segunda-feira, 9 de abril de 2012

Arlindo Alberto Pereira Tavares (O Fim do Mundo)


O autor é do Rio de Janeiro / RJ

Faz muito tempo que o azul do céu, conforme descrito em livros antigos nos abandonou, dando lugar a um céu cor de ferrugem, meio ocre, meio cor de sangue. Aquela cor que não nos deixa esquecer como a estupidez, a soberba, a vaidade, o egoísmo e a arrogância humana acabou causando a destruição de nosso planeta, de nossas sociedades, a eliminação de praticamente todos os seres vivos. A mesma cor do sangue derramado por familiares, irmãos em espécie, amigos, ou mesmo inimigos. Nisto pelo menos a democracia da destruição foi plana e linear, envolvendo pobres e ricos, indigentes e poderosos, doutos e leigos...

Esta é tão somente uma pequena parte de uma mensagem captada, cuja sequência termina abruptamente, como que um último suspiro de revolta e lamentação de uma civilização que talvez não mais exista, posto que nunca mais foi captado nenhum sinal eletromagnético que possa nos fazer crer que a vida, pelo menos inteligente e tecnologicamente capaz, ainda exista naquele lugar. Esta mensagem foi interceptada por uma civilização, distante milhões de anos luz da antiga área que foi outrora local ocupado por uma pequena estrela e seu sistema solar. Compondo este sistema solar, rodopiava cheia de vida, um minúsculo, rochoso e espacialmente bem colocado “planetinha” que antigamente, milhões de anos passados, ainda era o lar de uma quase infinita variedade de seres vivos, e entre estes uma variação que ousou, pelo menos até a última palavra transmitida, sobreviver ao holocausto de uma guerra nuclear ocorrida no ano terráqueo de 2019.

Algumas semanas antes...

- Estamos nos destruindo, a segregação social, política, econômica e científico-religiosa está nos levando a um estado de calamidade quase que absoluta. “Temos” que nos desarmar militarmente e também em nossos espíritos, precisamos diminuir as diferenças entre os países! Precisamos de um tipo de cooperação política e humanitária que nos ajude a equalizar todos os povos! Necessitamos mais... Necessitamos acabar com as fronteiras geográficas e sociais e criar uma civilização sem demarcações políticas, sem opressões e sem segregações! Precisamos dar um basta a todo tipo de preconceitos e segregações! Havemos também de encontrar meios de não limitar a ciência em si, mas de dar a ela alguma baliza de dignidade social e humana!”- Gritava em uma espécie de comício filosófico-científico o humanista e cientista social, internacionalmente conceituado, Elvis de Azeredo.

Infelizmente suas palavras não encontraram eco nas mentes e nem nos corações da maioria dos humanos e em especial não encontravam caminhos nas agendas políticas e econômicas dos poderosos.

A situação alcançava um estado crítico tal que a beligerância era total entre os povos. A globalização não passava neste momento de mera lembrança. A paz mundial fazia parte de desejos impossíveis de serem minimamente realizados. Focos de guerra entre os povos ocorriam por todo o mundo. A economia mundial simplesmente morria a passos largos, e apenas os países mais ricos e militarmente mais protegidos ainda comportavam algo que podia ser lembrado como um vestígio de sociedade. Estes países e seus governantes acreditavam que o peso de sua dinastia militar lhes rendia alguma segurança, e internamente conseguiam sufocar as revoltas e a insatisfação social dos abandonados ao azar da miséria.

O mundo assim caminhava, sem que na prática nada fosse feito para estancar ou pelo menos minimizar a loucura total que marcava aquela existência.

O desespero e o despreparo humano atingiram tal nível que o respeito humano fazia parte apenas de um passado distante. Neste estado de coisas, o líder de um país no qual o desespero social era total, em desespero de causa, lança mísseis munidos de bombas nucleares visando destruir aqueles poucos países onde ainda havia alguma ordem, mesmo que mínima. Desde o momento do lançamento destes artefatos, até que uma condição de calamidade nuclear tivesse tomado conta da terra, foi questão de horas. As potências militares, em retaliação, iniciaram um processo de bombardeamento nuclear dos países que entendiam como inimigos. Nesta loucura, um arpejo de ataques acabou com a sustentabilidade da vida na Terra, pelo menos a vida macroscópica estava fadada ao desaparecimento natural pelo estrago radioativo e nuclear alcançado.

Como que em represália a situação de degradação humana que acabava de ser atingida, a natureza revidou com sucessivas erupções vulcânicas que acidularam completamente a atmosfera. Terremotos estrondosos tomaram conta das placas tectônicas, tsunamis monstruosos arrasaram os países costeiros, ventos avassaladores destruíam a cobertura terrestre e alimentavam incêndios gigantescos que consumiam a face da terra. No final as águas já turvas e contaminadas foram se acidulando e tornaram inaceitáveis para a vida animal. O outrora planeta azul era agora um mero resto alaranjado.

Daquele planeta cheio de vida agora só existiam lembranças. Os poucos que conseguiram sobreviver temporariamente estavam tomados de tumores e doenças mil. Pelo menos um conseguiu em último esforço passar aquela mensagem que milhões de anos depois era a única lembrança da existência, no passado, de um planeta cheio de vida em que a ganância, a vaidade, a arrogância, o egoísmo, a soberba, a estupidez e a desumanidade cercada de falsa sabedoria humana simplesmente pôs fim, dando para o nosso planeta o destino final do fim do mundo, de seu mundo, de nosso mundo.

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Contos do Fim do Mundo - Setembro de 2011

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