segunda-feira, 8 de março de 2021

Aparecido Raimundo de Souza (Parte 35) Como a esperança do amor em noites altas...


DONA PREGUIÇA, AO VER o seu Canário Belga pousar no beiral de sua casa, se vira para o recém-chegado e faz carinha de desconsolada. Fala:

— Que bom que apareceu. Estou com uma fome dos diabos. Não me faria um grandíssimo favor?

Seu Canário acha melhor dar uma de bom samaritano. Como tem interesse na intrigante mamífera e, sendo sabedor que, apesar de relaxada e ociosa, de quando em vez ela dá umas puladinhas de cerca, assente, pressuroso:

— Qual favor, dona Preguiça?

—Como o senhor voa rápido, corta os ares com uma velocidade indescritível buscaria algo para eu comer lá na lanchonete do seu Zé Macaco?

Num primeiro momento o impulso da ave foi o de mandar dona Preguiça lamber sabão. Todavia, se agisse desta forma, cairia por terra qualquer possibilidade de se achegar a ela e tentar alguma coisa mais “caliente”. Impossível? Jamais! Lembrou imediatamente do seu amigo distante, o Shrek, onde um burro, sem eira nem beira, se apaixona por uma dragão fêmea. Pensando firmemente nesta probabilidade, apesar de todos os prós e contras, não deixou de perguntar o que lhe veio na mente, para ver até onde a dondoca pretendia chegar:     

— E por que a senhora mesma não vai lá pessoalmente?  Aproveita a noite fresca, o céu estrelado... Sem falar que as horas ainda não se perderam à revelia do silêncio!...

Dona Preguiça, todavia, tem resposta para tudo, na ponta da língua. Rebate ladinamente esperta:

— Porque estou muito cansada, seu Canário. Quase oito da noite. Trabalhei até agora. Saio de casa às quatro da manhã para pegar no batente às nove horas em ponto. Isto de segunda a sábado. Imagine! Como ando muito devagar, o senhor tem conhecimento da minha fama. Gasto uma eternidade enorme para fazer um percurso de meio quilômetro. Até chegar no Zé Macaco... Ele já se recolheu. Hoje dei sorte... Dividi o táxi do seu Leão da juba grande com as irmãs Simone e Silmara, as  fogosas onças Pintadas.

Seu Canário vai mais fundo. Indaga:

— Ainda que mal pergunte. A senhora trabalha aonde?

— Na padaria do seu Pedro Javali.

Seu Canário fica sério e arqueia as sobrancelhas:

— Estranho!

— O que acha estranho seu Canário Belga?

— Praticamente não saio do comércio do seu Javali e nunca vi a senhora por lá. Por favor, não me entenda mal...

— De forma alguma. Espera lá. Eu sei o motivo. Fico o tempo todo na cozinha fazendo lanches e preparando pelo menos umas doze ou treze garrafas de café e outras tantas de sucos os mais diversos. Daí o senhor não me ver. Geralmente quem atende no salão são as coelhas Bia e Carol. Mas me diga aí, seu Canário... Que me recorde, das vezes em que apareci no salão, confesso, igualmente, nunca topei com o senhor sentado numa das mesas.

— Por certo dona Preguiça, por certo lhe assiste inteira razão. Eu só passo de passagem, digo, voo de passagem para pegar as refeições de meus dois pequenos Belguinhas.

— Que bacana! Então o senhor é freguês do meu patrão Javali?

— Não exatamente...

— Não entendi. Não faz compras regularmente no empório colado à padaria?

— Eu explico dona Preguiça. Eu e minha família (faço referência a meus dois filhinhos) moramos nos fundos do estabelecimento, ou mais precisamente, no topo de uma árvore enorme.

— Raios e trovões! O senhor se refere àquele carvalho nos fundos do quintal?

— Esse mesmo em carne e osso.

— Como disse...?!

— Em galhos, raízes e folhas.

— Ah, sim! Quer dizer que aquela cantoria que escuto logo cedo, vem de seus pequenos?

— Com certeza, dona Preguiça. Com certeza.

— Encantada. Não sabia que era nosso vizinho! Às vezes, seu Javali joga uns restos de comidas fora...

— Eu sei. E, quando isso acontece, eu entro em cena catando estas migalhas e distribuindo para meus bebês.

Dona Preguiça vendo seu Canário Belga falar de filhos e não mencionando esposa, questiona abelhuda:

— E sua companheira? Deve ter uma, suponho?

— Qual o quê! Bateu asas e se mandou com um periquito australiano pra bem longe...

— Verdade?

— Sim. A sem vergonha me trocou por outro...

— Já que é assim, seu Canário, posso lhe ajudar...

— Como me ajudar, dona Preguiça? Vai me pedir em casamento?

Dona Preguiça ri a boas gargalhadas:

— Pra Deus nada impossível. Quem sabe! Quando falei em ajudar, fazia referência ao invés de deixar que seu Javali jogue as sobras fora, eu as guardaria e entregaria diretamente ao senhor...

— Faria isto por mim?

— Sem problemas, seu Canário, sem problemas.

— Perfeito. Fechou. Vamos lá. O que é que a distinta quer comer?

— Uau! Iria buscar um lanche?

— Uma mão lava a outra, dona Preguiça.

— Eu sei seu Canário, eu sei. E as duas, o rosto. Aguarde um minuto que vou lá dentro buscar o dinheiro.

Assim foi. Uma hora e meia depois dona Preguiça volta com o dinheiro. Seu Canário, de posse dele, corre... Corre... Corre  não, voa, até a lanchonete de seu Macaco e traz o pedido para dona Preguiça, que se deleita com a guloseima. Estava com uma fome dos diabos e aquele sanduíche de folhas de embaúba e brotos de árvores frutíferas, com queijo derretido lhe caiu como um quitute de primeira ordem.

Seu Canarinho não aceitou nenhum naco da iguaria que lhe fora oferecida. Estava de papo cheio e seu interesse maior seria o de cantar aquela preguiça de hábitos requintados, dona de grandes garras e que, igualmente aos demais da sua cadeia familiar, dormia catorze ou dezoito horas por dia. Isso não importava. Desde que ele lavasse a égua, ela poderia dormir quantas horas lhe desse na telha. Aquela lindeza de corpo cinza claro, com manchas pretas lhe deixava em estado desesperador. Precisava dar um jeito de ser mais contundente em suas cantadas e chegar aos finalmente com a menor brevidade possível.

Desde que sua adorada esposa, dona Passarinha lhe colocara um belo par de chifres, seu Canário se fechara para o mundo. Todavia, com o passar dos dias e dos meses, começou a se sentir triste e macambúzio. Precisava reagir. Sair do ostracismo e seguir a sua vida. Arranjar um novo cobertor de orelha, alguém para dividir seus medos e receios e, claro, uma nova esposa que ajudasse a criar seus dois filhotes. Os meninos estavam crescidinhos, mas, sem o amparo da visão materna necessária e indispensável. Dona Passarinha, de fato, se fora de vez e jamais voltara a dar as caras, sequer para rever os filhotes que orfaram sem saber o verdadeiro motivo daquele triste abandono.

— Pois então, seu Canário — diz dona Preguiça após se fartar com o lanche. — A partir de amanhã começarei a recolher, eu mesma, o que seu Javali, meu patrão, jogar fora e guardarei para o senhor, digo para seus filhotinhos...

— Obrigado, dona Preguiça. Ficarei imensamente grato pela sua ajuda e compreensão. A propósito: como farei para pegar estas “guloseimas?”.

— O senhor poderá vir aqui em minha casa ou diretamente ter comigo em meu horário de saída...

— Não será muito incômodo para a sua pessoa, dona Preguiça?

— Que é isto, seu Canário! Incômodo é doença. Farei com maior prazer. De mais a mais, pense em seus pequenos...

— Por certo, dona Preguiça. Por certo. Bem, vou deixa-la em paz. Hora de ir embora. Meus bichinhos estão sozinhos, lá em casa, e eu preciso me fazer presente. Sabe como é, né. A noite vai alta. Daqui percebo a sua escuridão se achegando com um tremor inesperado. Hora de partir. Tenha bons sonhos, querida. Durma com os anjos.

— O senhor também, seu Canário Belga. Deposite em seus “gatinhos” beijos do coração aqui da tia Preguiça.

Seu Canarinho Belga vira as costas e sai de cena num rasante espetacular, deixando dona Preguiça acabando de se fartar com as migalhas finais do sanduíche. Em casa, agasalhado aos filhos, seu Canarinho Belga pensa com suas penas: “Aquela Preguiça vai acabar aqui em cima aconchegada comigo... Ah, isto vai”.

Por sua vez, enquanto se recolhe, dona Preguiça ainda lambendo os beiços em face do lanche devorado, não deixa de ter pensamentos pecaminosos:

— Apesar de toda a minha fama de bambeza e atonia, ainda trarei para a minha humilde moradia, ou melhor, para a minha alcova aquele passarinho com cara de safadinho. Quer saber? Vou investir. Essa história das iguarias que o velho Javali joga fora me servirá de ponte para atingir, em cheio, o coração desse Canário de voos majestosos. Que diabo daria o casamento de uma folívora placentária igual a mim com um ser da família dos fringilídeos de plumagem compacta e sem frisos? Amanhã, quando sair da padaria, consultarei a senhora dona Coruja.

Seu Canarinho, mais esperto, dia seguinte, sai cedo depois de deixar os filhotinhos devidamente alimentados. Bate às portas de dona Coruja, tida na floresta como a simbolizadora ou a guardiã da inteligência, do mistério e do misticismo, entre outras variantes. Paga a consulta e entra direto no assunto:

— Senhora dona Coruja, me mata uma curiosidade. Do relacionamento de um Canarinho Belga com uma simpática de uma certa Preguiça, o que resultaria?

Dona Coruja responde de primeira, na lata, sem pestanejar:

— Certamente, meu caro senhor Canário Belga, uma linda ninhada de pilosas voadoras.    

Fonte:
Parte integrante do livro de crônicas de Aparecido Raimundo de Souza, ‘COMÉDIAS DA VIDA NA PRIVADA’ – Editora AMC-GUEDES - Rio de Janeiro. 2021.
Texto enviado pelo autor.

Dica de Escrita: Impressão sob demanda e o que isso muda para os escritores


artigo do Portal Escrita Criativa
 
Em um passado nem tão distante assim, o caminho para um escritor publicar livros era um só: despertar o interesse de uma editora que editasse, publicasse, distribuísse e vendesse a sua obra. Nesse caso, a dificuldade era conseguir uma editora. Com o avanço da tecnologia digital, o escritor passou a ter mais liberdade no processo, podendo escolher uma editora mais facilmente, mesmo que ainda em troca de um investimento considerável.

Hoje, o mercado editorial evolui conforme aumenta o número de escritores e clientes para estes serviços. Neste contexto, a impressão sob demanda (ou POD – Print on Demand) surge como uma possibilidade para os escritores que desejam ter seus livros impressos, na tiragem que quiserem, e entregues ao seu público de uma forma rápida e prática.

Para falar com mais detalhes sobre este assunto, conversamos com Luisa Aranha, escritora com cinco anos de experiência em publicações independentes e autora do Guia de Autopublicação pela Amazon, e Marcelo Spalding, escritor, professor e fundador da Metamorfose Cursos. Eles comentaram sobre as principais vantagens de se optar pela impressão sob demanda, além de terem dado dicas para quem deseja começar a imprimir seus livros desta forma.

Quais as principais vantagens de se optar pela impressão sob demanda para um escritor?

Marcelo Spalding: A impressão sob demanda é muito importante para que possamos imprimir uma quantidade de livros compatível com a realidade do autor iniciante. Antigamente tínhamos que rodar 1000 exemplares, e poucos autores que estão começando conseguem vender tantos livros. Hoje é possível fazer 100, 150, 200 exemplares com custos razoáveis e competitivos.

Luisa Aranha: A principal vantagem é não se preocupar com estoque e envio. Hoje em dia, você adiciona o livro em uma plataforma sob demanda e ela coloca em todos os marketplaces possíveis. Estando disponíveis em lojas virtuais, o livro ganha uma visibilidade também maior que apenas a bolha do escritor.

Quais as dicas que você daria para quem deseja começar a imprimir seus livros dessa forma?

Marcelo Spalding
: Minha principal dica é: gráfica NÃO É EDITORA. Alguns autores acham que, pela facilidade atual de imprimir livros, inclusive em menor quantidade, basta enviar seu arquivo de Word e você se torna um escritor. Um livro precisa de um editor e/ou leitor crítico, que ajude o autor a ter uma visão crítica sobre seu trabalho. A autopublicação é muito importante e, por vezes, salutar para o escritor, mas ele não pode queimar etapas para economizar. Este é um dos motivos que sempre sugiro a impressão de pelo menos 100 exemplares, porque há custos fixos envolvidos na produção de um livro que para serem pagos, é necessária uma certa quantidade de livros vendidos.

Luisa Aranha: Conversar com autores que já utilizem dessas plataformas e com profissionais do meio para entender todo o processo. Não é porque se trata de uma publicação sob demanda que ela não precisa passar por todo o processo de editoração. Muitas vezes, o que atrapalha quem quer começar é não saber como funciona o processo de editoração de um livro. Por isso, informar-se é essencial. No ano passado, lancei o Guia da escritora independente na Amazon e lá tem um passo a passo para quem quiser se aventurar, que pode ajudar bastante.

Principais vantagens da impressão sob demanda:

• O autor pode encomendar a quantidade (tiragem) que quiser, sem o risco de acumular um grande número de livros caso não consiga vendê-los, assim como a editora pode pedir para imprimir somente a quantidade de exemplares que o cliente solicitar;

• Facilidade de gerenciamento do estoque e da entrega dos livros, já que as plataformas sob demanda fazem essa gestão;

• Menos custos e menos estoque (ou zero estoque), o que beneficia principalmente os escritores iniciantes;

• Qualidade de impressão garantida pelo sistema digital, sem borrões, respingos e outras falhas;

• O autor tem mais opções de acabamento, tipos e cores de papel, podendo personalizar o seu livro mais facilmente e com menos custos do que na impressão tradicional;

• Mais facilidade caso o escritor queira atualizar suas publicações anteriores.

Alguns cuidados com a impressão sob demanda:

• O escritor tem menos controle sobre o processo, principalmente quanto às entregas (se chegam no prazo prometido, se os livros chegam em bom estado etc.);

• Evite pular etapas importantes para a sua trajetória como escritor e para a qualidade final do trabalho. Para isso:

• Tenha um leitor crítico para avaliar suas obras antes de atirá-la ao público. O escritor Stephen King, por exemplo, tem uma primeira leitora, que é a sua esposa, e mais dois leitores críticos que avaliam as suas obras antes de ele enviar à editora;

• Faça uma boa revisão final, de preferência contrate alguém só para isso. O escritor está tão envolvido com o livro que pode não ver erros que um revisor detectaria facilmente;

• Confie a diagramação e o layout do livro a uma empresa ou profissional de confiança. Pode ser a própria editora ou um profissional freelancer.

• Cuidado com as expectativas no processo. Depois de imprimir, a impressão sob demanda não garante a venda dos seus livros. Cabe a você, escritor, criar e cuidar da sua imagem na internet e fora dela, ter um mailing com contatos e possíveis compradores dos seus livros, oferecer a sua obra em todos os lugares possíveis, estabelecer parcerias, criar eventos, e tudo o que for necessário para vender mais exemplares;

Para escolher o melhor fornecedor para a sua impressão sob demanda, fale com quem já percorreu o mesmo caminho, ou seja, com escritores que já usaram ou usam este serviço. Procure avaliações na internet e, por fim, alinhe todas as suas expectativas com a empresa. A Editora Metamorfose tem trabalhado com a Print Store, de Porto Alegre, mas que atende todo o Brasil.

Vale lembrar que um livro, mesmo sendo impresso nesse sistema sob demanda, contém horas de trabalho do escritor, boas doses de sonho, expectativas, conhecimento, entrega, cansaço e brilho no olho. Tudo isso exige que você cuide de cada etapa deste processo com atenção e carinho. E isso vai além da escrita do livro.
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domingo, 7 de março de 2021

Rachel de Queiroz (O Ateu)


Era uma vez, já faz muito tempo, havia um homem que era ateu. Naquele pequeno povoado onde morava não existia nenhum outro ateu igual a ele, de forma que o coitado vivia em grande isolamento. Mas era orgulhoso e não se queixava, mesmo quando se sentia mais solitário, por exemplo nos dias de domingo em que todo o povo da terra ia ouvir missa e ele ficava vagando entre as árvores da praça; ou na véspera de Natal, quando as pessoas só se preocupavam com o Presépio e com a Missa do Galo. Tocavam os foguetes, os sinos repicavam, todo o mundo se alegrava e ia cear, mas o ateu declinava os convites que lhe faziam: não tendo rezado não se achava com direito à ceia, pois ele com ser ateu não deixava de ser honesto; trancava-se em casa e ficava de vela acesa, lendo um dos seus livros de ateísmo. E, se alguma das pessoas vindas de longe para assistir às festas naquele povoado, estranhava a silhueta do homem solitário a ler junto à fresca da janela e perguntava por que não estava ele na missa ou na ceia, o povo da terra explicava:

– Ele não pode, coitado. É o nosso ateu.

No mais, o ateu vivia como os outros. Trabalhava no seu ofício, plantava couve e orégano no quintal, criava dois cachorros perdigueiros e, à boca da noite, tomava parte na roda dos conterrâneos que conversavam sentados nos degraus do chafariz. E quando a conversa tocava em assunto de religião sempre havia uma observar:

– Você, que é ateu…

Mas, então chegou um ano em que o nosso ateu, por diversas razões, parece que deu para se sentir ainda mais só. Esqueci de contar que ele era solteiro. Embora a cidade alimentasse um certo orgulho em possuir aquela singularidade – um ateu público –, as moças não sentiam coragem de casar com um homem assim marcado e que, mal expirasse, iria decretado para o inferno. Veio uma peste canina e matou os dois cachorros perdigueiros; parecia castigo para mais agravar a solidão do pobre ateu. E os livros dele, de tão lidos e relidos, já não lhe contavam mais nada. De dia, o trabalho ajudava a fazer companhia; e de tarde tinha os amigos. Mas nessas eras antigas os homens eram muito religiosos e grande parte do tempo levavam na igreja: de manhã era a missa, de tarde o terço, de noite a novena e, a qualquer pequena festa, as procissões. E nessas horas numerosas em que toda a gente se metia na igreja, o ateu saía de casa, sentava à sombra do cruzeiro, sentia o cheiro bom do incenso queimando nos turíbulos, e lhe dava uma certa vontade de entrar, de ver o dourado nas vestes dos santos, e escutar o belo latim do padre. Mas continha-se; que diria o povo se o visse lá dentro?

Outras ocasiões de inveja tinha-as nos dias de procissão, quando todos os seus amigos vestiam uma opa de seda colorida e iam carregar o andor, as varas do pálio ou os tocheiros acesos, e ele ficava nas esquinas, as mãos penduradas dos cotovelos, na sua roupa velha do diário. Então voltava a trabalhar, embora fosse dia de festa, e ninguém se escandalizava com isso pois todos compreendiam a sua condição de ateu, embora lhe lamentassem a desventura.

E foi aí, na altura do fim desse ano, apareceu uma moça – por sinal sobrinha do padre – que se apaixonou pelo ateu. Como começou ninguém sabe, mas o amor tem disso: vai passando uma moça pela rua, vê um homem que toda a vida viu, e de repente sente um baque no peito e está amando aquele homem. Ele a princípio ficou apenas enternecido ante os olhos que ela lhe punha, tão doces e amigos; mas depois, descobrindo-se amado – ele, a quem ninguém amava–, começou a amá-la também.

E todas as pessoas do lugarejo lamentavam os namorados, sabendo que podiam pensar em casamento, que o padre não iria entregar a sua ovelhinha inocente às mãos de um ateu confesso.

Assim chegou o Natal e foi arrumando o Presépio e começou a romaria dos visitantes que iam beijar o pé do Menino. E a namorada do ateu deu de teimar que ele a acompanhasse nessa visita obrigatória. Ele dizia que não e só com muito custo consentiria em entrar na sala e ficar a um canto, enquanto ela fizesse a sua devoção. Mas assim a rapariga não aceitava:

– Que é que custa um beijo? Você não me beija?

Ele sorria:

– Mas você é gente, é de carne e eu lhe quero bem. O Menino, como vocês chamam, é um bonequinho de louça.

A moça argumentou que de louça também era a xícara que ele levava aos lábios e não lhe fazia mal nenhum. Ele então alegou o seu amor-próprio. Afinal era o ateu dali, o único. A moça nesse ponto começou a chorar, a dizer que se ele tinha mais amor-próprio do que amor a ela estava tudo acabado. O ateu se assustou com a ameaça e consentiu, embora constrangido. Acompanhou à moça triunfante; entrou na fila atrás dela, enfrentou os olhares de espanto. De um em um, os devotos paravam diante da manjedoura, dobravam o joelho, rezavam uma jaculatória e beijavam o pé do Menino. Chegou a vez da namorada que, feita a sua reverência e dado o beijo, virou-se e sorriu para o seu bom ateu, a fim de o animar. Ele correu o olhar em torno e viu em todos o mesmo ar de animação e esperança. Resolveu-se: dobrou o joelho áspero, curvou a cabeça sobre os pezinhos do santo. E sentiu debaixo dos lábios, não o frio da porcelana, mas o calor da carne, o movimento, a pulsação da carne. Ergueu os olhos assombrado. Encarou o Menino e viu que Ele lhe sorria radioso, e dos olhos lhe saía uma luz que jamais olhos de louça teriam.

Dizem que o ateu caiu no chão, com os braços em cruz, chorando e adorando. E naquela noite de Natal acabou-se o único ateu do povoado.

Mas dizem também que ele não se casou com a namorada. Não podia, pois largou tudo e foi ser frade.

Fonte:
Rachel de Queiróz. O brasileiro perplexo. 
Publicado em 1964

Vanice Zimerman (Poemas Escolhidos) 5

 
A Chuva e o Silêncio

Madrugada fria
Começa a chover
O pensamento deixa-se levar,
Tentando entender a tua ausência,
Busca encontra-te,
Enquanto o silêncio
E o som da chuva apaixonam-se...
Imagino teu rosto.
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Ausência das letras

Na folha de papel
A ausência das letras e versos
Um ponto de interrogação invisível
Envolve as reticências…
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Labirinto

Nas flores da orquídea
Frágil labirinto perfumado
A teia lembra
Um vidro trincado…
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Madrugada azul

Madrugada chuvosa,
Desdobra-se a folha de papel
Dilui-se a tinta, misturam-se os versos
Saudade em tons de azul…
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Momentos Mágicos

Madrugada,
Enfim, a saudade aconchega-se
Nos fios horizontais e transversais
Traçados pelo destino,
Nas tramas da camisa branca…
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Noite fria

Noite fria
No espelho da sala,
Ainda o teu reflexo,
Silêncio…
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No toque das teclas

No toque das teclas
Digitam-se emoções
Amor e a saudade
Ao alcance das mãos
Um rosto, um olhar
Tão distante,
Um sonho…
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O encanto do por do sol

Há um encanto
Em cada pôr do sol
Nas cores lindas aquarelando,
O céu e as nuvens...
Enquanto a saudade tinge de azul
As lembranças de um amor distante,
Sinto o vento…
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Olhares...

Olhares imóveis
Espiam o fim de tarde.
Esculturas em bronze
Sonham com o vento…
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Papel de seda

Fim de tarde,
Presa nos fios de luz
A pipa ensaia voar
A cada dia, desbota-se a cor azul,
Os tons de cinza envolvem
O papel de seda,
Enquanto o dia despede-se
Com as carícias do vento…
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Sombras e Perfume

Manhã de sol,
Abro a janela.
Na parede da sala,
As sombras das rosas do jardim
Passeiam no quadro de rosas.
Perfume e sombras em sépia…

Fonte:
Recanto das Letras da Poetisa

Nilto Maciel (A Noite da Noite)


Maria sentada num banco da praça. Arranja a blusa, passa dedos entre cabelos. Alisa pelos dos braços, passa perna sobre outra. Bate pé no chão. Lixo amontoado junto ao tronco de árvore. As praças poderiam ser imensos pomares. Frutas para famintos e felizes. Do húmus da terra nasceria a paz social. Ora, para que se preocupar com a felicidade coletiva? Precisava pensar em si mesma, viver mais, varar o tempo com serenidade. Pôs-se de pé e a andar pela calçada. Crianças brincavam, mulheres conversavam, homem lia jornal, dois cachorros catavam aventuras. Por onde andava o diabo? Talvez enroscado num galho da árvore. Em forma de formiga ou de lagarta? Maria ajeitou a blusa e deu meia-volta. Melhor não passar perto das crianças. Talvez se assustassem, chorassem, corressem, caíssem. Melhor ainda não se aproximar do homem do jornal. O grande crime do dia na manchete poderia estar fazendo o leitor pitar cigarro. Maria aligeirou o passo e se dirigiu ao outro lado da praça. Aproximou-se de um banco e sentou-se. O tempo passava com lentidão ou pressa? Quantos pensamentos já tivera desde a chegada ao logradouro? Quantas formigas mortas? Quantos crimes aconteceram na cidade? Por onde andavam Airam, Aimar, Ramia e Riama? Em casa, nas ruas, na vida? Pouco importava. Ora, ora, carecia de varar o tempo, puxar o futuro para o presente, torar os galhos do passado. E se nevasse naquele instante? Não, só havia neve no outro lado do mundo. Irritou-se e cruzou as pernas. Deu um grito – tempo! – de assustar cachorros, crianças, mulheres, homens solitários, todos os diabos escondidos atrás das árvores. Tempo, tempo, tempo...                                                              
***

Entrou o carro de Airam numa ruela. Como ler a carta logo, senão ali? Estacionou o veículo junto à calçada e desligou o motor. Deu beijo no envelope e rasgou-lhe a borda. Papel branco, letra miúda. Leu a data. “Airam, meu amor”. Levou o papel ao rosto. Cheiro de mofo ou de pecado? Seria real a existência de outra ou estaria com ciúme? Como não pecar todos os dias, se viver exigia olhar o mundo? Palavras, verbos, todos os verbos, substantivos, os mais comuns, adjetivos inúteis... Amor, ciúme, saudade, lábio, bocas, olhos, nariz, corpo, gozar, rezar, parir, viver. Tudo cabia numa carta, numa promessa, numa mentira. Jogou o papel no banco do carro. Meninos rumavam para a escola, risonhos, livros e cadernos debaixo dos braços. Nem olharam para o carro verde. Por que não conversar com Maria, tão ajuizada? Não, melhor com Aimar. Ou com Ramia? Não, Ramia falava demais. E Riama falava de menos. Meteu a chave na fenda da ignição e o motor zuniu. Precisava rodar pela cidade, esquecer o amor, o passado, viver nova aventura. Sarar feridas, sanar-se de vez. Passou pelos meninos, em disparada. Ouviu risos e gritos. Ainda sofreriam por amor ou desamor.  Se não morressem cedo num grito de pavor.                                         
                                                           ***

Sentou-se Aimar numa cadeira, junto a uma mesa, e circunvagou o olhar pelas dependências do clube. Crianças e jovens nadavam nas piscinas, corriam, gritavam. Assentou óculos escuros à frente dos olhos. Agarrou um livro e se pôs a folheá-lo. Um garoto passou à sua retaguarda a borrifar água em torno de si mesmo. Alguns respingos molharam o livro. Aimar fez menção de lançar o objeto na direção do menino, que correu sem perceber o gesto inimigo. Ao longe, jogavam basquete. Moças com biquinis minúsculos passeavam para lá e para cá. Rapazes musculosos riam e cochichavam. Aimar abriu o livro. Rimar biquíni com mini ou com zine? Ou não rimar jamais? Buscou um lápis na bolsa ou no bolso. Fez um rabisco num verso. Rabasco, rabesco, rabisco, rabosco, rabusco. Conhecia um basco feioso, um Bosco bonito e buscava um besco ou um bisco. Pediu ao garçom creme com chocolate e leite. Nada de prato, colher e garfo. Queria luxar à sua maneira. Tomar o líquido sem temer o sólido. Uma ponta de sol inundou-lhe as pernas. Estirou-se mais na cadeira e jogou o livro sobre a mesa. Se Maria gostasse de clube, ela, Aimar, não estaria tão só. Mas Maria gostava mais de andar e andar. Perder-se nas ruas, no meio da multidão. E Ramia? Preferia olhar o mundo. Um clube para ela parecia muito pequeno. Como comparar uma piscina com o mar? Ora, para que comparações? Desde menina a falar de mares e marés.  Nada parecida com Airam, tão ocupada com o amor. Como andava transtornada! Não olharia para a piscina, os rapazes, o livro, mesmo o mais repleto de amor. Talvez Riama gostasse de se sentar ao seu lado, fechar os olhos, falar de ontem, da manhã. Por onde andava Riama? Olhou para o livro aberto pelo vento. A leitura do livro pelo vento. Livro lido pelo vento.
***

Ramia sentou-se junto a uma barraquinha.  Banhistas nadavam, pulavam, rolavam, brincavam, gritavam, riam. As verdes águas bravias. Longe pescadores remavam barcos. O vento levantava areia. A moça se ergueu e correu para o mar. Rapazes se voltaram para ela. Disseram graças, riram. Ela não lhes deu ouvido e se jogou nas ondas. Nadou, nadou, nadou. O sol esquentava tudo: olhos, águas, ventos. Ramia voltou à praia, sacudiu-se, ajeitou os cabelos e caminhou para o ponto de partida. Os rapazes repetiram as graças e ela mudou de pouso. Em pé se pôs a secar o corpo. Sentou-se, ajustou os óculos escuros no rosto e se deixou a olhar para o mar. Talvez tivesse chegado o tempo de arranjar namorado. Quem? Pedro Marinho ou Paulo Ribeiro? Riama não gostava deles. Uns vagabundos.  Maria não os conhecia, ou, se os conhecia, deles não falava. Aliás, quase não falava, o tempo todo na rua, a bater pernas. Coitada! Examinou os dizeres do vento. Fechou os olhos para ouvir mais a voz do mar. Se sereia fosse, nadaria até o fim das águas, o fundo do oceano. Não, nada de ouvir ventos. Ao seu espírito pertencia olhar o mundo. Olhar tudo, do grão de areia ao Sol, da formiga ao Mar, dos pelos de seu corpo ao chão. Arregalou os olhos o quanto pôde, até que o verde do mar lhe pareceu mais verde ainda.                      
***

Riama entregou o bilhete ao rapaz do circo e se dirigiu à arquibancada. Acomodou-se ao lado de uma mocinha.  Lembrava Ramia quando mais nova. Não, o nariz da menina parecia mais achatado. Além do mais, Ramia não gostava de circo. Airam, sim, adorava animais. Cachorros, sobretudo. Ultimamente, porém, andava esquisita. Não conversava mais, trancava-se no quarto, acordava tarde. No picadeiro um homem forte se anunciou. Tigres enormes em jaulas. A menina se assustou, deu um gritinho. Não queria Riama ver a morte. Não queria a morte da hiena. Não queria o dardo no lombo do leão. Não queria domar a fera. Não queria sedar o tigre. Não queria ouvir uivar o lobo. Não queria laçar o touro. Queria no circo ver a vida. Queria ver o pavão e seu leque de cores. Todas as cores da natureza. Olhou as pessoas estarrecidas. Quis se olhar, mas não se lembrava do espelho. O palhaço falava e cantava sem parar. O outro palhaço imitava o primeiro. As crianças gargalhavam. O picadeiro era um altar agitado. Riama sentiu tremerem as pernas. E se a fera pulasse para fora da jaula? Quem poderia deter a sua fúria? Ó homem, temei o temível! Tambores tocaram. Bateram palmas, aplaudiram com estardalhaço. Não queria Riama ver a morte. Não queria mais o circo, o temor, o riso, a corda bamba. E se retirou, em prantos.       
                                                           ***

Cansada, sentou-se Maria no sofá. Abotoou a blusa e olhou para Ramia. Por que não voltavam ao pomar, todos os dias? Colheriam as melhores frutas, correriam, como antigamente, subiriam aos galhos mais altos. Riama se apresentou, a enxugar os cabelos com a toalha. Não se lembravam mais do vento? O verde do mar nunca mudava de cor. Maria abaixou a cabeça. Tudo mudava, pois se não mudasse seria inerte. Queriam ver como ela mudava de lugar? Ergueu-se e se pôs a passear pela sala. Sentada numa poltrona, Aimar despertou, como se estivesse muito longe dali. Pensava no livro que havia dias folheava. Não tinha nenhuma história. Apenas uma infinidade de ações, acontecimentos, numa confusão de personagens indo e vindo, em permanente vai-e-vem. Maria se irritou. Deixasse Aimar de se iludir. Por onde andava Airam? Estou aqui. E se apresentou, sonolenta. Maria cruzou as pernas.  Por onde andava o diabo? Airam sentou-se numa cadeira. Por que não compravam mais um sofá? Naquele só cabiam duas pessoas. Três, se magras. Maior do que o amor só o ciúme. Deixasse de tolices. Somos todas tolas leitoras de cartas e livros. Pareciam uma só pessoa. Ramia fechou os olhos. Como sentia piedade das outras! A luz se apagou de repente. Seria a noite? Sim, a noite do tempo, a noite da morte, a noite dos olhos, a noite dos livros, a  noite do ciúme. A noite da noite.

Fonte:
Nilto Maciel. A Leste da Morte. Porto Alegre: Bestiário, 2006.
Livro enviado pelo autor.

Marcelo Spalding (Dica de Escrita) As formas nominais do verbo


A forma nominal do verbo é uma palavra que tem a classe gramatical de verbo, mas uma função sintática nominal (e por isso é chamada forma nominal). Por exemplo:

    Brincar (sujeito) é sempre muito bom.
    Ele estava jogando (objeto).
    Ela tinha chegado (objeto).

Como ela não conjuga como um verbo e nem varia como um substantivo, assume uma forma fixa, o que facilita muito sua compreensão.

    Ele está jogando, elas estão jogando, nós estamos jogando.

Essa facilidade tem incentivado seu uso através de locuções verbais em substituição a formas conjugadas.

    Eles iriam jogar, ela tinha jogado, nós vamos jogar

NO LUGAR DE

    Eles jogariam, ela jogara, nós jogaremos.

Locução verbal, vale lembrar, é quando temos um verbo conjugado + um ou mais verbos na forma nominal, como:

Tinha esquecido;
Devíamos ter lembrado;
Estamos conversando.

Podemos dizer que há três tipos de formas nominais do verbo, o gerúndio, o particípio e o infinitivo.

O INFINITIVO


É definido pelo Houaiss como "uma forma nominal que representa o verbo, nomeia uma ação ou estado, mas que é neutra quanto às suas categorias gramaticais tradicionais, ou seja, tempo, modo, aspecto, número e pessoa". Uma peculiaridade do infinitivo é que ele pode ser substantivado (Brincar é bom; seu adormecer era tranquilo), o que o permite exercer funções sintáticas de sujeito ou objeto.

Cuide para não confundir o infinitivo com o futuro do subjuntivo, pois nesta o verbo deve ser conjugado. Diz-se "eu vou cantar", "nós vamos cantar", mas "se eu cantar amanhã", "se nós cantarmos amanhã".

O GERÚNDIO


 
 
É definido pelo Houaiss como "uma forma nominal do verbo terminada em -ndo, usada para exprimir uma circunstância ou formar, quando conjugada com os auxiliares andar e estar, verbos frequentativos (estava estudando, vinha chegando) ou para expressar a ação inicial de um verbo, quando junto dos auxiliares ir e vir (ia falando, vinha dizendo).

Muito utilizada no inglês, gerou no português, por más traduções da língua de Shakespeare, o famoso gerundismo (imagem acima). Deve-se, portanto, evitar construções como "Vou estar telefonando" pela inutilidade do gerúndio nesse caso. Melhor seria "Vou telefonar" ou simplesmente "Telefonarei".

O PARTICÍPIO

Segundo Houaiss, "uma das formas nominais do verbo, formado com os sufixos -ado (para a primeira conjugação) e -ido (para a segunda e terceira conjugações) colocados, nos verbos regulares, após o radical do infinitivo (amado, parado, vendido, sentido). Alguns verbos possuem particípio irregular, como pôr/posto, fazer/feito, e há ainda os que possuem dois particípios, um regular e outro irregular, como pagar/pagado e pago."

Em alguns casos, o verbo anterior modifica a forma de particípio que deve ser usado a seguir. Por exemplo, se diz "A mulher tinha morrido", mas "A mulher estava morta". Ocorre que na segunda frase o que temos, na verdade, é um adjetivo derivado de um verbo.

TER ou HAVER…      SER ou ESTAR…
Aceitado                   Aceito
Acendido                  Aceso
Elegido                     Eleito
Entregado                Entregue
Expulsado                Expulso
Extinguido               Extinto
Imergido                 Imerso
Isentado                 Isento
Matado                   Morto
Morrido                  Morto
Prendido                Preso
Salvado                 Salvo
Submergido          Submerso
Suspendido          Suspenso        

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sábado, 6 de março de 2021

Varal de Trovas 484

 


Contos e Lendas do Mundo (A Flor Solitária)


Em um deserto distante, vivia uma solitária flor. Tão bela, delicada e com um perfume tão bom que a própria areia desviava-se com a ajuda do vento para não molestá-la.

Afinal, era a única flor do deserto...

Ela dava à paisagem árida um toque de vida e luz.

- Por que nasci assim? - pensava ela - tão longe de minhas irmãs e primas?

Olhava ao redor e só via areia clara e o céu azul. Os grãos de areia adoravam visitá-la.

Ela, tão linda e colorida, alegrava e dava vida àquele deserto.

Alguns grãos de areia viajavam dias e dias para conhecê-la. Comentavam entre si como era mais bela a paisagem graças à presença daquela flor.

Mas a flor, por não entender sua missão, sentia-se muito só. Se existia um motivo para a sua vida, qual seria ele?

Os grãozinhos de areia tentavam se comunicar com ela, mas por pertencerem a dimensões, ou reinos diferentes (vegetal e mineral), eles não conseguiam transmitir à flor o quão importante e necessária era a sua presença ao deserto.

Em cada amanhecer, a flor olhava ao redor em busca de algum sinal de vida.

Deprimida, ela, então, definhou e morreu.

Os grãos de areia, que nada puderam fazer, entristeceram-se. Já não queriam mais passear e até o vento, naqueles dias, desistiu de soprar...

Perguntavam eles:

- Será que a flor que procurava vida ao seu redor não percebeu que ela era a própria vida? Ela era a alegria e o colorido da paisagem! Por que insistiu em procurar fora aquilo que estava dentro dela?

Fonte:
Universo das Fábulas

Professor Garcia (Quintilhas Decassilábicas Agalopadas) I


Agradeço a infinita divindade
pela graça de um mundo tão bonito;
pelo pão que não falta em minha mesa,
pela paz, a saúde e a luz acesa
que me inspira nos rumos do infinito.
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Deus me fez desprovido de vaidade
mas me deu um tesouro sem medida:
a mulher e três filhas, certamente,
dois netinhos sorrindo, de presente,
eis o orgulho maior de minha vida!
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Esta nossa quintilha potiguar
em dez pés é bonita e diferente;
cada verso é uma pedra preciosa
com o perfume e a beleza de uma rosa
encantando o romper do sol nascente.
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Eu não sei até quando eu vou lutar,
porque Deus é quem traça a minha agenda,
mas enquanto houver gás no candeeiro,
vou fazer desta luz o meu roteiro;
da quintilha em galope, uma oferenda.
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O que dói mais na vida, é a dor que fica,
dos momentos felizes que passamos:
quando a foice da morte tão malvada
interrompe uma longa caminhada
retirando sem dó, quem mais amamos!

Fonte:
Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Lima Barreto (Uma Conversa Vulgar)


O meu conhecimento com aquele venerável velho me viera devido às relações que mantive com um seu neto, que fora meu colega de colégio. Isto que se passou comigo e ele, e conto agora, deu-se há anos.

Tinha eu totalmente, por aquela época, abandonado os estudos, o neto já havia falecido; e, abandonando os estudos, como se diz, procurara e já ocupava um emprego público. Apesar da irremediável falta do meu antigo colega, continuava a frequentar a casa do velho Florêncio, cujas conversas muito apreciava. A sua residência era fora da cidade, em um sítio lá pelas bandas de Campo Grande, bem tratado, com muita laranja, galinhas, perus; e a casa de moradia era vasta e tinha muitos cômodos.

Ele morava com a filha, mãe do meu antigo colega, uma mocetona, irmã deste, e um seu irmão, que poderia ter ai os seus cinquenta e poucos anos, um tipo acabado de pequeno proprietário rural das nossas terras.

Este irmão, o mais moço dos quatro, sendo que dois já eram mortos, tinha tido uma mocidade acidentada; e, aos quarenta e poucos anos, sossegara, fazendo-se o mais plácido roceiro que se pode imaginar.

Aposentando-se Florêncio no lugar de escrivão do almoxarifado da Marinha, viera ele morar com o irmão ali, acompanhado da filha, viúva com dois filhos, um dos quais, o homem, como já disse, fora meu colega no internato secundário. Quando cismava, sem mesmo me anunciar, ia aos sábados para lá, dormia e todo o domingo, fosse a cavalo pelos arredores, fosse jogando o solo, nós três — ele, o irmão e eu — passava-o eu na maior satisfação.

Não era lugar bonito, mas era são, e toda a gente do velho Florêncio era de uma meiguice para mim de me encher de saudades quando saía de manhã, segunda-feira, para vir para a morrinha da repartição.

Calhou aquela segunda-feira cair em dia que era do recebimento da sua aposentadoria no Tesouro. Florêncio disse-me logo, pela manhã, na segunda-feira:

— Você, Bandeira, acompanha-me até o Tesouro, que quero ir com você até ao Pão de Açúcar, no tal bonde aéreo.

Sendo os primeiros dias do mês e eu não tendo faltado até ali, podia bem acompanhá-lo no passeio que premeditava.

Florêncio contava perto de setenta anos mas ainda era forte, pisava com liberdade e segurança e a sua conversa tinha o pitoresco e o encanto singular de ser como as "memórias" vivas do Rio de Janeiro.

Muito observador, com uma memória muito fiel para data e fisionomias, tendo vivido em certas rodas de algum destaque, podia-se, conversando com ele, saber a vida anedótica do Rio de Janeiro, quase desde a coroação e sagração de Pedro II, em 1841, até nossos dias.

Apreciava-o muito por isso, e, sem precisar provocá-lo, bastava um incidente qualquer, uma velha casa avistada, em qualquer parte, um encontro, um sobrenome, para ele me contar histórias pitorescas da vida social, política, sentimental ou escandalosa do Segundo Reinado.

Saímos do Tesouro logo que recebeu o seu dinheiro, e fomos em demanda do largo de São Francisco.

Notei que ele olhava para um lado e outro, como procurando alguém. Quase no meio da praça, quando a atravessamos, em direção à rua do Ouvidor, veio a seu encontro um homem, não muito velho, orçando aí pelos quarenta e poucos, mas avelhantado, sujo mesmo, barba por fazer. Era mulato claro, de feições regulares.

Logo que se apertaram as mãos, Florêncio disse ao outro:

— Você não foi ao Tesouro!

— Atrasei-me...

E gaguejou, sem encontrar desculpa.

O velho meu amigo não esperou que ele a encontrasse e foi dizendo:

— Você não toma juízo... Onde você está morando?

— No mesmo quarto, "seu" Florêncio.

— Por que não vai para casa descansar um pouco?

— “Seu” Florêncio, é longe... Aqui sempre faço os meus biscates...

— Bem. Tome lá, Ernesto.

E puxou uma nota de dez mil-réis e a deu-lhe.

Senti no olhar do Ernesto uma doida vontade de ir-se, logo que sentiu o dinheiro na algibeira.

Afinal deixamos o rapaz e reencetamos o caminho da rua do Ouvidor. Eram quase duas horas da tarde e o largo de São Francisco, se bem que decaído do antigo movimento, quando todas as linhas de bondes de São Cristóvão e Tijuca nele paravam, tinha alguma agitação.

Emparelhávamos com a estátua, quando o velho Florêncio me disse:

— Você conhece esse homem?

— Não.

— É filho do visconde de Castanhal.

— Como? O capitalista?

— Sim; o capitalista.

— Não se acredita.

— Vou contar a você como ele o é. Quando Castanhal chegou aqui era simplesmente José da Silva. Homem tenaz, abriu, onde hoje é a luxuosa rua Gonçalves Dias, antiga dos Latoeiros, uma casa para vender leite em copos, em garrafas e laticínios. Não havia dessas casas na cidade e logo foi a dele se afreguesando. Silva atendia à freguesia na sala; e no interior, para encher as garrafas, lavar os copos, cozinhar para ele e tratar da sua roupa, tinha uma preta com quem vivia amasiado. Na rua Gonçalves Dias, canto da do Ouvidor, naquela época, vinham parar os bondes do Jardim Botânico, cujo título era então em inglês.

“ José da Silva lembrou-se de gelar o leite, isto é, por certo número de garrafas mergulhadas no gelo, que vinha da América do Norte, nos porões dos navios, pois ainda não se havia descoberto o processo de fabricá-lo artificialmente. O leite gelado "pegou", como se diz; e sendo o lugar frequentado, em breve José da Silva viu-se obrigado a aumentar a casa que até aí só tinha duas portas.

“ Um outro seu patrício invejou-lhe a sorte e Silva, finório que era, tratou logo de passar o estabelecimento adiante com grande lucro. Mas... eu não contei a você uma coisa.”

— Qual é?

— O Silva e a crioula tiveram um filho e o mulatinho cresceu até aos cinco ou seis anos, na leiteria de Silva, conhecido dos fregueses como filho dele. Assim o conheci. Passaram-se cinco ou seis anos sem que eu soubesse do Silva, crioula e filho, quando, indo a Catumbi e passando na porta de uma estalagem, vejo aproximar-se de mim uma crioula que me tratava pelo nome. Disse-me que era a rapariga de José da Silva, em cuja casa de laticínios me conheceu. Há três anos — é ela a falar — ele, o Silva, a abandonara, para casar-se convenientemente. Nada dera a ela nem ao filho; e a sua vida, com o pequeno Ernesto, havia sido até aquele dia um tormento de angústia e de misérias. Mandei que me procurasse em casa.

“Morava por esse tempo com minha mãe e irmãos na rua do Senado, numa casa de altos e baixos, com uma chácara que dava para o morro já desaparecido. Falei a minha mãe que a admitisse em casa ao que ela acedeu; e, por minha vez eu, que já estava na Marinha, consegui colocar o molecote no arsenal como aprendiz. Minha mãe morreu, etc., etc... O pequeno prosperou, aprendeu a ler, fez-se em breve oficial; e, quando acabamos com a casa paterna, ele pôde armar a sua e sustentar a mãe. Parecia marchar muito bem e Ernesto nunca me deixou de procurar.

“Gostei sempre dele, pois era bom filho, honesto, zeloso, e digno de toda a proteção. Há não sei que desgosto recalcado nessa gente, não sei que ponto fraco, que rachadura, que eles acabam sempre arrebentando de alguma forma. Este Ernesto depois da morte da mãe deu em beber. Perdeu o emprego e vive agora como você vê. Tenho muita pena dele, dou-lhe dinheiro, sabendo mesmo que é para beber; mas não sei que coisa me diz, que tenho alguma culpa nas carraspanas que transformaram esse rapaz ou na razão da transformação que o levou a bebedeiras contínuas, que me apiedo dele, do seu vicio e lhe dou dinheiro."

— Que pai!

— Não há muito que censurá-lo. Hoje, não sei; mas, naquele tempo, essas ligações preliminares, intróito e prefácio do venerável casamento com bênção sacerdotal e sacramental da igreja, eram admitidas; e as suas rupturas simples, inflexíveis, assim como a do Silva com a mãe do Ernesto, não vexavam ninguém. Os futuros sogros, para dar o “sim" aos futuros genros, só admitiam uma coisa: e que elas, as rupturas, se realizassem e os seus genros futuros nunca mais procurassem, não só as raparigas, o que era justo, mas o filho ou filhos também...

Nós tínhamos chegado à avenida Central. A moderna via pública tinha o movimento do costume: os mesmos mirones, os mesmos estafermos com as mesmas caras idiotas para as mulheres e moças que passavam. Subitamente, Florêncio pega-me pelo braço e, apontando, diz:

— Você sabe quem é aquela moça que vai ali?

— Onde?

— Com aquelas duas senhoras?

— Quem é?

— É a filha mais moça do Castanhal; é irmã do Ernesto que acabamos de deixar.

Ainda me demorei olhando pelas costas a moçoila que seguia em direção à rua do Ouvidor; e considerei bem o seu vestuário caro, na moda, de cujo corpete surgia o pescoço bem modelado e de uma linda tinta moreno-claro.

Fonte:
Lima Barreto. Histórias e sonhos. Belém/PA: Unama. Publicado originalmente em 1920.

Isabel Furini (Lançamento do E-Book “Mulheres poetizam”)


E-book reúne trabalhos de grandes poetas no mês da mulher

Na década de 70, a Organização das Nações Unidas oficializou o 08 de março como "Dia Internacional da Mulher". Valorizar a mulher, sua luta, seu trabalho, seu caminho é o objetivo da comemoração desse dia. Sustentar que a mulher não nasceu só para cozinha, ela pode ocupar espaços no mundo político, cultural, científico, econômico, jurídico, educacional e outros.

Neste mês lançaremos o e-book "Mulheres Poetizam" com a participação de maravilhosas poetas convidadas. São 26 poetisas, cada uma das delas participa com 3 poemas inéditos.

Veja abaixo os títulos dos poemas que estarão no e-book:

Adriane Garcia:
Leve
Paixão e anjo caído
Estampidos

Anna Apolinário:
Revés
Os olhos catastróficos de Louise Brooks
Carmen

Barbara Lia:
o centauro no jardim
Poema sem título
Outono

Carla Ramos:
Nos Sussurros da Alma
Morro em aparência
Renasço em Essência

Devora Dante:
2021
Los Samanes
Árbol#1

Elciana Goedert:
Expectativa
Reforma íntima
Trem da saudade

Elieder Corrêa da Silva:
Realidade
Natureza
Hoje

Etel Frota:
Le couteau dans la bottine
Trágico
Pequeno tratado das delicadezas

Flavia Quintanilha:
Como água
estrela
notas envelhecidas

Isabel Furini:
Espelho, espelho meu
Francesca Woodman
Antonela

Jessica Iancoski:
Aglutinação
Silepses
Sem a palavra o amor não acontecer

Jeovania P.:
deuses
trem surrealista
dor de poeta

Juliana Meira:
Poema sem título 1
Poema sem título 2
Poema sem título 3

Juliana Oliveira Nascimento:
Brasil
Maturidade
Entusiasta

Marcela González:
Hastío
Anhelo
Despertar

María Antonieta Gonzaga Teixeira:
Tempo
Lições
Sonhar é preciso

Maria da Glória Colucci:
Iguais
elas por “elas”
quisera

Maria Teresa Marins Freire:
Rever
Prisão
Passado

Marílis de Assis:
Vale das águas
Versos
Solidão

Marli Terezinha Andrucho Boldori:
Metamorfose
Toque invisível
Súplica

Regina Bacellar:
Repentino adeus – fragmentos de 2020,

O Palhaço

Rita Delamari:
Mulheres da Vitória
Anjo
Prece

Sheina Lee:
Camino a la igualdad
El bosque de los pinos
La magia de los libros

Solange Rosenmann:
Que procura é esta?
Sou caminho
corpo-alma

Sonia Andrea Mazza:
A mis rosas
corazón torturado
a mis sueños

Vanice Zimerman:
escombros
aracne
haicai

Fonte:
Revista Carlos Zemek. 5 mar. 2021
http://revistacazemek.blogspot.com/

sexta-feira, 5 de março de 2021

Silmar Böhrer (Croniquinha) 18


Nas minhas andanças pelos caminhos do sem fim tenho visto duas espécies de seres humanos. Uma delas é como o candeeiro, facho de luz reverberando para todo lado. A outra caiu no planeta como um meteoro, que chega aparentando luz, mas não passa de um lampejo instantâneo. A primeira ilumina e inspira; a outra não deixa vestígios.

A menos que estejamos alienados de tudo, eu sempre lembro das palavras do romancista, que nos sugere viver atentos "numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, segurando firme o facho de luz, iluminando as misérias do mundo, combatendo a escuridão, a despeito da incompreensão, da náusea, do horror".

Sejamos pontos de luz alumiando constantemente.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Caldeirão Poético XXXVII

Elisa Alderani

Ribeirão Preto/SP

MALAS


Quanta gente arrumando malas.
Desmanchando malas...
Fabricando sonhos, arquivando histórias.
Olhando ao longe a sua bela Terra...
Lágrimas como rios descem a serra.

Tempo para partir, tempo para chegar.
Tempo... Para mudar de vida.
Corações partidos, suspensos no ar.
Caminhos atrapalhados, desconhecidos.
Brasil, Santos, São Paulo.
Imigrantes chegando; navios repletos de sonhos.
Cheiro de malas velhas trazendo esperanças.
Chão estrangeiro: Brasil da verde serra.

Sou última imigrante...
Procuro minha mala entre tantas...
Mala transformada. Eu, artista da vida.
Fotografias, cartas...
Histórias novas e antigas.
Coração partido, tristeza e pranto,
Por ter deixado minha Pátria amada...
Ilusões de riquezas nunca realizadas.

São Paulo... Malas abertas.
Quanta gente trazendo artes escondidas,
Por entre chapéus e jornais.
Imagens de santos e castiçais.
Trajes tão diferentes...
Espelhos, refletindo a vida.

Relógios regulando o tempo...
Correndo por entre arranha-céus.
Pontes novas, e antigas.
Multidões desconhecidas,
com sonhos iguais, enlaçadas.

Ilusões no túnel do passado...
É o caminho do imigrante Italiano...
Povo de um só coração, fazendo história,
Uma realidade que não seja só memória.
Difundindo novas esperanças.
Na Verde Terra Brasileira...
Acolhedora e bela!
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Clarisse da Costa
Biguaçu/SC

HORA DO ADEUS


Meu anjo negro
É hora de eu me desligar desse amor
Dizer adeus ao passado
E as marcas que ficaram
No corpo
Com o toque de suas mãos;
Sei que em algum momento
Você me amou;
Foi um breve instante
Entre a fantasia e a realidade;
Mas eu não posso
Viver de breves momentos;
Quero ter uma noite inteira
Só pra mim;
Quero ter o dia inteiro pra mim;
Então eu vou seguir;
Não espere que eu olhe pra trás;
É bem mais difícil não lhe amar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Ógui Lourenço Mauri
Catanduva/SP

APRENDE A SER


Sem alarde, sem vanglória de teu feito,
Sê fraterno, segue os passos de Jesus.
Coração, pulsando o amor dentro do peito,
Planta Fé no Irmão Maior que te conduz!

Pugna sempre pelo "ser" antes do "ter",
Pois, dos bens materiais, não compensa o acúmulo.
Faze da fraternidade teu haver,
O tangível, tu não levas no além-túmulo.

Atitudes caridosas e que tais
São as rotas do bem em rumo bendito.
Prioriza teus valores, os morais,
Que te seguem a caminho do Infinito.

Essas provas, por ti foram escolhidas;
Recupera tua senda com vantagem!
Deixa o lodo que criaste noutras vidas,
Aproveita, para acerto, esta passagem!

Verte os olhos aos carentes e te integra;
Do Divino Mestre, segue Sua obra.
"Humildade sem ganância", tens a regra;
Com o irmão, divide tu o que te sobra!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Olivaldo Júnior
Mogi-Guaçu/SP

O ENCONTRO DAS ÁGUAS

(Encontro das Águas do Rio Negro com Rio Solimões)

Eras um rio, eu era outro,
e, num golpe do destino,
eu, menino, em desatino,
encontrei em suas águas
um consolo para mágoas
que já não movem,
nem comovem
nenhum dos meus
céleres moinhos.

Eras um rio, eu era outro,
mas, no mapa da história
que nos leva ao “tesouro”,
tive das águas meu ouro,
tive dos sonhos a glória,
tive das barcas meu rumo,
pretexto pra ver se arrumo
um tempo pra nós dois.

Assim, ao pé das casas
que anseiam ter asas,
ribeiras palhoças beira
rio, beira rua líquida
que leva ao mar, sereia
de água doce nos guia,
nos livra de sermos
tão sós a ponto de não
nos encontrarmos
e deixarmos um vagão
de esquecimento
nos levar toda a alegria.

Eras um rio, eu era outro,
cada qual em seu curso,
cada qual com o discurso
mais afiado e cercado
de peixes, caranguejos
que, no mangue ao lado,
careciam de mil beijos
pra ressuscitarem,
pra repaginarem
tantas páginas em branco,
tantas lágrimas em si.

Eras um rio, eu era outro.
Isso talvez tudo resuma.
Isso talvez jamais assuma
que éramos rio no corpo
e mar na alma, atlântico
que se curva ante o sopro
que empurra as águas
para o mesmo cais.
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Pedro Du Bois
Balneário Camboriú/SC

CONFLITO

O homem traz o conflito de ser a imagem
acondicionada antes. O novo despreparado
negado na origem da altivez na fala
assumida pela estampa: reflexo calado
ao entrevisto. Conflitos atritam e luzes
esquecem ritos: gritos são escutados
ao longe que além da construção repousa
o bruxo e nele habita o homem em conflito.

Ser ele mesmo e o outro acreditado
em palavras e normas em números
e estatísticas em linguagens estrangeiras e livros
não abertos. Ter a cor e a descoloração dos anos
no adiantamento e carregar o atraso: por acaso
o homem aflito deixa na água cristalina do copo
o alívio por ser sedento em autonomia
e castigo: tem o conflito em geradas luzes
necessárias aos encontros no anacrônico
senso de o futuro despender o passado.
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Vivaldo Terres
Itajaí/SC

ÍNDIA


Índia és das brasileiras a mais bela,
Das brasileiras, és a mais singela.
Cheia de simplicidade e amor.
És a flor que perfuma o ambiente,
És o sol que ilumina esta gente,
Enchendo o coração de luz e calor.

Este teu corpo moreno!
Que o belo sol irradia.
Transmite luz e alegria.
Para todos os teus irmãos.

És a fonte da humildade,
Banhada de esperança.
Com os cabelos soltos ao vento...
Pedindo apoio cristão.

Pois o teu povo sofrido!
Até então quase extinguido,
Vê em ti a salvação.
Sabem que és guerreira forte.
E que não temes a morte,
Com o bodoque na mão!
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Fonte:
Todos os poemas foram enviados pelos respectivos/as poeta/isas

Júlia Lopes de Almeida (O Voto)


As pitangueiras, garridas com as suas frutinhas de coral, estavam ainda molhadas da chuva da véspera. O sol, que ia subindo, punha uma larga barra cor de laranja no céu, de um azul violeta; cantava um bem-te-vi na copa alta de uma paineira, e a aragem da manhã vinha toda perfumada de manacá e de ervilhas-de-cheiro.

Com o samburá na mão, a saia redonda mostrando-lhe os tornozelos finos, a Ginoca, saltitante e mimosa como a juriti, enterrava na grama orvalhada os pezinhos delicados, sem pena de molhar as suas meias vermelhas e os seus sapatos amarelos.

Ela passava risonha, cantando num débil, mas agradável fio de voz uma cantiga da roça.

Das grandes folhas das bananeiras rolavam, como contas, os pingos d’água, e de fragmento em fragmento as formigas iam levando para as suas tocas os araçás de que a chuva tinha alastrado o chão.

Ginoca escolheu com cuidado os melhores marmelos e os figos mais maduros. Suspendeu-se depois, alegre e ágil, num galho de pitangueira, e foi então uma chuva de corais e de orvalho sobre a sua
blusa de linho branco e sobre os seus cabelos corredios e negros.

Cheio o samburá, ela subiu o pomar até perto de casa.

O pai, um homem atlético, estava de pé no meio do terreiro, saboreando um copo de leite. Ao pé dele a vaca silenciosa esperava submissa, com o focinho voltado para a luz. Ginoca deu-lhe um figo. O animal estava acostumado àquelas gulodices, comeu a fruta e lambeu a mão da moça.

Acabado o leite, o pai entregou o copo à filha, e esta, abaixando--se, tomou na palma da mão a teta da vaca e ia mungi-la para encher novamente o copo, quando o pai exclamou:

– Olha, Ginoca, aquele que vem acolá, é o Camundongo! Ora se é! conheço-o perfeitamente pelo trote!

Ginoca levantou-se de um salto; estendeu a mão sobre as sobrancelhas para ver melhor, e depois de um segundo de observação disse com ar de triunfo:

– É, papai! lá vem Maurício!... assobie para ver se ele ouve!...

O velho assobiou estridulamente. Não se ouviu resposta. Houve um bater de asas apressadas no pomar, e o bem-te-vi calou-se. Ginoca respirou com força, enchendo o peito com o ar impregnado de manacá e de ervilhas-de-cheiro. O coração batia-lhe, as faces cor de jambo maduro fizeram-se-lhe vermelhas como rosas de Alexandria.

– Pois você não vê como o pobre Camundongo vem depressa! Aposto em como o diabo do Maurício traz esporas! Vai abrir a cancela, que o teu noivo não tarda... Também, se ele tiver esporeado o Camundongo, há de se haver comigo!

– De Friburgo até aqui é longe... respondeu ela, desculpando o noivo.

– Longe! Duas léguas mal medidas... Deus me dê anos de saúde, como de vezes as tenho andado a pé... Quando tua mãe era viva...

Não continuou; o rumor das patas do cavalo aproximava-se, e a Ginoca deitou a correr para a cancela; o pai seguiu-a sorrindo, e a vaca avançou vagorosamente para o samburá esquecido no chão, e, com toda a calma, devorou os figos.

Maurício era noivo e primo da Ginoca; estudava medicina e só pelas férias ia passar um tempo em casa do tio. Ginoca adorava-o, e o pai aceitava com alegria aquele casamento, porque era doido pelo sobrinho. “Um rapaz de mão cheia! dizia ele aos amigos, e sabe tantas coisas! Tem ciência para dez!”

O que ele temia era que o moço se corrompesse com os livres–pensadores...

Religioso, arraigado à igreja, ele queria para genro um homem de crenças seguras no poder infinito do Ser Supremo...

– Ora, viva o Sr. Maurício! gritou ele ao sobrinho, que era todo olhos para a Ginoca.

– Tio Guilherme... murmurou, abraçando-o, o moço.

Trocadas as primeiras expansões, entraram. Na pequena sala de jantar, alegre e rústica, alvejavam a toalha e a louça para o almoço; na parede caiada, ao fundo, sobre uma prateleira de pinho coberta de crochê, um boião de barro sustinha um ramo de rosas de todo o ano, de hortênsias azuis e de alecrim cheiroso. No alto, um quadro da Virgem, em oleografia, com a sua túnica branca e o manto flutuante, sorria no meio daquela pobreza alegre. O tio Guilherme benzeu-se antes de sentar-se à mesa; a filha rezou de mãos postas, e Maurício desviou o olhar para a janela, onde uma borboleta azul batia de encontro aos vidros.

O tempo das férias voou alegremente.

Às vezes iam a uma propriedade vizinha, de uns sitiantes suíços, comprar manteiga fresca ou assistir à colheita das batatas. Ginoca levava sempre uma cestinha que enchia das framboesas da estrada, para dar às crianças que encontrasse. Maurício auxiliava-a, e o pai ria-se, alegrado pelo amor e a mocidade de ambos. Era bem certo que Deus tinha criado aqueles dois um para o outro!

Na maior parte das manhãs não saíam do sítio, mas nem por isso se levantavam mais tarde. Quando abriam as janelas, as montanhas de Friburgo estavam ainda envoltas num nevoeiro espesso, que o sol ia desfazendo numa polvilhação dourada. A estrada, vermelha, serpeava ao longe entre a verdura dos campos e o espreguiçar azulado e frio das águas da cachoeira. Os carneiros balavam à distância, e no ar fresco e leve cruzavam-se cantos de aves e aromas de flores.

Ginoca, lépida como uma cabrita, descia ao curral e vinha puxando a vaca, a grande vaca branca e preta, que a seguia com olhar melancólico e meigo.

Daí eram as partidas no pomar; os assaltos às pitangueiras. Maurício trepava à árvore, Ginoca aparava as frutas no avental; enfeitava a trança negra com as pitanguinhas vermelhas, desfolhava no seio as flores dos limoeiros, e era tudo alegria e risadas. Quando voltavam para o almoço, iam impregnados do aroma das ervas e com o rosto ainda úmido da agua, muito transparente e fria, que atravessava a horta, levando na corrente um ou outro junquilho ou as florinhas douradas dos pés de hortaliça.

Expirado o tempo das férias, Maurício voltou ao Rio, e a Ginoca começou a trabalhar com afinco no enxoval.

Iam as coisas assim, quando tiveram notícia de que o estudante estava à morte no Rio, com febre amarela!

Foi um terror imenso!

Ginoca suplicava ao pai que a levasse para junto do noivo; o pai negava-se, e as horas passavam lentas e amarguradas. Cessaram as notícias e o pressentimento da morte tolheu os corações do pai e da filha; ele queria disfarçar, mas não o conseguia, e a Ginoca, já sem lágrimas, muito pálida, parecia uma louca. Uma noite, enquanto o pai dormia, ela ajoelhou-se em frente ao quadro da Virgem e fez, com toda a fé da sua alma castíssima, uma promessa à Mãe de Deus. Quando se levantou, os seus olhos resplandeciam de lágrimas, mas havia uma expressão enérgica de confiança e de paz no seu belo rosto moreno.

Nem um soluço quebrou o silêncio da noite.

No outro dia de manhã receberam uma carta. Maurício estava salvo.

Rebentaram os risos. O velho disse à filha que escrevesse ao noivo, dizendo-lhe para ir convalescer em sua casa. Ginoca ria, relendo e beijando a carta.

– Sabes que mais? disse-lhe o pai, o casamento vai fazer-se já... isto de cuidados e demoras não são coisas do meu agrado. Ele que venha e trataremos disso. O padre Benedito aí está e um altar arma-se num momento!

Ginoca suspendera subitamente o riso e tornou-se branca como o linho.

– Casar?...

– Então?!

– É impossível! Oh! não me pergunte por que, papai; é impossível!

– Ora esta!

O velho supôs que a filha delirasse e tomou-lhe o pulso. A moça correu para o interior da casa, e ele, atônito, ficou olhando para o buraco vazio da porta por onde ela tinha fugido.

Passou todo o dia aflito.

Que teria a Ginoca? Resolveu-se a chamar o médico; mas antes disso quis ainda consultar a filha.

Às Ave-Marias desceram ambos ao pomar. No galho florido de um pessegueiro cantava um sabiá, e no fundo azul pálido do céu as montanhas de Friburgo desenhavam-se muito escuras.

– Olha, Ginoca... por que é que já não queres casar com teu primo?... perguntou o tio Guilherme, com ar constrangido e tímido.

A filha baixou a cabeça, silenciosa, vencida pela comoção.

– Ele fez-te algum mal, ofendeu-te?

– Oh! não!

– Então que teima é essa?! o pobre moço adora-te, e eu, francamente, estava satisfeito...

– Eu já não posso casar!

– Hein!? Já não podes casar! que diabo de linguagem é essa?!

Ginoca parou, ergueu para o pai os olhos úmidos e murmurou:

– Fiz um voto... prometi a Nossa Senhora que, se salvasse Maurício da morte, eu ficaria solteira a vida toda...

O pai recuou, como se tivesse levado uma pedrada no coração.

Rolaram no ar sereno da tarde as badaladas das Ave-Marias; ele, respeitoso e triste, tirou o chapéu. A Ginoca apoiou-se a um tronco de
árvore, soluçando alto.

Extinta a última vibração do Angelus, o velho disse tremulamente à filha:

– Já que fizeste um voto... tens de cumpri-lo...

Ela abanou afirmativamente a cabeça.

Voava por todo o pomar o doce aroma das ameixeiras em flor.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Ânsia eterna. 2. ed. rev. Brasília : Senado Federal, 2020. Publicada originalmente em 1903.

Coletânea de Contos Infantis - Centenário de Maria Clara Machado (Prazo: 15 de Março)


Realização do Projeto Apparere (www.apparere.com.br)


Queremos convidar você e seus amigos a participarem de nossa Coletânea de Contos Infantis - Centenário de Maria Clara Machado (Tema sugerido por: Conceição Maciel e Equipe PerSe).

As inscrições, que já estão abertas, podem ser feitas até o dia 15 de Março. Veja mais informações abaixo!

Esta é uma Coletânea de Contos Infantis em homenagem ao Centenário de nascimento de Maria Clara Machado, comemorado agora no mês de Abril. Maria Clara Machado, foi escritora e dramaturga, autora de famosas peças e livros infantis, e para homenageá-la buscamos Contos Infantis (seu universo), que poderão ser 100% de autoria dos Autores participantes ou releituras dos maravilhosos contos de Maria Clara Machado, e neste caso deve-se mencionar em qual conto se baseou a releitura.

IMPORTANTE:
Os contos desta coletânea serão compostos somente de Textos, não conterão nenhuma imagem ou ilustração. Conheça todos os detalhes no link https://bit.ly/3pyqp7G

Nessa Coletânea os Artistas Plásticos e Designers de capa, também podem participar, enviando sugestões de Capa para a Coletânea. Conheça todos os detalhes no link https://bit.ly/3ax7w0P

Já recebemos várias inscrições e ainda estamos aguardando ansiosamente a sua! Importante lembrar que sua participação é Gratuita.

Após recebermos os Textos, faremos uma seleção/avaliação dos melhores e publicaremos um livro com eles. Essa Coletânea ficará à venda na Loja Online da PerSe, com impressão sob demanda, para quem quiser adquiri-la.

Como dissemos, sua participação não terá nenhum custo!

Você encontra todos os detalhes para sua inscrição nos links abaixo:

1) Quero enviar meu texto: https://bit.ly/3pyqp7G​

2) Quero enviar sugestão de capa: https://bit.ly/3ax7w0P

Você não pode ficar fora desta homenagem à Maria Clara Machado. Inscreva-se já!

Forte abraço,
Equipe Apparere

Fonte:
Texto enviado pelo Projeto Apparere

quinta-feira, 4 de março de 2021

Arquivo Spina 28 - José Airton Oliveira

 


A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) JG e Maringá


Houve tempo em que os bons poetas conseguiam status de celebridades no Brasil, quase tanto quanto os mais famosos atores, cantores e atletas. Gonçalves Dias, Castro Alves, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meirelles e mais alguns são lembrados ainda hoje, porém como gente do passado. Os dois últimos bastante conhecidos em todo o país foram Mário Quintana e Manoel de Barros.

Nenhum deles alcançou, no entanto, um nível de popularidade semelhante ao de JG de Araújo Jorge, que aliás nem aparecia nos manuais de literatura adotados pelas escolas. Porém seus versos eram publicados em todos os jornais e revistas, o que lhe garantia uma multidão de leitores. Com isso, enquanto os autores mais ilustrados vendiam no máximo 5 mil exemplares dos seus livros, JG vendia mais de 50 mil. Foi o único dos nossos escritores a fazer alguma fortuna vendendo poesia. Tinha até um programa semanal na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que dava o maior ibope.

Toda a geração que viveu entre os anos 1940 e 1970 lia e curtia os versos do chamado “poeta das moças”. Os críticos em geral nutriam preconceito conta ele, mas nada disso abalava seu prestígio. Escrevia para o povo, especialmente para o público jovem. Sonetos, poemas livres, trovas, sempre numa linguagem simples, que todo mundo entendia. Daí o sucesso.

Em três ocasiões JG de Araújo Jorge esteve em Maringá – 1966, 1970 e 1972. Na primeira vez, veio como atração principal num grupo de cerca de 50 outros poetas, para um dos maiores eventos literários já realizados na cidade. O então prefeito Luiz de Carvalho, que também gostava de poesia, mandou armar um coreto em frente à antiga biblioteca e ali se reuniram milhares de pessoas para ouvir os menestréis. Foi um “comício de poesia”, disseram.

Em 1972, JG conheceu aqui o professor Renato Bernardes, que na época era o vice-prefeito e secretário da Educação e Cultura, no governo do prefeito Adriano Valente. Alguns anos mais tarde Renato se elegeu deputado federal. Em Brasília ele reencontrou JG, que havia sido eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro. O poeta conseguira transformar seus leitores em eleitores e assim, sem gastar praticamente nada, obteve uma votação enorme.

Numa determinada ocasião, Renato Bernardes andava labutando para conseguir a liberação de um recurso importante para Maringá. Precisava convencer o ministro responsável pela verba a apressar a tramitação do processo. Contou isso ao colega deputado JG, que de pronto se dispôs a ajudar. Foram os dois juntos ao gabinete do ministro, que por acaso ou por sorte era fã do poeta. A assinatura do documento saiu na hora, seguida do convite para um cafezinho em meio a uma roda de funcionários que vieram pedir o autógrafo do famoso homem de letras. Em resumo: o carinho que JG de Araújo Jorge dedicava a Maringá, mais a amizade com o Renato, renderam bons proveitos para o município. Viva a poesia!
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 25-02-2121)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Álvares de Azevedo (Poemas Escolhidos) – 4 –

XI


Formosa é Daliana; o seu cabelo,
A testa, a sobrancelha é peregrina;
Mas nada tem, que ver co’a bela Eulina,
Que é todo o meu amor, o meu desvelo:

Parece escura a nove em paralelo
Da sua branca face; onde a bonina
As cores misturou na cor mais fina,
Que faz sobressair seu rosto belo.

Tanto os seus lindos olhos enamoram,
Que arrebatados, como em doce encanto,
Os que a chegam a ver, todos a adoram.

Se alguém disser, que a engrandeço tanto
Veia, para desculpa dos que choram
Veja a Eulina; e então suspenda o pranto.
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XII

Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho à sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ásperos outeiros,
Com violência maior no campo ardia.

Sufocava se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.

Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.

Seu descuido em seu fogo desculpava;
Que mal feria o sol tão penetrante,
Onde maior incêndio a alma abrasava.
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XIII

Nise? Nise? onde estás? Aonde espera
Achar te uma alma, que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar te desespera!

Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido, que diz; mas é mentira.
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era.

Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.

Nem ao menos o eco me responde!
Ah como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde?
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XIV

Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
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XV

Formoso, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturoso rebanho, feliz gado,
Que à bela Antandra estais obedecendo;

Já de Corino os ecos percebendo
A frente levantais, ouvis parado;
Ou já de Alcino ao canto levantado,
Pouco e pouco vos ides recolhendo;

Eu, o mísero Alfeu, que em meu destino
Lamento as sem razões da desventura,
A seguir vos também hoje me inclino:

Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Sempre faz novidade na espessura.

Fonte:
Álvares de Azevedo. Poesias. Livro publicado em 1853.

Carla Rejane Silva (Sobressaltos....)


Acordei meio assustada, talvez o que me tenha despertado do sono profundo tenha sido um sonho horrível, um sonho inóspito do qual eu havia me esquecido há tempos. Não sei, mas me vi entremeada, estranha, como um balão cheio demais e pronto para explodir a qualquer momento.

E aquela dor incômoda, vinda das minhas entranhas – ou seria do meu coração – afligido por um mal súbito que, até então, eu desconhecia a razão e o porquê. Não atinei com a resposta, pelo menos de imediato. O fato é que esta dor foi aumentando, e a cada minuto que  passava já não sabia distinguir o porquê de tamanha e confusa depreciação.  

Dito de forma mais clara. Não saberia explicar exatamente o que sucedia comigo. Levantei-me cambaleante, ainda atordoada, quase não me sustendo sobre os pés. Me sentia perdida, esfacelada, completamente transtornada, numa consumação interior inexplicável.

Meu Deus! Olho agora através do espelho de meu quarto e espio, compridamente, a minha grotesca imagem. Ela está  assustadora,  amedrontada, assombrada, como num filme de terror à la Hitchcock. Apavorada e fora de mim, corro ao banheiro e lavo meu rosto, tentando desfazer o que vejo, e ao mesmo tempo apaziguar esta loucura insana que povoa meu semblante espavorido e intimidado que só sabe me fazer mal.

Sinto-me neste momento como se fosse a Rainha Má -, aquela  bruxa antagonista saída de um conto clássico dos irmãos Grimm que oferece uma maçã envenenada para a mais bela entre as mais belas, “Branca de Neve”. À guisa deste pensamento, não me deixa formar um sorriso. Tampouco, me permite abrir a boca num ‘o’ de pura estupefação.

No entanto, um semblante macabro se faz presente, inundando meu rosto. Este  mesmo rosto que mais parece um genipapo (fruta que madura, se deteriora enrugada). Fujo, pois, às pressas ou, pelo menos, tento me afastar deste momento maligno que reflete através de minha imagem, de meu amanhecer completamente sombrio...

A janela, à minha frente, se me apresenta como um cenário digno dos deuses ungidos. Há flores, árvores e pássaros cantando em derredor. Todavia, por mais que tente ver, e não só ver, captar, capturar, prender e sentir todas estas belezas, me inebriar com o sol maravilhoso que me convida para um abraço quentinho... Nada consigo!

Apesar disto, algo que não sei exatamente o que seja, me desconecta do agora e não me autoriza enxergar nada além de sombras difusas. Sombras dilatadas, extensas, que me ofuscam os passos a serem seguidos em direção ao Encantado. Esta dor alucinante, não me permite ter a visão beatificada do que é Belo e arroubado, entusiasmado, a ponto de me deixar cativa de estar viva.  

Sinto-me, por tudo o que estou vivenciando agora, ou melhor, não só me sinto, me flagro sorumbática, fechada, escudada por detrás  de altos muros, como um bichinho enjaulado, preso a um  desespero funesto, em busca de liberdade. Liberdade que busco incessantemente desde as primeiras horas do dia.

O que devo fazer? O que preciso fazer? O que careço por em prática?  O que, enfim, não posso deixar para depois? Bem sei, o inimigo ganha terreno e pior, se espalha. Este inimigo horrendo que não visa outra coisa a não ser me destruir por inteira. Esta loucura, não é de hoje, está  me tirando o sossego, a tranquilidade.

Este inimigo me obstrui a afeição do Onipotente. Não me deixa ver a felicidade plena.  Como larvas de  um vulcão ensandecido, me mantém cativa, me tolhe, me cerca para que eu jamais consiga escapar. Preciso tomar uma atitude urgente. Esta dor infernal que dilacera meus dias, meus momentos de glórias pode vencer.

Por minha parte, não posso me dar por vencida. Preciso me concentrar, analisar, usar todas as minhas armas e conter estes instantes de pura indigestão que me deixa pra baixo, quase à pique. Tenho que, urgentemente jogar fora o que insistentemente me tortura e me aniquila.

Ao fechar os olhos, por um breve instante, me sinto desaparecida de mim mesma, distanciada de minhas quimeras, divorciada de meus objetivos a serem alcançados. De súbito, inopinadamente, um ‘buuuuummmmm’ se faz ouvir e eu me vejo retornando à crosta terrestre da minha existência. Nada, absolutamente nada sinto. Nada de nada, igual a coisa nenhuma. Incrível...  No fim, eram apenas gases intestinais aprisionados dentro de meus próprios medos e receios.

Fonte:
Texto enviado pela autora.