocorrências na obra está sujeita ao crivo da memória de André, e, portanto, está condicionada ao seu singular olhar, à sua percepção. Isso é reafirmado pela voz narrativa, na passagem em que diz: “...as coisas deixam de ser vida na corrente do dia a dia para ser vida na corrente da memória” (NASSAR, 1982, p. 86).

Assim, nesse movimento de volta às origens, à casa do pai, o narrador parte numa volta circular e onde se lê a partida se lê também o retorno, e vice-versa. O presente reencontra o passado e este retorna ao presente, pois “para onde estamos indo” (NASSAR, 1982, p. 30), pergunta-se André, “estamos indo sempre para a casa”, (Idem, ibidem), ele mesmo responde.

Não é à toa, por conseguinte, que o texto esteja dividido em duas partes, "A partida" e "O retorno". Na primeira, "A partida", ocorre uma evocação no tempo, da época em que André, ainda vivendo em uma pensão interiorana, recebe a visita do irmão. A chegada de Pedro aciona no narrador a partida/retorno ao passado, na memória/imaginação, quando ainda vivia na fazenda do pai. André, voltando os olhos para o passado, entrelaça tempos, misturando-os em fatos, lembranças, sonhos, e interpretando livremente os fios lançados no solo narrativo, buscando a si próprio nas tramas temporais. Ocorre no romance um investimento na subjetividade, A experiência interior do indivíduo, já inscrita no discurso em primeira pessoa, é reafirmada em toda a construção do corpo literário. Dessa forma, a compreensão do tempo, passando pelo filtro interno do narrador, abre possibilidades muito amplas de leitura, liberando o solo textual da linearidade da cronologia oficial.

O olhar narrativo, afetado pela vivência do presente, volta ao passado, assimilando-o por um novo prisma no qual pode rever o que foi e o que poderia ter sido. Modifica-se, pela narrativa do presente, o texto daquilo que passou, pois a reflexão atual de André leva-o a redescobrir em si mesmo dimensões que lhe foram (re)veladas com o grifo social, garantindo, até sua partida, a obediência às regras da casa do pai. Por isso mesmo, as palavras do pai vêm à tona no discurso do narrador, expondo as raízes que lhe fundamentaram a conduta desde a infância.

O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; se medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza; não tem começo, não tem fim; [...] (NASSAR, 1982, p. 45)

[...] em tudo ele nos atende, mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio seguindo esta lei inexorável: a obediência absoluta à soberania incontestável do tempo, não se erguendo jamais o gesto neste culto raro; é através da paciência que nos purificamos, em águas mansas é que devemos nos banhar [...] (Ibidem, p. 50)

[...] a paciência é a virtude das virtudes, não é sábio quem se desespera, é insensato quem não se submete. (Ibidem, p. 53)

Ao cultuar a paciência como a grande virtude, o pai concebe o homem como paciente de sua própria história, de modo que o tempo vivido se estreita numa eterna espera. Incapacitado de atuar, só resta ao indivíduo receber pacientemente o fruto plantado por outros, passando-os adiante, para compor um ciclo, sempre igual, “sem começo nem fim” (Ibidem, p. 45).

As palavras do pai, no decorrer do relato de André, estarão sempre voltadas para esse tipo de atitude paciente, imóvel, não aberta às mudanças. Mas como a vida não é só uma espera, às palavras do pai juntarse-ão as do filho, ampliando e revendo o entendimento do tempo e de sua passagem.

O tempo é versátil, o tempo faz diabruras [...]. (Ibidem, p. 82)

[...] porque existe o tempo de aguardar e o tempo de ser ágil (Ibidem, p. 84)

[...] o tempo, o tempo, esse algoz às vezes suave, às vezes mais terrível, demônio absoluto conferindo qualidade a todas as coisas, é ele ainda hoje e sempre quem decide e por isso a quem me curvo cheio de medo e erguido em suspense me perguntando qual o momento preciso da transposição? Que instante, que instante terrível é esse que marca o salto? Que massa de vento, que fundo de espaço concorrem para levar ao limite? (Ibidem, p. 85-6)

A versatilidade do tempo assinalada no discurso do narrador aponta para a visão mais ampla, e mais fecunda, da passagem temporal. E, mesmo reconhecendo a soberania do tempo sobre a vida, pois o entende como um algoz, suave e terrível, também o sente como um demônio capaz de fazer diabruras, imprimindo no homem uma competência. Tal competência o narrador demonstrou, ao agir sobre seu próprio percurso existencial, partindo da casa do pai, abandonando a segurança dos seus limites e das palavras paternas, para encontrar seu verbo singular, ainda que para isso tivesse que se expor às diversas ações do tempo: a chuva, o sol, o frio, a fome. Por isso, mesmo identificando em sua história os fundamentos originários do mito do filho pródigo bíblico, André amplia as dimensões do mito, renovando-o, porque ao se apropriar da história mítica, incorpora-a ao seu domínio particular, transgredindo códigos culturais que, até então, eram de domínio coletivo.

É na história do filho pródigo, refeita com requintes proporcionados pela capacidade de reflexão do narrador, que vamos encontrar a escritura do romance, percebendo nele o trabalho múltiplo, diversificado e pessoal, não só com o tempo, mas também com todas as outras dimensões que participam da armação literária. A parábola bíblica conta a história do filho pródigo, que deixa a casa paterna levando sua parte nos bens da família e, após andança pelo mundo, retorna à casa do pai que, para comemorar, festeja com a carne de um bezerro, vinho e dança a chegada do filho.

O texto bíblico põe em evidência suas características dogmáticas, formativas, construindo, pela representação simbólica do filho pródigo, uma fábula que vai além da simples partida e retorno do filho a casa, revelando um conteúdo no qual a paciência e a comiseração do patriarca são virtudes ressaltadas nas mãos de quem retém o poder, pois acolher aquele que retorna, que no excesso de suas ações rebelou-se contra o pai, significa recuperar com “magnificente bondade” a ordem onde esta havia sido quebrada.

Encontra-se, ainda, na parábola bíblica, um reforço a respeito do retorno à origem e à repetição eterna e circular das lições do pai/Pai. Essa circularidade faz aparecer outro mito, o do eterno retorno. Mas, como bem o compreende André, a passagem do tempo produz marcas e o indivíduo, envolvido no processo histórico, na dinâmica dos acontecimentos, se depara, a todo o momento, com novos rumos, novos projetos, mesmo que venham revestidos em suas velhas roupagens.

Assim, por exemplo, o século XX revistou a tradicional fonte bíblica através do texto escrito pelo autor francês André Gide. Intitulada “A volta do filho pródigo”, a narrativa gideana aborda a parábola original, desfazendo, no entanto, a ideia das repetições eternas e iguais. Nessa obra, Gide faz um acréscimo humano, aumentando o número de personagens, inserindo a mãe, o irmão caçula e um filho pródigo que, ao retornar, não vem resignado e humilde, mas marcado pela diferença de quem viu o mundo, conheceu outras pessoas, outros lugares, alargando suas fronteiras, seus limites.

Tanto a escritura francesa quanto a Lavoura arcaica, de Nassar, fazem mais do que relatar a volta ao lar do filho resignado e submisso. Ambas investem no questionamento, na não aceitação gratuita da submissão, pois, afinal, o mundo e suas relações já não são mais os mesmos.

Em Lavoura arcaica, uma grande diferença se estabelece já na primeira linha da narrativa, uma vez que, de forma oposta à parábola bíblica, a história é narrada pelo próprio filho pródigo. Ou seja: ele conta o que viu, sentiu, aprendeu. Não há outra pessoa manipulando sua pessoal versão dos fatos. Lendo sua história, participamos, junto a ele, dos desejos, sentimentos, emoções, fantasias, enfim, de tudo o que compôs a sua fuga.

Compreendemos, portanto, que, se André se identifica com a mítica figura do filho pródigo, é porque percebe que, diante das situações capazes de gerar algum tipo de mudança, que não se sabe aonde vai dar, é muito mais fácil apostar nas conhecidas fórmulas, no retorno de antigos equilíbrios. Mas ele se coloca em outro lado, aquele de quem simplesmente não olhou o frio ou a fome de outra pessoa, mas de quem os sentiu no próprio corpo.

A preocupação de André em registrar, em contraponto com as palavras do pai, esse lado do discurso, o verso e o reverso da moeda, fica bem clara, por exemplo, quando ele relembra a Pedro que o pai, sentado à cabeceira da mesa, na hora das refeições, com toda a família a sua volta, costumava contar a história de um faminto. É a história de um homem que, estando com muita fome e passando diante de um palácio, resolve parar e pedir uma refeição aos guardiões do local. Como resposta, ouve que o amo, o dono do palácio seria o único capaz de oferecer-lhe tudo de que necessitava. Uma vez na presença do senhor, um ancião de barbas brancas, explica-lhe sua difícil situação e o homem, compadecido, concorda em lhe dar comida e bebida à vontade.

Mas, o que o faminto pensava ser o fim de sua fome, pareceu-lhe, ao contrário, uma tortura, pois o ancião, em vez de mandar servir comida de verdade, mandou trazer, para testar a paciência e o caráter do outro, um grande banquete fictício, isto é, não havia o que comer, tudo não passava de encenação.

Diante da cena, o necessitado não se dá por vencido e entra no jogo, elogiando as iguarias, os vinhos, fingindo, inclusive, estar embriagado, pois, pensa consigo mesmo: “os pobres devem ter muita paciência diante dos caprichos dos poderosos, abstendo-se por isso de mostrar irritação” (NASSAR, 1982, p. 69).

Finalmente, estando o rico satisfeito com o que presenciara, afinal havia encontrado um homem com o “espírito forte” (Idem, ibidem, p. 73), o caráter firme, e, sobretudo, que “revelou possuir a maior das virtudes de que um homem é capaz: a paciência” (Idem, ibidem, p. 53), resolve então convidar o faminto a morar em sua casa, prometendo-lhe que nunca mais passaria fome ou sede. Logo em seguida, manda servir um pão robusto e verdadeiro.

Terminando de narrar e lembrar a Pedro a velha história que o pai tantas vezes contara nos seus sermões, ao redor da mesa de refeições, André pergunta ao irmão: Como podia o homem que tem o pão na mesa, o sal para salgar, a carne e o vinho, contar a história de um faminto? Como podia o pai, Pedro, ter omitido tanto nas tantas vezes que contou aquela história oriental? (Ibidem, p. 53)

E, então, André narra para o irmão uma das cenas omitidas pelo pai; aquela em que, fingindo-se embriagado com o vinho fictício, e antes mesmo de receber o elogio por sua paciência, o faminto, com a força de sua fome, surpreende o anfitrião, aplicando-lhe violento murro. Mas logo trata de esclarecer o incidente, proclamando-se extremamente agradecido pela bondade do outro, satisfeitíssimo com o banquete e com o vinho, que, no entanto, subira-lhe à cabeça, levando-o a desfechar o soco contra o benfeitor.

Esse outro lado da história é, com certeza, muito menos interessante para todos os que detêm o poder, sendo, por isso mesmo, omitido em nome da conservação da ordem e de posturas de subserviência e aceitação. No entanto, André, que durante muito tempo em sua vida, conhecera apenas a versão do pai, o lado dos que sempre comeram os frutos plantados por outros, agora podia, conhecendo novas versões das histórias, o lado dos famintos, por exemplo, reconhecer a si próprio como uma face diferente na história da família.

Não é por acaso que ele, reexaminado a parábola do filho pródigo, reconduz sua memória ao contexto religioso que tanto influenciou sua vida desde pequeno. Mas, ironicamente, o menino que teve os dogmas religiosos da tradição judaico-cristã como suportes e argumentos em sua educação, no decorrer do tempo, se vê envolvido no mais transgressivo dos comportamentos, a relação incestuosa que deseja manter com sua irmã Ana.

E é essa manifestação incestuosa da sexualidade que abre em sua vida a impossibilidade maior de reconduzi-lo, mesmo que quisesse, ao retorno igual, a um reequilíbrio dentro do código tradicional de sua família. Em suas palavras, “era Ana a minha enfermidade, ela a minha loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina, meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus testículos” (NASSAR, 1982, p. 94).

A enfermidade, a loucura, o sopro, enfim, a reunião de manifestações tão diversas em seu amor pela irmã, conjuga-se, porém, no discurso de seu corpo, contaminando-o e levando-o a ultrapassar, com sua prodigalidade, conteúdos normativos.

Na divisão entre a sua fé e seu lado objetivamente carnal, André reúne os pedaços que o constituem como ser humano completo e inicia o aprendizado de si próprio, para tentar enxergar quem ele é na realidade e na história da família.

O retorno no tempo em busca de sua narrativa existencial revela que sua história tem atrás de si muitas outras histórias, como a parábola do filho pródigo, eternamente gravado na escritura bíblica. Mas o aprendizado acontece quando percebe que o seu não é mais um texto compilado.

A experiência pessoal narrada pelo filho pródigo de Lavoura arcaica reconduz a trama romanesca de modo que ela não mais traduza os anseios e necessidades de pessoas que não a viveram (como acontece com o texto bíblico). Ao contrário, faz com que seja uma versão singular, um registro diferente de quem quer escrever sua história como um profeta, mas “não aquele que alça os olhos para o alto, antes o profeta que tomba o olhar com segurança sobre o s frutos da terra” (Idem, ibidem, p. 76).

Repetir as palavras do pai, dos velhos textos, não caracterizou a narrativa como uma cópia alienada do ato de viver projetado por outros, mas como resultado do exercício pleno da vontade de conhecer, transformado na compreensão de que a sabedoria está em aprender a conjugar os diversos tempos com a devida reverência a cada um deles, sem que um não anule o outro.

A escritura do texto constitui o grande lucro de André, porque, ao fazê-lo, ele se capacitou, na medida em que, olhando para frente e para trás, reinterpretou sua trajetória de vida, para abrir o diálogo entre o que foi e o que é, remexendo o solo cultural e familiar em busca de suas raízes, sem medo de enxergá-las.

Sendo assim, André faz com o seu texto aquilo que o agricultor zeloso faz com a sua terra: utiliza as ferramentas com amor e carinho para lavrar seu campo, nutrindo-o com os implementos necessários ao crescimento da vegetação e fazendo-a florescer e frutificar, não como uma fala desvinculada do todo cultural, mas sim, como uma palavra respeitada em sua diferença.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A PARÁBOLA do filho pródigo. In: Bíblia sagrada. Novo testamento. São Paulo: Edigraf, 1961. T. 4. Lucas, c. 15: 11-32.
GIDE, André. A volta do filho pródigo. Trad. Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1984.
MENDILOW, A. A. O tempo e o romance. Trad. Flávio Wolf. Porto Alegre: Globo, 1972.
NUNES, B. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 1988.
POUILLON, J. O tempo no romance. Trad. Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix, 1974.
NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
TODOROV, T. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1979.

___________________________________
Sobre a autora do artigo:
Regina Celi Alves da Silva possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1984), Mestrado em Letras (Letras Vernáculas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990), Doutorado em Letras (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999) e Pós-Doutorado em Letras (Teoria da Literatura e Literatura Brasileira) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria da Literatura e Literatura Brasileira, atuando principalmente nos temas: Roland Barthes, semiologia, crítica e teoria literárias; Literatura e cultura brasileiras. Já atuou também como professora de Língua portuguesa, com ênfase na Produção Textual, em Faculdades de Direito, Administração e Ciências Contábeis. (Fonte: Currículo Lattes)

Fonte:
Revista Soletras. Ano XI, Nº 22, jul./dez. 2011. São Gonçalo/RJ: UERJ, 2011.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 132


Jessé Nascimento (Uma Noite)


Quando a madrugada espreguiçou-se, despertada pelos primeiros clarões do dia, ele ainda caminhava sem destino, ao encontro do nada. Há horas vagueava sem conseguir entender porque e para que. Seus pensamentos emaranhados, aturdidos, afugentados, não o deixavam situar-se. Sentia-se terrivelmente só. Só e vazio. Já não sabia quantas vezes sentara-se no meio-fio e levantara-se para continuar aquela estranha caminhada.

Procurava, no entanto, lembrar-se de como tudo começou. Haveria uma razão. Mas, qual? Por que a sua mente teimava em não ajudá-lo?

Apalpou a cabeça ainda dolorida, penteou com os dedos os cabelos em desalinho, tentou recompor-se. E maquinalmente, febrilmente,  continuou tentando decifrar a charada que uma pseudo-amnésia lhe apresentava. Um encontro que não se deu? Uma fuga do não-sei-o-quê? Uma briga? E depois a bebida...

Por que, Senhor, ali estava a velar a sonolenta noite, a acompanhar as silenciosas horas da fria madrugada? Já estava, por certo, cansado de encontrar as mesmas esquinas, saudar os mesmos postes. Seus olhos dormitavam alternadamente, exaustos por um longo dia. Finalmente entregou os pontos. Deixou-se vencer pelo sono, pela fadiga.
                                  ...

De um sobressalto ergueu-se assustado pelo som das buzinas e com as bruscas freadas dos ônibus que já cuspiam seus passageiros aqui e ali. O sol já se fazia alto. Soberano e altaneiro.

O seu ontem deixou de existir. Estava refeito - refeito? - para um novo dia...

Fonte:
Recanto das Letras, 22/05/2015.

Antonio Cabral Filho (9. Colar de Trovas) Tema: Educação


01
A educação  almejada
ganha espaço  e  ressonância,
se a semente for plantada
*no Jardim da nossa infância.*
Abílio  Kac (RJ)


02
No jardim da nossa infância
louvável foi a educação,
com muito amor e constância
*eu guardo  no coração!...*
Luiz Cláudio (RN)

03

Eu guardo no coração
um sentimento profundo.
Pois na minha educação,
*tenho toda paz do mundo.*
Neiva Fernandes (RJ)

04
Tenho toda paz do mundo
enquanto potencial,
o bem se torna fecundo
*no campo educacional.*
Gilberto Cardoso (SC)

 05
No campo educacional
serei eterno aprendiz,
esse ato fenomenal
*um anjo sempre me diz!...*
Luiz Cláudio (RN)

06
Um anjo sempre me diz ,
que devemos sempre amar.
Então  para ser feliz,
*o amor vou compartilhar!*
Gleyde Costa Campos (RJ)

07
O amor vou compartilhar
com a minha felicidade.
Para sempre vou te amar
*e ser feliz de verdade.*
Neiva Fernandes  (RJ)

08
Vou ser feliz de verdade,
agradeço a professora,
que ensinou-me a liberdade,        
*pela luz libertadora.*
Antônio Cabral Filho (RJ)

09
Pela luz libertadora
eu conjuguei o verbo amar,
minha eterna professora
*me incentivava estudar!....*
Luiz Cláudio (RN)

10
Me incentivava a estudar
para que eu pudesse um dia,
aprender e me formar
*naquilo que eu mais queria.*
Adriano Bezerra (RN)

11
Naquilo que eu mais queria
estava entrar na sala,
onde eu sempre poderia
*captar uma culta fala.*
Prof. Roque (RS)

12
Captar uma culta  fala,
provinda de muito humor,
sempre regozija e embala,
*o aprimorar com valor.*
Agostinho Rodrigues (RJ)

13
O aprimorar com valor
faz parte da educação,
ensinar com mais calor
*com muita dedicação.*
Maria Zilnete de M. Gomes (RJ)

14
Com muita dedicação
nos fazemos ensinar.
Feitos com coração
*todos irão desfrutar.*
Madalena Cordeiro (ES)
15
Todos irão desfrutar
de um Brasil mais consciente
do respeito a se mostrar,
*com educação latente.*
Oliveira Caruso (RJ)

16
Com educação latente
do adulto e da criança,
o país vai para a frente
*e se renova a esperança.*
Antonio Francisco Pereira (MG)

17
E se renova a esperança
que dias melhores  virão;
nos deixando  para  sempre,
*uma bonita lição.*
Neiva Fernandes (RJ)

18
Uma bonita lição

de  educação cidadã;
justiça e humanização,
*à mulher concidadã.*
Maria Zilnete de M. Gomes (RJ)

19
A mulher concidadã

que leva o país avante,
sua luta não é vã
*a educação é constante.*
Aurineide Alencar (RJ)

20
A educação  é  constante

onde existe sentimento;
com alegria incessante
*surgida do pensamento.*
Neiva Fernandes (RJ)

21
 Surgida do pensamento

de uma mestra abençoada,
nosso aperfeiçoamento:
a educação almejada.
Antonio Cabral Filho (RJ)
TROVAS DO FECHAMENTO

A
*Surgida do pensamento*

e por Deus abençoada,
todo meu contentamento
*a educação almejada!*
Neiva Fernandes (RJ)
B
*Surgida do pensamento*
uma ideia desejada;
todos tenham cem por cento,
*a educação almejada.*
Maria Zilnete de M. Gomes (RJ)

C
*Surgida do pensamento,*
de uma mestra abençoada,
nosso aperfeiçoamento:
*a educação almejada*.
Antônio Cabral Filho (RJ)
D
*Surgida do pensamento,*
ideia realizada.
Vou dar graças no momento,
*a educação almejada !*
Gleyde Costa (RJ)

Fonte:
Trovadores do Brasil

Vinicius de Moraes (O Camelô do Amor)


Parai tudo o que estais fazendo, homens de gravata e sem gravata, funcionários burocráticos e deambulantes, mercadores e fregueses, professores e alunos, íncubos e súcubos - e escutai o que eu vos tenho a dizer.

Chegai-vos a mim e vinde ver toda a beleza que estou vendendo a preço de banana! Homens da Cifra e da Sigla, de Toga e de Borla-e-Capelo, de Fardão e de Sobrepeliz: esquecei por um momento vossas conjunturas e aproximai-vos de olhar sincero e coração na mão.

É favor suspender por alguns minutos a partida. Senhor Juiz Armando Marques! Conserva-te assim, o pé no ar, meu bom Pelé, qual fantástico dançarino. Feras da Seleção: atenção! Alerta, aviadores do Brasil! Capitães de mar: estamos no ar!

A postos, emissoras em cadeia! Câmaras de cinema e televisão: ação! Estações de rádio e radioamadores: ligai os receptores! Atenção, Intelsat quatro... três... dois... um... Aqui fala o poeta, o jogral, o menestrel, o grande Camelô do Amor!

O Amor tonifica o cabelo das mulheres, torna-os vivos e dá-lhes um brilho natural. Mise en plis? Só de Amor! nada melhor que divinos cafunés para as moléstias do couro cabeludo!

Olhos opacos? Amores fracos! Olhos sem brilho? Amor-colírio! Olhos sem cor? Amor! O Amor branqueia a córnea, acende a íris, dilata as pupilas cansadas. E ainda dá as mais belas olheiras naturais. Dois beijos, dois minutos: dois olhos claros de veludo!

O Amor limpa de rugas a fronte das mulheres, elimina os pés-de-galinha e acrescenta lindas covinhas ao sorriso. Tende sempre em mente: o Amor coroa as mulheres de pesados diademas invisíveis. Amai, coroas! A mulher que ama reinventa o Paraíso. A mulher que é amada move-se majestosamente!

O Amor pitanguiza o nariz das mulheres, torna-os frementes, com delicados tiques, particularmente nas asas. Narizes gordurosos, com propensão a cravos e espinhas? Muitas, muitas festinhas contra o nariz amado!

O Amor horizontal é melhor e não faz mal. Bocas rosadas, frescas, palpitantes? Beijos de amor constantes! As bocas mais beijadas são mais bem lubrificadas. Só isso dá à sua boca o máximo!

Qual Nardem, qual Rubinstuff ! - morte às pomadas! Pomadas, cremes, só de Amor, amadas! Pele jovem e macia? Amai, se possível, todo dia: e ante o esplendor de vossa pele há de ruborizar-se a madrugada.

Juventude noite e dia? - Carne sem banha! Ela tem mais freguesia? - Sempre se banha! Aliás, uma coroa - Que coisa boa! Bem que ela tem seu lugar. E... sabor de loucura!
O Amor estimula extraordinariamente a higiene bucal, pois como todos sabem, a água-e-sal é o composto químico da saliva, que consequentemente se ativa, impedindo a halitose e tornando a carícia palatal!

Se é de Amor, é bom! Não sabe aquela que não põe desodorante? Perdeu o marido e hoje não pega nem amante ... Sim, cuide o subextrato de suas asas, anjo meu, mas nada de exagero ... Uma axila sem cheiro pode levar um homem ao desespero. E não bobeie, não dê bola, não se iluda: um homem ama uma axila cabeluda! Siga o exemplo da mulher italiana: não usa lâmina e é mulher superbacana. Ponha um tigre debaixo do braço!

E basta de pastas, ó tu que levas o leite contigo - bom até a última gota! Se amares, o sangue circulará melhor em tuas glândulas mamares, e consequentemente terás seios sinceros, autodidatas, substantivos! Algo mais que o Amor lhe dá...

Casamento serve bem ao grande e ao pequeno. Serve bem à beça! Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que viaja ao lado seu. Pois, no entretanto, eu lhe digo: quase ela fica a perigo... Salvou-a um justo himeneu. Alivia, acalma e reanima! Todo homem que chega em casa deve levar beijos mil: da mãe e da menininha. E como é bom ter seu amor junto ao corpo... É a pausa que refresca... Quem a casar se mete, repete!

Um mínimo de cirurgias plásticas, dietas patetas e essas ginásticas fantásticas... Vivei e amai ao Sol! Para aquele que ama, vossos senões são poesia. Nada mais lindo que as feiurinhas da mulher amada!

Por isso, eu grito aqui: regulador? - besteira! A saúde da mulher está em ser boa companheira. Não há pílula para a percanta que se preza. Seja mulher! conserve o seu sorriso! valha o quanto pesa! Use o auge da bossa e namore o quanto possa: na praça, na praia, no prado - no banco que está ao seu lado!

Eu sempre digo, e faço figa do que diga seu melhor, muito melhor que óleo de fígado. Porque, além de excitar o metabolismo basal, para o vago-simpático é o tônico ideal!

Eis seu mal: não amar. Daí, decerto, a causa dessas suas tonteiras, dessas náuseas... Ame king-size! E se lembre sempre o espetáculo começa quando a senhora chega! Quem não é o maior tem que ser o melhor! Por isso, espere um pouco, por favor... E repita comigo, assim... A-m-o-r!

Fonte:
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31/12/1969

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 131

Atenção: Aos assinantes que recebem as postagens em seu e-mail
Desconsidere o Varal de Trovas n. 131 de ontem, onde haviam erros em minha trova, observado pela irmã Carolina Ramos e considerem o varal abaixo, com a trova do Mestre Assis substituindo a minha, mas dentro do mesmo tema.