quarta-feira, 22 de julho de 2020

Sinclair Pozza Casemiro (Maria e Maria)


Caminhoneiro feliz era o Tião. Não foi a vida que pedi pra Deus... mas já que ele me deu.... Um caminhão bem cuidado, as posses não lhe puderam conferir um novo, mas seu sonho por certo um dia viraria verdade e ele passearia pelas ruas de Campo Mourão com as Marias na boleia. Esse dia ia chegar, tão certo como o sol que me alumia, lhe agaranto, Maria. E Maria concordava, rindo. Era assim sempre aquela mulher. Sempre rindo, co'a filhinha ao colo. Mulher de caminhoneiro é também uma forte, Euclides. Não tem tempo ruim, sol, chuva, frio, calor, comida, fome, cobrador à porta, o silencio cumplicioso diante do credor indignado... e a vida vai-se indo...

Maria e Maria. Suas duas maiores fortunas que ele, sempre que podia, carregava junto. A filhinha não reclamava, gostava muito. Nem sabia se tinha outro jeito, é claro. A mãe não só não reclamava quanto gostava muito, também. Acompanhar Tião, seu homem. Valente, alegre, mal-humorado com quem não gostava e um doce, até estragado de tão doce, pra quem queria bem. Assim, a vida ia se indo.

Os botinas já tinham se acostumado de ver a família na boleia. Carona não pode, mas as Marias eram carona? Acho que não. Pelo sim, pelo não, uma cervejinha de vez em quando e o problema estava resolvido.

Assim a vida ia se indo, Maria sempre rindo. Tião, ia e voltava, frete não lhe faltava. A casinha, ali perto do 119, na saída pra Peabiru, era humilde. A cidade de Campo Mourão ainda não era assim asfaltada, com as comodidades de agora, mas já mostrava futuro. A vizinhança, pouca, muito rara mesmo, era pobre igual, ou melhor, mais pobre. Tião não era pobre. Era afortunado, tenho um caminhãozinho, uma família, vamo vivendo... Muita peça que quebra, pneu que estoura, recape que não aguenta, senão até que sobrava pra não dever nada. Mas... tá bom. A noite fazia esquecer os problemas junto do corpo quente e macio da Maria, sempre rindo...

A filhinha crescendo, já dando seus passinhos, entendia de um tudo. Gostava de passear no caminhão, parava pra isso qualquer birra ou tristeza, se é que havia.

A Maria era sua, só sua, a Maria, filhinha, era deles, só deles. Mas a fortuna eles dividiam com os amigos. A casinha, quando eles lá paravam, era sempre cheia de gente. E de causos, e de chimarrão, dava gosto. Maria, sempre rindo. Não gostava de ficar, queria ir com Tião, nem precisava chamar. Chegava, lavava, arrumava a casinha, preparava comida pras viagens, ajeitava as coisas. Ia de novo. Seu lar era mesmo a boleia.

Estavam todos na roda do chimarrão, naquela tarde meio chuvosa, quando chegou uma mudança. No barraco ao lado. Não para ninguém aí, esquisito. Já ouvi dizer que foi amaldiçoado, quando os pioneiros vinham pro lado do Santa Cruz, fazer as rezas na Gruta, uma mulher foi assassinada nesse rancho. Me contaram que foi de amor. O companheiro não aceitava que ela não lhe queria mais. E aquele filho, diziam, nem era dele, não. Então ele trouxe ela, mais o filhinho no rancho, e escondido de todo mundo, matou a infeliz. O filhinho, Tião? Ah, nem tinha como saber das coisas, era de colo. Cresceu, com parentes. Mas o ranchinho fica aí, assustando os outros. Diz que ela vem, de noite, procurar o filhinho,.. Diz que se escuta o choro dela e ela chamando o bebê. É... coração de homem é terra que ninguém pisa...

A roda, de repente, tem mais gente. Chega a dona nova da casa e o filho, rapaz de corpo bem feito, falador, bonito. Logo se enturma, aprecia o chimarrão. Muito bem feito, fazia tempo que não experimentava um igual, com essas ervas... Ervas daqui, do quintal, diz Maria. Pra gente usar. Quando quiser... A conversa se anima, vão terminar a mudança, vai que chove.,.

E choveu. Choveu tanto, que o ranchinho não serviu pra abrigo e os novos vizinhos foram procurar arrego no Tião. Como sempre, o caminhoneiro atendeu. Tratou o vizinho já como velho companheiro, o que só o caminhoneiro sabe fazer. As mulheres confabulavam, a Maria, filha, encantava com sua graça e esperteza. A noite chuvosa embalou a todos, até os desafortunados do novo lar, que não tinham mesmo o que fazer.

E assim a vida ia se indo. No outro dia, o moço arrumou o rancho, nem precisou mais de ajuda. Agradecido, só fez visita, na outra noite. Tião recebeu, Maria sempre rindo...

Os dias foram passando, Tião, Maria e Maria indo e voltando, os novos vizinhos se conversando... Tinha mesmo um barulho esquisito no rancho. Mas.,. arre! Tenho o corpo fechado, falava o moço, que achava bonito o jeito da Maria, sempre rindo...

Maria achava bonito aquele moço, sem medo, valente que nem o Tião.

Hoje não vou, Tião. Tenho que arrumar umas coisinhas. Tá bem, volto logo. E assim a vida ia se indo... Maria já nem sempre rindo... Já nem indo tanto mais, também, no caminhão com Tião.

Um dia, um amigo falou pro Tião que ele nunca que ia morar em casa perto de casa assombrada. Tragédia chama tragédia. Se fosse o Tião, mudava dali.  Ora! Pra mim, essas coisas? Desde quando, nunca me aconteceu nada! Eu, se fosse você, Tião, mudava dali. O ranchinho é coisa do tinhoso, nem é bom tá perto. Oras!!

Mas o amigo insistia... Reparando bem, era mesmo. Maria nem sempre ria mais, já não ia mais com ele como antes, andava aborrecida, doente. Doente? Mas tava mais bonita, cabelo sempre arrumado, batom, as unhas sempre pintadas... Não tinha que se preocupar, não. Que confusão, Meu Deus! Acho que o Pezão não é bem amigo, não. Deu pra me perturbar com coisas... Tião, você não merece. Tentei evitar, até te tirar de lá, mas... Você é muito bom, rapaz, não percebeu. Cuida da Maria e do moço bonitão.

Bastou. O coração bom de Tião se anuviou, ele mais nada viu. Depois, bem depois que a tonteira e o ódio amainaram, ele achou que não era verdade, era engano, era mentira, era pesadelo. E nessa ilusão conseguiu chegar. Estava igual seu cantinho, mas já não era o mesmo mais. Também Maria, já não sorria. Mas um fio de esperança contava pra ele que não, que era tudo ilusão, pesadelo. Tião despediu, da Maria e da Maria, vou viajar. Tinha um plano.

Chegou a Peabiru, como nunca antes, nem viu passar o tempo, a estrada. E, de lá, encostou o caminhão, voltou a pé. A peixeira na cinta, não ia ser preciso usar. Era tudo ilusão, pesadelo. Os passos iam fazendo ele se achar tolo, perda de tempo. A Maria era só dele, era, sim, como era quando ela sempre ria.

Na porta do seu cantinho, ele viu umas chinelas que não eram dele. No azul escuro da noite sem lua, Tião viu tudo claro, de repente. E, brusca, irrompidamente saltou ao leito onde dormiam os corpos descansados dos pecadores ingratos. Tião só viu massas de corpos nus, braços, pernas, gritos, molhados, em meio ao prateado fio. Depois, no tribunal, soube que foram muitas, perto de cinquenta. A Maria, filha, tadinha, estava muda. Os olhos sempre abertos, fugidios, corriam do Tião. A vida pra eles também se acabara. Não foi preso, que a Lei, naquele tempo, não condenava quem matava pra defender a honra. A pequena Maria, ficou sabendo que morrera também. Como os olhos não queriam mais ver, a boca não quis mais comer, o coração não quis mais viver. E naquele tempo, também era mais difícil remédio pra essas dores.

Até hoje, quem passa por aquela estrada, escuta no rancho e no cantinho do Tião, um choro e mais uns gritos. Conforme a hora, escuta também uma voz, principalmente quando se anuvia e o vento assobia, chamando longe... longe... "Mariinha, filhiiinha!..." O pai, esse vagueia, pelo rio 119, pela estrada pra Peabiru, como vagueou em vida até ser reconhecido, ainda quente, sob as rodas de um caminhão.

Fonte:
Sinclair Pozza Casemiro. Causos do coração do Paraná (por entre as beiras do Ivaí e do Piquiri…). Campo Mourão: Sisgraf, 2005.

Nuno Júdice (Poemas Escolhidos)


PRESENTE

Queria neste poema a cor dos teus olhos
e queria em cada verso o som da tua voz:
depois, queria que o poema tivesse a forma
do teu corpo, e que ao contar cada sílaba
os meus dedos encontrassem os teus,
fazendo a soma que acaba no amor.

Queria juntar as palavras como os corpos
se juntam, e obedecer à única sintaxe
que dá um sentido à vida; depois,
repetiria todas as palavras que juntei
até perderem o sentido, nesse confuso
murmúrio em que termina o amor.

E queria que a cor dos teus olhos e o som
da tua voz saíssem dos meus versos,
dando-me a forma do teu corpo; depois,
dir-te-ia que já não é preciso contar
as sílabas nem repetir as palavras do poema,
para saber o que significa o amor.

Então, dar-te-ia o poema de onde saíste,
como a caixa vazia da memória, e levar-te-ia
pela mão, contando os passos do amor.
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ROSA COM ESPINHOS


Abro a rosa com as pétalas viradas para dentro
de mim, sugando-me o ser com os seus lábios
de veludo. E quando estou dentro da rosa, ouvindo
a música que corre ao longo do caule, num êxtase
de seiva, troco em versos o que a rosa me diz,
sentindo que a rosa se fecha, em botão, para
que o meu ser não saia de dentro dela. Então,
sei que habito o próprio centro do efêmero,
enquanto as pétalas vão caindo, uma a uma,
à medida que a rosa se abre, e o sol que entra
para dentro da rosa, empurrando o meu ser
para fora do seu centro, corre nas suas veias,
como seiva de fogo, até fazer com que outros
botões nasçam, para que me suguem o ser,
até entre mim e a rosa não haver senão a frágil
fronteira de um espinho, em que me pico,
sentindo que a gota de sangue do meu dedo
podia ser a seiva em que a rosa nasce do ser
que a deseja, no instante efêmero do amor.
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PRINCÍPIOS


Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exatamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.
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COMO SE O TEU AMOR…


Como se o teu amor tivesse outro nome no teu nome,
chamo por ti; e o som do que digo é o amor
que ao teu corpo substitui a doçura de um pronome
– tu, a sílaba única de uma eclosão de flor.

Diz-me, então, por que vens ter comigo
no puro despertar da minha solidão?
E que murmúrio lento de uma cantiga de amigo
nos repete o amor numa insistência de refrão?

É como se nada tivesse para te dizer
quando tu és tudo o que me habita os lábios:
linguagem breve de gestos sábios
que os teus olhos me dão para beber.
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PRIMAVERA


Nesta primavera, a chuva tem caído como se fosse
Uma primavera de Londres, úmida e mole,
E não a primavera meridional, amena e doce,
Com nuvens e vento, mas sempre com luz e com sol.
Os gatos não saem de ao pé da janela, detrás
Dos vidros, vendo as gotas escorrerem por fora,
Como se suspirassem pelo fim dessa paz
doméstica, ansiosos por saírem a qualquer hora.
No entanto, as grandes nuvens estendem-se pelo céu;
Por vezes, um trovão interrompe o pensamento.
O cinzento derrama-se como um espesso véu,
Ajudado pelo tédio que empurra este vento.
Assim, de manhã, nem abro a janela:
tão escuro é o dia lá fora como cá dentro;
E só o espírito, por inércia, o tempo revela
Se alguém pergunta onde fica o centro?

Gosto das mulheres que envelhecem,
com a pressa das suas rugas, os cabelos
caídos pelos ombros negros do vestido,
o olhar que se perde na tristeza
dos reposteiros. Essas mulheres sentam se
nos cantos das salas, olham para fora,
para o átrio que não vejo, de onde estou,
embora adivinhe aí a presença de
outras mulheres, sentadas em bancos
de madeira, folheando revistas
baratas. As mulheres que envelhecem
sentem que as olho, que admiro os seus gestos
lentos, que amo o trabalho subterrâneo
do tempo nos seus seios. Por isso esperam
que o dia corra nesta sala sem luz,
evitam sair para a rua, e dizem baixo,
por vezes, essa elegia que só os seus lábios
podem cantar.
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A VIDA


A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, retângulos, nas linhas
retas e paralelas que se cruzam
com as linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube
que se iriam dar,
mesmo que nunca se soubesse
com quem e onde, nem quando;
essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas úmidas
no gesso da memória;

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.

Fonte:
Estúdio Raposa

Nuno Júdice (1949)

Nuno Manuel Gonçalves Júdice Glória nasceu em Mexilhoeira Grande/Portugal, a 29 de abril de 1949.

Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e obteve o grau de Doutor pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com uma dissertação sobre Literatura Medieval.

Professor do ensino secundário, desde 1992 até 1997, foi professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, até à sua aposentadoria, como professor associado, em 2015.

Foi diretor da revista literária Tabacaria (1996-2009), editada pela Casa Fernando Pessoa e Comissário para a área da Literatura da representação portuguesa à 49ª Feira do Livro de Frankfurt. Foi também Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal (1997-2004) e diretor do Instituto Camões em Paris. Organizou a Semana Europeia da Poesia, no âmbito da Lisboa '94 - Capital Europeia da Cultura. É atualmente diretor da Revista Colóquio-Letras da Fundação Calouste Gulbenkian.

Poeta e ficcionista, a sua estreia literária deu-se com A Noção de Poema (1972). Em 1985 receberia o Prêmio Pen Clube, o Prêmio D. Dinis da Casa de Mateus, em 1990. Em 1994 a Associação Portuguesa de Escritores, distinguiu-o pela publicação de Meditação sobre Ruínas, finalista do Prêmio Europeu de Literatura Aristeion. Assinou ainda obras para teatro e traduziu autores como Corneille e Emily Dickinson.

A sua obra inclui antologias, edições de crítica literária, estudos sobre Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa. Mantém uma colaboração regular na imprensa. Lançou, em 1993, a antologia sobre literatura portuguesa do século XX, Voyage dans un siècle de Littérature Portugaise. Tem obras traduzidas em diversos países da Europa, Ásia e África.

Fonte:
Wikipedia

Luís da Câmara Cascudo (O Compadre da Morte)


Diz que era uma vez um homem que tinha tantos filhos que não achava mais quem fosse seu compadre. Nascendo mais um filhinho, saiu para procurar quem o apadrinhasse e depois de muito andar encontrou a Morte a quem convidou. A Morte aceitou e foi a madrinha da criança. Quando acabou o batizado voltaram para casa e a madrinha disse ao compadre:

- Compadre! Quero fazer um presente ao meu afilhado e penso que é melhor enriquecer o pai. Você vai ser médico de hoje em diante e nunca errará no que disser. Quando for visitar um doente me verá sempre. Se eu estiver na cabeceira do enfermo, receite até água pura que ele ficará bom. Se eu estiver nos pés, não faça nada porque é um caso perdido.

O homem assim fez. Botou aviso que era médico e ficou rico do dia para a noite porque não errava. Olhava o doente e ia logo dizendo:

- Este escapa!

Ou então:

- Tratem do caixão dele!

Quem ele tratava, ficava bom. O homem nadava em dinheiro.

Vai um dia adoeceu o filho do rei e este mandou buscar o médico, oferecendo uma riqueza pela vida do príncipe. O homem foi e viu a Morte sentada nos pés da cama. Como não queria perder a fama, resolveu enganar a comadre, e mandou que os criados virassem a cama, os pés passaram para a cabeceira e a cabeceira para os pés. A Morte, muito contrariada, foi-se embora, resmungando.

O médico estava em casa um dia quando apareceu sua comadre e o convidou para visitá-la.

- Eu vou, disse o médico - se você jurar que voltarei!

- Prometo! - disse a Morte.

Levou o homem num relâmpago até sua casa.

Tratou muito bem e mostrou a casa toda. O médico viu um salão cheio de velas acesas, de todos os tamanhos, uma já se apagando, outras viva, outras esmorecendo. Perguntou o que era.

– É a vida do homem. Cada homem tem uma vela acesa. Quando a vela acaba, o homem morre.

O médico foi perguntando pela vida dos amigos e conhecidos e vendo o estado das vidas. Até que lhe palpitou perguntar pela sua. A Morte mostrou um cotoquinho no fim.

- Virgem Maria! Essa é que é a minha? Então eu estou, morre-não-morre!

A Morte disse:

- Está com horas de vida e por isso eu trouxe você para aqui como amigo mas você me fez jurar que voltaria e eu vou levá-lo para você morrer em casa.

O médico quando deu acordo de si estava na sua cama rodeado pela família. Chamou a comadre e pediu:

- Comadre, me faça o último favor. Deixe eu rezar um Padre-Nosso. Não me leves antes. Jura?

- Juro -, prometeu a Morte.

O homem começou a rezar o Padre-Nosso que estás no céu... E calou-se. Vai a Morte e diz:

- Vamos, compadre, reze o resto da oração!

- Nem pense nisso, comadre! Você jurou que me dava tempo de rezar o Padre-Nosso mas eu não expliquei quanto tempo vai durar minha reza. Vai durar anos e anos...

A Morte foi-se embora, zangada pela sabedoria do compadre.

Anos e anos depois, o médico, velhinho e engelhado, ia passeando nas suas grandes propriedades quando reparou que os animais tinham furado a cerca e estragado o jardim, cheio de flores. O homem, bem contrariado disse:

- Só queria morrer para não ver uma miséria destas!...

Não fechou a boca e a Morte bateu em cima, carregando-o. A gente pode enganar a Morte duas vezes mas na terceira é enganado por ela.

Fonte:
Luís da Câmara Cascudo. Contos tradicionais do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1986.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Varal de Trovas n. 326


Osman Lins (O Vitral)


Desde muito, ela sabia que o aniversário, este ano, seria num domingo. Mas só quando faltavam quatro ou seis semanas, começara a ver na coincidência uma promessa de alegrias incomuns e convidara o esposo a tirarem um retrato. Acreditava que este haveria de apreender seu júbilo, do mesmo modo que o da Primeira Comunhão retivera para sempre os cânticos.

- Ora... Temos tantos... - respondera o homem. Se tivéssemos filhos... Aí, bem. Mas nós dois! Para que retratos? Dois velhos!

A mão esquerda, erguida, com o indicador e o médio afastados, parecia fazer da solidão uma coisa tangível - e ela se reconhecera com tristeza no dedo menor, mais fino e recurvo. Prendera grampos aos cabelos negros, lisos, partidos ao meio, e levantara-se.

- Está bem. Você não quer...

(A voz anasalada, contida, era um velho sinal de desgosto.)

- Suas tolices, Matilde... Quando é isso?

Como se a ideia a envergonhasse, ela inclinara a cabeça:

- Em setembro - dissera. No dia vinte e quatro. Cai num domingo e eu...

- Ah! Uma comemoração - interrompera o esposo. Vinte anos de casamento... Um retrato ameno e primaveril. Como nós.

Na véspera do aniversário, ao deitar-se, ela ainda lembrara essas palavras; mas purificara-se da ironia e as repetira em segredo, sentindo-se reconduzida ao estado de espírito que lhe advinha na infância, em noites semelhantes: um oscilar entre a espera de alegrias e o receio de não as obter.

Agora, ali estava o domingo, claro e tépido, com réstias de sol no mosaico, no leito, nas paredes, mas não com as alegrias sonhadas, sem o que tudo o mais se tornava inexpressivo.

- Se você não quiser, eu não faço questão do retrato - disse ela. Foi tolice.

- O fotógrafo já deve estar esperando. Por que não muda o penteado? Ainda há tempo.

- Não. Vou assim mesmo.

Abriu a porta, saíram. Flutuavam raras nuvens brancas; as folhas das aglaias tinham um brilho fosco. Ela deu o braço ao marido e sentiu, com espanto, uma anunciação de alegrias no ar, como se algo em seu íntimo aguardasse aquele gesto.

Seguiram. Soprou um vento brusco, uma janela se abriu, o sol flamejou nos vidros. Uma voz forte de mulher principiou a cantar, extinguiu-se, a música de um acordeão despontou indecisa, cresceu. E quando o sino da Matriz começou a vibrar, com uma paz inabalável e sóbria, ela verificou, exultante, que o retrato não ficaria vazio: a insubstancial riqueza daqueles minutos o animaria para sempre.

- Manhã linda! - murmurou. Hoje eu queria ser menina.

- Você é.

A afirmativa podia ser uma censura, mas foi como um descobrimento que Matilde a aceitou. Seu coração bateu forte, ela sentiu-se capaz de rir muito, de extensas caminhadas, e lamentou que o marido, circunspecto, mudo, estivesse alheio à sua exultação. Guardaria, assim, através dos anos, uma alegria solitária, da qual Antônio para sempre estaria ausente. Mas quem poderia assegurar, refletiu, que ele era, não um participante de seu júbilo, mas a causa mesma de tudo o que naquele instante sentia; e que, sem ele, o mundo e suas belezas não teriam sentido?

Estas perguntas tinham o peso de afirmativas e ela exclamou que se sentia feliz.

- Aproveite - aconselhou ele. Isso passa.

- Passa. Mas qualquer coisa disto ficará no retrato. Eu sei.

As duas sombras, juntas, resvalavam no muro e na calçada, sobre a qual ressoavam seus passos.

- Não é possível guardar a mínima alegria - disse ele. Em coisa alguma. Nenhum vitral retém a claridade.

Cinco meninas apareceram na esquina, os vestidos de cambraia parecendo-lhes comunicar sua leveza, ruidosas, perseguindo-se, entregues à infância e ao domingo, que fluíam com força através delas. Atravessaram a rua, abriram um portão, desapareceram.

Ela apertou o braço do marido e sorriu, a sentir que um júbilo quase angustioso jorrava de seu íntimo. Compreendera que tudo aquilo era inapreensível: enganara-se ou subestimara o instante ao julgar que poderia guardá-lo. "Que este momento me possua, me ilumine e desapareça – pensava. Eu o vivi. Eu o estou vivendo."

Sentia que a luz do sol a trespassava, como a um vitral.
 
Fonte:
Osman Lins. Os Gestos.

Ana Rolão Preto (Baú de Trovas)


A esperança é voz do Além
  que nesta vida nos guia.
Sem este amparo ninguém
às mágoas sobrevivia.
- - - - - –

Ai de quem diz o que pensa,
ai de quem diz o que sente!
Neste mundo de mentiras
mais agrada quem mais mente.
- - - - - –

Amo a dor que Deus me deu,
lembrando a dor de Jesus.
— Fico mais perto do Céu
abraçada à minha cruz!
- - - - - –

Amor! Não podem dizer
os versos mais inspirados
o que dizem a tremer
nossos dedos enlaçados.
- - - - - –

Bondade — Justiça — Amor!
— Trindade que, realmente,
podia tornar melhor
a vida de toda gente!
- - - - - –

Dignidade não é ouro,
nem é tampouco poder.
Dignidade é um tesouro
que o mais pobre pode ter!
- - - - - –

Em troca de folhas velhas
a terra dá flores e pão.
Dá tu em troca de ofensas,
bondade, amor e perdão.
- - - - - –

Importa saber falar,
mas também saber ouvir.
Nada pode aproveitar
quem não sabe discernir.
- - - - - –

Julgo que a alma será
esta chama fugidia,
que, ao fitar outros olhos,
o nosso olhar irradia.
- - - - - –

Mal por mal, antes ser escravo
do coração e errar,
que ser escravo da razão
e sem amor acertar.
- - - - - –

Não digas mal de ninguém
ainda que tenhas razão:
Pois quem te ouvir logo tem
de ti má opinião.
- - - - - –

Não digas toda a verdade,
se for triste e for grosseira.
É melhor ter caridade
que ser muito verdadeira.
- - - - - –

Ninguém entende a saudade,
ninguém a pode entender,
pobre de quem não a sente,
triste de quem a sofrer!
- - - - - –

Ninguém pode ser juiz
nas contendas do amor:
O coração nunca diz
o que tem no interior!
- - - - - –

O amor é como o sol,
mesmo encoberto alumia.
Nunca disse que te amava,
e toda gente o sabia…
- - - - - –

Olhando as folhas caídas
que o vento arrasta no chão,
fico a pensar nessas vidas
a que ninguém deu a mão.
- - - - - –

Quem aconselha aborrece,
sempre no mundo se ouviu.
Ninguém quer ou agradece
conselho que não pediu.
- - - - - –

Quem sabe não há um tesouro
sob a terra que pisamos?
Podem valer mais que nós
aqueles que desprezamos.
- - - - - –

Quem tem a sorte de amar
a quem o ama também,
a Deus graças deve dar
por ter a sorte que tem.
- - - - - –

Saudade... Divina essência!
É tudo quanto ficou
do bem que á nossa existência
o tempo trouxe e levou.
- - - - - –

Sei que os meus versos são velhos
de séculos – deixai-os ser.
O sol é bem mais antigo
e não deixa de nascer…
- - - - - –

Só o amor tem poder
de dois corações juntar,
contudo, sempre hão de ter
de um ao outro perdoar.
- - - - - –

Ter saudade é ter presente
um bem que nos pertenceu.
E, embora de nós ausente,
de todo não se perdeu.
- - - - - –

Toda casa deve ser
um santuário de amor:
Sagrada para quem lá vive,
exemplo de quem lá for.
- - - - - –

Todos se queixam do mundo,
aflitos, erguendo a voz!
Mas a culpa é de nós todos,
porque o mundo somos nós.

Fontes:
Ana Rolão Preto. Caruma. Lisboa, 1958.
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva

Rachel de Queiroz (Joga, Cunhado!)

    

Quem sobe de navio o rio Amazonas, a umas seis horas de Belém, depara com uma das maravilhas daquela espantosa natureza, ao cruzar os chamados estreitos. No começo do seu delta, o rio-mar caprichosamente se deixa semear de ilhas, ramifica o seu caudal em infinitos braços, como para variar da imensidão vazia. Os dois principais estreitos, nesses capilares do gigante, são o de Breves e o do Boiaçu (Cobra Grande), e é pelo último que navega o nosso Ana Nery. O navio é grande, contudo chega a passar tão perto da margem que dá para se avistar lá dentro das casas de jirau dos caboclos, na barranca. A marola que o vapor faz se encachoeira nas margens como querendo arrancar os paus de beira d’água. Há momentos em que até parece que o navio está vogando no meio da floresta — o que não deixa de ser verdade; quase que se estendendo a mão se tocaria na folhagem das árvores.

Apesar disso, a feição mais inesquecível dos estreitos é o seu elemento humano: os “cunhados”. A medida que o navio avança cauteloso pelas águas apertadas, vai lhe aparecendo ao redor um formigueiro de canoas — ou montarias, ou pirogas, ou aatás, não sei como as chame —; parecem moscas em redor de um prato. Longas de dois a três metros, estreitas, são manobradas por uma só pessoa, raramente duas. E eu digo pessoa no sentido de que menino de quatro anos seja pessoa, e velho corcunda, e adolescentes de canela fina, e mulher barriguda, e mãe de dois ou três curumins pequeninos que lhe sentam entre as pernas, e moços fortes, moças de vestido vermelho, e velhinhas de cachimbo; todos manobram as canoas com espantosa destreza e segurança, cavalgando a onda larga que o navio levanta, cortando-a de lado, ao rápido movimento dos remos em formato de folha de aguapé, pintados de cor viva, E lá de baixo, erguendo os olhos para os cinco andares do navio, eles soltam um grito chorado que é quase um canto e lembra muito um aboio de vaqueiro:

— Joga, cunhado! Joga, cunhado!

(Isso de chamarem os passantes de cunhados, eles o herdaram dos índios, que chamam “cunhado” ao estrangeiro que querem honrar, adotando-o simbolicamente na família; “Entre, cunhado; coma, cunhado!”).

A bordo, a passagem pelos estreitos e a chegada dos “cunhados” é um dos itens do programa turístico; antecipadamente, passageiros e tripulantes preparam um monte de sacos de plástico contendo pão, biscoitos, cigarros, fósforos, agulhas, linha, roupas. Os pacotes são jogados n’água, boiam e, com incrível habilidade, contornando ou aproveitando a correnteza, os cunhados os apanham; menininhos incrivelmente pequenos colhem na água os embrulhos com uma elegância de toureiros e logo acenam para o navio, agradecendo. Os passageiros, lá do alto, se compadecem e choram: “Que pobreza! Que pobreza!’’ Sim, a pobreza ali é grande e os presentes do navio são duramente disputados. Mas há também, naquela pescaria dos cunhados, um elemento de jogo, uma competição de destreza, que deve representar parte importante na operação. Na vida deles, tão rude e paupérrima, os pacotes no rio devem exercer uma função dupla de utilidade e diversão; e calculo que, entre os cunhados, valha tanto o precioso conteúdo dos presentes, como o título esportivo de campeão apanhador.

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Varal de Trovas n. 325


Carlos Drummond de Andrade (Nossa Amiga)


Não é bastante alta para chegar ao botão da campainha. O peixeiro presta-lhe esse serviço, tocando. Alguém abre.

- Foi a garota que pediu para chamar...

Quando não é algum transeunte austero, senador ou ministro do Supremo, que atende à sua requisição. Com pouco, a solução já não lhe satisfaz. Descobre na porta, a seu alcance, a abertura forrada de metal e coberta por uma tampa móvel, de matéria idêntica: por ali entram as cartas. Os dedos sacodem a tampa, desencadeando o necessário e aflitivo rumor. Antes de abrir, perguntam de dentro:

- Quem está aí? É de paz ou de guerra?

De fora respondem:

- É Luci Machado da Silva. Abre que eu quero entrar.

Ante a intimação peremptória, franqueia-se o recinto. Entra uma coisinha morena, despenteada, às vezes descalça, às vezes comendo pão com cocada, mas sempre séria, ar extremamente maduro das meninas de três anos. À força de entrar, sair, tornar a entrar minutos depois, tornar a sair, lanchar, dormir na primeira poltrona, praticar pequenos atos domésticos, dissolveu a noção de residência, se é que não a retificou para os dicionários do futuro.

- Qual é a sua casa?

- Esta.

- E a outra de onde você veio?

- Também.

- Quantas casas você tem?

- Esta e aquela.

- De qual você gosta mais?

- Que é que você vai me dar?

- Nada.

- Gosto da outra.

- Tem aqui esta pessegada, esta bananinha...

- Gosto desta casa! Gosto de você!

Não é gulodice nem interesse mesquinho... Será antes prazer de sentir-se cortejada, mimada. Esquece a merenda para ficar na sala, de mão na boca, olhando os pés estendidos, enquanto alguém lhe acarinha os cabelos.

Nem tudo são flores, no espaço entre as duas residências. Há Catarina e Pepino. Catarina foi inventada à pressa, para frustrar certa depredação iminente. Os bichos de cristal na mesinha da sala de estar tentavam a mão viageira. Pressentia-se o momento em que as formas alongadas e frágeis se desfariam.

Na parede, esquecida, preta, pousara uma bruxa.

- Não mexa nos bichinhos.

Mexia.

- Não mexa, já disse...

Em vão.

- Você está vendo aquela bruxa ali? É Catarina.

- Que Catarina?

- Uma menina de sua idade, igualzinha a você, talvez até mais bonita. Muito mexedeira, mas tanto, tanto! Um dia foi brincar com o cachorrinho de vidro, a mãe não queria que ela brincasse. Catarina teimou, mexeu e quebrou o cachorrinho. Então, de castigo, Catarina virou aquela bruxinha preta, horrorosa. Para o resto da vida.

A mão imobiliza-se. A bruxa está presa tanto na parede como nos olhos fixos, grandes, pensativos. Entre os mitos do mundo (entre os seres reais?) existe mais um, alado, crepuscular, rebelde e decaído.

Pepino tem existência mais positiva. Circula na rua - a rua é o espaço entre as duas quadras, repleto de surpresas - geralmente à tarde. Vem bêbado, curvado, expondo em frases incoerentes seus problemas íntimos. Pegador de crianças.

- Vou embora para minha casa. Você vai me levar.

- Mas você mora tão pertinho...

- E Pepino?

- Pepino não pega ninguém. Ele é camarada.

- Pega, sim. Eu sei.

- Pois eu vou dar uma festa para as crianças desta rua e convido Pepino. Você vai ver se ele pega.

- Eu não vou na festa.

- Você é quem perde. Vem Elzinha, Nesinha, Heloísa, Alice, Maria Helena, Lourdes, Bárbara, Edison, Careca, João e Adão. Pepino vai dançar para as crianças. Você, como é uma boba, não toma parte.

- Até logo!

Sai voando, a porta fecha-se com estrondo. Da varanda, ainda se vê o pequeno vulto desgrenhado.

- Espere aí, você não tem medo do Pepino?

- Não. Estou zangada com você.

Com a zanga, desaparece o temor. Seria realmente temor? Gosta de ser acompanhada, para dizer à mãe, quando chega em casa:

- Espia quem me trouxe.

Volta meia hora depois, penteada, calçada, vestido limpo.

- Espia minha roupa nova. Meu sapato branco.

- Mas que beleza! Onde você vai?

- Vou na festa.

Para tomar banho e trocar de vestido, é necessário que se anuncie sempre uma festa, jamais localizada ou realizada, mas que opera interiormente sua fascinação. Não há pressa em ir para ela. A merenda, a conversa grave com pessoas grandes, estranhamente preferidas a quaisquer outras, o brinquedo personalíssimo com o primeiro encontro do dia - um carretel, a galinha que salta do carrinho de feira - fazem esquecer a festa, se não a constituem. E resta saber se o enganado não será o adulto, que sugere terrores ou recompensas fantasiosas. Nas campinas da imaginação, esse galope de formas - será a verdade?

Senta-se no corredor, e com uns panos velhos, lápis vermelho, pedrinha, qualquer elemento poetizável, representa para si só a imemorial história das mães.

- Comadre, seu filhinho como vai?

- Tá bom, comadre, e o seu?

- Tá com dedo machucado e dodói na barriga. Vai tomar injeção.

- Então vou dar no meu também.

Perguntas e respostas, recolhidas em conversas de adulto, saem da mesma boca inexperiente. O objeto que serve de filho é embalado com seriedade. A doença existe, existem os sustos maternais. Mas tudo se desfaz, se acaso um intruso vem surpreender a criação, tirada em partes iguais da vida e do sonho, e que os prolonga. Assim pudesse a mãe antiga tornar invisível seu filho, ante os soldados de Herodes.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos de Aprendiz. (texto publicado em 1951).

II Concurso de Trovas “Cidade de Curitiba” (Trovas Premiadas)


Âmbito Nacional/Internacional
Tema: Inclusão Social
Categoria: Veterano

TROVAS DESTAQUE


Quando o amor for um preceito,
e a justiça nossa escola,
pobre terá por direito
tudo que tem por esmola.
Francisco Gabriel
(Natal – RN)

======================
Os surdos-mudos se empenham
e conversando são sábios,
quando a sua voz desenham,
fazendo das mãos seus lábios.
Messias da Rocha
(Juiz de Fora – MG)

======================
A liberdade germina
quando um povo pulsa e anseia,
qual semente pequenina
que rasga o solo e se alteia!
Carolina Ramos
(Santos – SP)

=====================
CLASSIFICAÇÃO GERAL

1º Lugar:
Mário Moura Marinho
Sorriso - MT

Crianças que, sem suporte,
nas ruas dormem no chão,
não são vítimas da sorte,
mas da falta de inclusão.
- - - - - –

2º Lugar:
Marília Oliveira
Porto Alegre - RS

Um gesto, um olhar sem pressa,
uma escuta à dor do irmão...
A inclusão sempre começa
quando alguém estende a mão.
- - - - - –

3º Lugar:
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora – MG

O mundo mais fraternal
também será mais risonho
quando a inclusão social
for real em vez de sonho!
- - - - - –

3º Lugar:
Professor Garcia
Caicó – RN

Enquanto há mãos escondidas,
fechadas entre os irmãos...
Há muitas mãos excluídas
à procura de outras mãos!
- - - - - –

4º Lugar:
Marília Oliveira
Porto Alegre - RS

Inclusão é humanidade,
sem rótulos, sem sentenças,
sempre que entende a igualdade
no respeito às diferenças.
- - - - - –

5º Lugar:
Edweine L. da Silva
Saitama - Japão

Nem bandidos nem mocinhos...
Somente há faces de um mal
onde se fecham caminhos
para a inclusão social.
- - - - - –

6º Lugar:
Carlos Alberto A . Cavalcanti
Arcoverde – PE

Quantos nas mãos têm de tudo,
mas lhes falta uma lição:
dar voz àquele que, mudo,
excluído estende a mão!
- - - - - –

6º Lugar:
Jaqueline Machado
Cachoeira do Sul – RS

Sem a inclusão social,
a injustiça faz saber:
- Se não parecer “normal”,
perde o direito a viver!
- - - - - –

7º Lugar:
Elias Pescador
São Paulo – SP

Sociedades inclusivas
têm na justiça o penhor.
Pacíficas, construtivas,
promovem paz, vida... amor!
- - - - - –

8º Lugar:
Francisco Gabriel
Natal - RN

A fome da humanidade
cessará sem ter demora,
se repartimos metade
do pão que jogamos fora.
- - - - - –

9º Lugar:
BESSANT
Pindamonhangaba - SP

Pedinte, mão estendida,
onde a igualdade se ausenta,
vive a vida sem ter vida,
só de sonhos se alimenta.
- - - - - -

9º Lugar:
Geraldo Trombin
Americana – SP

Mais que acessibilidade,
pede o cadeirante, em vão:
ter acesso de verdade
ao íngreme coração!
- - - - - –

9º Lugar:
Olga Maria Dias Ferreira
Pelotas – RS

Belo sonho assaz fecundo,
toda inclusão social
desperta o anseio do mundo
pela paz universal.
- - - - - –

10º Lugar:
Mário Moura Marinho
Sorriso – MT

Para inclusão social...
há de ver, a humanidade,
este marco principal:
respeito à diversidade.
- - - - - –

10º Lugar:
Roberto Tchepelentyky
São Paulo - SP

Por inclusão social,
que o mundo faça vigília:
Somos irmãos... e, afinal,
formamos uma família!...
- - - - - –

11º Lugar:
Professor Garcia
Caicó -RN

Ergue o braço, estende a mão
e acolhe os mais oprimidos,
que Deus inclui, na inclusão,
quem acolhe os excluídos!
- - - - - –

12º Lugar:
BESSANT
Pindamonhangaba – SP

"Cuidai dos meus pequeninos!"
Não há rogo mais profundo...
E o maior dos desatinos
é condená-los ao mundo.
- - - - - –

13º Lugar:
Therezinha D. Brisolla
São Paulo – SP

Sem preconceitos e ofensas,
sem pensamentos menores,
aceitar as diferenças
faz que sejamos melhores!
- - - - - –

14º Lugar:
Márcia Jaber
Juiz de Fora - MG

Estendo as mãos comovida,
buscando incluir a quem
sem ter chance nesta vida,
da exclusão se faz refém.
====================================

Categoria: Novo Trovador

1º Lugar:
José Carlos de Souza
Amparo - SP

Quando a Inclusão Social
for de fato um fato novo,
teremos bem menos mal
e um maior bem para o povo!
- - - - - –

2º Lugar:
Juarez F. Moreira da Silva
Rio das Ostras - RJ

Se todos fossem iguais,
como a lei nos insinua,
não haveria jamais,
tantos mendigos na rua.
- - - - - –

3º Lugar:
Maria Cristina de Oliveira
Campinas - SP

Para ser considerada
como inclusão social,
não pode ser tolerada
qualquer forma desigual.
- - - - - –

4º Lugar:
Nilze L. dos S. Benedicto
São Gonçalo - RJ

O apartheid está presente,
sem inclusão social.
O sistema então consente.
Quem é excluído afinal?
=======================================

Âmbito Estadual

Tema: Cidadania
Categoria: Veterano


1º Lugar:
Pedro Melo
União da Vitória

Quando tu passas, tão fria,
é imenso o meu dissabor:
- Não tenho cidadania
no País do teu Amor...!
- - - - - –

2º Lugar:
Pedro Melo
União da Vitória
“Cidadão”. Palavra morta
e vazia de sentido,
num país que não se importa
com quem vive desvalido...
- - - - - –

3º Lugar:
César Augusto Ribas Sovinski
Curitiba

Tece, a artesã solidária,
com seus novelos de lã,
a oferenda humanitária
de uma vida cidadã.
- - - - - –

4º Lugar:
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba

Ao pensar na humanidade,
cidadania se exerce,
estimulando a igualdade,
sendo a justiça o alicerce.
- - - - - –

5º Lugar:
Maria Helena O. Costa
Ponta Grossa

Cidadania eu almejo
para as crianças de rua,
às quais é negado o ensejo
de saber que a Pátria é sua!
- - - - - –

5º Lugar:
Célia Terezinha Neves Vieira
Irati

Educação é o escudo
para ter cidadania...
defendendo-te de tudo,
inclusive ... a tirania.
- - - - - –

6º Lugar:
Nilsa Alves de Melo
Maringá

Teus direitos e deveres
estejam em harmonia,
para com honra exerceres
a tua cidadania.
- - - - - –

7º Lugar:
Luiz Hélio Friedrich
Curitiba

Pensar a cidadania,
melhor projeto não há:
-Esquecer ideologia
e elevar o IDH!
- - - - - –

8º Lugar:
Célia Terezinha Neves Vieira
Irati

Para ser bom cidadão
e exercer cidadania,
Ponha na mesa o seu pão...
Trabalhe no dia a dia...
- - - - - –

9º Lugar:
Caterina Balsano Gaioski
Irati

Ter pão, paz e liberdade,
educação sempre em dia,
trabalho com dignidade,
resume a cidadania.
- - - - - –

10º Lugar:
Leonilda Yvonneti Spina
Londrina

Tratar sempre o semelhante
com respeito e fidalguia
é uma forma edificante
de exercer cidadania.
- - - - - –

10º Lugar:
Luiz Vieira
Irati

Quem vive na integridade...
luta pelo bem... não teme.
Defende sempre a verdade,
cidadania é seu leme.
- - - - - –

11º Lugar:
Luiz Hélio Friedrich
Curitiba

Onde anda a cidadania
que prega a Constituição,
se ao pobre, no dia a dia,
à mesa lhe falta o pão?!
- - - - - –

12º Lugar:
Maria Helena O. Costa
Ponta Grossa

Um cidadão exaltado...
E, sob o brilho da lua,
vejo um menino deitado
no triste leito da rua!...
- - - - - –

12º Lugar:
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba

Neste sistema tão falho,
se a injustiça nos oprime,
sem ter acesso ao trabalho,
aumenta-se a fome e o crime.
- - - - - –

13º Lugar:
Rosilene Tramontin
Ponta Grossa

Àquele que ama a Nação
luta pela liberdade,
de seguir na direção
e no bem da sociedade.
- - - - - –

13º Lugar:
Alfredina C. Pascholatti
Londrina

Limpos devem ser os mares;
nas escolas o respeito.
Educação vem dos lares.
Cidadania é um direito.
- - - - - –

14º Lugar:
Lucrecia Welter Ribeiro
Toledo

Os direitos e deveres
Imprimem cidadania;
Todos dois têm seus haveres
Na ordem de cada dia.
=============================================

Âmbito Estadual
 
Tema: Cidadania
Categoria: Novo Trovador

1º Lugar:
Dionezine de F. Navarro
Ponta Grossa

Criança, no sinaleiro,
pede pão em agonia.
A fome é o seu cativeiro...
Onde está a cidadania?
- - - - - –

2º Lugar:
Ana Welter
Toledo

Cidadania é direito,
faço dela o meu servir.
Tem como base o respeito
ontem, hoje e no porvir.
- - - - - –

2º Lugar:
Albano Bracht
Toledo

Um sistema de igualdade
não tem meia teoria.
Inclusão e liberdade...
Ou não é democracia.
- - - - - –

3º Lugar:
Jeferson Luiz Cadamuro Nunes
Maringá

Se a um só... falta saúde,
escola, teto, alimento,
nos cabe ser atitude,
abraço, inclusão, alento.
- - - - - –

4º Lugar:
Maria Eunice Silva de Lacerda
Toledo

Meus direitos, meus deveres,
estão na Constituição.
São tantos meus afazeres!
Cidadania em ação.
- - - - - –

5º Lugar:
Maria Eunice Silva de Lacerda
Toledo

Cidadania, é direito,
é dever do cidadão.
Cumprir tudo de bom jeito,
honrando sempre a Nação

Fonte:
Livreto do Concurso, disponível para download no Facebook UBT Seção Curitiba
.

domingo, 19 de julho de 2020

Varal de Trovas (Luiz Otávio)




18 de Julho (Dia do Trovador em Versos)


Carolina Ramos
(Santos/SP)


Amizade é mão amiga
à procura de outras mãos...
- E a Trova é a mão que nos liga,
na busca a um mundo de Irmãos!
- - - - - –

"Meus Irmãos, os Trovadores"
...e o Príncipe, fraternal,
agregou Trovas e autores,
num abraço Universal!
- - - - - –

A UBT, Rosa sagrada
para a Trova e seus cultores,
tem a senha abençoada:
"Meus Irmãos, os Trovadores"!
****************************************

Professor Garcia
(Caicó/RN)


Nossa trova se assemelha,
seja aqui, seja onde for...
à nossa Rosa Vermelha
símbolo eterno do amor!
****************************************

Nemésio Prata
(Fortaleza/CE)

A todos os trovadores
do universo, no seu dia,
vão os sinceros louvores
dos amantes da poesia!

"Papo" de Trovador...

Sofre n’alma o trovador
ao buscar rima escorreita
quando está em seu compor
e lhe “foge” a mais perfeita!
- - - - - -

- Cadê tu, rima? - pergunta
o trovador, desolado;
de repente ela se assunta,
num verso bem descolado!
- - - - - –

Com mestrado em poesia
e doutorado em amor
a todos sempre extasia
as “teses” do trovador!
- - - - - –

É a inspiração a chama
que incendeia o trovador;
quando por ela se inflama
faz lindas trovas de amor!
- - - - - –

Quem faz trova sem cuidado
de a provar em contraprova
vai terminar reprovado
na prova de fazer trova!
****************************************

José Feldman
(Maringá/PR)


Trovador! Braços abertos...
te acolho com muitas festas,
pois transformas os desertos,
em belíssimas florestas.
- - - - - –

Qual a Gralha Azul que voa.
cultivando o Paraná.
A trova, a terra povoa,
espalhando o seu maná.
- - - - - –

Ouve, amiga, o que te digo:
– quem cativa um trovador,
leva um coração amigo
a qualquer lugar que for…
- - - - - –

Ah, se eu fosse um construtor!...
Eu faria estradas novas,
incrustadas com amor,
pelo chão... milhões de trovas!
****************************************

Ialmar Pio Schneider
(Porto Alegre/RS)

SONETO A LUIZ OTÁVIO

In Memoriam – Dia do Trovador
Nascimento do trovador em 18 de julho de 1916 –


Luiz Otávio foi dos trovadores,
o Príncipe que divulgou a trova
e a revestiu de uma roupagem nova,
para que fosse a das mais belas flores...

Pois em cada ano sempre se renova
e vai angariando admiradores
que curtem os seus mágicos amores,
das ardentes paixões, vívida prova !

Em dezoito de julho é celebrado,
Dia do Trovador, sempre lembrado,
pois nasceu Luiz Otávio, nesse dia.

E todos aos que a trova têm paixão,
podem prestar-lhe em forma de oração,
a homenagem de sua nostalgia...

Fonte:
Trovas e Soneto enviados pelos trovadores.

Rubem Braga (O Afogado)


Não, não dá pé. Ele já se sente cansado, mas compreende que ainda precisa nadar um pouco. Dá cinco ou seis braçadas, e tem a impressão de que não saiu do lugar. Pior: parece que está sendo arrastado para fora. Continua a dar braçadas, mas está exausto.

A força dos músculos esgotou-se; sua respiração está curta e opressa. É preciso ter calma. Vira-se de barriga para cima e tenta se manter assim, sem exigir nenhum esforço dos braços doloridos. Mas sente que uma onda grande se aproxima. Mal tem tempo para voltar-se e enfrentá-la. Por um segundo pensa que ela vai desabar sobre ele, e consegue dar duas braçadas em sua direção. Foi o necessário para não ser colhido pela arrebentação; é erguido, e depois levado pelo repuxo. Talvez pudesse tomar pé, ao menos por um instante, na depressão da onda que passou. Experimenta: não. Essa tentativa frustrada irrita-o e cansa-o. Tem dificuldade de respirar, e vê que já vem outra onda. Seria melhor talvez mergulhar, deixar que ela passe por cima ou o carregue; mas não consegue controlar a respiração e fatalmente engoliria água; com o choque perderia os sentidos. É outra vez suspenso pela água e novamente se deita de costas, na esperança de descansar um pouco os músculos e regular a respiração; mas vem outra onda imensa. Os braços negam-se a qualquer esforço; agita as pernas para se manter na superfície e ainda uma vez consegue escapar à arrebentação.

Está cada vez mais longe da praia, e alguma coisa o assusta: é um grito que ele mesmo deu sem querer e parou no meio, como se o principal perigo fosse gritar. Tem medo de engolir água, mas tem medo principalmente daquele seu próprio grito rouco e interrompido. Pensa rapidamente que, se não for socorrido, morrerá; que, apesar da praia estar cheia nessa manhã de sábado, o banhista da Prefeitura já deve ter ido embora; o horário agora é de morrer, e não de ser salvo. Olha a praia e as pedras; vê muitos rapazes e moças, tem a impressão de que alguns o olham com indiferença. Terão ouvido seu grito? A imagem que retém melhor é a de um rapazinho que, sentado na pedra, procura tirar algum espeto do pé.

A ideia de que precisará ser salvo incomoda-o muito; desagrada-lhe violentamente e resolve que de maneira alguma pedirá socorro, mesmo porque  naquela aflição já acha que ele não chegaria a tempo. Pensa insistentemente isto: calma, é preciso ter calma.

Não apenas para salvar-se, ao menos para morrer direito, sem berraria nem escândalo. Passa outra onda, mais fraca; mas assim mesmo ela rebenta com estrondo. Resolve que é melhor ficar ali fora, do que ser colhido por uma onda: com certeza, tendo perdido as forças, quebraria o pescoço jogado pela água no fundo. Sua respiração está intolerável, acha que o ar não chega a penetrar nos pulmões, vai só até a garganta e é expelido com aflição; tem uma dor nos ombros; sente-se completamente fraco.

Olha ainda para as pedras, e vê aquela gente confusamente; a água lhe bate nos olhos. Percebe, entretanto, que a água o está levando para o lado das pedras. Uma onda mais forte pode arremessá-lo contra o rochedo; mas, apesar de tudo, essa ideia lhe agrada. Sim, ele prefere ser lançado contra as pedras, ainda que se arrebente todo. Esforça-se na direção do lugar de onde saltou, mas acha longe demais; de súbito, reflete que à sua esquerda deve haver também uma ponta de pedras. Olha. Sente-se tonto e pensa: vou desmaiar. Subitamente, faz gestos desordenados e isso o assusta ainda mais; então reage e resolve, com uma espécie de frieza feroz, que não fará mais esses movimentos idiotas, haja o que houver; isso é pior do que tudo, essa epilepsia de afogado. Sente-se um animal vencido que vai morrer, mas está frio e disposto a lutar, mesmo sem qualquer força; lutar ao menos com a cabeça; não se deixará enlouquecer pelo medo.

Repara, então, que, realmente, está agora perto de uma pedra, coberta de mariscos negros e grandes. Pensa: é melhor que venha uma onda fraca; se vier uma muito forte, serei jogado ali, ficarei todo cortado, talvez bata com a cabeça na pedra ou não consiga me agarrar nela; e se não conseguir me agarrar da primeira vez, não terei mais nenhuma chance.

Sente, pelo puxão da água atrás de si, que uma onda vem, mas não olha para trás. Muda de ideia; se não vier uma onda bem forte, não atingirá a pedra. Junta todos os restos de forças; a onda vem. Vê então que foi jogado sobre a pedra sem se ferir; talvez instintivamente tivesse usado sua experiência de menino, naquela praia onde passava as férias, e se acostumara a nadar até uma ilhota de pedra também coberta de mariscos. Vê que alguém, em uma pedra mais alta, lhe faz sinais nervosos para que saia dali, está em um lugar perigoso. Sim, sabe que está em um lugar perigoso, uma onda pode cobri-lo e arrastá-lo, mas o aviso o irrita; sabe um pouco melhor do que aquele sujeito o que é morrer e o que é salvar-se, e demora ainda um segundo para se erguer, sentindo um prazer extraordinário em estar deitado na pedra, apesar do risco. Quando chega à praia e senta na areia está sem poder respirar, mas sente mais vivo do que antes o medo do perigo que passou.

“Gastei-me todo para salvar-me, pensa, meio tonto; não valho mais nada.” Deita-se com a cabeça na areia e confusamente ouve a conversa de uma barraca perto, gente discutindo uma fita de cinema. Murmura, baixo, um palavrão para eles; sente-se superior a eles, uma idiota superioridade de quem não morreu, mas podia perfeitamente estar morto, e portanto nesse caso não teria a menor importância, seria até ridículo de seu ponto de vista tudo o que se pudesse discutir sobre uma fita de cinema. O mormaço lhe dá no corpo inteiro um infinito prazer.

(Crônica publicada em 1953)

sábado, 18 de julho de 2020

Varal de Trovas n. 324


Stanislaw Ponte Preta (O Leitão de Santo Antônio)


O vigário rosado, gordo e satisfeito, queridíssimo dos paroquianos daquela cidadezinha, não teria maiores problemas para pastorar suas ovelhas, não fora o mistério do cofre de Santo Antônio. Era um povo quieto, sem vícios, cidade sem fofocas, salvo as pequeninas, entre comadres. E o bom padre controlava a coisa, ouvindo uma, perdoando outra, em nome de Deus.

Mas havia o mistério do cofre de Santo Antônio!

Tudo começou no dia em que o padre resolveu colocar, ele mesmo, uma notinha de vinte cruzeiros, novinha em folha, dessas que saem logo depois de uma revolução, em emissão especial para pagar as despesas democráticas. O padre notou que seus paroquianos não contribuíam muito para o cofre que ficava ao pé da imagem de Santo Antônio e então tratou de colocar ali a nota de vinte cruzeiros, na base do chamariz. Admitia a possibilidade de os fiéis, ao verem a contribuição "espontânea", contribuírem também.

E qual não foi a sua preocupação no dia seguinte, ao recolher as contribuições nos diversos cofres da igreja, notar que os vinte cruzeiros tinham ido pra cucuia? Alguém (e não fora Santo Antônio, evidentemente) passara no cofre antes do padre.

Aquilo era grave. Desde que fora designado para aquela paróquia, nunca soubera de um caso de roubo, em toda a cidade. Pelo contrário, a população orgulhava-se de dormir sem trancas. E agora surgia aquele problema. O cofre de Santo Antônio era o que ficava mais perto da porta e devia ser esta a causa de estar sempre vazio. O ladrão se viciara em roubá-lo. Devia estar fazendo isto há muito tempo, o que explicava a falta de óbolos, que o padre não sabia roubados até o dia em que resolveu incentivar os fiéis com a sua própria notinha de vinte.

Naquele domingo, preocupado com as consequências de seu sermão, o padre andava de um lado para outro, na sacristia. Tinha de arranjar um jeito de avisar ao ladrão de que já era senhor de suas atividades, mas não devia magoar o povo com a notícia de que, na comunidade, havia um gatuno, isto poderia indignar de tal maneira a todos, que a vida pacata da cidadezinha ficaria comprometida pela indignação dos "sherlocks", pois é sabido que de médico e louco (e detetive) todos nós temos um pouco.

O padre fez o sinal-da-cruz e atravessou o átrio para dizer sua missa. Já tinha tudo planejado. Na hora do sermão, pigarreou e contou que Santo Antônio lhe aparecera em sonho, para agradecer a preferência de certo cristão daquela cidade, que sempre que podia deixava uma esmola gorda para os pobres e ainda "limpava" o cofre, possivelmente em sinal de contrição.

O sermão acabou e ninguém notou que o verbo "limpar" tinha sido usado com segundas intenções, mas o padre tinha certeza de que o ladrão se mancara. Mais cedo ou mais tarde viria contrito confessar-se. E — para reforçar sua tese — naquela tarde o cofre de Santo Antônio estava cheio de moedinhas.

Passaram-se alguns dias. Certa manhã o padre viu chegar o velho que tomava conta da estação. Era um negro forte, de cabelo grisalho, muito tranquilo até a hora de largar o serviço, ocasião em que entrava na tendinha e enchia a cara.

O negro chegou amparando uma bruta bandeja. Parou na frente do padre e explicou:

— Seu padre, eu também andei sonhando com Santo Antônio.

— Não me diga! — exclamou o padre, fingindo estranheza, mas já certo que aquele era o ladrão, com remorsos.

— Mas é verdade. Sonhei com Santo Antônio e soube que o santo anda com vontade de comer um leitãozinho. Eu estava engordando este aqui para o meu aniversário. Ele já está gordo e eu já tenho idade bastante para não comemorar mais nada.

Dito o quê, descobriu a bandeja e apareceu o mais apetitoso dos leitõezinhos, assado em forno de lenha. O padre sentiu o cheiro gostoso do seu prato preferido. Mas aguentou firme e disse pro preto:

— Deixa a bandeja aí na sacristia que eu entrego o leitão pro santo.

O bom ladrão obedeceu. Deixou a bandeja e voltou para casa de alma leve. Mas o padre também era um excelente sujeito. Minutos depois, o menino que fazia às vezes do sacristão na igreja chegava à porta com um recado do padre:

— Seu vigário mandou dizer — falou o moleque — que Santo Antônio está de dieta e que é pro sinhô ir comer o leitãozinho com ele, logo mais.

Foi um santo jantar.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Dois amigos e um chato. Ed. Moderna, 1996

Hilda Persiani (Poemas Avulsos) 2


A MOCIDADE

Que beleza é a mocidade!
Ser jovem é estar de bem com a vida,
É não saber ainda o que saudade
E desfrutar a estrada escolhida ...

É como a luz rompendo a madrugada,
Eu a comparo ao alvorecer,
Ter pela frente toda uma caminhada,
Tudo é novidade para conhecer.

O caminho de cada um é desconhecido,
Não são iguais os destinos da jornada,
Cada qual segue em frente convencido

Que se preparou para o que vier depois
E procura encontrar a pessoa amada,
Para a caminhada percorrer a dois .
****************************************

AMOR-PERFEITO


Este amor-perfeito, murcho, descorado
Pelo tempo e pelos beijos que lhe dei,
Num dia chuvoso e frio me foi dado
Pelas mãos de quem eu muito amei.

O dia era cinzento, o chão molhado,
Fitando-me com ternura ele me ofereceu,
Envolto em celofane e fio dourado,
Um amor-perfeito e o carinho seu.

Beijei a flor e guardei-a docemente
Com ternura e carinho de quem ama
E a vida foi decorrendo normalmente ...

Mas o tempo que caminha acelerado,
Do nosso amor foi apagando a chama
E só restou o amor-perfeito desbotado!…
****************************************

DESPEDIDA


Ao meu marido,Clênio
* 12-03-1923 - 14-10-2007


Foi muito triste a nossa despedida,
A nossa vida decorria alegre e feliz.
Não sei porque, são coisas da vida
Ou certamente Deus assim o quis;

Aconteceu tudo tão rápido, tão ligeiro,
Você me precedeu da vida na partida,
Foi de surpresa, perdi meu companheiro,
Agora, fiquei só e para sempre entristecida.

Você levou consigo o meu coração.
Ficarei um pouco mais, depois irei também...
Meus lábios estarão sempre em oração,

Meu dia chegará , então juntos novamente,
De mãos dadas, alegres e felizes no além,
Ao seu lado estarei sorrindo de contente!...
****************************************
ENVELHECER CONSCIENTEMENTE


Mesmo depois de tantos anos ter vivido,
De haver perdido os traços, talvez belos,
No espelho os procuro, não consigo vê-los,
Sou feliz por eles terem existido...

O tempo, nosso semblante desfigura,
Recompensa-nos com traços de ternura.
A alma torna-se mais bela, mais pura
E nos deixa mais firmes, mais seguras.

A tolerância toma lugar da presunção,
O interior é mais tranquilo, temos doçura,
A empáfia deu lugar à brandura.

Nossos comentários vêm do coração.
Quando sorrimos, nosso sorriso é franco,
Não nos aflige nosso cabelo branco.
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LEMBRANÇAS


Quando à tardinha me ponho a cismar,
Vêm-me á cabeça muita lembrança.
Sentada na rede a me embalar,
Recordo o meu tempo de criança...

Minhas bonecas, meus brinquedos,
Pular amarelinha na calçada,
As brincadeiras de roda, os folguedos,
Esconde, esconde, com a meninada.

De repente, voltando ao presente,
O coração arfando de saudade,
Ao em vez de ficar triste, fico contente

Por chegar à longevidade
E ter ainda dentro em mim,
Tantas alegrias para recordar assim…
****************************************

MARINA


Para minha sobrinha neta

Menina-moça, olhar de candura,
Tão delicada e tão feminina,
O seu sorriso emana doçura,
Invejo sua formosura, MARINA!

É ainda o botão de uma rosa,
Meiga, delicada, franzina,
Quando a vejo bela e carinhosa,
Como a invejo, MARINA!

Quando minha alma às vezes chora
Vendo que minha vida termina,
Ao ver sua deslumbrante aurora

Bendigo sua juventude, menina;
Estou aos poucos indo embora
Mas ai! Como a invejo, MARINA!…
****************************************

MOMENTOS


Como é bom passear na carruagem
Alada do pensamento,
Recordando cada momento
Que marcou como tatuagem...

Momentos que foram vividos,
Que guardados ficaram
E que nunca serão esquecidos,
Nos corações dos que amaram.

Momentos que farão mais sentido,
Quando a velhice chegar,
Felizes dos que nos tempos ido

Guardaram no coração
Doces momentos para recordar
Os anos que jamais voltarão.

Fontes:
Carlos Leite Ribeiro. Portal CEN.
Denise Barros (org.). Sonetos Eternos: Antologia de Sonetos / Celeiro de Escritores. Santos/SP: Ed. Sucesso, 2009.

Figueiredo Pimentel (O Papagaio Encantado)


Longe, muito longe daqui, lá para as bandas onde o sol nasce, dizem que existia maravilhoso país, diferente em tudo e por tudo do nosso. Governava-o um soberano, um rei, que fez a felicidade dos seus súditos, pelos generosos dotes de coração que abrigava; pelo seu amor e respeito à Justiça, ao Direito, à Liberdade, à Igualdade e à Fraternidade; e, sobretudo pela sua grande sabedoria. Chamava-se Marval, e tinha três filhas, qual delas a mais bonita: a primeira tinha por nome Alice, – a do meio – Rosa, e a terceira, – Amanda.

Um dia ordenou-lhes o pai que elas lhe contassem todos os dias, pela manhã, o sonho que por acaso, cada uma tivesse durante a noite. As meninas receberam essa ordem com certa estranheza. Contudo, como eram muito obedientes, prometeram cumprir o que lhes era mandado.

À noite, antes de se deitarem, em conversa, começaram a discutir aquela ordem absurda e tão fora de propósito.

Dizia Alice, a mais velha:

– Estou admirada da ordem que o nosso pai nos deu, manas, tão esquisita é ela; e nem sei que farei amanhã, se acaso sonhar uma tolice, como às vezes sucede a gente sonhar. Com certeza terei pejo em narrá-la.

– Eu não, disse Rosa, não tenho vergonha alguma de meu pai, e contarei tudo, se tiver algum sonho.

– E eu, falou Amanda, a caçula, já que, é a vontade do meu pai, dir-lhe-ei tudo nem que saiba zangar-se ele depois comigo.

No dia seguinte, pela manhã, Marval mandou, dizer às moças que já estava à espera, para elas lhe contarem os seus sonhos.

As duas primeiras nada tinham sonhado, por isso nada disseram. Amanda, porém, sonhara que por aqueles dias havia de se casar com um príncipe muito lindo e muito rico, senhor de um país onde as casas eram de ouro e pedras preciosas, e que cinco reis haviam de lhe beijar a mão, achando-se entre eles seu pai.

O monarca, zangadíssimo com a filha, declarou que se ela sonhasse outra vez semelhante coisa, e tivesse coragem de lhe relatar outro sonho, assim tão soberbo, mandaria matá-la.

As duas irmãs ficaram tristes, quando souberam do sonho de Amanda e foram lhe pedir para não contar outro, que por ventura tivesse, no mesmo sentido, sendo nesse caso preferível mentir.

– Papai disse que te mandaria matar. Ora, bem sabes que palavra de rei não volta atrás. Por isso acho bom nada mais lhe narrares.

No dia seguinte a menina quis enganá-lo. Mas como não sabia mentir, chegou-se para ele chorando muito, e lhe contou entre lágrimas, o sonho da véspera, que se repetira naquela noite.

Marval enfureceu-se com a desobediência da filha, pensando, que ela estava procedendo propositadamente. Mandou, pois, que os criados a levassem para uma floresta distante, e a matassem; trazendo-lhe o dedo mindinho, como prova de sua morte.

As irmãs, tendo notícia da sentença, de joelhos, pediram ao rei que a perdoasse, pois se Amanda havia contado o sonho, foi porque lhe tinha sido ordenado; que elas duas lhe haviam aconselhado não repetir a narração, mas, como era muito verdadeira, não quis mentir, e confiara na bondade do pai para absolvê-la.

– Antes papai a mande presa para a torre do castelo, opinou Rosa, sem poder sair, senão uma vez por ano.

Continuando a suplicar o perdão da irmã, ou, pelo menos, a comutação da pena, Rosa e Alice inventaram mil castigos. O rei, todavia, foi inflexível; não revogou a ordem, e as meninas saíram dali com o coração cheio de dor, pela próxima perda da irmãzinha que tanto estimavam.

No outro dia, assim que rompeu a madrugada, a princesa Amanda partiu para a Floresta Negra, toda de luto, com um véu preto, que lhe cobria completamente o rosto, a ponto de torná-la desconhecida.

Ordenara-lhe Marval o uso desse véu, para que a corte ignorasse o fato, e não começasse a propalar a sua maldade. Os próprios criados de confiança, que foram designados para matar a princesa, não sabiam quem era aquela moça toda de preto, com um véu tão espesso, que não deixava ver sequer a sua fisionomia.

Antes de chegarem à Floresta Negra, os emissários reais encontraram uma velhinha, uma mendiga, que todos os dias ia receber esmolas que Amanda lhe dava. Essa velhinha, que era adivinha, ao ver passar aquela gente tão cedo, ainda de madrugada, conheceu logo a princesa, e gritou:

– Adeus, princesa Amanda, minha benfeitora, filha do muito poderoso rei Marval! Desejo-lhe muitas venturas. Vá depressa, que seu noivo está à sua espera!...

A moça, que ia muito triste, pensando na sua sorte desgraçada, mais triste ficou, por se lembrar que a pobrezinha ia passar sem esmolas.

Não obstante não poder parar, nem um segundo, sob hipótese alguma, a carruagem que ia, teve ela ainda tempo de atirar uma moedinha, que se achava acaso no bolso do vestido.

A velha, compreendendo o bom coração da menina, exclamou:

– Deus nunca desampara os bons, princesa Amanda! Nossa Senhora há de acompanhá-la e protegê-la!

Ora, entre os criados que haviam ido levar a princesa, para matá-la na Floresta Negra, achava-se um, de nome João, já velho, que a tinha criado. Sabendo, pelas palavras da mendiga, que a moça a quem levavam para assassinar tão cruelmente, ser a sua querida, a sua extremosa, sua dileta filhinha, – como ele chamava e considerava a princesa, – protestou logo no não cumprimento da ordem real, sucedesse o que sucedesse.

Firme nesse propósito, logo que o cortejo chegou à entrada da Floresta Negra, João disse aos seus companheiros que fora ele o encarregado de matar a moça; e por isso que o esperassem ali, pois não precisava de ajudante para tal serviço. Levou a menina para longe, no meio da mata, e como estimava muito a princesinha teve pena de matá-la. Trouxe, todavia, para o rei não desconfiar, o dedo mínimo de Amanda como, prova de sua morte, e em cumprimento à ordem que recebera.

Assim que a jovem Amanda se viu só, principiou a chorar de medo, porque ouvira dizer que aquela floresta era mal-assombrada. Começou a andar; e, andando muito, já bastante fatigada, chegou a um buraco.

Aproximou-se dele, e assim que transpôs a entrada, percebeu que quanto mais caminhava, tanto mais largo se tornava ele, do mesmo modo que o terreno mais pedregoso e cheio de raízes, se cobria de relva fina e macia, que seus pés cansados pisavam.

Prosseguindo sempre, deparou-se-lhe deslumbrante palácio todo de mármore cor-de-rosa, e janelas e portas de ouro. Sentindo-se bem, ficou residindo aí, satisfeita, almoçando, jantando e ceando, sem no entanto ver pessoa alguma, o que de algum modo a impressionava.

A única coisa que quebrava o silêncio desse palácio, era um papagaio, que falava dentro de um quarto fechado e cujas portas jamais se abriam.
***

Havia algum tempo já que Amanda ali se achava, vivendo, cada vez mais serena e feliz, apenas muitíssimo triste, quando um dia, lhe apareceu um moço, formoso, ricamente vestido. Entregou-lhe ele a chave do quarto, dizendo que podia abri-lo, o que fez sem mais demora.

Foi um deslumbramento. Ficou maravilhada de ver papagaio tão grande, tão bonito, de asas tão douradas que parecia o sol, e tendo na cabeça um diamante de inexcedível preço, e lindo, lindíssimo, sem igual no mundo.

Ao ver aproximar-se a moça, a ave sacudiu as penas, contentíssima, e disse:

– Bons-dias, princesa Amanda, filha do rei Marval! Como vem tão bonita, tão formosa!

– Mais formoso do que eu, és tu, meu lindo papagaio dourado...

Ainda bem não havia terminado a última palavra, e o papagaio transformou-se no lindo moço que lhe tinha aparecido para lhe dar a chave do quarto. Esse moço era sua alteza o príncipe imperial Calcim, filho e herdeiro de Manarés XI, imperador da região das Pedras Raras. Fora transformado num papagaio, e deveria permanecer nesse estado até encontrar uma princesa que descobrisse o palácio subterrâneo e o desencantasse.

Assim, meses após, celebrou-se o seu casamento com Amanda, comparecendo cinco reis tributários do imperador Manarés XI, entre os quais se achava o rei Marval para beijarem a mão da noiva.

Todos os outros beijaram a mão da princesa, mas, quando chegou a vez de Marval, a nova imperatriz recusou-a.

Escandalizado com tão grave injúria, à vista dos outros reis, Marval perguntou o motivo do procedimento da princesa.

Calcim, querendo dar uma satisfação da recusa, perguntou a Amanda por que assim procedia com um rei tão ilustre e senhor de uma nação poderosa e amiga.

A moça narrou, então, a sua história, que foi ouvida por todos com a máxima atenção. Marval foi muito censurado, mas, mostrando-se arrependido, obteve o seu perdão, e viveu feliz ainda muitos anos.

Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.

3. Concurso de Declamação Poetizar o Mundo (Resultado Final)


É com muita satisfação que anunciamos os vencedores do 3º Concurso de Declamação do Projeto "Poetizar o Mundo". Esclarecemos que as declamações apresentadas revelaram boa qualidade de interpretação. Agradecemos a participação de todos os inscritos e o apoio dos jurados.

A comissão julgadora foi composta por José Feldman, poeta trovador, organizador de concursos de trova, Marco Antonio Garbellini, diretor de teatro, ator e produtor, e Leny Mell, poeta e administradora do grupo Mell Poesias.

Os jurados analisaram todos os vídeos inscritos, focando
a) Postura cênica,
b) Imposição de voz,
c) Harmonização da palavra e gesto,
d) Efeito emocional.

Todos os poemas declamados são de autoria de Isabel Furini.
Jul Leardini recebeu o primeiro lugar por unanimidade. No segundo lugar ficou o poeta Moisés António. Duas inscritas receberam a mesma nota final, ficando Bia Tarachuka Gonçalvez e Maria Antonieta Gonzaga Teixeira no terceiro lugar.
Todos os participantes receberão certificado.
 
Apresentamos a seguir um pouco do currículo dos vencedores:

Jul Leardini
É escritor, poeta, dramaturgo e roteirista, atuando também como professor de Arte, Cinema e Teatro, adlém de ator e diretor teatral. Tem mais de 100 produções realizadas.

Moisés António
Formou-se em Letras, na Universidade Agostinho Neto de Luanda-Angola, em Lingua e Literatura em Língua Inglesa, além de outros cursos de curta e longa duração. Exerce trabalhos autônomos de Tradução de livros, capas e diagramação, além de aulas em grupos ou particulares de Inglês.

Bia Tarachuka Gonçalves
Estudou Teatro na instituição de ensino Teatro Lala Schneider, estudou Produção Cênica na instituição de ensino UFPR - Universidade Federal do Paraná, e fez curso de Interior design na instituição de ensino Centro Europeu.

Maria Antonieta Gonzaga Teixeira
É poeta e artista. Graduada em Pedagogia e Pós-Graduada em Psicopedagogia e Didática. Em 2014, publicou o livro Dos Pequizeiros às Araucárias, em 2015. Um poema de sua autoria recebeu Menção Especial do Jurado no Salão Internacional de Necochea (Buenos Aires, Argentina,2017).


 _____________________________
POEMAS VENCEDORES


 

Poema declamado por Jul Leardini:

DIANTE DA SOLIDÃO E DO VAZIO
 

Ressurgem incômodas lembranças
memórias enterradas em gavetas de madeira
com sete fechaduras
memórias que acordam
e realizam inventários detalhados
ou permanecem escondidas entre tímidos sorrisos
é o poder da solidão

a solidão abre gavetas mentais escondidas
e ficamos aterrorizados
diante das vozes dissonantes do passado
diante do medo, da culpa e do remorso
perguntando se poderíamos
ter sido melhores do que somos ou piores ...

o arpão da memória nos machuca
e ficamos sozinhos como uma gárgula no telhado
sozinhos como o santo e o condenado
sozinhos com nossas realizações e fracassos
com nossos sonhos despedaçados
com o peso de nossas escolhas
com nossos pavores imaginários

a civilização que fingia ser poderosa
está a poucos passos do desmoronamento
caiu o véu da grandiosidade
estamos desamparados e com as emoções
ameaçando descontrolar-se
nossos pensamentos voam sem rumo
como pássaros libertos
nossas lembranças chegam em avalanche
de imagens e de palavras

estamos sozinhos no caminho
sozinhos diante do vazio
sozinhos e clamando por Deus.

*
Moisés António declamou 

ENTRE CANÇÕES

Naveguei pelo mar da subjetividade
e encontrei ilhas
isoldas
entre as águas da incompreensão
levei barcos com amigos e canções
e entre o vinho e as canções de amor
eu vi o tédio sendo esmagado
(impiedosamente)
e percebi a morte abrupta da solidão.

*
O poema declamado por Bia Tarachuka Gonçalves

ANTIGO AMORferozes lembranças
fogem
das cavernas da noite
e açoitam a mente
como cem mil arqueiros
atacando cruelmente
com felizes imagens
de um amor já morto.
*

Maria Antonieta Gonzaga Teixeira declamou 

SERPENTINASDeixe a sua alma
dançar entre as flores
pois a beleza
amaina os rigores da vida
sonhos e amores
são serpentinas
que se desenrolam
ao longo dos anos
e depositam nas mãos
profundos oceanos
de lágrimas e de risos.

Fontes:
Texto enviado por Isabel Furini.
Revista Carlos Zemek.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Varal de Trovas n. 323


A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) As Fontes do Américo


Américo Dias Ferraz, eleito em 1956, foi o segundo prefeito de Maringá. Deixou para as gerações futuras uma imagem um tanto folclórica e a fama de valentão. Prefiro, porém, lembrá-lo como um homem de modesta cultura escolar mas de inteligência acima da média e ideias bastante avançadas em relação à época em que aqui viveu.

Veio de Minas quando Maringá respirava ainda o aroma da mata. Competente negociante, fez fortuna no ramo de beneficiamento de café. Graças à sua simpatia pessoal, foi chamado a disputar a prefeitura. Entrou na campanha 45 dias antes do pleito, comprou uma motoniveladora e saiu de bairro em bairro endireitando as ruas então superesburacadas. Com uma viola em punho, subia aos palanques e atraía multidões. Derrotou sem dificuldade os dois candidatos tidos antes como favoritos: O advogado Haroldo Leon Peres e o médico Gerardo Braga.

Sua administração foi bastante tumultuada. Brigou com a Companhia Melhoramentos, com a Câmara de Vereadores, fez uma série de outras estripulias e acabou perdendo o mandato antes do prazo. Mas o que desejo destacar não é nada disso.

Penso que o que de fato marcou a passagem do Américo pela prefeitura foi sua visão de futuro. A cidade era ainda pouco mais que um vilarejo, sem rua calçada, sem redes de água e esgoto, mas com todo o jeito de lugar destinado a prosperar rapidamente.

O novo prefeito tinha certeza disso e decidiu que era preciso providenciar de imediato um trabalho de embelezamento da urbe. Começou pela construção de uma fonte luminosa na Praça Raposo Tavares. Alguns criticavam, mas vinha gente de longe admirar a novidade.

“Maringá nasceu pra ser uma cabocla bonita”, dizia. E explicava: “Estamos numa localização estratégica, prontos para ser um grande polo. Isto aqui vai ser a grande loja da região. Toda a vizinhança, até as barrancas do Paranazão, virá aqui fazer suas compras, suas operações bancárias, consultar médicos, além de estudar e se divertir. Então temos que enfeitar a ‘loja’, embonitar as ruas e praças e criar o máximo possível de atrações”.

Dizia mais: “Se a cidade é bela, atrai mais gente. Se atrai mais gente, vende mais. Se vende mais, a prefeitura arrecada mais impostos e assim tem mais recursos para atender melhor a população, fazer mais pelos bairros etc. etc.” Sabia das coisas o homem.

Com esse mesmo espírito, Américo investiu seu próprio dinheiro na montagem de um estabelecimento arrojadamente moderno, o Bar Colúmbia, na Avenida Getúlio Vargas, com tudo “nos trinques do chique”, sem perder em nada para lugares que ele estava acostumado a frequentar em suas viagens ao Rio e São Paulo.

Maringá nasceu mesmo para ser uma “cabocla bonita”. Américo estava certo. Por ser bonita, chique, bem servida de atrativos modernos, ela é hoje a metrópole que a todos encanta. Precisa agora apenas manter a cosmética em dia.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 30-4-2020)
Fonte:
Texto enviado pelo autor
Desenho digital sobre foto do autor.