quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

A. A. de Assis (Leigo por quê?)

Tenho à minha frente um exemplar da edição de dezembro/1978 da antiga revista “Aqui”. Nas páginas 26-27 há uma entrevista que fiz com o padre Julinho (Monsenhor Júlio Antônio da Silva), então um jovem sacerdote recém-ordenado. A certa altura, ele diz: “Não gosto dessa palavra ‘leigo’, que sofreu desgastes semânticos ao longo do tempo. Prefiro falar em ‘povo de Deus’, do qual o padre é parte, embora com missão especial”.

Penso igual, e por igual motivo. Inicialmente a palavra “leigo” (do grego “laós”/“laikós”) era usada em seu sentido original: significava “povo”. Assim, “leigos” eram todos os filhos de Deus, entre os quais também os padres – homens escolhidos por inspiração divina, mediante o dom da vocação, para, em tempo integral, servir, incentivar e orientar a humanidade na caminhada rumo à Casa do Pai. Ou seja: os diáconos, os presbíteros, os bispos, os cardeais, o papa eram “leigos” que compunham o “clero” (do grego “kléros” = escolhidos, selecionados).

O problema começou, como frisou o padre Julinho, a partir da degradação semântica sofrida pela palavra “leigo”, que no rolar dos séculos passou a ser entendida como alguém que pouco ou nada entende de alguma coisa. Esse novo significado é aceito naturalmente quando se trata de alguma ciência: leigo em direito, leigo em medicina, leigo em economia. Em religião, porém, parece no mínimo pouco sinodal chamar alguém de “leigo”.

Decerto os clérigos, pelos seus longos estudos, estão bem preparados para explicar a Bíblia e tudo o mais que se refira a Deus e aos mistérios da alma. Todavia isso não significa que os demais sejam desinformados, muito menos tolos. Há grandes teólogos que não são padres; há muitos outros homens e mulheres que são profundos conhecedores das Escrituras Sagradas. Da mesma forma como há milhões de pessoas com pouca instrução, mas que, na pureza da sua fé, conseguem colher sabedoria diretamente no coração de Deus.  

Minha mãe cursou apenas a escola primária, no entanto foi com ela que aprendi a primeira grande lição de espiritualidade. Eu tinha uns 12 anos quando ela me disse: “Toda vez que você pensar em Deus, chame-o pelo nome de Amor – o Amor fez o céu e a terra; o Amor criou o homem e a mulher; o Amor habitou entre nós na pessoa de Jesus para nos salvar; o Amor perdoa setenta vezes sete; o Amor ama, e portanto quer sempre ver a gente feliz”.

Assim, desde a adolescência eu já entendia quem é Deus (Deus é Amor). Minha mãe, na sua simplicidade, sabia das coisas; ela não era “leiga” em religião. Nem ela nem nenhuma das outras tantas pessoas que dialogam com Deus na igreja, em casa ou em qualquer lugar.

Peço perdão ao querido amigo padre Julinho pela carona que peguei numa frase sua dita há 44 anos numa entrevista. Parece, porém, estar mais do que na hora de alguém criar um novo nome para os que não são clérigos. Há de haver alguma palavra mais adequada do que “leigo”. 

(Crônica publicada na edição do Jornal do Povo em 15.setembro.2022)

Fonte> https://angelorigon.com.br/2022/09/15/leigo-por-que/ 

Hinos de Cidades Brasileiras (Bacabal/MA)


por Iranise Lemos

I
Entre tantas frondosas palmeiras
É um leito que corre a banhar
Tuas terras surgistes garrida (bis)
Oh! Cidade que sabe cantar.

II
Entoado som majestoso
De avanço para enaltecer
Aos que imigram e o teu povo inato (bis)
És futuro, és progresso, és viver.

Coro
Tens recursos da natureza
Tens cultura e beleza (bis)
Tens recursos presente da natureza
Tens cultura e beleza

III
Terra, luz céu tão azul que brilha
Refletindo valor colossal
Que espreita com viva esperança (bis)
Progredir vivas tu Bacabal

IV
Altaneira és ideal
Foste ontem a fazenda que agora
O Maranhão te a ti Bacabal

V
Se retratas povir tão risonho
Incentiva o homem a dizer
Bacabal, Bacabal tão querida (bis)
Tua meta é sempre crescer.

VI
Tudo em ti é airoso
És poema és hino também
Resplandece em tua área a nobreza
Correrás para além muito além.

VII
Oh! Cidade galante deveras
Caudaloso é teu rio Mearim
Babaçu te enleva em paisagem (bis)
Poesia, riqueza és enfim.

Coro
Boa terra de encantos mil
Entre norte e nordeste ficaste
Dando marco de amor ao Brasil.

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) Capítulo 27: Tempestades

O dia seguinte amanheceu nublado, mas logo chegou o sol com sua promessa eterna de amor.

Na fazenda Boitatá, a família Fiore se reunia para o café da manhã, Vó Gorda, sentada num toco de madeira, com um galho de arruda na mão, benzia as crianças da redondeza, enquanto Arlindo aparava as roseiras. 

Em Prenda Bonita, os peões estavam na lida, menos Simão, que deu uma chegada na casa de Juca e Amélia. Foi apanhar no jardim dos amigos algumas flores para oferecer a sua namorada, que ninguém sabia quem era. 

A demora foi pouca por causa das fofocas de que ele era amante da mulher de seu melhor amigo. Mas sobrou um tempinho para um cafezinho na companhia de Amélia...

Isadora, depois de uma noite insone e triste, vestiu-se de coragem. E como de costume, foi à procura de sua mãe na cozinha.

Encontrou dona Ana empalidecida, caída ao lado do fogão.

- Mãe! – gritou desesperada. Verificou o pulso da mãe e constatou que sua mãezinha falecera.

Num grave acesso de fúria, Isadora atirou as panelas cheias de comida no chão, quebrou as louças, as vidraças das janelas...

- Minha mãe morreu! - dizia chorando.

- Calma, meu amor. Ela deve estar apenas desmaiada – Deixe-me ver. 

- Meu Deus, sinto muito, Isa. - disse Fábio.

- Sente? Não sente nada. Pessoas como tu e meu pai, desconhecem o significado da palavra sentimento.

- Não ofende assim, amor. 

- Que amor? - eu não sou teu amor, sou tua propriedade!

Isadora levou as mãos à cabeça, e feito louca corria pela casa gritando sem parar, rasgando a própria roupa do corpo.

Sua tempestade atraiu a todos que estavam acerca da fazenda.

Fábio tentou contê-la. E ela escapou, abraçou – se ao corpo da mãe. E depois saiu sem rumo.

Fabio e Amélia colocaram dona Ana no sofá da sala. E com muito pesar, seu corpo começou a ser velado. Juca correu para a cidade para buscar o patrão, o padre e um caixão.

O tempo fechou novamente. Uma tempestade desabou. E o senhor Antônio, com suas botas embarradas e pilcha encharcada, arregalou os olhos ao ver sua esposa morta.

A noite se aproximou. Os vizinhos foram chegando. E Isadora seguia sem rumo, com a roupa rasgada, unindo a tempestade do seu coração à tempestade da rua. 
****************
continua...

Fonte: Texto enviado pela autora 

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 40

 

Mensagem na Garrafa – 75 –

 Cecília Meireles
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964

CANÇÃO

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Monsenhor Orivaldo Robles (Um padre na balada)

Fazia 73 anos que eu não entrava numa casa noturna. Dessas que organizam noitadas tão do gosto da nossa moçada baladeira. Pelo menos não entrava numa em funcionamento: gente elegante às pampas, som nas alturas, conversa aos gritos, bebida à escolha e à vontade, salgadinhos de fino gosto, essas coisas. Eu tinha estado numa, sim, faz tempo, mas de dia, junto com o proprietário, que lá me levou para dar uma bênção às instalações. Evidentemente, estava vazia àquela hora. Nem sei se ainda está em atividade. Estabelecimentos dessa natureza abrem e fecham com rapidez surpreendente.

A casa a que me dirigi, segundo fui informado, vem bombando na noite maringaense. Nunca tive curiosidade de saber o que fazem ou como se comportam as pessoas lá dentro. Quando comentei que, à noite, estaria lá, um jovem amigo pôs-se a troçar de mim: “O que, hein! Como as coisas mudam. Padre agora frequenta balada, é?”. Não exatamente. O que houve é que o diretor comercial do jornal DNP pediu-me que lá comparecesse na noite do último dia 25 de junho para fazer uma oração de ação de graças e dar a bênção pelos 40 anos de existência do jornal. Só isso.

Fui acolhido com grande fineza. Ele mesmo veio receber-me e me encaminhou pelo meio da pista, que, àquela hora, já botava gente pelo ladrão. Gesto providencialmente necessário, diga-se. Eu não fazia a menor ideia da direção que devia tomar. Com firmeza e simpatia, fez-me passar entre os convidados, subir a escada até atingir o camarote (é esse o nome do balcão comprido que abriga o povo vip?). Agradeci e, aliviado, lá me posicionei, à espera do momento da minha fala. Um índio Tikuna do Amazonas, em plena 5ª Avenida de Nova Iorque, não se sentiria mais perdido.

Tive a sorte de ser achado por um amigo, quase da minha idade, que me salvou da completa solidão. Conforme permitia o som ambiente, até papeamos um pouco. Uma observação dele fez-me pensar. Em dado momento, olhando para baixo, opinou: “É aqui que a nossa juventude vem se perder”. Falou sem ressentimento nem inveja. Quando ele era jovem, por certo não existia balada. Ainda que houvesse, de nada lhe serviria. Teve que estudar e trabalhar duro, desde muito cedo.

Hoje, que muitos pais conquistaram bom patamar econômico para a família, os filhos têm na balada sua mais frequente (senão única) diversão. Encontramo-nos, em alguns domingos, por volta das seis da manhã. Eu, a caminho da Catedral; eles, voltando de carro para casa, onde os pais não conseguem dormir enquanto não chegam. Pela forma como alguns dirigem, não saberia dizer se estão sóbrios. Pais se angustiam com razão. Mas que outro divertimento eles têm? A propósito, outra pergunta se impõe: o que a cidade oferece para os pobres? Para aqueles jovens dos bairros, que não têm carro nem dinheiro nem mesada? De que diversão dispõem estes?

Aprendi por experiência, ao trabalhar com eles nos meus anos de padre moço, que os jovens são generosos. Isso não é poesia nem frase de efeito. A juventude é mesmo o tempo do heroísmo. Da coragem para coisas difíceis. Mas precisa que descubram valores reais, não fictícios.

É chato dizer, mas nosso tempo anda carente de quem lhes mostre tais valores. Os mais novos repetem os exemplos que conhecem. Uma sociedade constrói-se conforme modelos. Os jovens seguem aquilo que admiram nos adultos. Que modelos nossa meninada vem observando em nós, mais velhos?

Será que só o consumismo desenfreado que veem na sociedade consegue matar a sua sede de viver?

Fonte> https://angelorigon.com.br/2014/07/05/um-padre-na-balada/

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LXVII


JARDINEIRO...

MOTE:
Sou jardineiro imperfeito,
pois no jardim da amizade,
quando planto amor perfeito
nasce sempre uma saudade...
Adelmar Tavares
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

GLOSA: 
SOU JARDINEIRO IMPERFEITO,
mas meu adubo é o amor,
eu amo sem preconceito,
dou a todos, meu calor!

Eu colho muito carinho,
POIS NO JARDIM DA AMIZADE,
que encontro no meu caminho
existe a felicidade!

Vivo feliz, satisfeito,
espero que o tempo passe...
QUANDO PLANTO AMOR PERFEITO
é um perfeito amor, que nasce!

Mas junto de tantas flores,
às vezes, contra a vontade,
recordando os meus amores,
NASCE SEMPRE UMA SAUDADE…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

MUITO ALÉM DAS ESTRELAS...

MOTE:
As estrelas... na amplidão,
nem todos conseguem vê-las.
Um sonhador põe a mão
muito além dessas estrelas!
Aloísio Alves da Costa
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

GLOSA:
AS ESTRELAS... NA AMPLIDÃO,
embelezam o Universo,
e o poeta com emoção,
as retrata no seu verso!

Ficam distante... não perto,
NEM TODOS CONSEGUEM VÊ-LAS,
mas quem traz o peito aberto
pode, contudo, entendê-las!

Com amor no coração
e a alma, pura estesia,
UM SONHADOR PÕE A MÃO
e logo as torna poesia!

Eu quisera ser poeta
para poder concebê-las,
e pôr a minha alma inquieta,
MUITO ALÉM DESSAS ESTRELAS!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

ESPERANÇA...

MOTE:
Esperança é o sol aberto
que meu destino conduz:
Deixando o sonho mais perto,
bem menos pesada a cruz.
Alonso Rocha
Belém/PA, 1926 – 2011

GLOSA:
ESPERANÇA É O SOL ABERTO
que vem dourar o meu dia,
onde feliz eu desperto,
esquecendo a nostalgia!

Esse sol tão envolvente,
QUE MEU DESTINO CONDUZ,
tem um calor diferente,
que vem de vibrante luz!

Nesse meu vagar incerto,
quem me sustenta é a esperança,
DEIXANDO O SONHO MAIS PERTO
aumenta a minha confiança!

E um raio de sol, então,
cheio de brilhos, reluz,
tornando, com emoção
BEM MENOS PESADA A CRUZ.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

ILUSÕES

MOTE:
FEREM, SIM, MAS QUERO TÊ-LAS,
AO LONGO DA CAMINHADA.
ILUSÕES! CACOS DE ESTRELAS,
QUE ENCHEM DE LUZ MINHA ESTRADA!
Carolina Ramos
Santos/SP

GLOSA:
FEREM, SIM, MAS QUERO TÊ-LAS,
agridoces ilusões,
quero também merecê-las,
sentir suas emoções!

Quero que sigam comigo
AO LONGO DA CAMINHADA,
me amparando, dando abrigo,
enchendo de tudo, o nada!

Quero, em meu peito, acendê-las
e deixá-las crepitar...
ILUSÕES! CACOS DE ESTRELAS,
que não cansam de brilhar!

Seguindo nessa ilusão,
me sentirei muito amada,
com luzes no coração
QUE ENCHEM DE LUZ MINHA ESTRADA!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

LUA DISTANTE...

MOTE:
Sonhador, poeta... e amante
de quanto a vida me dá,
que importa a lua distante...
se os meus sonhos chegam lá?...
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012

GLOSA: 
SONHADOR, POETA... E AMANTE
eu vivo intensa alegria,
o meu desejo excitante
explode em minha poesia!

Eu sou cativo do amor,
DE QUANTO A VIDA ME DÁ,
por isso, de mim, a dor,
para longe fugirá!

Esse meu amor, garante
meu sonho realizar...
QUE IMPORTA A LUA DISTANTE...
se eu aprendi a voar?

Voando pelo infinito,
minha alma, feliz está,
porque sufocar meu grito,
SE OS MEUS SONHOS CHEGAM LÁ?...

Fonte: Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XVIII. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. 2004. 

Leandro Bertoldo Silva (Uma certa Dona Nicinha)

Dona Nicinha era uma professora diferente. Se estivesse na sala de aula, tratava logo de organizar as carteiras em círculo. Preferia mesmo que as salas tivessem almofadas no lugar de cadeiras duras e desconfortáveis. Mas, vá lá… Nada que não se pudesse improvisar. Por isso mesmo, Dona Nicinha gostava mesmo era de dar aulas na praça ao som dos passarinhos ou mesmo na quadra da escola, onde tudo era motivo de tornar as aulas mais interessantes, ou surpreendentes, já que era uma professora de Geografia e não de Educação Física.

Dona Nicinha tinha muitos alunos e gostava muito deles. A recíproca era verdadeira, pois os alunos adoravam a professora e seu jeito simples e diferente de os tratarem. Afinal, ela chegava perto deles e os ouvia com atenção…

Como dito, Dona Nicinha tinha muitos alunos, mas havia um em especial, um tal José de apelido “Desatento”. Acabou ficando conhecido como José Desatento. Ele não gostava muito de estudar. Até que Matemática ele gostava por ser uma matéria mais… Digamos… Absoluta, concreta mesmo. O negócio ficava complicado é quando ele tinha que imaginar… Não que ele não soubesse, pelo contrário, ele imaginava até demais. Aí sobrava exatamente para as aulas de Dona Nicinha. Como seria o tal fuso horário? Será que ele tinha ponteiros na ponta do nariz que indicavam as horas? E fuso horário tem nariz? Bem, deve ter. E ainda por cima deve combinar com os braços longitudinais e as pernas em latitudes de 15º, uma a leste e a outra a oeste…

— José, está prestando atenção?

— Estou ,fessora!

— O que eu disse, então?

— Que o fuso horário de tanto variar as horas e alternar o dia e a noite sem parar e a todo o momento, deve ter pegado um baita de um resfriado!

Pronto. Era gargalhada geral…

José Desatento não fazia por mal. Gostava de Dona Nicinha.

— Sabe o que é, fessora, eu não consigo entender esse negócio de geografia, sabe? Mapas, escalas… Daí eu começo a pensar e quando dou por mim já estou imaginando histórias…

Hummmm…. Já que José Desatento gostava de histórias, Dona Nicinha teve uma grande ideia! Propôs à turma uma aula na biblioteca da escola, em que deixou tudo muito bem preparado para levar a cabo seu intento. No dia seguinte, tudo combinado, os alunos dirigiram-se à biblioteca e estranharam, já que Dona Nicinha nunca havia se atrasado. Ao chegarem, viram que a biblioteca estava vazia. Entre os murmurinhos, risadas e brincadeiras que logo começaram a surgir, eis que uma voz exuberante, alta e vibrante se fez ouvir vinda de trás de um grande Atlas, cuidadosamente colocado em cima de uma das estantes bem ao alcance dos olhos das crianças. Os alunos logo perceberam que se tratava de mais uma invenção de Dona Nicinha, mas, seja como for, dessa vez estava muito real, pois a voz não parecia a dela e, ainda por cima, ela não estava atrás da estante. Dona Nicinha havia preparado tudo. Amarrara um microfone de tal maneira que não deixou à mostra nenhum fio que, passando pelos vários livros e estantes, permitia que ela falasse de outro lugar da biblioteca onde mantinha uma visão perfeita dos alunos sem que estes a vissem. Coisas de Dona Nicinha…

— Muito bem, crianças… Cheguem aqui perto de mim! Eu sou o Geógrafo e quero levá-los a uma viagem inesquecível! Mas… — começou a chorar. José Desatento achou aquilo fabuloso. Puxa! Um Atlas que fala! E ainda chora?! Como é que pode? Sua imaginação logo deu sinais de ação. Bingo! O plano estava dando certo… José colocou-se à frente do grupo e percebeu uma pocinha de água perto do Atlas (cuidadosamente colocada por Dona Nicinha).

— Ei, por que você está chorando? — perguntou José Desatento.

— Porque você não me usa! — disse o Atlas.

— Ah! Desde quando preciso te usar? Aliás, de onde está saindo essas lágrimas?

— Elas? São do oceano Atlântico! Tem também um pouco do Pacífico e um tantinho do Índico.

— Ai, ai! Você é maluco! Desde quando o oceano Atlântico, Índico ou Pacífico é feito de lágrimas?

— Desde quando você não percebeu que eu sou um Atlas!

E assim, Dona Nicinha, ou melhor, Geógrafo, foi dando toda a aula do dia, pedindo ora um, ora outro que folheasse uma parte do Atlas à medida que ela ia explicando e fazendo os alunos “viajarem” em suas páginas.

José Desatento estava agora mais atento do que nunca. A cada explicação do Geógrafo, ele se imaginava numa verdadeira aventura. Em seus pensamentos, à medida que Geógrafo ia articulando as palavras, ele ia ficando pequenininho e descobrindo várias coisas viajando de um lugar a outro na companhia do novo amigo. De repente, estava lá na Espanha descobrindo várias coisas, mais precisamente as touradas e, também, que lá tem um dos times de futebol mais ricos do mundo. Isso ele gostou à beça, pois adorava vários esportes, principalmente futebol. Depois ele voltou aqui mesmo para o Brasil e viu que no Nordeste tem duas danças chamadas frevo e axé e, no Rio de Janeiro, tem o samba. Em Minas Gerais tem uma comida típica que é o feijão tropeiro, que os turistas adoram, e também o pão de queijo. Na Argentina conheceu uma dança muito querida pelos hermanos, que é o tango. Ficou sabendo que na Itália inventaram duas comidas deliciosas que ele adora: a pizza e o macarrão. E assim, ele foi conhecendo o mundo pelas páginas do Geógrafo como nunca havia conhecido.

No fim da aula, Dona Nicinha deixou seu esconderijo e fingiu entrar na biblioteca se desculpando pelo atraso. Os alunos até sabiam que se tratava de uma grande brincadeira, mas tudo tinha sido tão bem articulado e conduzido pela professora, que eles não quebraram o encanto. Contaram a ela o que tinham aprendido e a respeito do Geógrafo de tal forma e com tanta verdade, que ela mesma quase acreditou na própria história. Quem mais falava era José Desatento, que mostrava a cada frase um grande aproveitamento. Dona Nicinha ouvia tudo com atenção. Sentia-se satisfeita, pois achava que tinha conseguido tocar o coração de seus alunos, principalmente de José, e fazer com que ele encarasse a Geografia com outros olhos. A confirmação disso se deu uma semana depois, quando José, ao apresentar um trabalho, falou tudo o que aprendeu nas páginas de seu “amigo” Geógrafo. Falou tão bem que foi aplaudido pelos colegas e pela professora Nicinha. Ao soar o sinal para ir embora, Dona Nicinha juntou suas coisas e saiu da sala satisfeita. Quando foi virar o corredor, ela ouviu José gritando para ela:

— Valeu, Geógrafo!

Dona Nicinha nada falou. Apenas sorriu e foi entrar em outra sala para mais uma de suas aulas inesquecíveis…

Hinos de Cidades Brasileiras (Limoeiro do Norte/CE)


Composição: Rufino Maia E Silva / Maestro Cleóbulo Maia

Limoeiro, Limoeiro
Cantamos em seu louvor!
Tu és bandeira de glória
No mastro do nosso amor
És escola e oficina
De um povo trabalhador

Outrora gigantes bravos
Que no teu seio aportaram
Eram também bandeirantes
Que o Jaguaribe cruzaram!
Sem esmeraldas nos sonhos,
A terra boa encontraram

Limoeiro, Limoeiro
Cantamos em seu louvor!
Tu és bandeira de glória
No mastro do nosso amor
És escola e oficina
De um povo trabalhador

No palco nobre da vida,
Soprou-te a aura envolvente!
Puseste as mãos em teu campo
Plantaste nele a semente;
Tua cidade floresce
Neste Brasil continente

Limoeiro, Limoeiro
Cantamos em seu louvor!
Tu és bandeira de glória
No mastro do nosso amor
És escola e oficina
De um povo trabalhador

Tuas planícies nos mostram,
A luta que nos apraz
A busca pelo saber,
Pelo trabalho que faz
Erguer a fronte do povo,
Amar a fonte da paz.

Limoeiro, Limoeiro
Cantamos em seu louvor!
Tu és bandeira de glória
No mastro do nosso amor
És escola e oficina
De um povo trabalhador

Que belas carnaubeiras
Volteiam tua paisagem!
São vincos que te sustentam,
São elos da tua imagem...
Por si, sós, uma aquarela,
Incentivando coragem.

Limoeiro, Limoeiro
Cantamos em seu louvor!
Tu és bandeira de glória
No mastro do nosso amor
És escola e oficina
De um povo trabalhador

O Jaguaribe em teu seio,
Sereno, doce, a correr,
Projeta veias profundas
No solo que vai beber
As águas que passam nele,
Impondo o lema - VENCER!

João da Câmara (O primeiro sorriso)

Mal se tinham acendido as luzes no Coliseu, quando ele entrou devagarinho, triste, um pouco asmático, meneando a cabeça pálida.

Parece que mais lhe pesava a corcunda naquela noite.

Andando pelo corredor estreito, que divide os camarotes dos lugares mais baratos, foi encostar o queixo à teia de pinho, pintada de branco, junto do caminho atapetado, que a cantora devia seguir do camarim para o palco.

Era uma artista célebre a que se estreava. Com oito dias de antecedência tinha-se espalhado com profusão pela cidade, colado aos vidros das portas dos armazéns de música, pendurado em quadros às esquinas das ruas, o retrato litografado de mademoiselle Eva d'Avenay.

Um dia, o corcunda, passeando depois do jantar, como costumava, pela rua do Ouro, erguendo a cabeça, deu, de súbito, com um daqueles retratos na loja de um livreiro.

Parecido ou não, representava uma mulher lindíssima.

Ficou estático um momento; sentia tremer-lhe o coração um pouco, e como que dois dedos apertarem-lhe amorosamente a garganta.

Entrou envergonhado, e com voz sumida perguntou ao caixeiro se aquilo se vendia.

— Um tostão.

Ele que nunca olhara para mulher senão cá de muito baixo, coitado, assentando no meio da espinha as abas do chapéu, que (fato pouco vulgar) por detrás é que amoleciam, podia finalmente, por um tostão (barato!) contemplar uma mulher bonita à vontade, sentado comodamente, sem ser visto e sem ter de corar.

Quando saiu da loja, levando na mão o rolinho de papel pardo, que embrulhava a litografia, caminhou mais depressa, quase alegre, menos asmático.

Chegou na casa, desdobrou o retrato sobre a mesa, encostou nela os cotovelos, e, com as fontes apertadas nos punhos cerrados, passou parte da noite em contemplação da estranha formosura.

Parecia-lhe que afinal aquela mulher tinha que refletir para ele uma parte de tanto amor, que todo lhe estava dando e que era o primeiro que sentia.

Desejos haveria tido, mas amar... Quem? Se, quando passava, todos se riam e ninguém, ninguém, jamais sorrira para ele!

Quando recordava tempos longínquos, via, como através de um nevoeiro, uma mulher a quem ele estendia os bracinhos magros, que se lhe debruçava sobre o pequenino berço — tão pequenino! — e que o envolvia numa atmosfera de amor, beijando-o muito. Mas essa mulher também não sorria... chorava.

Chorava naturalmente ao vê-lo tão fraquinho, tão feio, tão enfezado (raquítico). Se o visse agora, cheio de rugas precoces, com os cabelos alvejando-lhe nas fontes, e triste sempre, sempre tão triste!

Por isso contemplava aquele retrato, como se fora possível aquela mulher loira, voltar a cabeça no papel e enviar-lhe, só para ele, aquele sorriso que, por todas as esquinas, por toda a parte, ela enviava... para quem? — para coisa nenhuma; que o retrato era a três quartos e ninguém sabia para onde olhava.
*
* *

Os porteiros, cada um á sua porta a receberem os bilhetes, cantarolavam os bocejos e assoavam-se com estrondo para despertar. O teatro continuava às escuras. Um homem gordo entrou devagar, com as mãos nas algibeiras do colete, assobiando por entre dentes. Sentou-se, deitou as pernas para cima da cadeira que lhe ficava de fronte, pôs o lenço entre o pescoço e o colarinho, e, tirando um palito da algibeira, pôs-se a palitar os dentes, com um ar desinteressado.

Duas ou três filas mais adiante, um outro abanava-se pachorrentamente com o chapéu, virando um bocadinho a cara para lhe ir o fresco às orelhas.

Conheciam-se e começaram conversando em voz alta:

— Olá, Conselheiro! Então também deitou até cá?

O homem gordo encolheu os ombros.

— Não há mais nada que fazer!

E depois de palitar um bocado:

— Que isto cheira-me a fiasco.

— Ora! disse o outro com ar convencido e para estar de acordo. A tal mulher...

— A gente cai em cada uma...! – terminou o Conselheiro.

E, encostando a cabeça para trás, deu largas a um bocejo formidável.

Um arrumador, que passava naquele instante, sorriu-se aduladoramente, curvando-se muito.

— Senhor Conselheiro...

— Adeus, seu José.

E fechou os olhos, como se estivesse dormindo.

Ah! se o corcunda não andasse tão rasteiro, se não fosse tão fraquinho, como perguntaria àquele homem, frente a frente, com que direito bocejava, quando ele estava ali sentindo o coração a estalar-lhe no peito!

Os músicos com os instrumentos dentro de saquinhos de chita, começaram a entrar, limpando o suor, resmungando árias, espreguiçando-se.

Deram oito horas. Chegaram umas carruagens a trote largo. O teatro encheu-se rapidamente.

Ouvia-se o sussurro das conversações e o ranger das varetas dos leques. Os lugares junto da teia, a que se encostara o corcunda, eram da predileção de muitos; pouco a pouco foram-no empurrando, e ele apertado, aflito com a asma, que logo o atacou violentamente, ouvia por detrás umas risadinhas zombeteiras. Sentiu numa orelha bater-lhe uma bolinha de papel. Um velho mal encarado, ao lado dele, estava de figa feita. E resignado, agarrando-se aos balaústres da teia, esperava que fosse aquela noite a primeira feliz da sua vida.

Abriram as torneiras do gás e a luz jorrou de repente. Houve um sussurro maior. Muitos, que ainda se não tinham visto, cumprimentaram-se. Os elegantes das cadeiras apontaram os óculos para os camarotes e começaram tirando os chapéus.

O teatro transbordava.

Os músicos afinavam os instrumentos. Ouviam-se por entre as variações alegres da flauta as notas harmônicas das rabecas. O homem dos tímbales batia notas surdas com a mão esquerda e apertava com a direita as escaravelhas. Afinal entrou o regente, de casaca e gravata branca, cumprimentando os colegas, enquanto descalçava a luva.

Bateu na estante e ergueu alto o braço.

Houve uns schius! assobiados por alguns amadores, que a toda a sala impuseram silêncio.

O regente olhou para todos os músicos, demorou-se um instante e depois, descrevendo com a batuta um quarto de circunferência, fez sinal às rabecas, que logo começaram tocando muito piano, em uníssono.

Era com certeza mademoiselle Eva d'Avenay quem ali atraia a maior parte dos espectadores. Os conversadores pouco a pouco foram elevando o tom e, como as rabecas sozinhas continuavam tocando pianíssimo, havia o que quer que fosse fantástico naquele maestro de grande cabeleira caindo-lhe até a gola da sobrecasaca, elevando alto, muito alto, a batuta, e deixando depois cair o braço a tremer, a tremer, comandando uns arcos que se mexiam como puxados por um só homem, mordendo cordas que não tinham som.

Decididamente o corcunda sufocava.

De repente, a um sinal enérgico do regente, os metais vibraram enchendo a sala de notas alegres, vivas, que num instante, como por encanto, cortaram as palestras. Foi um relâmpago de alegria. O regente sorriu-se delicadamente e as rabecas continuaram sozinhas no meio da distração geral.

Um gaiato gritou lá de cima:

— Muito bem!

Tinham acabado felizmente.

A respiração do corcunda era um apitozinho.

Instantes depois, corria-se uma cortina e encaminhava-se para o palco mademoiselle d'Avenay.

Houve um sussurro admirativo. Muita gente ergueu-se. Ouviram-se vozes:

— Abaixo!

Ela, já no palco, sorria impassível, cumprimentando o público, olhando em volta, muito serena.

Alguns entusiastas davam palmas.

O Conselheiro olhou para o amigo e fez-lhe uma cara como quem diz: — de truz (de primeira ordem)!

O regente muito amável curvou-se para a cantora e fez-lhe baixinho uma pergunta. Respondeu que sim, muito risonha, muito amável.

As rabecas preludiaram.

Ela consertava o decote e alisava o cabelo na testa.

Era uma mulher em todo o esplendor da beleza dos trinta anos, de elegância distinta e inteligente, alta, com o busto quebrado um pouco na cintura, o peito forte, braços admiráveis, ombros muito redondos, e nas costas, bem ao meio, uns dois ou três sinais, que pareciam ter-lhe sido dados, de caso pensado, pela natureza, para que ninguém julgasse que aquele busto era de mármore. Os olhos azuis tinham um olhar profundo e os cabelos loiros e finos emolduravam uma testa muito lisa, como de virgem de quinze anos.

Quando cantava, a boca simpática, fresca, sorria sempre, alegrando-se aos cantos com duas pregas infantis.

Do lugar onde estava, o corcunda via-lhe o perfil sereno, a longa trança dourada e todo o vulto branco salientando-se na massa escura dos espectadores aglomerados nos degraus em anfiteatro do outro lado da sala.

Quando ela acabou de cantar, toda a plateia aplaudia, delirante.

O corcunda bem queria dizer — bravo! Mas sumira-lhe a voz.

Mademoiselle d'Avenay cantou três vezes naquela noite e o delírio crescendo sempre!

Agradecia muito reconhecida, pondo a mão no peito, fazendo ranger a seda do vestido. Já os músicos se tinham retirado, já o iluminador começava fechando as torneiras do gás e ainda novas ovações ecoavam na sala.

Ela tornava a subir ao palco, agradecendo, muito amável, sorrindo como no retrato, para o ar, para coisa nenhuma.

E por onde passava deixava no rasto um cheiro forte, bom, que embriagava o corcunda.
*
* *

Achou-se afinal sozinho.

Umas famílias, que se tinham encontrado à saída, conversavam, enquanto as senhoras vestiam os xales e os homens acendiam os cigarros.

Que fazia ali o corcunda? Viera na esperança de que essa mulher ideal, como ele não sonhara poder haver no mundo, reparasse no pobre verme e do seu pedestal lhe fizesse a mercê de um olhar.

Mas nem ela o vira, nem ele pudera ajudar a ovação. Bem tinha deitado os bracinhos por entre os balaústres para aplaudir; se não fosse a asma, teria gritado: bravo! mil vezes. Mas se era tão fraquinho...!

Estava extenuado, meio morto; a cabeça lhe estalava.

Sentou-se num dos degraus da geral e escondeu o rosto entre as mãos.

Pouco a pouco, ia perdendo a memória do que se passara, conservando apenas a consciência de que era um desgraçado.

Acordaram-no uns passos de mulher.

Ergueu a cabeça.

Mademoiselle d'Avenay, toda embrulhada em rendas brancas, saía do camarim muito risonha, conversando com uma velha, que a acompanhava.

Levantou-se. Ela tinha de passar por ali e ele tremia. Quase sem forças, desvairado, mal pode pronunciar:

—Bravo! Bravo!

Ela parou um pouco assustada. Vendo-o tão pequenino, na meia escuridão, julgando-o provavelmente uma criança, tocou-lhe com dois dedos na cara. Mas, picando-se nas barbas, retirou a mão e disse:

— Pardon, monsieur.

E quando passou... sorriu-se para ele.

Fonte: João da Câmara. Contos. Lisboa: Guimrães, Libânio & Cia, 1900. Disponível em Domínio Público. Convertido para o português atual por Jfeldman.

domingo, 7 de janeiro de 2024

Therezinha D. Brisolla (Trov" Humor) 21

 

Mensagem na Garrafa – 74 -

 
Auta de Souza
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN

AO CAIR DA NOITE

Não sei que paz imensa
Envolve a Natureza,
Ness’ hora de tristeza,
De dor e de pesar.
Minh’ alma, rindo, pensa
Que a sombra é um grande véu
Que a Virgem traz do céu
Num raio de luar.

Eu junto as mãos, serena,
A murmurar contrita,
A saudação bendita
Do Anjo do Senhor;
Enquanto a lua plena
No azul, formosa e casta,
Um longo manto arrasta
De lúrido esplendor.

Minhas saudades todas
Se vão mudando em astros...
A mágoa vai de rastros
Morrer na escuridão...
As amarguras doidas
Fogem como um lamento
Longe do Pensamento,
Longe do Coração.

E a noite desce, desce
Como um sorriso doce,
Que em sonhos desfolhou-se
Na voz cheia de amor,
Da mãe que ensina a Prece
Ao filho pequenino,
De olhar meigo e divino
E lábio aberto em flor.

Ah! como a Noite encanta!
Parece um Santuário,
Com o lindo lampadário
De estrelas que ela tem!
Recorda-me a luz santa,
Imaculada e pura,
Da grande noite escura
Do olhar de minha mãe!

Ó noite embalsamada
De castas ambrósias...
No mar das harmonias
Meu ser deixa boiar.
Afasta, ó noite amada,
A dúvida e o receio,
Embala-me no seio
E deixa-me sonhar!