domingo, 8 de abril de 2012

Irene Coimbra (Poesias Avulsas)


O MENININHO E A TORNEIRA

A aula da primária
já havia começado,
quando aquele menininho
veio sentar-se ao meu lado.

E olhando para mim
com olhar interrogador,
parecia esperar
uma manifestação de amor.

E quando lhe sorri
pra mim sorriu também,
e aproximando-se mais de mim,
essa frase disse assim:

- Na minha casa tem tornera!

Tomada de surpresa
pela frase inusitada,
por um breve momento
não consegui dizer nada.

Mas olhando bem pra ele
pude logo entender,
o que com aquela frase
ele queria dizer.

E enquanto entusiasmado
continuava a falar,
eu ia percebendo
um brilho em seu olhar.

- Dentro de casa. O vô qui pois. Saiu água!

Não precisou dizer mais nada
e sua realidade vi,
era a primeira vez
que uma torneira entrava ali.

Abraçando-o com carinho
fiquei a imaginar,
a importância que tinha
uma torneira em seu lar.

Aquele menininho
que diante de mim estava,
era como um professor
que entrelinhas me ensinava.

Com ele aprendi
a parar de reclamar
por coisas insignificantes
que faltavam em meu lar.

Jamais irei esquecer-me
daquela simples lição,
pois ela ficou gravada
dentro de meu coração.

PRECISO CORAGEM

É preciso coragem
para não revidar com palavra agressiva,
quando se foi atingida de forma ofensiva.

É preciso coragem para não fingir,
quando todos ao seu lado estão a mentir.

É preciso coragem para dizer a verdade,
no meio de tanta falsidade.

É preciso coragem para silenciar,
quando se tem vontade de gritar.

É preciso coragem
para dizer a mensagem que deve ser dita,
mesmo que depois a vejam como maldita.

É preciso coragem para espalhar alegria,
mesmo vivendo em agonia.

É preciso coragem para dizer “Não”,
diante de uma grande tentação.

É preciso coragem pra continuar lutando,
mesmo em tudo fracassando.

MEXERICOS DE PAPEL

Há três horas estou aqui
esperando a inspiração,
com o papel à minha frente
e a caneta na mão.

De repente ouço a caneta
falando com o papel,
que a inspiração que espero
já foi pro beleléu.

O papel ri da caneta
e ela dele também,
e juntos riem de mim
porque a inspiração não vem.

E os dois mexericando
ali em minha frente,
dizem que não consigo
porque é vazia minha mente.

Perco a paciência de vez
ao ouvi-los dizer assim,
e meu primeiro impulso
é de dar neles um fim.

Pego a caneta bem firme
e a aperto entre os dedos,
enquanto o papel me olha
branco de tanto medo.

Nesse momento os dois
começam uma gritaria,
e entre seus gritos vejo
nascer a minha poesia.

A REVOLTA DA CANETA

A caneta de repente
fica toda revoltada,
e me encarando com fúria
diz que eu sou a culpada.

Diz que já se cansou
de todos os meus rabiscos,
e que está decidida
a parar com tudo isso.

Que a aperto entre os dedos
e que rabisco demais,
e nem por um minuto
consigo deixá-la em paz.

Que não tenho piedade
pois quando estou escrevendo,
sou incapaz de perceber
o quanto está sofrendo.

Que a pressão de meus dedos
sobre ela é tão forte,
que por muitas, muitas vezes
desejou até a morte.

Que eu não ligo pra ela
e não tenho coração,
e que já está farta
de ver seu trabalho em vão.

Diz que já não aguenta mais
ver as folhas que rabisco,
em pedacinhos rasgadas
e mandadas para o lixo.

Que se for pra continuar
com essa situação
ela desiste de tudo
e vai para outra mão.

DISPUTA SOBRE O TECLADO

Ligo o computador
e faço a conexão,
enquanto os dedos se agitam
na maior animação.

Cada dedo no teclado
quer passar uma mensagem,
alguns falam coisa séria,
outros falam só bobagem.

Às vezes olho, espantada,
para a tela à minha frente,
sem querer acreditar
no que saiu da minha mente.

Vejo os dedos, ansiosos,
pulando sobre o teclado,
como se estivessem todos
dançando um sapateado.

Olho pra eles bem séria
e falo com autoridade:
“Ou vocês me obedecem
ou os castigo sem piedade.”

“Será que não percebem
as bobeiras que ali estão?
Parem de escrever tolices
e prestem mais atenção”.

Nesse momento minha alma
como sempre a interferir
joga em mim toda a culpa
pelo meu modo de agir.

“Não queira culpar seus dedos
pelo que acabam de escrever,
você mesma é a culpada
com esse seu jeito de ser.”

“Você não sabe o que diz”
falo então pra minha alma,
“Fique aí no seu canto
e não me tire a calma.”

Os dedos, indiferentes,
sobre as teclas vão saltando,
e palavras pra todo lado,
vão todos eles jogando.

Tento, em vão, controlá-los
pra que não escrevam bobeira,
mas, indisciplinados,
fazem à sua maneira.

Só depois de muito tempo
e com o micro desligado,
é que acaba a disputa
dos dedos sobre o teclado.

“NADA SE CRIA, TUDO SE COPIA...”

“Nada se cria, tudo se copia.”
Foi isso que ouvi dizer,
quando comecei a escrever.

Mas minha única vontade
era escrever uma mensagem,
sem de ninguém copiar
e pra todo mundo eu passar.

Vi então, em minha mente,
aparecer, de repente,
palavras e mais palavras
que em frases se tornavam.

Como se estivesse a beber
da água de uma nascente,
comecei a escrever
tudo que me vinha à mente.

E, enquanto ia escrevendo,
eu tinha a sensação,
de que um anjo invisível
guiava minha mão.

Deixei-me levar assim,
sem me preocupar com nada,
pois sabia que no fim
a mensagem seria dada.

E como um raio de luz
incidindo em minha mente,
a mensagem apareceu
assim de repente:

“É preciso ter coragem
pra passar uma mensagem,
pois todo aquele que uma mensagem passou,
de alguma maneira alguém o crucificou.”

Fonte:
União Brasileira de Escritores

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