sábado, 3 de setembro de 2022

Fabiano Wanderley (Glosas) - 6


BEHRING LEIROS, O POETA,
PÕE NO VERSO, O CORAÇÃO.


Com o esmero, que secreta,
sabe expor, seu sentimento,
faz fluir o seu talento,
Behring Leiros, o poeta.

Quando na alma, ele arquiteta,
uma grande inspiração,
trás no afã dessa emoção,
todo o ardor da sua essência,
com ternura e sapiência,
põe no verso, o coração.
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CADA QUAL TEM SEU ALGOZ
NESTE MUNDO DE MORTAIS


É próprio, de todos nós,
seja rico ou seja pobre,
preto escravo ou senhor nobre,
cada qual, tem seu algoz.

Quem não teve um dia atroz?
Se, ante a Deus, somos iguais.
Não esqueçamos, jamais,
que os ricos também padecem,
que afinal todos perecem,
neste mundo de mortais.
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ESSE CARA NUNCA MENTE,
PORÉM VERDADE NÃO DIZ.


Se escuta, frequentemente,
que ele é dono da verdade,
que adora a sinceridade,
esse cara nunca mente.

Eis que sabe muita gente,
cá, do café São Luiz,
que o mesmo, se contradiz,
nas coisas que ele comenta,
se, de fato, não inventa,
porém verdade não diz.

(A um cidadão, que gosta muito de contar vantagem, mas, que fica furioso, se acha, alguém que o discorde)
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O SENHOR JÁ ME OFERTOU
SETENTA ESTRADAS DE VIDA.


Amigos me premiou,
me deu luz, felicidade,
um grande amor de verdade,
o Senhor já me ofertou.

Também me presenteou
nesta estrada prometida,
uma família querida,
com muita paz e carinho,
marcando, no meu caminho,
setenta estradas de vida.
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PELAS ANDANÇAS DA VIDA,
ME VI, NA TRILHA DO TEMPO.


Buscando sempre guarida,
ante os prazeres do mundo,
vivi meu tempo fecundo,
pelas andanças da vida.

Essa fase tão vivida,
como um mero passatempo,
sem hora, sem contratempo,
sem queixas ou desenganos,
levou consigo, meus anos,
me vi, na trilha do tempo!
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TÃO SOMENTE POR AMOR
CAPOTOU MEU CORAÇÃO...


Fez-se um servo, um servidor,
se entregou de corpo inteiro,
se tornou prisioneiro,
tão somente por amor.

Quase em meio a um torpor,
sem conter tanta emoção,
desprendeu sua paixão,
seu amor tão inerente
e aos pés da Deusa, fremente,
prostrou-se o meu coração.

Fonte:
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley. Versos Di Versos. Natal/RN, 2014.

Aparecido Raimundo de Souza (Arcanjo renegado)

VOCÊ CHEGOU até aqui, não sei vinda de onde, ou a mando de quem. Sei apenas que apareceu do nada, a procura de uma vaga de emprego. Deixou um currículo simples sobre a minha mesa, com foto, telefone de residência, celular, três pessoas conhecidas para discorrerem sobre o seu caráter. Enfim, um portfólio simples, resumido, com os acessórios necessários para um contato posterior, caso eu optasse por eleger o seu nome ao cargo vago na empresa da qual exatos vinte anos tenho sido o insubstituível diretor de recursos humanos. Aconteceu que junto com a pequena apresentação por você trazida, veio algo mais forte embutido no contexto. Na verdade, de roldão, caiu de dentro do envelope rosa, um elo forte, mais robusto que a sua própria vontade de querer trabalhar.

Diria que junto com aquela folha de papel, um perfume inebriante (cuja essência entrou pela sala) se fez mais fornido (*1). Grudou nas paredes. Em contínuo, aderiu aos quadros, se anexou aos móveis e, deles, partiu direto se “adjuntando” (*2) para dentro de mim, indo, por consequência, se alojar sorrateiro num lugarzinho secreto existente em meu âmago e também no centro nevrálgico do meu coração. Você deixou, melhor dito, não deixou... ficaram de você, pedacinhos de sua beleza entrelaçados com estilhaços do seu carisma. Igualmente fragmentos de sorrisos bonitos e indescritíveis permaneceram gravados na minha retina. De contrapeso, um mistério bucólico se projetou no ar, e junto, um segredo perene, um mimo cresceu imensamente a partir do momento em que, dado por encerrada a entrevista, você se levantou, me desejou um bom dia, sorriu brejeira e maviosa.

Em seguida, a sua beleza ímpar virou as costas e foi embora. Partiu, e quando me dei conta, percebi que o calor abrasante da sua presença havia se incrustrado em minhas entranhas. O seu cheiro de mulher se fez retido no HD da minha memória. E não foi só. O seu cheiro de fêmea à flor do cio, persistiu veemente, e, logo em seguida, se propagou ensandecendo o meu franzino de homem literalmente esfanicado (*3). A sua voz, ainda agora, tanto tempo passado, ouço, serena e calma, tranquila e deliciosa, “caliente” e fagueira nos meus sonhos, de onde, aliás, nunca mais consegui apagar. Digo tudo o que me vai na alma, nesse exato momento e, tal fato, jogado no ar, assim abertamente, tem o condão de extravasar de dentro da alma o que antes se fez convicção, porque depois daquela despedida, algo inusitado mudou os destinos e os rumos da minha vidinha pacata.

O meu “eu” passou a viver exclusivamente para fortalecer o seu absentismo (*4).  Lembro, dias depois, voltei a ligar e marcamos um apontamento, ou melhor, você me fez um convite que considerei excêntrico e original. Pediu que na sexta-feira, por volta do meio dia, fosse até a sua casa almoçar e, na oportunidade, conhecer a sua mãe. Pior que não resisti à tentação. Não é que não aguentei. Simplesmente não me furtei ao impulso incitante do chamamento. Fora de mim, alvoroçado pelo que sentia, me coloquei em brios de um sujeito sério e respeitoso e meu Deus, lá fui eu, embasbacado, lustrando as presas para o golpe da fera adormecida, caso atonasse. Brincadeira, modo de dizer. Apareci como combinado, de cara limpa, a única, aliás, que me acompanhou desde que me entendi por gente. Surgi assim como você em minha sala, exceto pelo atraso. Quase às duas da tarde, para o tal almoço. Demorasse mais um bocadinho, certamente mataria a sua mãe de fome e a Frigidaire azul dos tempos de Belchior de vergonha (*5).

Depois dos comes e bebes, sentamos na sala. Conversamos, tomamos café, lanchamos e, quase às dez horas da noite chegou a hora de tirar o time de campo.  Passado a magia do inaugural, na segunda-feira voltamos a renovar tudo o que havíamos feito. Lanchamos na padaria perto da empresa. Na terça-feira, você sumiu de vez. Não sei para onde. Escafedeu. Liguei por diversas vezes e ninguém atendeu, nem a sua mãe o telefone fixo. Nessa brincadeira infeliz, um mês se passou. Não mais tivemos contato, nem pessoalmente, nem por WhatsApp. Por esse motivo, bem por esse motivo, acredito, me favoreço com a nostalgia ingrata da sua dispersão. E, por ela, creio, permaneceu no ar, desde sempre, um vazio muito grande, um oco doentio que se tornou maior com o passar das horas e das semanas subsequentes.

Cinco meses hoje. Acabou. Agora entendo, a cabeça ainda doendo, os batimentos acelerados, todavia os pés firmes assentados no chão. Percebo, tudo o que vivemos em tão curto espaço de tempo, virou saudade. O que foi dito e o que não saiu pelas nossas bocas escancaradas, naqueles encontros me faz pensar que coloquei cupim na Santa Cruz. Sinto, em paralelo, no calor destilado da minha emoção, as risadas que demos, os abraços trocados, os beijos permutados, o amor disparatado dentro do carro na garagem da sua casa... me recordo sobremaneira, despindo a goles poucos, o seu corpo diante de uma expressão contumácia. Recapitulo as nossas pernas enclausuradas qual cadeado emperrado... enfim, final de tudo, nossos suores ajoujados como dois gatos selvagens brigando por um ratinho de esgoto. Tudo acabou em coisa alguma, atrelada numa sequência degenerativa que se transformou nessa lacuna enorme e de inconsequente solidão.

Tenho consciência que embarquei numa canoa furada e somente eu careço urgentemente de encerrar essa viagem. Colocar um ponto final definitivo bem sei, demanda, o mais depressa possível à minha consciência desequilibrada. Necessito antes que morra de nostalgia pelo silêncio iracundo (*6) que se perpetuou em derredor da minha vida, me restabelecer à normalidade. De resto, esquecer a sua vinda ao meu quadrado, ao meu mundo. Rasgar o seu currículo em pedacinhos e jogar no lixo o seu retrato. Apagar do meu celular os seus telefones, as conversas e mensagens que trocamos. Tenho que olvidar, igualmente esquecer a sua rua, o seu bairro, a sua mãe, a casa, o almoço, o lanche na padaria, o amor inesquecível que fizemos no banco traseiro do automóvel. Ou isso... ou, em patente hostil e nocivo, acabarei louco... um tresloucado varrido desorbitado e à mercê da própria imbecilidade.   
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* Notas de rodapé:
1 – Fornido: O mesmo que abastecido, robusto, corpulento
2 – Adjuntando: Aquilo que está próximo, contíguo, agregado
3 – Esfanicado: Despedaçado, esmigalhado, esfarrapado
4 – Absentismo: O que falta com seus deveres e obrigações
5 – Frigidaire: Geladeira, refrigerador
6 – Iracundo: Pessoa cheia de ira, encolerizado, violento


Fonte:
Texto e notas de rodapé enviados pelo autor.

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Daniel Maurício (Poética) 38

 

Humberto de Campos (As camisas)

Há muitos dias que o Dr. Abelardo insistia com a mulher, a encantadora D. Silvia, para que usasse umas camisas de seda cor de rosa, que, na sua opinião, lhe deviam assentar admiravelmente sobre a pele clara, macia, cetinosa. Apaixonada pelo marido, que sabia disputado pela mais íntima das suas amigas, a loura Luizita Corrêa, D. Silvia escancarou, nesse dia, o grande móvel do quarto de vestir, em que guardava as suas roupas de interior e, tirando as dezenas de camisas que ali estavam arrumadas com ordem, ia mostrando-as, uma a uma, ao esposo:

- É assim?

- Não.

- É dessas, de seda, enfiadas de fita?

- Não.

- É assim, apenas com uma fita sobre o ombro?

- Também não!

E como a esposa lhe não mostrasse nenhuma camisa como a que ele desejava acariciar sobre o seu corpo soberbo, convidou-a ele próprio, beijando-a nos olhos.

- Amanhã, na cidade, veremos onde tem. Quero comprar-te uma dúzia. Ouviste, meu amor?

D. Silvia agradeceu, com um sorriso e um beijo, a gentileza amorosa do esposo e, no dia seguinte, à tarde, entravam, os dois, contentes, em uma casa de modas da rua do Ouvidor, onde, tomando a dianteira, o marido pediu:

- Camisas de dia, de seda, para senhora; n. 3.

- Que cor? - indagou, solicita, a moça que o atendeu.

- Cor de rosa.

A empregada subiu ao primeiro andar, trouxe algumas caixas de camisas de seda, mas nenhuma correspondia ao desejo elegante do freguês, que era, de fato, exigente.

- Não são destas? - consultou.

- Não, senhora. São mais finas, mais transparentes, com uma renda de seda até quase à cintura.

- Ah! Já sei! - exclamou a mocinha, sorrindo.

E, levantando os olhos para o andar superior chamou por uma companheira.

- Julieta!

Apareceu, em cima, no balaústre, a cabeça oxigenada de outra caixeira da casa.

- Manda-me dali, por favor - pediu - a caixa de camisas n. 8.645.

E, particularizando, alto:

- Olha! daquelas que D. Luizita Corrêa comprou aqui... Sabes?

Quando as camisas desceram das nuvens, D. Silvia tinha subido.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

XXI Concurso de Trovas do CTS/UBT Seção Caicó-RN (Trovas Premiadas)


ÂMBITO NACIONAL
TEMA: Labirinto (s)

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NOVO TROVADOR
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1º lugar
José Osmar Rios Macedo
Feira de Santana – BA

Repica suave o sino
da minha infância perdida.
São curvas do meu destino
Nos labirintos da vida.
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2º lugar
Terezinha de Jesus Garcia Ferreira
Campo Grande - MS

Nos labirintos da vida,
me perdi e me encontrei.
Sigo em frente, destemida
e a vitória alcançarei!!!!
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3º lugar
Ademarcos Dantas Santana
Nossa Senhora Aparecida - SE

Se o valente coração
está preso pelo instinto,
escute a voz da razão
pra sair do labirinto.
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4º lugar
Lucca Lopes Dias Santos
Anápolis – GO

Transborda, com muito alento,
o grande temor que sinto
de cada ressentimento
prender-me em seu labirinto.
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5º lugar
Dulce Rocha de Matos
Niterói - RJ

Nos labirintos da vida,
muitas vezes tropecei,
mas nos seus braços querida,
os meus sonhos realizei
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ÂMBITO NACIONAL
TEMA: Labirinto(s)

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VETERANOS
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1º Lugar
José Manuel Veloso Galvão
São Paulo – SP

Sem chão, sem rumo, a mãe chora
e o fim de um fim a Deus roga,
por ver o filho indo embora
nos labirintos da droga!...
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2º Lugar
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes – PR

Em labirintos, perdida
por seu amor que avassala,
sei que existe uma saída...
mas, nem penso em procurá-la!
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3º Lugar
João Batista Vasconcelos
Nova Friburgo – RJ

Suplício é ver os teus braços
no labirinto do adeus,
fugindo dos meus abraços,
fingindo que não são teus…
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4º Lugar
Ariete Regina Correia
Rio de Janeiro – RJ

Tamanha saudade eu sinto,
que ao cruzar tempo e distância,
te encontrei no labirinto
das ruas da minha infância.
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5º Lugar
Gilvan Carneiro da Silva
São Gonçalo – RJ

Eu e tu somos tão sós,
de tal maneira, que sinto
que o ciúme faz de nós
dois cegos num labirinto...

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 6º Lugar
José Ouverney
Pindamonhangaba – SP

Na nossa cama esse vão
entre nós é um labirinto
onde a insônia dá plantão,
velando um desejo extinto...
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7º Lugar
Renata Paccola
São Paulo – SP

No labirinto da vida
nem sempre há portas abertas,
somente encontra saída
quem faz as escolhas certas!
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8º Lugar
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora – MG

Caminhar por esta vida
sem a fé que nos conduz
é feito achar a saída
de um labirinto sem luz.
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9º Lugar
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba – PR

Nos labirintos sombrios,
o meu sonho se perdeu,
enfrentando desafios,
eu procuro quem sou eu.
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10º Lugar
Cléber Roberto de Oliveira
São João de Meriti – RJ

Enredando-os com enganos,
cruel Mundo, atrais e jogas
novos “farrapos” humanos
no labirinto das drogas!...
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11º Lugar
Andra Valladares
Vila Velha – ES

Nas sendas do inconsciente,
amo-te em sonhos, não minto.
Perdendo-me... ardentemente...
neste interno labirinto.
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12º Lugar
Lothar Bazanella
São Paulo – SP

Nos labirintos da vida,
andei muito tempo a esmo.
E por não achar saída,
Acabei preso em mim mesmo.
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13º Lugar
Antônio Accioly
Nova Friburgo – RJ

O peso desse cansaço
que vive dentro de mim…
Faz de mim um longo traço
de um labirinto sem fim!
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14º Lugar
Paulo Cezar Tórtora
Rio de Janeiro – RJ

Nos labirintos da vida
sigo em busca dos teus braços
e, quanto mais dura a lida,
mais persevero em meus passos.
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15º Lugar
Relva do Egypto Rezende Silveira
Belo Horizonte – MG

A tristeza se arrefece
e as mazelas eu transponho
na ladainha da prece,
no labirinto do sonho.
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TEMA: Abrigo(s)

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ESTADUAL (RN)
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1º Lugar:
Marcos Antonio Campos
Natal/RN

Vejo na tela as entranhas,
no abrigo o filho auscultado,
nas imagens tão estranhas
pulsa o rebento esperado.
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2º Lugar:
Manoel Cavalcante
Pau dos Ferros/RN

Voltei ao teto sem forro...
Doeu ver, no velho abrigo,
as ossadas do cachorro
que foi meu melhor amigo.
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3º Lugar:
Francisco Gabriel
Natal/RN

Se outro amor não me consola,
sem temer novos fracassos,
eu quero, até por esmola,
ter o abrigo dos teus braços.
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4º Lugar:
Lucélia Santos
Patu/RN

Coração dilacerado,
amargurado e tristonho...
Abrigo desmoronado,
contendo um resto de sonho.
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5º Lugar:
Professor Garcia
Caicó/RN

Teu ventre, mãe, foi meu ninho
e abrigo dos teus abraços,
onde aprendi, com carinho,
a dar meus primeiros passos!
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6º Lugar:
Eva Yanni de Araújo Garcia
Caicó/RN

Mãe, em sua perfeição,
é o abrigo de outro ser,
que pulsa em seu coração
e outra vida faz nascer!
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7º Lugar:
Rozanni Garcia
Caicó/RN

Sem saber o que há de vir,
num abrigo de ilusões...
Há pessoas a sorrir,
perdidas nas multidões.
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8º Lugar:
Edson de Paiva
Rafael Godeiro/RN

Não tem frio que um mendigo
passe em tenebroso inverno,
que não cesse em um abrigo
quente de um colo materno.
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9º Lugar:
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley
Natal/RN

No seu viver, lancinante,
leva a solidão, consigo,
é um mísero, constante,
que tem o chão, como abrigo...
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10º Lugar:
Professor Maia
Caicó/RN

Meu coração safenado,
vítima, do teu castigo;
agora, recuperado,
não quer mais te dar abrigo.
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11º Lugar:
Hélio Pedro Souza
Natal/RN

Nas tempestades da vida,
dentre as fugas que persigo,  
quando não há mais saída
em mim mesmo é que me abrigo.
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12º Lugar:
Mara Melinni
Caicó/RN

A fé que guia os meus passos
e não me deixa sozinho,
é abrigo, nos meus fracassos,
e é clareza, em meu caminho!
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13º Lugar:
Hélio Alexandre Silveira e Souza
Natal/RN

Quem vence a sombra e o castigo
da conduta interesseira
encontra luzes no abrigo  
da amizade verdadeira.
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14º Lugar:
Veridiana Jácome
Messias Targino/RN

Construindo-se uma vida,
sendo humilde e fraternal,
pode-se encontrar guarida
no abrigo celestial.
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15º Lugar:
Ieda Lima
Caicó/RN

Vovó de colo macio,
perfume, candura, afeto:
Abrigo, dias a fio...
Saudade eterna do neto.

Fonte:
Prof. Garcia
Presidente da CTS/UBT Seção Caicó-RN

Jaqueline Machado (A cor púrpura)

Cellie, a instigante personagem da obra: A Cor Púrpura, da incrível autora Alice Walker, não nasceu para a vida. Nasceu sim, para a dor, para o horror e para a aceitação do que é inaceitável.

A jovem negra, nascida numa fazenda, quase sem estudos, nunca teve direito a nada. Passou por todos os tipos de torturas, inclusive a de ser violentada pelo próprio pai. Pai, não, um monstro que a engravidou duas vezes e vendeu as crianças logo após nascerem.
 
Cellie era muito apegada à sua irmã Nety, mais jovem e mais estudiosa. Com ela, tentava desenvolver alguns estudos, mas com a sua mente cansada e sem propósitos, quase nada conseguia assimilar. Seu coração triste, mais sombrio ainda ficou depois que sua irmãzinha tão jovem, casou-se com um viúvo que tinha idade para ser seu pai.
 
Pobre Cellie, só lhe restava os constantes desabafos que fazia diariamente escrevendo cartas para Deus, com as suas rudimentares mal traçadas linhas.

Com mais ou menos vinte anos, ela é vendida a Albert, um homem cheio de filhos. Era mais escrava do que esposa. Cuidava da casa, das crianças, do roçado e, como se não bastasse, ainda teve que abrigar e cuidar da amante do marido, uma cantora chamada Avery Shug, que estava doente. Mas para surpresa geral, as duas ficaram amigas. Avery era uma mulher ousada, livre em seus pensamentos e ajudou a mudar a mentalidade abnegada da esposa - escrava.
 
A cantora gostava de Albert, mas, com a saúde estabelecida, passou a gostar mais ainda da mulher do seu amante, com quem viveu um romance. Antes da chegada de Avery, Cellie não conhecia prazer e vontades. Direitos humanos, para ela, pertencia ao pós- morte. Pensava: “A vida aqui na Terra passa rápido, mas o paraíso é eterno”.
 
Porém, mais tarde passou a ter voz e fazer valer as suas opiniões numa sociedade norte-americana, onde a utilidade da mulher negra era apenas servir.

História triste e ao mesmo tempo bela. Sua mensagem reflete as problemáticas sociais do passado e do nosso presente.
 
Fonte:
Texto enviado pela autora

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Vanice Zimerman (Tela de Versos) 4: O Voo da Sereia

 

Aparecido Raimundo de Souza (Tudo aconteceu no silêncio de um instante)

DE REPENTE você se fez real, palpitante, verdadeiro e incontestável. A sua vinda triunfal se misturou ao bulício inquietante de uma espera auspiciosa e vibrou dentro de mim em particular, como uma música suave que encantou o meu espírito e inebriou o que, num piscar de olhos, se tornou imensurável. Por conta de fenomenal milagre, me peguei em transe contínuo. Vibrei o âmago como se estivesse em uma roda da Cumbiamba (*1).  E não parei por aí. Vi-me, a partir de regalos auspiciosos, viajando envolto em nuvens sedentas de paz e aconchego, como se devaneasse num sonho fascinante, um embevecimento que nunca antes havia descoberto dentro da minha galopante e tola obscuridade. Pequeno ser recém-chegado de um mundo distante, bem longe da Terra, você se materializou em flor botão.

Se abriu sempiterno e imarcescível, se fez jubiloso, como na reencarnação de um ser engrandecido, se aconchegou de forma magistral em meu peito, se transformou como uma esperança nova a tecer no quadro da minha vida pregressa, caminhos novos, estradas e sendas que até então eu não sabia existirem em meu destino. O seu rostinho moldado nas asas de um amor angelical, se propagou em uma cópia justa e perfeita, tal como se em seu semblante eu revisse, num filme da infância longínqua, a minha Narjara (*2) em melodiosa ascendência no florido trinta de junho de mil novecentos e oitenta e nove.

Faço menção aqui, meu neto Miguel, e quero que você saiba, desde agora, um dia, quando tiver entendimento, a sua mãe, minha filha, quando ainda, na sua inocência mal desabrochada, brincava por ruas descalças nos meus anseios e eu nem sabia direito o que se constituía ser um “pai de verdade”.

Em outras palavras, eu não tinha pontos de referências robustos para entender, em todo o esplendor, o verdadeiro significado do que meus familiares me apontavam como o folguedo da tal Felicidade. Via-me meio sem juízo, como Holden Caulfield (*3) aos dezessete anos. Agora, meu lindo, nada do que ficou na partícula da distância importa. O que faz toda a diferença é que você se fez viçoso e luxuriante, assim do nada, e, agora, descansa envolto em um berço de fronhas e lençóis recheados de muito amor e carinho. Pois é, meu Príncipe! Você veio de mansinho. Viajou nove longos meses agasalhado em um lugarzinho secreto e, ao chegar, me abriu, no âmago do coração despedaçado, lembranças de outros tempos.

Trouxe, na bagagem, ao meu agora, velhos rascunhos amarrotados de um “tenebroso passado” que dormitava quieto e anônimo dentro da minha imaginação sequiosa e à espera do momento certo e oportuno de vingar, coroar e me fazer voltar a ser avô novamente. O milagre, pois, se fez real. Eu não sou mais aquele garoto que conversava com um pé de Laranja Lima e morava num palácio japonês bem longe da terra. Por isso, agora, de fato, vovô (seu avô), me vejo prestigiado e vivo, saudável e de bem com o aconchego dessa exortação, como se renascesse das cinzas, não como a Fênix mitológica, todavia, dentro de uma prerrogativa próriga (*4) e condescendente, tipo um afago inexorável até então acanhado e enlanguescido.

Num passe de mágica vasto e desmedido, enquanto uma música se esvaia no ar, voltei às carreiras e nos solavancos do tempo (do meu tempo) e me restaurei, por inteiro, a alma e todo o meu “eu oculto” aos prazeres indescritíveis da sua apropinquação aos contornos do meu mundo. Por conta de tamanho evento, num instante obumbrado, me faço real. Aliás, me fiz real. Não me vejo sindromeado, como se vivesse às loucuras de Diótrefes (*5). Tenho consciência que me soergui fundido num relicário de poemas novos, atrelado num ofertório agraciado pelas mãos santas do Pai Maior. Talvez, por conta de tamanho segredo, oculte ainda mágoas, sofridas, intempéries possivelmente advindas do meu pretérito trilhado à desvãos da má sorte.

Em paralelo, ao desalinho dos caminhos da fatalidade e, ainda, por via de mãos incertas, me debatia, à deriva, fustigando a vida de maneira errônea, pelejando, porém, para que ela se fizesse, a cada segundo, mais plena e confiável, acordando sempre de uma pasmaceira-letárgica antiga, à chegada nova de um porvir que se aproximou saudável e triunfante. Claro, obviamente, sem me importar com as cores dos matizes que ainda insistem em se manterem espessas, carregadas de incertezas, prontas para turvarem a minha verdadeira realidade dos meus tempos de agora.  Por tudo o que acima deixo exposto, você, meu neto, será o meu grito de vitória. Igualmente, a euforia ímpar das boas vindas que circulam dentro das minhas expectativas de um porvindouro repletado de bons presságios.

Sobretudo, meu pequeno Miguel, seja a sua estada em meu trilhar, o curso auspicioso, o reverdejar constante e avigorado de uma condição espiritual que acredite, imaginava degenerada, desfalecida, apesar do meu pedido de socorro “incessantear” (*6) na esfera do meu paroxismo que ainda, neste exato momento, aflora incansável e majestoso, grandiloquente e monumental, como a intensidade febril de uma alma literalmente acampada em benfazejo clima de festa.
      
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* Notas de rodapé:   
(1) Cumbiamba - dança de roda colombiana, muito popular na costa atlântica.
(2)  Narjara - minha filha com Carla Laranja.  
(3) Holden Caulfield - personagem do romance “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J.D. Salinger, lançado em 1951.
(4) Próriga - sem rodeios ou desvios.
(5) Diótrefes - Homem ambicioso e inóspito, citado na 3ª epístola de João v. 9-11.
(6) Incenssantear – ser esforçado, quase repetitivamente.


Fonte:
Texto, fotos e notas enviadas pelo autor.

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 13

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 60

Noite para dormir quentinho. Frio de renguear cusco, como se diz nas querências do sul. Ventos de agosto seguem intangíveis, mas sentidos até nas entranhas dos viventes. Céu e terra e ares por testemunhas.

A noite chegou imensa na lua cheia, na frialdade, nalgum ranger de dentes. Na verdade o povo que habita a parte meridional do país está bem acostumado com as temperaturas do inverno.

Os meses de intempéries - geada, ventos gelados, frio, neve - dão origem a uma diversidade de prazeres nas pessoas. Alguns gostam de dormir no frio, outros, de levantar cedo, os enófilos, de bebericar os vinhos, e há aqueles que gostam de viajar para locais frios os mais tradicionais. E os apreciadores de vestir agasalhos mais pesados, sobretudo sobretudos.

E como nos envolvemos e implicamos com o tempo em nossas vidas, sempre há uma frase a nosso favor: "É tão bom deitar e ouvir o barulho do vento lá fora. No frio não é difícil acordar, difícil é sair da cama. Frio e cobertor é tudo que eu preciso para ser feliz ".

Pois entre os meus regalos há aquele que diz que o inverno é gostoso porque a gente dorme quentinho.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

VIII Concurso de Trovas Literárias da UBT Seção Caxias do Sul/RS (Trovas Premiadas)


Tema: Independência

Âmbito Nacional  

Veteranos

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VENCEDORES  (em ordem alfabética)
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Duzentos anos benditos,
mas é clara a consciência
de que faltam muitos gritos
para a plena independência!
Fernando Antônio Belino
Sete Lagoas – MG
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Dom Pedro, a quem aclamamos,
foi na Independência um bravo,
mas nas paixões, convenhamos,
nunca passou de um escravo.
Gerson Silvestre Alencar Gonçalves
Belo Horizonte – MG
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Depois de duzentos anos
do grito de independência,
ainda os grilhões insanos
nos mutilam sem clemência.
Luiz Vieira
Irati – PR
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Do grito de Independência,
duzentos anos de história,
dão ao Brasil consciência:
- que ser livre... é ter memória!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes – PR
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Duzentos anos! E eu, louco,
ainda busco colher
a Independência que, rouco,
clamo por ver florescer!
Vera Tereza Rolim Chyczy
Curitiba - PR

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MENÇÕES HONROSAS (em ordem alfabética)
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Quando um raio de esperança
brilha neste céu de anil,
bicentenário é lembrança:
Independência, Brasil.
Célia Maria das Graças Mendonça de Melo
Juiz de Fora – MG
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Que os heróis da Independência,
vivos em nossa memória,
continuem sendo a essência
que norteia nossa História.
Cipriano Ferreira Gomes
São Paulo – SP
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Como pode a independência
libertar nação servil
se ainda hoje, a violência,
sobrevive num fuzil?
Elizabeth A. C. M. Fontes
Joinville – SC
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Bem alto, de um campanário,
soai o brado da sorte...
Saldai mais um centenário
da independência... ou da morte!.
Juarez Francisco Moreira da Silva
Rio das Ostras – RJ
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Duzentos anos passaram
desde a nossa Independência.
Algumas lições ficaram
guardadas na consciência.
Therezinha Ignês de Campos Bueno
São Paulo – SP

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MENÇÕES ESPECIAIS (em ordem alfabética)
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A Independência é lembrada,
em nossa brasilidade,
no brilho daquela espada,
sob o sol da liberdade.
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora – MG
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Laços fora! Nó desfeito
dos mandos, da obediência.
- Bicentenário de um pleito –
de vultos da independência.
Cezar Defilippo
Astolfo Dutra – MG
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Liberdade, puro ensejo
que tem um povo otimista...
Independência, o desejo,
que tornou-se uma conquista!...
Elias Pescador
São Paulo – SP
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Duzentos anos de um grito
dado com tanta imponência
e o Brasil prossegue, aflito,
procurando a independência.
Julimar Andrade Vieira
Aracaju – SE
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Pátria livre só se faz
com respeito às diferenças,
que independência sem paz
só destrói as nossas crenças.
Maria Dulce de Lima Pessoa
Tabira – PE

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ÂMBITO NACIONAL

NOVOS TROVADORES

Tema: Independência

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VENCEDORES (em ordem alfabética)
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Brada o povo brasileiro:
-Dois séculos de excelência
em que o Brasil, altaneiro,
comemora a independência!
Janete Francisco Sales Yoshinaga
São Paulo – SP
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Uma espada corta o céu
num voo de liberdade,
independência abre véu
na senda da dignidade!
Luciano Izidoro de Borba
Tombos – MG
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Que brilhe a luz da prudência
iluminando este chão,
na constante Independência
de nossa grande nação!
Magda Helena Gomes Teixeira
Pouso Alegre – MG
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Liberdade e Independência
ecoam forte em meu peito.
A trova faz reverência:
“Duzentos anos do feito”!
Paulo Roberto Araújo Martins
Volta Redonda - RJ
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Lá se vão duzentos anos
da sonhada independência,
subordinada aos tiranos...
continua, em dependência.
Troya D’Souza
Santa Cruz – RN

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MENÇÕES HONROSAS – (em ordem alfabética)
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Louvemos a Independência
de nosso amado Brasil.
País de grande potência...
povo feliz, varonil.
Darcy Bandeirante de Azevedo Costa
Taubaté – SP
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Celebrando o aniversário
do Brasil independente.
Festa do Bicentenário –
Independência é o presente.
Francisco José Moreira Lopes
Maranguape – CE
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Da raiz, a independência
fez a pátria soberana;
das lutas à resistência,
do passado, é veterana.
Kalina Alessandra Rodrigues de Paiva
Natal – RN
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Se a guerra é escura prisão,
horrendo cárcere estreito,
a Independência é evasão,
para um mundo mais perfeito.
Maria Silvana Prado
Imbituva – PR
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Independência, oh! Brasil.
Duzentos anos, de glória!
Grande povo varonil,
festejando esta vitória!
Nazareth Ferrari
Taubaté – SP

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MENÇÕES ESPECIAIS (em ordem alfabética)
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Duzentos anos... Regência
e, depois, Federativa.
Viva nossa independência
ainda que relativa.
Davi Pereira
Toledo – PR
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O grito de independência,
feito uma bela canção,
qual acorde de excelência,
acordou nossa nação...
Elvira Drummond
Fortaleza – CE
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Terra e filhos trazem nome:
Liberdade, independência.
Criam asas, sobrenome:
Brasil sim, por competência!
Maria Iris Lo-Buono Moreira
São Paulo – SP
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Um grito de independência
nos salvou da tirania,
e um grito de resistência
salvará a democracia.
Mauro André Oliveira
Guarulhos – SP
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Viva a nossa independência
por Dom Pedro proclamada,
com força e muita eloquência,
Brasil nossa pátria amada.
Mercia Gama
Taubaté – SP

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ÂMBITO ESTADUAL

Veteranos

Tema: Independência

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VENCEDORES
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1º lugar
É sempre escura, cinzenta,
mas é caminho de glória:
por mais que seja sangrenta,
independência é vitória!
Flávio Roberto Stefani
Porto Alegre - RS
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2º lugar
Duzentos anos passados
desde a nossa independência.
Nosso país é mostrado
como grande referência!...
Paulo Roberto de Fraga Cirne
Porto Alegre – RS
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3º lugar
Eu só quero a independência,
para seguir meus caminhos,
e fugir dessa inclemência
de quem só cultiva espinhos...
Jaqueline Machado
Cachoeira do Sul – RS
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4º lugar
Independência, Brasil:
és um país soberano!
Nós não somos pátria vil,
nem quintal do americano.
Lucêmio Lopes da Anunciação
Canela – RS
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5º lugar
Quem quiser independência
tem de trabalhar bastante
pra não sobrar exigência
de qualquer louco mandante.
Roque Aloisio Weschenfelder
Santa Rosa - RS

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MENÇÃO HONROSA
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Vem a Corte e muita gente
pra nossa terra lendária;
da independência, semente
para a saga libertária.
Ary Cardoso
Porto Alegre - RS

Fonte:
Luiz Damo

Marcos Neves (Literalismo)


A mais famosa pergunta dos cafés portugueses permite-nos conhecer um erro linguístico: o literalismo.

Que se acuse quem, depois de usar a palavra «queria», nunca enfrentou a pergunta: «Queria? Já não quer?».

Uma inocente piada de café, dirão. Talvez. Mas não deixa de ser um bom exemplo de um erro linguístico muito comum: o literalismo.

Admito: quando estou a pedir um café com «queria» estou a usar uma forma verbal do passado para fazer um pedido no presente. Um horror!

A verdade é que a língua é mais complexa do que parece à primeira vista:

– Usamos o pretérito imperfeito para fazer pedidos com mais delicadeza: «era a conta, por favor».

– Usamos o futuro para falar de algo incerto do passado: «ela terá lá ido ontem».

– Usamos o pretérito perfeito composto para falar do que fazemos várias vezes: «tenho falado com ele todos os dias»…

Podia continuar por aí fora…

A língua é assim: cheia de sutilezas que usamos sem reparar. Pisando sem vergonha tais sutilezas, há quem interprete literalmente uma palavra ou expressão e declare que tal palavra ou expressão é um erro.

Fonte:
Montargil Acção Cultural – Boletim em Linha – n.111 – agosto de 2022.
Enviado por Lino Mendes (coordenador).

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 16: Rumores

 

Nilto Maciel (Uma Página de Robbe-Grillet)

Quando Jean Denis Lanson esteve no Brasil, o repórter Guido Mocho foi incumbido de entrevistá-lo para o Diário da Tarde.

Segundo o editor, só Guido poderia realizar uma boa entrevista. “Você sabe francês, e basta”.

O repórter quis se esquivar. Ora, não entendia nada de literatura. Quando estudante, havia lido meia dúzia de romances, sem qualquer prazer. Alencar, um chato. Machado, enfadonho. E sempre confundiu Manoel Antonio de Almeida com Joaquim Manuel de Macedo. A Moreninha e Memórias de um Sargento de Milícias lhe pareciam do mesmo autor. “E quem lhe disse que o homem é literato?”

Lanson acabara de publicar o livro Il est tard. Um jornal falava em romance. Aliás, no nouveau roman.

O editor do Diário explicou: não se tratava de literatura, mas de obra sobre ecologia.

Um colega de Guido riu de todos: andavam fazendo uma grande confusão. Estivera na França e ouvira falar do grande físico Jean Denis Lanson. Il est tard  tratava da questão nuclear.

Guido dirigiu-se à Embaixada da França. Precisava esclarecer aquilo. Como fazer a entrevista, se só sabia o nome do personagem da entrevista? Receberam-no com excessiva cordialidade. Contudo nem o Embaixador sabia mais do que a imprensa brasileira sobre o tal Lanson. “Que s’est-il passé?” Talvez o visitante fosse Gustave Lanson, o grande crítico literário. Não, não. Este havia morrido em 1934.

Com horas de atraso, Guido chegou ao hotel onde se hospedava o francês. O livro? Não, não sabia de que livro falava o repórter. “Je ne sais rien, mais je voudrais savoir quelque chose”.

Passada a primeira hora, ainda não haviam chegado a qualquer acordo. Lanson só lia literatura de entretenimento. Nunca conseguira ler mais de uma página de Robbe-Grillet. E de Natalie Sarraute? Desconhecia. E Claude Simon? O deputado acusado de...? Guido mudou de assunto. E a Amazônia? Se pudesse, passaria alguns dias lá, nas praias, olhando as garotas e seus magníficos biquínis. E ria, esfregava as mãos. “Dieu me pardonne! Ah! que je suis content!”

O repórter passou à guerra nuclear. O que seria da humanidade, após a catástrofe? Lanson sorveu sua bebida e quase nada falou. “De quoi parles-tu?” Guido olhou para o teto, como para o céu, e imitou bombas explodindo: bum-bum-bum. Sim, sim, viagens pelos espaços siderais. Adorava Uma Odisséia no Espaço. Que filme! Logo, porém, desceram às nuvens, que também não podiam ver. Depois, à fumaça de seus cigarros. E flutuaram, quase mudos. Por fim, baixaram a si mesmos e, atônitos, abraçaram-se. “Au revoir!”

Cabisbaixo, Guido tomou o rumo do jornal.

A entrevista deu muito o que falar. O Diário da Tarde vendeu mais de um milhão de exemplares. Guido Bezerra Mocho ganhou abraços, aplausos, prêmios. Fez-se glorioso, de repente.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo autor.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 12

 

Aparecido Raimundo de Souza (A amiga que se contenta com um simples toque de dedos)


QUANDO ELE CHEGOU, ela estava na sala, sentada confortavelmente no sofá de frente para o novo aparelho de televisão. Assim que a avistou foi logo soltando as cachorras:

— Como é que faço para me livrar de você?

Ela se ajeitou de um modo que ele pudesse ver os fundilhos no reflexo do abajur encostado num canto em cima da mesinha do telefone.

— Não vejo como! Por favor, tome assento. Não mordo.

— Deve haver uma maneira... disse ele desmoronando o corpo moído ao lado dela.

— Se ao menos você morasse numa casa que comportasse um aparelho de energia solar...

Ele ficou furioso com a desditosa observação:

— Casa, para mim é impossível. Você sabe disso melhor que ninguém. Mas não conte vantagens, mocinha. Encontrei a solução.

— Posso saber qual?

— Vou sair deste apartamento e morar no morro. Estou na dúvida: Se Rocinha ou Complexo do Alemão.

— Sozinho ou com a família?

Ele pareceu hesitar antes de responder:

— Não é da sua alçada.

— Bem, se vai sozinho ou com a família, isso não importa realmente. O fato é que estarei lá.

— Numa favela bem longe daqui do centro de Vila Isabel? Duvido!

— Não esqueça que me faço presente nos lugares mais longínquos do planeta.

— Maldita.

— Posso até ser, mas necessária.

— Não para mim.

— Sem a minha presença em sua vida você não é nada.

— Sem a sua presença minha vida é tudo.

— Prove!

— Já que não quer entregar os pontos, deixa que eu mesma direi.

Para início de conversa, não terá seu banhozinho quente depois de um dia estafante no serviço.  Esqueceu dele?

— Sempre tomei banho frio.

— Não poderá usar o barbeador elétrico que ganhou de sua filha.

— Os aparelhos de barbear descartáveis são mais baratos e seguros.

— Terá que subir escadas.

— Faz bem para o coração...

— Não na sua idade. Escute, meu velho. Esqueça as mágoas. Reflita comigo. Sem mim não poderá ver seu time preferido no dia que for jogar...

— “Grande droga”. No dia que meu time for jogar, paro em frente a uma dessas muitas lojas que vendem aparelhos eletrodomésticos espalhadas por todos os cantos da cidade.

— Viu só? Nesse momento você lembrará de mim. Estarei lá, olhando para sua cara, e rindo do mico que você estará pagando. Vai deixar o conforto do seu sofá para ficar de pé no meio da rua? Faça-me o favor. Ponha na sua cabeça uma coisa: você depende de mim para tudo, tudo, tudo, T-U-D-O.

— Não, não, não.

— Sim, sim, sim...

— Ah! Ia esquecendo. Sexta-feira agora tem corrida de Fórmula Um...

— Acompanho pelo radinho de pilha. É até mais emocionante.

— Sábado também é dia do Caldeirão do Mion. Você ama o “Caldeirola...”.

— Não me interesso mais pelo programa daquele maluco.

— Hum! Seus filmes preferidos, esqueceu?  

— Já vi todos.

— Sua tevê a cabo... depois que as crianças e a sua esposa se recolhem... você não terá mais o canal pornô. E você é amarradão num filminho mais apimentado. É ou, não é?

— Deixei de assinar. Tudo não passa de bobeira.

— Bobeira maior é você querer se livrar de mim...

— E conseguirei, esteja certa.

— Como fará com sua mulher e filhos?

— Já são todos grandinhos. Saberão se virar sozinhos...

— Sua mãe doente. Além de precisar de você, do seu carinho e dos seus cuidados, necessita, igualmente, de mim. Penso até mais de mim que de você. Desculpe, só estou lembrando. Nada pessoal.

— Olhe, sua vagabunda. Me deixa em paz.

— Mas é exatamente o contrário. Você não me dá sossego. Sou sua escrava. Você me faz de cachorrinha. Me usa, abusa da minha bondade, dos meus préstimos. Em troca, meu amigo, em troca eu lhe dou paz. Trago tranquilidade a seu lar. Proporciono momentos bons e alegres para toda a sua família.

Ela faz uma pausa e continua, a língua solta:

— A um comando seu, me abro num leque de prazeres ilimitados. Faço das tripas coração só para ficar perto de você. Diria que estou preso e acorrentado a você, como o ar que corre em seu nariz, como os movimentos das suas mãos e das suas pernas. Resumindo: sem eu por perto, você é um zero à esquerda.

— Comprarei um monte de caixas de velas e fósforos.

Risos.

— Vai fazer algum despacho? As pessoas... seus amigos... sua esposa... até seus filhos pensarão que você perdeu o juízo de vez...

— Perderei realmente o juízo de vez se continuar aqui sentado falando com você feito um bobo da corte.

— Preste atenção. Você mandou cortar o telefone. Como a sua esposa controlará as crianças na escola? Suponhamos que aconteça algum imprevisto? Sua mãe... sua mãe tem que tomar remédios controlados, de duas em duas horas... como vocês – quero dizer, como a infeliz da sua esposa (que fica o dia inteiro com ela) fará para ligar para o farmacêutico vir aplicar as injeções?

— Que use o telefone do vizinho... ela não é quadrada.

— Acha justo? É correto incomodar os demais albergados? Tire por você. Odeia perturbações. Lembra de quando o filho do morador aqui do lado se machucou? Você ficou uma fera quando o pai do moleque tocou a sua campainha...

— Ele atrapalhou o meu jornal...

— Se ponha, por um momento, no lugar da criatura: é correto você interromper o jornal, a novela, ou o filme dos outros? Esqueceu que onde seus direitos acabam começam os do seu próximo? Desde o começo do mundo tem sido assim e continuará indefinidamente. O melhor que tem a fazer é fechar a boca.

— Fechar a boca?

— Perdão. O certo seria controlar os dedos...

— Os dedos?

— Exatamente.

— Não entendi.

— Serei clara. Aliás, sou sempre clara e transparente. Meu nome deveria ser Clara ou Claridade. Você não acha?

— Não mude de assunto.

— Eu falava dos dedos. Você, aliás, vocês deveriam aprender a controlar os dedos. A começar pelo seu casal de filhos. Concordo que eles se aproveitam de mim... fazem da minha pessoa gato e sapato... igualzinho você. Todavia, particularmente tenho em mente que se você tiver uma conversinha de pé de ouvido com os dois... evidentemente... obterá sucesso. Ensine a seus diabinhos pequenas normas corriqueiras... no final do mês, seu bolso não sentirá muito o peso da minha presença...

— Continue...

— Sua esposa, tenho notado, é muito dedicada e controlada. Gasta extremamente o necessário. Não fosse por ela, você estaria no mato sem cachorro, com um nabo desse tamanho enterrado no...

Tomou fôlego em nova interrupção e, em seguida, concluiu:

— Acho que não preciso mencionar onde exatamente o papo... sua mãe, coitada, vou deixá-la de fora de nosso papo. É a única que não contribui em nada para que você acabe no buraco. Sem falar no dinheiro da pensão que ela recebe da aposentadoria e todo mês você embolsa. Que vergonha! Que falta de hombridade! Eu ficaria vexada de me olhar no espelho...

— Está desvirtuando a prosa de novo.

— Não está mais aqui quem falou. Voltando aos dedos. Ensine a seus filhos, quando forem à cozinha, durante o dia, usarem os dedinhos e desligarem os respectivos televisores. Para que dois aparelhos tagarelando em espaços diferentes se ambos vêm os mesmos desenhos nos mesmos canais?

Ela mais uma vez imprimiu uma estancada curta ao bate papo:

— Não podem fazer certas coisas juntos, sentados aqui na sala, como nós estamos agora?  Se você está no quarto, use o dedo e apague a cozinha, se está na varanda, use o dedo e apague o corredor. Para que tantas lâmpadas acesas por aí à fora, sem razão? No fundo, meu amigo, no fundo quero seu bem. Sei que vai dizer que a nota fiscal de energia elétrica vem alta. Concordo. Controle, pois, tudo com seus dedos. Faça uma experiência. Pense que não é só o seu consumo de lâmpadas acesas aqui dentro que aumenta as despesas dos talões a serem pagos. Tem as cobranças de terceiros, iluminação publica, juros por atrasos nos pagamentos, multas, I.C.M.S, ajuste de centavos e outras coisinhas que aparecem escritas numas letrinhas desse tamanho que nem Cristo consegue enxergar. Lembre sempre: quero ser sua amiga e mais ainda, amiga de seu bolso. Promete, ao menos, que vai parar e meditar com mais atenção no assunto?

— Fiquei convencido. Você está com a razão.

— Amanhã procure acertar um dos talões que estão jogados no meio dos papéis dentro de sua pasta. Você está no terceiro mês sem pagar. Não demora o sujeito da companhia vem lá embaixo e passa os dedos, digo, a tesoura no seu medidor. Se não levar o relógio, o que poderá ser pior. Se tal ocorrer, você carecerá, de fato, de muitas caixas de velas e fósforos.

— Obrigada pelos conselhos. Você realmente provou nessa nossa conversa que é minha amiga. Eu diria que é você é a luz do meu caminho...

— Estarei na sua vida para sempre. Agora, por favor, movimente a sua poupança gorda deste sofá, caminhe até o interruptor do banheiro, use o dedo indicador e me apague. Espie. Estou sendo gasta desnecessariamente iluminando um local vazio, e o mais chato, vendo a bacia da privada falando besteiras ao celular. Me poupe, me poupe.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

domingo, 21 de agosto de 2022

Isabel Furini (Poema) 33: Desenhando a vida

 

Carlos Leite Ribeiro (Achado arqueológico)

Num dia de sol ardente, estava o José Pinoca a fazer umas escavações numa terra em Riba d’Aves, para a construção de uma casa.

(Riba d’Aves, para aqueles que não sabem, fica a cerca de 10 Km da cidade de Leiria)
 
A certa altura das escavações, o Pinoca começou a encontrar uns ossos "olha que engraçado encontrei uns ossos... Mas eles têm formas esquisitas...". Voltando-se para os trabalhadores que o estavam a ajudar nas escavações, disse-lhes: "Podem ir para as vossas casas descansar!".

Muito intrigado com o achado, o Pinoca dirigiu-se rapidamente a casa para ir contar a sua mulher, a D. Piquita, a boa nova, pois, se fosse aquilo que ele julgava ser, ia-lhe dar uns tostões na sua exploração.

Piquita, Piquita... Oh mulher, estás aí?” A mulher quando o ouviu assim tão aflito, começou logo a descer as escadas e por fim respondeu-lhe: "Sim, homem, estou aqui. Aonde é que querias que eu estivesse?!"

Oh mulher, tu nem calculas o que é que eu encontrei nas escavações que estou a fazer!" tentando dizer alguma coisa com graça, a Piquita respondeu-lhe: "Pela tua cara... deixa cá ver, deixa cá ver: já sei, encontraste uma cobra!" - disse-lhe a mulher em tom de gozação.

Qual cobra, qual carapuça! Encontrei uns ossos que não sei de quem poderão ser. Percebeste mulher?!"

“Oh, homem, eu não sou estúpida de todo e já compreendi há muito tempo o que tu encontraste. Mas diz-me uma coisa: já foste falar com o coveiro?"

José Pinoca, antes de responder à mulher, sentou-se num banco e só depois lhe respondeu: "Minha esposa esperta, é lógico que não fui falar com o coveiro, pois vim logo para casa e além disso, estou muito cansado. Talvez amanhã vá. Entretanto, estava a esquecer-me de algo muito importante. Peço à minha querida "comandante" que não vá contar isto a ninguém."

A D. Piquita tirou o avental, compôs o cabelo a pôs-se em posição de sentido, respondendo ao marido: "Muito bem, meu comandante! O meu excelentíssimo e digníssimo comandante quer que eu guarde mais alguma coisa, ou esta chega?" O Pinoca sorriu.

No outro dia logo pela manhã, o José Pinoca foi ter com o seu compadre Malaquias, que ao avistá-lo, logo o saudou: "Olha o compadre José Pinoca! então o que o trás por cá ?"

Compadre, nem sei como hei de começar...”. O Malaquias começou a ficar muito curioso e desconfiado com aquela visita do Pinoca e, em determinada altura disse-lhe:

"Não sei o que me quer, mas desde já peço-lhe que esteja à vontade comigo. Vá lá, diga-me lá o que me quer!"

"Então aqui vai... Sabe que eu tenho andado a fazer uns alicerces para uma casa e, qual o meu espanto quando em determinada altura encontrei uns ossos. Ora, como você é perito nesta matéria de ossos, gostaria de saber se aqueles ossos são ou não humanos."

Embora algo admirado, o Malaquias não "desarmou" e com uma certa vaidade, respondeu ao Tinoca: "Fez muito bem em vir ter comigo, pois como diz (e muito bem) eu sou um grande especialista em ossos! Vamos então lá ver esse seu achado."

E lá foram os dois compadres a caminho das fundações. Ao chegar ao local, logo o Malaquias se meteu na vala para melhor examinar os ossos. Depois de um demorado exame, saltou da vala, encarou o compadre, tossiu, piscou os olhos e com ar de pessoa "muito entendida" expressou-lhe a sua avalizada opinião: "Compadre... São ossadas de dinossauro!"

Oh, compadre, estou tão nervoso que nem sei se choro ou se rio! ... Olhe lá, e se fossemos contar o sucedido à D. Fúfia?".

Sou da sua opinião, Pinoca!"

E os dois compadres dirigiram-se a casa da D.Fúfia, uma senhora de certa idade, que não era nada bonita, mas que há muito tinha aprendido a comer com faca e garfo.

Chegaram e logo bateram à porta. Do outro lado respondeu-lhes uma voz muito rouca e autoritária: "Quem é ?!" Depois dos compadres se terem identificado, a D.Fúfia veio abrir-lhes a porta com o seu ar quase marcial, olhando-os por cima dos seus óculos encarapitados no seu quase adunco nariz.

Olá! Entrem, entrem e ponham-se à vontade. Querem um chazinho?... Pelas vossas caras estou mesmo a ver o que vocês queriam era aquilo que eu, para o conseguir beber, tenho sempre que fechar os olhos, ou seja, vinho! Mas infelizmente bebi ainda há pouco a última pinguinha que tinha cá em casa".

"D.Fúfia, por favor não se incomode, cá com a gente" - disse-lhe o Malaquias, e logo o Pinoca concluiu: "Para não incomodar muito a senhora, podemos ir já à questão que cá nos trouxe?"

A senhora mais uma vez os convidou a sentarem-se, sentando-se em seguida, tirando antes de um cesto a sua enorme jiboia de estimação que a pôs ao pescoço.

"Digam-me lá então que questão é essa... será dinheiro?"

Os compadres sorriram e o Pinoca adiantou-se:

"A questão desta vez não é de dinheiro. É o seguinte, eu estava a fazer um buraco numa construção que ando a fazer perto da Lameira, e qual o meu espanto que em determinada altura encontrei umas ossadas, que aqui o nosso distinto coveiro diz que são ossos de dinossauro".

Ao ouvir isto, a D.Fúfia quase que deu um pulo na cadeira e, agarrando a jiboia com a mão esquerda e espetando o dedo indicador em direção dos compadres, logo deu a sua opinião:

"Oh, pessoal!... Vocês tomem muito cuidado, pois o que encontraram pode ser uma manobra política/desportiva. Tomem muito cuidado!".

O Pinoca ficou um tanto ou quanto atrapalhado e foi o seu compadre Malaquias que ousou perguntar à D.Fúfia:

"Então o que é que podemos fazer com as ossadas?!"

"Pois é... deixem-me cá ver, deixem-me cá ver... Ah já sei! Vocês vão já falar com o diretor do Museu de Arte Natural de Riba d` Aves, e apresentem este caso."

Em princípio, o Pinoca não estava nada, mas mesmo nada disposto a ir falar com o diretor do Museu, pois chegou a pensar que aquelas ossadas de dinossauro lhe podiam dar-lhe umas boas coroas (notas...). Mas por fim e aproveitando a sugestão da D.Fúfia, lá foram os compadres falar com o diretor.

Algum tempo depois vieram uns técnicos de Lisboa e, ao fim de alguns meses o enorme esqueleto já se encontrava montado.

No dia da exposição para a apresentação ao público das ossadas do dinossauro, a D.Fúfia, embrulhada na sua enorme echarpe bolorenta e já com alguns buracos de traça, orgulhosamente dizia a toda a gente que tinha sido dela a iniciativa para que as ossadas fossem entregues ao Museu.

Nisto aproximou-se mais do esqueleto para o melhor poder admirar, quando perante a estupefação geral deu um enorme grito e exclamou:

Mas... Mas estas ossadas são do meu querido e único namorado que morreu há mais de 60 anos!!!"

E dizendo isto, caiu redondamente no chão.

Paulo Leminski (Versos Diversos) 18


claro calar sobre uma cidade sem ruínas
(ruinogramas)


Em Brasília, admirei.
Não a niemeyer lei,
a vida das pessoas
penetrando nos esquemas
como a tinta sangue
no mata-borrão,
crescendo o vermelho gente,
entre pedra e pedra,
pela terra adentro.

Em Brasília, admirei.
O pequeno restaurante clandestino,
criminoso por estar
fora da quadra permitida.
Sim, Brasília.
Admirei o tempo
que já cobre de anos
tuas impecáveis matemáticas.

Adeus, Cidade.
O erro, claro, não a lei.
Muito me admirastes,
muito te admirei.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

o náufrago náugrafo

a letra A a
funda no A
tlântico
e pacífico com
templo a luta
entre a rápida letra
e o oceano
lento

assim
fundo e me afundo
de todos os náufragos
náugrafo
o náufrago
mais
profundo
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

bem no fundo

no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

sem budismo

Poema que é bom
acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra,
bolero. Ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora, apenas um sopro
ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
e socos
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

a lua no cinema

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

anch’io son pittore

fra angélico
quando pintava
uma madona col bambino
se ajoelhava e rezava
como se fosse um menino

orava diante da obra
como se fosse pecado
pintar aquela senhora
sem estar ajoelhado

orava como se a obra
fosse de deus não do homem
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

podem ficar com a realidade
esse baixo-astral
em que tudo entra pelo cano

eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

litogravura

Mão de estátua.
Templo. Coluna. Arco de triunfo.
Mil duzentos e cinquenta.

Qualquer pedra na Europa
é suspeita de ser
mais do que aparenta.

Felizes as pedras da minha terra
que nunca foram senão pedras.
Pedras, a lua esfria
e o sol esquenta.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

parada cardíaca

Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure
vem de dentro

Vem da zona escura
donde vem o que sinto
sinto muito
sentir é muito lento
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

imprecisa premissa

(quantas curitibas cabem numa só Curitiba?)

Cidades pequenas,
como dói esse silêncio,
cantilenas, ladainhas,
tudo aquilo que nem penso,
esse excesso
que me faz ver todo o senso,
imprecisa premissa,
definitiva preguiça
com que sobe, indeciso,
o mais ou menos do incenso.
Vila de Nossa Senhora
da Luz dos Pinhais,
tende piedade de nós.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

sujeito indireto

Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito.
Quem dera eu visse o outro lado,
o lado de lá, lado meio,
onde o triângulo é quadrado
e o torto parece direito.
Quem dera um ângulo reto.
Já começo a ficar cheio
de não saber quando eu falto,
de ser, mim, indireto sujeito.

Fonte:
Paulo Leminiski. Distraídos venceremos.  Publicado em 1987.

Sammis Reachers (Ri por último quem ri de bolso cheio)

 As catanças de ferro-velho abarcavam, a partir de nosso sub-bairro Jardim Nazareth ou Palha Seca (a “fronteira” entre os bairros de Tribobó e Arsenal) diversos outros bairros: No poder arcano da canela, alcançávamos Jockey Club e Anaia, Capote e Arsenal, chegando até a Rio do Ouro e Maria Paula, quando não Colubandê e Bairro Almerinda. Era muito chão!

Naqueles finais da década de 80, o bairrismo não era armado pelo tráfico como depois tornou-se, mas existia: Os daqui não se misturavam com os de lá. Mesmo que os de lá fossem os dali, da rua seguinte à sua...

Nessa época de “galeras” e entreveros, surgiu certa feita aqui na Beira do Rio uma dupla de irmãos folgazões, ou folgadaços mesmo. Metidos a bambas, vinham na intenção de namoricar as meninas da área. Bem, as NOSSAS meninas. Na época eu não estava realmente interessado em namoros, mas a marra daqueles espertões incomodava, tanto a mim quanto a muitos outros. Mais fortes que eu e Renato, me lembro de uma feita em que, em plena e nossa área, os sacanas nos intimidaram com sinistras ameaças. Acuados, num tempo em que eu ainda era um péssimo ou inútil boxer de rua, colocamos a viola no saco e ficamos quietinhos...

Eles vinham de uma área próxima, uma espécie de sub-bairro a que chamávamos de “Buraco Quente”. Acontece que este mesmo Buraco Quente era área fiel de nossas coletas, pois havia lá um enorme lixão comunitário, instalado numa espécie de cratera. E não é que foi numa dessas andanças naquelas paragens que acabamos descobrindo em que casa moravam os tais Romeus valentões?

Tempo passou, e belo dia fomos nós nos abeirando da casa deles, cuja cerca de arame farpado, já banguela, coitada, fazia lado a um terreno baldio, coberto por moitas e arbustos. Apenas batíamos aquele terreno em busca de algo, inchados de inocência, quando, lá ao fundo do tal terreno e fronteiriço à cerca da casa dos sacanas, percebemos uma enorme caixa de ferro – um desses baús de geladeiras antigas. Ao nos acercarmos com cuidado, a falha dos valentinos foi descoberta: Os trouxas deixavam, do lado de fora de seu quintal, um depósito de reciclagens composto apenas de alumínio, cobre, chumbo e metal, um depósito repleto. Alumínio já bem amassado, fios de cobre já descascados ou queimados, com sabor de mel.

Não era preciso dizer mais nada, e Renato nem tentou. Apenas sorriu cinicamente; e Deus, como sinto falta daquele sorriso! Eu entendi o que faríamos.

Nas semanas seguintes, aplicamos sobre aqueles canalhinhas nossa velha e experimentada tática do morde-e-assopra: A cada semana pegávamos uma pequena “carga” das mercadorias, para que as vítimas não sentissem o impacto.

A marra daqueles garotões, que depois acabaram “expulsos” de nossa área pelos moleques maiores, nós a consumimos nos sabores Chocolate e Flocos dos sorvetes da Kibon, nossos preferidos...

O dono da padaria sorria quando entrávamos, sujos e amarrotados, mas cheios de dinheiro de nosso suado trabalho – e nossa justa e vingativa rapina!

Fonte:
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.