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quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Ascânio Lopes (1906-1929) Caderno de Versos


SERÃO DO MENINO POBRE


Na sala pobre da casa da roça
papai lia os jornais atrasados.
Mamãe cerzia minhas meias rasgadas.
A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
e deixava nas paredes um bordado de sombras.
Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
— desde criança fascinou-me o maravilhoso.
Às vezes, Mamãe parava de costurar
— a vista estava cansada, a luz era fraca,
e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
numa carícia muda e silenciosa.

Quando Mamãe morreu
o serão ficou triste, a sala vazia.
Papai já não lia os jornais
e ficava a olhar-nos silencioso.
A luz do lampião ficou mais fraca
e havia muito mais sombra pelas paredes...
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior.
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CENA DE UMA RUA AFASTADA
                         Para Martins de Almeida

A solteirona fechou as janelas com estrépito.
Uma mocinha da escola normal passou firme, sem olhar.
Um senhor gordo disse que era uma pouca vergonha
e que nossa polícia não vigiava os costumes.
Mas, indiferentes aos gritos dos carroceiros,
às pedradas dos garotos,
a lulu de D. Mariquinhas e o fox-terriê
                 [ (meio sangue) do sr. Fagundes
continuaram impudicos no meio da rua.
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MINHA NAMORADA

Seu nome era besta e ela também
mas quase não falava e só sabia olhar.
Gostei dela
fiz versos puxados
gastei tempo nas rimas raras
e na colocação de pronomes
porque ela era normalista
e gostava de gramática e não perdoava galicismos.
Mas um dia ela descobriu meus versos modernos
e percebeu que fingia
e gostava de errar nos pronomes
e que meus sonetos eram só pra ela.
Então me deu o fora e arranjou um poeta sincero
que a comparava a Marília
e que sabia de cor a "Ceia dos Cardeais"
e que sapecava todos os ritmos novos
e as poesias sem geometria e compasso.

E ficavam cinicamente amando no portão
quando não iam ao cinema delirar com as fitas
                      [ dramáticas italianas 12 atos.
Ela me deu o fora.
Também nunca mais fiz sonetos.
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SANATÓRIO

Logo, quando os corredores ficarem vazios,
e todo o Sanatório adormecer,
a febre dos tísicos entrará no meu quarto
trazida de manso pela mão da noite.

Então minha testa começará a arder,
todo meu corpo magro sofrerá.
E eu rolarei ansiado no leito
com o peito opresso e de garganta seca.

Lá fora haverá um vento mau
e as árvores sacudidas darão medo.
Ah! os meus olhos brilharão procurando
a Morte que quer entrar no meu quarto.

Os meus olhos brilharão como os da fera
que defende a entrada do seu fojo.
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Ascânio Lopes Quatorzevoltas nasceu em Ubá (MG), em 1906, mas foi criado em Cataguases, onde faleceu, em 1929. O poeta transferiu-se para Belo Horizonte em 1925, onde cursou a escola de direito. Em 1928, já doente, retornou a Cataguases.

Uma atividade marcante na curta vida de Ascânio Lopes foi sua participação no grupo que fundou a revista Verde, publicada em Cataguases 1927 e 1929. Publicação modernista, a Verde reunia jovens como o romancista Rosário Fusco e o poeta Guilhermino César. Cataguases era um polo de criação artística. Na mesma época, o cineasta Humberto Mauro, pioneiro do cinema brasileiro, havia montado na cidade sua produtora, a Phebo Sul America Film.

Modernista de primeira hora, Ascânio Lopes se correspondia com Mário de Andrade e escrevia poesia, prosa, ensaio. Seus versos, como não podia deixar de ser, têm muitos traços do modernismo anos 20. O poema "Serão do Menino Pobre" até lembra o lirismo drummondiano de "Infância" (de Alguma Poesia, 1930). Ascânio: "Na sala pobre da casa da roça / papai lia os jornais atrasados. / Mamãe cerzia minhas meias rasgadas."  Drummond: "Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. / Minha mãe ficava sentada cosendo. / Meu irmão pequeno dormia."

Em textos como "Cena de Uma Rua Afastada" e "Minha Namorada", Ascânio Lopes mostra a irreverência da fase heroica do modernismo, com uma irresistível inflexão para o poema-piada. No primeiro, trata de um tema que jamais poderia ser motivo de poema nos padrões tradicionais. No outro, numa ironia bem ao estilo do "Desafinado" bossa-novista, queixa-se de uma namorada normalista que colocava bem os pronomes e detestava versos modernos.

Em "O Chefe", o poeta se volta para a crítica aos desmandos dos potentados interioranos. Por fim, vem a nota mais doída. É a crônica amarga de um jovem que se vê definhar num hospital sem esperança de cura. "Sanatório", poema autobiográfico, é a página mais citada de Ascânio Lopes.

Com a morte do poeta, a revista Verde se dissolveu. Os remanescentes publicaram ainda um último número, exatamente para homenagear o amigo morto. Sobre Ascânio escreveram nomes como Mário de Andrade, Antonio de Alcântara Machado e Carlos Drummond de Andrade.

Em vida, Ascânio Lopes publicou apenas um livro, chamado Poemas Cronológicos (1928). Ao todo, sua obra resume-se a 48 poemas, um fragmento de novela, três ensaios e quatro resenhas. Todo esse material, mais outros documentos sobre o autor, está reunido no volume Ascânio Lopes – Todos os Possíveis Caminhos, do romancista cataguasense Luiz Ruffato.
Carlos Machado


segunda-feira, 20 de junho de 2022

Washington Daniel Gorosito Pérez (Cenizas Nocturnas)

Nota do blog: tradução para o português após poema em espanhol.

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CENIZAS NOCTURNAS

La ciudad se ha dormido
arrullada por el ritmo cansino
de la lluvia.

En la negrura porfiada de la noche
se funden leyendas y versos.

La vida cruza en las esquinas
y muestra arrugas
en su frente curtida.

Los bichitos de luz
emprenden una danza frenética bajo los faroles
de luces sosegadas a pesar del agua.

La anunciación del alba
la marca
una muchedumbre oscura
con un ir cabizbajo
viendo su reflejo en los charcos.

Se confunden con el viento,
voces de esperanza y espanto.

Pequeñas eternidades.

Las primeras estrías del sol
parten la sombra en pedazos.

Observo las cenizas de la noche volar.
La ciudad renace…

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CINZAS DA NOITE
                                                                         
A cidade adormeceu
embalada pelo ritmo cansativo
da chuva.

Na obstinada escuridão da noite
lendas e versos se fundem.

A vida cruza nas esquinas
e mostra rugas
em sua fronte envelhecida.

Os insetos de luz
empreendem uma dança frenética sob os faróis
de luzes calmas, apesar da água.

O anúncio da aurora
a marca
uma multidão escura
com um caminhar cabisbaixo
vendo seu reflexo nas poças.

Se confundem com o vento,
vozes de esperança e medo.

Pequenas eternidades.

Os primeiros raios do sol
quebram a sombra em pedaços.

Eu vejo as cinzas da noite voarem.
A cidade renasce...
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Biografia

“Há caminhos por traçar no exílio das palavras”.

Washington Daniel Gorosito Pérez nasceu em 1961, em Montevidéu, Uruguai, residindo desde 1991 em Irapuato, Guanajuato, México. Naturalizado mexicano em 1999. Candidato a Doutor em Ciências com Especialidade em Pedagogia.

Escritor. Poeta. Ensaísta. Investigador. Jornalista. Conferencista. Catedrático Universitário. Autor da coluna “Encuentro con Gorosito” de temas de política internacional e culturais que se publica em vários países da América Latina e Europa. Analista de Informação Internacional e Defesa. Parte de sua obra literária e jornalística foi traduzida e publicada em inglês, russo, japonês, romeno,  italiano e português.

- Membro do catálogo do Registro Nacional de Escritores - Uruguai Cultural Letras do Ministério de Educação e Cultura (MEC).

- Membro do catálogo da Coordenação Nacional de Literatura - da Secretaria de Cultura do México - Instituto Nacional de Belas Artes (INBA).

- Membro como Autor da Enciclopedia da Literatura no México – Fundación para las Letras Mexicanas - Consejo Nacional para la Cultura y las Artes - Gobierno del México.

- Alguns de seus poemas sobre temas históricos do Uruguai como “Victoria Oriental en las Piedras” e  “El genocidio Charrúa”, são objeto de estudo, declamação e representação em Escolas e Atos Pátrios Oficiais.

- O poema “Gaucho del Uruguay” foi pintado pelo artista Mario Giacoya e forma parte da coleção pictórica: “Homenaje a los poetas uruguayos”.

- Alguns de seus poemas têm sido ilustrados pela artista plástica espanhola Geles Conesa.

- Seus Haikus têm sido ilustrados pelol Mestre Muralista e pintor mexicano Salvador Almaraz López, reconhecido como “el último eslabón del muralismo mexicano”. Várias Revistas de Universidades da Espanha publicam seus trabalhos.

- Obteve prêmios de poesia, conto, jornalismo, ensaio literário e ensaio histórico no Uruguai, México, Argentina, Brasil, Chile, Estados Unidos, Espanha, França e Itália.

- Tem participação em 40 antologias literárias (livros) em diferentes países da América e Europa.

Entidades que pertence:

Membro da Unión Católica Internacional de la Prensa (UCIP), com sede em Genebra-Suiça.

Membro de Poetas del Mundo. (PM), com sede em Santiago de Chile - Chile.

Membro da Red Mundial de Escritores en Español, com sede em Madrid - Espanha.

Membro da Academia de Poesía de Ciudad de México - Sede em CDMX - México

Fonte:
Poema e biografia enviados pelo poeta (em espanhol). Tradução para o português, por José Feldman.

domingo, 27 de março de 2022

Narcisa Amália (Poemas Escolhidos)

O LAGO

I
Calmo, fundo, translúcido, amplo o lago
longe, trêmulo, trêmulo morria,
No seu límpido espelho a ramaria,
curva, de um bosque punha sombra e afago

Terra e céu, ondulando, eram na fria
tela fundidos! O queixume vago
que a água modula, de ambos parecia
solto, ululante, intérmino, pressago!

"Trecho vulgar de sítio abstruso e agreste"
talvez; mas todo o encanto que o reveste
sentisse; contemplasses-lhe a beleza;
comigo ouvisse-lhe a mudez, que fala,
e sorverias no frescor que o embala
todo o alento vital da Natureza!
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PERFIL DE ESCRAVA

Quando os olhos entreabro à luz que avança,
Batendo a sombra e pérfida indolência,
Vejo além da discreta transparência
Do alvo cortinando uma criança.

Pupila de gazela - viva e mansa,
Com sereno temor colhendo a ardência
Fronte imersa em palor...Rir de inocência,
Rir que trai ora angústia, ora esperança...

Eis o esboço fugaz da estátua viva,
Que - de braços em cruz - na sombra avulta
Silenciosa, atenta, pensativa!

Estátua? Não, que essa cadeia estulta
Há de quebrar-se, mísera, cativa,
Este afeto de mãe, que a dona oculta!
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POR QUE SOU FORTE
      a Ezequiel Freire

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.
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RESIGNAÇÃO

No silêncio das noites perfumosas,
Quando a vaga chorando beija a praia,
Aos trêmulos rútilos das estrelas,
Inclino a triste fronte que desmaia.

E vejo o perpassar das sombras castas
Dos delírios da leda mocidade;
Comprimo o coração despedaçado
Pela garra cruenta da saudade.

Como é doce a lembrança desse tempo
Em que o chão da existência era de flores,
Quando entoava o múrmur das esferas
A copla tentadora dos amores!

Eu voava feliz nos ínvios serros
Depois das borboletas matizadas...
Era tão pura a abóbada do elísio
Pendida sobre as veigas rociadas!...

Hoje escalda-me os lábios riso insano,
É febre o brilho ardente de meus olhos:
Minha voz só retumba em ai plangente,
Só juncam minha senda agros abrolhos.

Mas que importa esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
Se nas asas gentis da poesia
Eleva-me a outros mundos mais formosos?!...

Do céu azul, da flor, da névoa errante,
De fantásticos seres, de perfumes,
Criou-me regiões cheias de encanto,
Que a luz doura de suaves lumes!

No silêncio das noites perfumosas
Quando a vaga chorando beija a praia,
Ela ensina-me a orar, tímida e crente,
Aquece-me a esperança que desmaia.

Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos ruidosos,
De longe vejo as turbas que deliram,
E perdem-se em desvios tortuosos!...
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SADNESS *
"Still visit thus my nights, for you reserved,
And mount my soaring soul thougts like yours."*
(James Thomson)


XX
Meu anjo inspirador não tem nas faces
As tintas coralíneas da manhã;
Nem tem nos lábios as canções vivaces
Da cabocla pagã!

Não lhe pesa na fronte deslumbrante
Coroa de esplendor e maravilhas,
Nem rouba ao nevoeiro flutuante
As nítidas mantilhas.

Meu anjo inspirador é frio e triste
Como o sol que enrubesce o céu polar!
Trai-lhe o semblante pálido — do antiste**
O acerbo meditar!

Traz na cabeça estema** de saudades,
Tem no lânguido olhar a morbideza;
Veste a clâmide** eril** das tempestades,
E chama-se — Tristeza!...
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*Sadness = Areias
*Visite ainda assim minhas noites, para você reservadas,
E monte meus pensamentos elevados da alma como os seus.
**Antiste = Pontífice, grande sacerdote, chefe do templo, entre os antigos Pagãos.
**Estema = coroa, grinalda.
**Clâmide  = manto que se prendia por um broche ao pescoço ou aos ombros.
**Eril = brônzeo.
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Narcisa Amália de Campos foi uma poetisa, escritora. Primeira mulher a trabalhar como jornalista profissional no Brasil. Movida por forte sensibilidade social, combateu a opressão da mulher e o regime escravista. Colaborou na revista A leitura (1894-1896) e, bem a frente de seu tempo, escreveu muitos artigos de cunho feminista e republicano.

Filha do poeta Jácome de Campos e da professora primária Narcisa Inácia de Campos, Narcisa Amália nasceu em São João da Barra em 3 de abril de 1856. Ainda em São João da Barra, estudou latim e francês, e recebeu aulas de retórica de seu pai.

Aos 11 anos, mudou com a família para o município fluminense de Resende, onde, aos 14, se casa com João Batista da Silveira, artista ambulante de vida irregular, de quem se separou alguns anos mais tarde. Em 1880, se casou novamente com Francisco Cleto da Rocha, mas a união não durou e o casal se separou pouco tempo depois, obrigando-a a deixar Resende, em especial por conta dos boatos espalhados por seu marido na cidade. Por ter sido casada e divorciada em duas ocasiões, isso gerava forte estigma social na época. O sucesso de Narcisa passou a incomodar o marido que, depois de separado, passou a difamar Narcisa declarando que seus versos não eram de sua autoria, mas escritos por poetas com quem teria tido casos de amor. O escritor Múcio Teixeira fez coro à campanha contra Narcisa declarando que o livro “Nebulosas” tinha sido escrito por um homem com pseudônimo de mulher.

Narcisa iniciou sua carreira como tradutora de contos e ensaios de autores franceses, como a escritora George Sand e o paleobotânico Gaston de Saporta. Seu único livro é Nebulosas, publicado em 1872. A obra foi muito bem recebida na época de seu lançamento, tendo sido inclusive bastante comentado por Machado de Assis e Dom Pedro II.

Em 1874, 1888 e 1917, ela contribui com o "Novo Almanaque de Lembranças", que era uma coletânea de textos diversos que tinha grande circulação em Portugal e no Brasil.

Cansada das difamações em Resende, em 1889, com apenas 33 anos, foi para um exílio voluntário em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Abandonou toda atividade literária, e foi lecionar em uma escola pública. Dedicando-se ao magistério, em 1884, ela funda um pequeno Jornal Quinzenal, “o Gazetinha”, suplemento do Tymburitá que tinha como subtítulo, “folha dedicada ao belo sexo”.

Narcisa faleceu aos 72 anos, em 1924, no Rio de Janeiro, vitimada por diabetes. Ela já estava cega, pobre e com problemas de mobilidade. Além disso, sua obra foi praticamente esquecida depois de sua morte. Antes de sua morte, deixou um apelo: “Eu diria à mulher inteligente [...] molha a pena no sangue do teu coração e insufla nas tuas criações a alma enamorada que te anima. Assim deixarás como vestígio ressonância em todos os sentidos”. Foi sepultada no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.


Fontes:
Ezequiel Freire. Flores do Campo. 1874.
Narcisa Amália. Nebulosas. 1872.
Wikipedia

Mário de Alencar (Coisas do tempo)

Para entender a linguagem coloquial da nossa gente moça, será em breve preciso ter-se à mão um vocabulário de folhas volantes que acompanhe as aceleradas inovações idiomáticas. Quanto a mim, fico em branco ouvindo expressões que andam correntes e sem dúvida traduzem ideias. Registro algumas que me estão lembrando: à beça, baita, batuta, pra burro, é um suco; e há muitas outras que tais.

Constitui esse vocabulário uma geringonça; mas, ou eu me engano, ou são as geringonças peculiares a ajuntamentos quotidianos e restritos, como as escolas e quartéis, ou à gente popular unida em identidade de profissão ou de vício. Creio também que à linguagem popular não é difícil descobrir-se uma origem na metáfora, na frequência dos seus utensílios, ou na corrupção da ignorância. Tem ela ainda um certo pitoresco, que resulta da própria transparência ou jeito do vocábulo, ou porventura do uso limitado a um grupo.

Mas ao idioma novo a que me refiro, desde que é geral aos moços de toda procedência, não quadra a razão de ser das geringonças. Os salões que eles frequentam assiduamente deviam ser um meio neutralizador ou anulador de hábitos e cacoetes adquiridos onde a graça se contenta de ser chulice e a comunicação de ideias se satisfaz com esgares de palavra.

A casaca e o peitilho engomado obrigam ao aprumo do tronco e ao gesto comedido; e até o corpo que não tenha natural elegância, aparenta-a sem o pensar. Também ali a voz não ultrapassa o diapasão de surdina; alinha-se a palavra em harmonia com o timbre e as atitudes; tem compostura, afeiçoa-se à delicadeza da presença feminina, e enforma espontaneamente em galanteio.

Ora, a geringonça dos moços de hoje não é só deles entre si, senão deles para elas e delas para eles. Mais os entendem elas do que eu, que sou velho, ou o homem do povo, que tenha a rudeza da vida simples. Mas o popular frequentador da Avenida e dos teatros e cinemas, esse conhece também e pratica a geringonça das moças.

Apagou-se a linha divisória do gesto, da linguagem e até dos hábitos de salão, como já não há diferença entre o salão e o bonde.

O decote era a concessão convencional que o pudor fazia à elegância seleta do baile ou consentia à discrição de um camarote em espetáculo de gala; mas exigia a sombra de um carro e o abrigo de uma pelica; agora desce pedestremente à rua, e toma o bonde, e senta-se entre gente grosseira e estranha, e deixa-se ver sem convenção e medida pelos olhos da multidão.

As pernas também já não se escondem, e esqueceram que a graça e a magia do seu encanto provinham de andarem ocultas. Bastava à imaginação a possibilidade de descobri-las, e o principal era adivinhar, ou surpreendê-las a furto, ao acaso de um movimento, e que não as vissem muitos olhos a um tempo ou não mostrasse a dona gostar de mostrá-las. No gesto apressado de reescondê-las e no rubor súbito acendido nas faces da dona estava a delícia da visão misteriosa e breve. Musset não achara poesia nas pernas da sua andaluza, se elas fossem espetáculo cotidiano, em vez do imprevisto e da surpresa. Mas a andaluza de Musset usava espartilho, e ao tempo dele as casacas não usavam em público outro ritmo de movimento que o giro de adejo.

Agora a música dos bailes não tem o compasso de ondulação suave: chocalha; não deslizam os pés: sapateiam; não se alinham os corpos em par que revoa, apenas unidos pelo toque leve dos braços: agarram-se, aferram-se; nem o movimento é composto pela atitude da beleza: os troncos dobram-se, chocam-se, sacodem-se e pulam, desconjuntam-se e descambam, ou só remexem, jungidos, em quebras de melopeia ou batuques de cateretê, durante os quais não raro, para maior efeito, há uma pausa na música e um grito do batuta: Maricota, sai da chuva! ou estribilho equivalente. E o saracoteio recomeça mais vivo, num gingo-gingo estonteado e suado de samba.

Não estará aí a explicação daquela geringonça que eu não entendo? Baita, batuta, à beça, pra burro são flores de jardim moderno, em que se alternam ou confundem as couves e salsas com os cravos e as rosas. Eu não desdenho as hortaliças, antes gosto muito delas, mas o meu sentido estético não as quer senão em horta ou já temperadas no prato de refeição. Repugna-me ver em lapela uma folha de alface, nem suponho que ninguém aceite para um jarro de salão um ramo de violetas entremeadas de cebolinha. Tal a impressão que recebo dessa geringonça em lábios de fina gente moça.
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Mário Cochrane de Alencar, poeta, jornalista, contista e romancista, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 30 de janeiro de 1872, e faleceu na mesma cidade em 8 de dezembro de 1925.

Filho do grande romancista José de Alencar. Fez os primeiros estudos no Colégio Pedro II, obtendo o título de Bacharel em Ciências e Letras, e formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo.

Desde a adolescência distinguiu-se pela inclinação para a poesia e a literatura, colaborando em órgãos da imprensa: Almanaque Brasileiro Garnier, Brasília (1917), Correio do Povo (1880); Gazeta de Notícias (1894); O Imparcial e A Imprensa (1900), Jornal do Comércio, O Mundo Literário, Renascença, Revista Brasileira (1895-1899), Revista da Academia Brasileira de Letras e Revista da Língua Portuguesa, todos do Rio de Janeiro, e também em alguns periódicos paulistas. Usou os pseudônimos Deina e John Alone.

Como funcionário público, foi diretor da Biblioteca da Câmara dos Deputados. Em 1904, na qualidade de secretário do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, J. J. Seabra, Mário de Alencar colaborou para que o Governo brasileiro desse sede a Academia Brasileira de Letras no prédio chamado Silogeu Brasileiro. Eleito no ano seguinte para a Academia, foi segundo-secretário da instituição, de 1907 a 1910, e, nos anos subsequentes, fez parte da Comissão da Revista (1910, 1917 e 1919); da Comissão de Bibliografia (1912); da Comissão de Lexicografia (1918) e da Comissão de Publicações (1920 e 1923).

Publicou como estudante em 1888, a sua primeira coleção de poesia, Lágrimas. Na sua obra literária, embora pequena, foi um sugestivo evocador de figuras. Apesar da diferença de idade, pode ser considerado o maior amigo de Machado de Assis acompanhado nos últimos anos e mantendo extensa correspondência.

Bibliografia
Lágrimas, 1888.  Versos, 1892.  Ode cívica ao Brasil, 1903.  Dicionário de rimas, 1906.  Alguns escritos, 1910.  O que tinha de ser, 1912.  Se eu fosse político, 1913.  Contos e impressões, 1920.


Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Mário de Alencar. Contos e impressões, 1920.

terça-feira, 22 de março de 2022

André Carneiro (1922 – 2014)


Nota do Editor do Blog José Feldman: 
André Carneiro foi uma espécie de mentor para mim, desde quando o conheci nos anos 90, quando ministrava o Curso Ficção Científica na Literatura e no Cinema, na Casa Mário de Andrade, em São Paulo. Graças a ele peguei o gosto por escrever contos, até então era apenas um leitor. Escrevíamos contos e líamos no curso, fazíamos cópias a todos os que participavam do curso e para o André, e todos dissecavam o conto, sempre com a palavra final dele explicando o que estava bom e o que estava “fora da casinha” no conto, geralmente era um massacre (rsrs). Recordo que ele tinha predileção pelo escritor Kurt Vonegut Jr. e nos deu um conto deste autor para dissecarmos. Achamos falhas no conto e questionamos ele sobre o autor, e ele sempre bem humorado disse ao final: "Gosto de Kurt Vonegut Jr... menos este conto". Fizemos amizade desde então, até a morte dele em 2014, em Curitiba. André Carneiro, Artur da Távola e Nilto Maciel (de Fortaleza) são 3 escritores e amigos muito queridos que guardo com muito carinho.
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André Carneiro teve uma carreira artística e literária eclética. Considerado um dos mais importantes escritores brasileiros de ficção científica de todos os tempos, também foi poeta, fotógrafo, cineasta, artista plástico, publicitário, crítico, hipnotizador clínico, entre outras atividades.

Inserido como um dos poetas mais respeitados da chamada Geração de 45 e um dos primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo brasileiro, também foi um dos destaques da chamada Geração GRD da ficção científica brasileira durante a década de 1960, ao lado de Rubens Teixeira Scavone, Fausto Cunha, Jeronymo Monteiro e Dinah Silveira de Queiroz. É o autor do gênero com maior destaque internacional, com seus contos e romances publicados em 16 países.

Natural de Atibaia, cidade do interior paulista, André Granja Carneiro nasceu em 09 de maio de 1922. Filho de Recaredo Granja Carneiro, provedor da Santa Casa de Atibaia e vereador na cidade durante muitos anos, e de Engracia de Almeida Carneiro, a primeira funcionária pública do sexo feminino no estado de Goiás, descendente do bandeirante Bartolomeu Bueno.

Foi diretor de Cultura e Turismo da Prefeitura de Atibaia e secretário da Sociedade Amigos de Atibaia, quando conseguiu para a cidade o título de Estância Hidromineral e Turística. Antes, em 1946, já havia criado a primeira biblioteca pública da cidade, que originou a Biblioteca Municipal atual. E também fundou o Clube de Cinema, com César Mêmolo Jr., que promovia debates após as sessões semanais. Além disso, como membro do Conselho de Turismo de Atibaia, criou os primeiros guias e cartazes ilustrados com fotos para a divulgação da cidade.

No Brasil é mais reconhecido como poeta. Em 1947, com outros escritores e poetas jovens, funda a Revista Brasileira de Poesia, divulgadora dos preceitos estéticos do que foi conhecida a chamada Geração de 45: a revalorização da palavra; a criação de novas imagens; a revisão dos ritmos e a busca de novas soluções formais. O poeta vê na poesia, mais do que produto intuitivo, o resultado da experiência da linguagem e da existência humana.

Junto com Péricles Eugênio da Silva Ramos, e outros organiza o 1º Congresso Paulista de Poesia (que oficializou a Geração de 45), realizado na Biblioteca Municipal de São Paulo, em abril de 1948. Tendo sido eleito secretário e com forte participação nos debates, Carneiro ganhou destaque e chamou a atenção de Oswald de Andrade, presente no evento junto com outros grandes escritores da época e que se tornou seu amigo, passando a visitá-lo com frequência em Atibaia. De acordo com o crítico Antônio Cândido (o convidado para fazer o discurso de abertura), após o Congresso Paulista, ocorreu um aumento expressivo de estreias em livros dos novos autores.

Assim, André Carneiro teve o seu primeiro livro de poesia, Ângulo e Face, publicado em 1949, pelo poeta Cassiano Ricardo, através do Clube de Poesia de São Paulo, do qual era presidente, ganhando prêmios e homenagens com sucesso nacional.

O poeta e crítico Ferreira Gullar lamenta que “a poesia sóbria e humana de um poeta como André Carneiro passe despercebida do grande publico. Ângulo e Face encerra em suas poucas páginas uma deliciosa e purificada mensagem lírica, feita de angústia e melancolia. Poemas construídos arquiteturalmente, num equilíbrio de verbalismo e emoção”. Para Oswald de Andrade, a poesia de André Carneiro neste livro “é uma continuidade modelar do Modernismo numa renovada e luminosa expressão”.

Em abril de 1949, criou o jornal literário Tentativa, junto com Cesar Mêmolo Jr. e sua irmã Dulce Carneiro (também poetisa), que alcançou grande repercussão nacional e internacional, sendo considerado, na época, o melhor jornal literário do Brasil. Uma das razões do seu sucesso foi sua isenção das polêmicas modernistas e por abrir espaço a várias tendências dos escritores das gerações 20, 30 e 45 e poetas em fase de ascensão. Além disso, sua distribuição era feita diretamente para os intelectuais e livrarias das grandes cidades e de outros países.

Em seu primeiro número, Tentativa teve a apresentação de Oswald de Andrade e o logotipo desenhado pelo pintor Aldemir Martins. Uma das grandes repercussões do jornal foi a publicação na edição nº 4, em outubro de 1949, de uma entrevista com o escritor Graciliano Ramos, falando sobre os textos e poetas da época. Vale ressaltar que Graciliano nunca havia dado nenhuma declaração à imprensa até então.

O jornal tinha entre seus colaboradores os maiores nomes da literatura nacional, seja da nova geração, como Domingos Carvalho da Silva, Lorival Gomes Machado e Cassiano Nunes, seja das gerações mais antigas, com seus autores já consagrados como Sérgio Millet e Oswald de Andrade; ou em processo de consagração, como Murilo Mendes e Otto Maria Carpeaux. Aparecem ainda, compondo a extensa lista de colaboradores, nomes como Guilherme de Almeida, José Lins do Rêgo, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes, Henriqueta Lisboa, Graciliano Ramos, Lêdo Ivo, Emílio Moura, Lygia Fagundes Teles, Autran Dourado, José Paulo Paes, Décio Pignatari e muitos outros, com participações especiais ou inéditas como Hilda Hilst, publicada ali pela primeira vez. E ainda contava com correspondentes estrangeiros em Paris, Buenos Aires, Lisboa e nas principais capitais brasileiras. Foi publicado até maio de 1951, em treze edições bimestrais.

Numa ação conjunta da prefeitura de Atibaia e do Arquivo Público do Estado de São Paulo o jornal foi reeditado em fac-símile, no livro A Geração 45 através do jornal Tentativa (Arquivo do Estado, 2006), com as principais edições impressas na época. A edição conta com artigos introdutórios do próprio André, do professor Osvaldo Duarte, da Universidade Federal de Rondônia, do jornalista Alberto Dines, entre outros.

A publicação seguinte de André Carneiro, Espaçopleno (Clube de Poesia, 1963), ganhou o prêmio Pen Clube de São Paulo. Era uma caixa de papelão no formato de 15,5×23 cm, que acondicionava 27 fólios soltos com 27 poemas ilustrados com xilogravuras. O prefácio foi de Domingos Carvalho da Silva e o planejamento gráfico e xilogravuras de Luis Dias. O crítico Wilson Martins ressaltou que “é uma obra de arte em si mesmo. Qualquer coisa como uma tradução tipográfica da poesia e nos remete ao clima intelectual de que os poemas de Mário Quintana são uma das expressões. Um dos melhores livros ultimamente publicados”.

Espaçopleno também recebeu, em 1966, o Prêmio “Alphonsus de Guimaraens”, da Academia Mineira de Letras. No prefácio, o escritor Domingos Carvalho da Silva escreveu: “O que distingue André Carneiro como poeta é principalmente a sua oposição a qualquer solução retórica. A emoção estética que ele busca é essencialmente a da revelação da beleza e do mistério das coisas. Sua poesia – que é de recusa total aos mitos clássicos, às confidências pessoais e a qualquer forma de misticismo - começa, sob o aspecto da temática e do léxico, nos dias atuais, e a celebração do submarino, da nave espacial, do engenho atômico, da radiologia, do robô, da cerâmica esmaltada, do polietileno, da publicidade subliminar e do amor também, mas um amor doméstico e quotidiano com considerações práticas”.

Mais outro livro de poesias premiado, desta vez o Prêmio Nacional Nestlé, foi Pássaros Florescem (Scipione, 1988), traduzido em inglês por Leo L. Barrow, da Universidade do Arizona, dez anos depois, com o título de Birds Flower (Las Arenas Press, Tucson, 1998), em edição bilíngue. O editor-chefe de O Estado de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras, Nilo Sclazo, assinala que “os poemas reunidos neste livro suscitam no leitor aquela sensação de estranheza que, segundo os estudiosos de teoria literária, constitui traço fundamental da criação original”.

O tradutor Leo Barrow já havia publicado a poesia de André Carneiro na primeira antologia do Modernismo brasileiro em língua inglesa em An Introduction to Modern Brazilian Poetry: Verse Translations (Poetry Club of Brazil, 1954), com retratos e ilustrações apresentando os poetas resenhados com desenho de Darcy Penteado, em bico de pena.

Nos anos 1960 e 1970, foi colaborador do prestigioso Suplemento Literário, caderno semanal do jornal O Estado de São Paulo, com seus contos, poesias, críticas e fotografias. Dirigido por Antônio Cândido e Décio de Almeida Prado, o Suplemento tinha como preocupação a ideia de garantir na imprensa um espaço regular para o debate de ideias e a divulgação de autores novos e consagrados, especialmente os escritores brasileiros.

O último livro de poesia de André Carneiro, a antologia Quânticos da Incerteza (Redijo, 2007), com organização de Osvaldo Duarte, numa realização da prefeitura da Estância de Atibaia, apresenta suas poesias mais maduras. Para o artista plástico, poeta e arte-educador Nestor Isejima Lampros, Quântico da Incerteza, decorre da “interposição do poeta frente à era das máquinas, da era espacial, com lirismo e às vezes com um humor que acontece quando reconhece que o mundo não pode ficar alheio à fissão atômica, mesmo às inclusões de naves espaciais, que podem infestar o meio universal, e que por sermos desacreditados, somos forçados a repudiar como conversa de carochinha. Ele transpõem a vida na cidade terrena, para a vida intergaláctica”.

No exterior, apesar de ter sido publicado na França, na primeira antologia dos melhores poetas brasileiros, Poémes du Brésil (Dessein et Tolra, Paris, 1985), a atividade mais conhecida de André Carneiro foi a de escritor de ficção cientifica, sendo o primeiro membro da América do Sul a integrar a ambicionada Science Fiction and Fantasy Writers of America, entidade profissional de escritores americanos.

Foi o único autor brasileiro na antologia The Definitive Year’s Best Selection, publicado pela editora norte-americana Putnam, em 1973, com citação do seu nome na capa como “Internacional Master”. E, também, da edição inglesa The Penguin World Omnibus of Science Fiction (Penguin Books, 1986), editada por Brian Aldiss e Sam J. Lundwall, que reuniu histórias dos quatro cantos do mundo.

Representou o Brasil no romance colaborativo de ficção científica internacional Tales from the Planet Earth (St. Martins, 1986), organizada por Frederik Pohl e Elizabeth Anne Hull, que reuniu 19 autores de países diferentes. O tema unificador era a posse alienígena de um corpo humano (com ou sem permissão de seu proprietário natural) por uma inteligência de uma estrela distante.

Em 1977, com o objetivo de divulgar a ficção científica latino-americana no mercado editorial francês, o tradutor belga Bernard Goorden selecionou alguns contos que havia traduzido, entre eles Zinga, o Robot e A Escuridão, de André Carneiro, e os publicou na coleção Ides… et Autres, da editora Recto-Verso, da Bélgica.

Como não conseguiu publicar na França, Goorden tentou na Suécia e obteve êxito, publicando o volume Det Nödvändigaste (Delta Förlag, 1978) em uma tiragem de 2.000 exemplares. E, mais tarde, conseguiu que o escritor A. E. Van Vogt, um dos mais influentes autores de ficção científica, escrevesse uma introdução, além de autorizar o uso do nome na capa, ao lado do seu. Graças a esta estratégia de marketing, a antologia foi publicada simultaneamente em alemão, com uma tiragem de 20 mil exemplares; e na Espanha Lo Mejor de la Ciencia Ficción Latinoamericana (Martínez Roc, 1982), com uma tiragem de oito mil exemplares.

A. E. Van Vogt escreveu que o conto Escuridão (“Darkness”, em inglês) não só “é um dos maiores trabalhos escritos na ficção científica, mas também da literatura mundial. Não é apenas ficção científica de ação superficial, mas literatura no seu melhor sentido. André Carneiro merece a mesma audiência de um Kafka ou Albert Camus”.

Na Suécia, seus contos foram publicados no final dos anos 1970 pela revista Jules Verne Magasinet, criada em 1940 – a única revista do mundo de ficção científica durante uma época. A partir de 1972, ela passou a ser dirigida por Sam J. Lundwall, o mais influente e importante editor de ficção científica na história da publicação sueca. Proprietário da editora Delta Förlags, Lundwall publicou uma extensa lista de livros do gênero na coleção Delta Science Fiction. Entre eles, a versão sueca do primeiro romance de André Carneiro, Piscina Livre (Moderna, 1980), que foi publicado simultaneamente no Brasil. Carlos Drummond de Andrade afirmou que “em Piscina Livre, André exercita de maneira brilhante a originalidade de ficcionista”.

Piscina Livre desenvolve uma temática onde uma nova ordem, envolvendo a sexualidade e o amor, se apresenta como pano de fundo para uma devastadora crítica à moral e aos costumes de hoje. Essa assinatura estilística da ficção de André Carneiro teve início no conto que dá nome ao seu primeiro livro em prosa, Diário da Nave Perdida (Edart, 1963), que recebeu o prêmio de Melhor Livro do Ano, do Departamento Cultural da Prefeitura de São Paulo, em 1967. Para o crítico Clóvis Garcia, essa antologia “mostra a que nível de qualidade artística pode chegar a ficção científica quando tratada por um verdadeiro autor, seriamente preocupado com as reações humanas e as qualidades literárias de suas histórias”.

André Carneiro organizou a antologia de contos de ficção científica É Proibido Ler de Gravata (Multifoco, 2010), com os participantes da Confraria de Escritores, a partir da Oficina de Literatura e Poesia, em Curitiba, orientada por ele.

Seu ensaio Introdução ao Estudo da Science Fiction (Conselho Estadual de Cultura, 1967) foi o primeiro estudo em português apresentando e discutindo em seu texto alguns dos principais temas relacionados à ficção científica e recebeu o Prêmio Literário Câmara Municipal de São Paulo. A escritora Dinah Silveira de Queiroz, da Academia Brasileira de Letras, o trata por “nosso mestre da ficção científica”.

Entre junho de 1962 e novembro de 1981, a Embaixada do Brasil em Madri publicou 52 números da Revista de Cultura Brasileña, cujo promotor foi João Cabral de Melo Neto, e que teve como primeiro diretor o também poeta Ángel Crespo. Na edição 28 tivemos um texto de André Carneiro: “Introducción al Estudio de la Ficción Cientifica”; na verdade, a reprodução dos capítulos 1º e 2º, além de uma parte do 5º, do livro “Introdução ao Estudo da Science Fiction”. Neste mesmo número também foram publicados cinco contos brasileiros de ficção científica dos autores Antônio Olinto, Clóvis Garcia, Leon Eliachar, Rachel de Queiroz e Zora Seljan, tirados do livro Histórias do Acontecerá (Edições GRD, 1961).

A Revista de Cultura Brasileña foi um espelho da produção cultural do Brasil da época. Mais que um boletim de informações ou notícias, a revista foi uma espécie de compêndio da cultura brasileira, em que se encontravam trabalhos assinados por, entre outros nomes de prestígio, Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto, José Guilherme Merquior, Otto Lara Resende, e traduções de seu diretor Angel Crespo e de Damaso Alonso.

A Universidade Federal de Pernambuco promoveu, em 2009, o seminário “Intersecções: Ciência e Tecnologia, Literatura e Arte”, com o lançamento da coletânea de ensaios de mesmo nome, organizada pela profª Ermelinda Ferreira da UFPE, que debateu, entre outras, as obras de André Carneiro. Foi publicado, também, seu conto Noite de Amor na Galáxia. Essa coletânea reuniu ensaios advindos de duas disciplinas do mestrado em Teoria da Literatura da UFPE, onde se estabelece um intercâmbio entre a literatura, as artes plásticas, o cinema e a música.

André Carneiro foi diretor de edições da Editora Edart e do Clube de Poesia de São Paulo, do qual também foi presidente, assim como foi eleito para diversos cargos na União Brasileira de Escritores. E por muitos anos foi membro do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo. Como diretor de propaganda da Companhia Cacique de Café Solúvel, dirigiu o lançamento do Café Pelé, onde fez inúmeros comerciais para a televisão e curtas metragens, dirigindo, nas décadas de 1970 e 1980, celebridades como Pelé e o piloto Émerson Fittipaldi.

Sua atuação no cinema nacional começou com filmes artísticos de pesquisa. Ganhou vários prêmios e um dos filmes, Solidão (1951), representou o Brasil no 13º Concurso Internacional de Cinema Amador, realizado em agosto de 1951, em Glasgow, Escócia, sendo depois exibido na França e Itália.

Além de Solidão, outros de seus curtas-metragens foram recuperados pela Fernandes & Mendonça – Som e Imagem, uma produtora de Curitiba que digitalizou alguns filmes, com telecinagem feita por Mario Mendonça e Megg Fernandes, a partir dos originais em formato 8mm. Também está disponível na internet Estudo de Continuidade e Movimento (1950), premiado em 1951 no 3º Concurso Cinematográfico Nacional para Amadores, patrocinado pelo Foto-Cine Clube Bandeirantes e realizado no Museu de Arte de São Paulo. Este curta recebeu em 1952 o prêmio “Estímulo” de melhor filme gênero experimental e representou o Brasil, junto com Último Encontro (1951), em mostras de cinema no Reino Unido, Itália, França e Holanda.

No cinema profissional, André Carneiro se destacou principalmente como roteirista, trabalhando com grandes nomes do cinema nacional como Roberto Santos, Abílio Pereira de Almeida e Walter Hugo Cury. Seu roteiro Os Pereyras (1954), ganhou o Concurso Nacional de Cinema do Quarto Centenário de São Paulo. Seu roteiro mais importante, A Vida de Meneghetti, foi vendido para o produtor italiano Carlo Ponti que, infelizmente, não realizou o filme por ter tido um grande prejuízo no Brasil.

Seu conto O Mudo foi transformado em roteiro no sofisticado filme de longa-metragem, pela Embrafilme, Alguém (1970), dirigido por Júlio Xavier Silveira, com Nuno Leal Maia, Myriam Rios e Ewerton de Castro no elenco. Já o conto O Homem que Hipnotizava interessou ao cineasta Roberto Santos, que assinou um contrato com André com a intenção de fazer um filme (em plena ditadura) de um homem que se auto-hipnotizava e transformava a própria realidade. Era o brasileiro iludido pelo governo, um símbolo do Brasil, cegado pela censura, acreditando nas mentiras do “milagre econômico” e do célebre bolo que seria repartido quando crescesse. Infelizmente, Roberto Santos morreu sem realizá-lo. Mas, o diretor e dramaturgo Ziembinsky comprou o conto para o programa Caso Especial, da Rede Globo, que foi produzido e anunciado como Mergulho no Espelho, com Marcelo Picchi, mas não foi ao ar por proibição da censura do governo militar.

Escuridão, sua história mais famosa, foi adquirida por um produtor espanhol a fim de ser transformado em filme. Publicado em 1963, Escuridão antecedeu em mais de três décadas o romance Ensaio sobre Cegueira, do escritor português José Saramago, publicado em 1995, que retrata um mundo onde as pessoas ficam repentinamente cegas. É inquietante a semelhança com a obra de Saramago ao notarmos cenas marcantes e temas comuns. Para o escritor e compositor Bráulio Tavares, a noveleta Escuridão “emprega um estilo propositalmente distanciado, em que nomes, datas, tempos e espaços parecem diluir-se na escuridão geral, deixando somente o fluir vagaroso e angustiante de uma situação impossível à qual o personagem central procura acostumar-se, com a obstinação de um bicho cuja primeira certeza, acima de todas as outras, é a de que é preciso continuar vivendo, e tentando”.

Mas, ao contrário do que se passa no livro de Saramago, lembra o jornalista e escritor Antônio Luiz M. C. Costa, nesta noveleta de André Carneiro “se enfatiza os atos de solidariedade mais que os de egoísmo. Os cegos se mostram benevolentes e dão uma ajuda desinteressada a pelo menos alguns dos desesperados, dentro dos modestos recursos de que dispõem. Apesar da situação absurda, a narrativa é muito convincente e consegue fazer do infantil medo do escuro algo mais aterrorizante que qualquer monstro, vampiro ou psicopata de filmes de terror. A sensação de desamparo e impotência que nos invade a cada vez que somos surpreendidos por um apagão noturno de poucas horas é aprofundada até ao limite”.

André Carneiro foi professor de roteiros no Senac de São Paulo, onde dirigiu o roteiro piloto do programa sobre profissões “Deu Trampo”, em setembro de 1997, para os canais a cabo da TV Senac. A partir de uma profissão, eram apresentados depoimentos sérios, mas bem-humorados, além de esquetes que satirizavam algum estereótipo da atividade. Misturava a linguagem dos programas Armação Ilimitada e TV Pirata, da Rede Globo, com ritmo jovem, mas nem tão alucinante, dos programas da MTV.

Para ele, o cinema e a fotografia estão misturados, assim todas as suas atividades têm um inegável parentesco intrínseco entre elas. Como fotógrafo, foi um dos primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo brasileiro. Sua fotografia Trilhos (1951), em que observa do alto, uma sequência vazia de linhas de bondes curvas e brilhantes, ornada por alguns poucos pedestres, é considerada um dos marcos do Modernismo fotográfico no Brasil. Está exposta no Tate Gallery, em Londres, em exibição permanente.

Em 2007, ele foi incluído com destaque na exposição coletiva Fragmentos – Modernismo na Fotografia Brasileira, da Galeria Bergamin, em São Paulo, sob curadoria de Iatã Canabrava. Foi realizada entre 21 de Abril a 26 de Maio, com a participação de 24 fotógrafos pertencentes às vertentes do fotoclubismo brasileiro, que determinaram a produção das décadas de 1940 e 1950. Esse movimento começou em São Paulo no Foto Cine Clube Bandeirante e se estendeu a outros estados. A Exposição percorreu, além de São Paulo, as cidades do Rio de Janeiro e Belém do Pará.

A mostra da Galeria Bergamin foi precursora – e em certa medida se desdobrou – da exposição Moderna Para Sempre – Fotografia Modernista Brasileira na Coleção Itaú (2013/2014), promovida pelo Itaú Cultural para celebrar o aniversário de São Paulo, lançando ao público o olhar de artistas modernos que registraram o crescimento, a urbanização e a transformação da metrópole.

Como artista plástico, André Carneiro foi o criador da pintura dinâmica, técnica que usa líquidos químicos que tomam formas em compartimentos transparentes justapostos. Perito em cortar vidros usando diamante, graças ao trabalho que realizava na loja de materiais de construção que herdou do pai, criava quadros com diversos compartimentos de vidros com líquidos de cores variadas, além de mercúrio e outros materiais. Manuseado pelo espectador, formavam milhares de combinações plásticas.

Também realizou exposições de “Poesia Colagem”, técnica com a qual criou várias capas de livros de autores brasileiros e ilustrou diversos de seus próprios poemas.

Nos anos de 1960, ganhou destaque por seus estudos e pesquisas na parapsicologia e hipnose, realizando pesquisas no Instituto Quevedo, entre outros. Sobre o tema, publicou O Mundo Misterioso do Hipnotismo, em 1963; e Manual de Hipnose, em 1978. Tornou-se um dos poucos membros brasileiros do Parapsychological Association, a mais respeitada instituição internacional de Parapsicologia, com sede nos Estados Unidos.

Em 1969, dirigiu os trabalhos no histórico “Simpósio de FC”, um evento integrante do 2º Festival Internacional do Filme, organizado por José Sanz, que aconteceu no Rio de Janeiro, em promoção do Instituto Nacional do Cinema, do Ministério da Educação e Cultura e da Secretaria de Turismo do então Estado da Guanabara. As palestras e exibições de filmes do Simpósio aconteceram no Teatro Maison de France. Carneiro contava com orgulho ter assistido ao filme Metrópolis ao lado de Fritz Lang, assim como 2001 – Uma Odisseia no Espaço ao lado de Arthur C. Clarke, convidados do Festival, entre outros grandes nomes da literatura mundial de ficção cientifica, como A.E. Van Vogt, Frederick Pohl, Brian Aldiss, Poul Anderson, Robert A. Heinlein, e outros.

Foi condecorado pelo governo francês com a Medalha de Prata da Cidade de Paris, da Societe D’Education et Encouragement, em 1950, por suas atividades de intercâmbio cultural e cooperação artística entre Brasil e França. Em 1951, é feito “Membre D’honneur” da Academie Ansaldi, de Paris. Em 1999, recebeu o prêmio Laurel Solidário Casa do Escritor, caracterizado por uma placa de prata gravada para celebração das datas mais expressivas na vida pessoal e artística do escritor. Em 2007, foi escolhido “Personalidade do Ano” pelos editores do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica.

Em 2009, foi diplomado pela Academia de Letras do Brasil, onde também recebeu o título de Doutor Honoris Causa, pelo presidente seccional do  Paraná, o escritor, poeta e gestor cultural José Feldman, com quem manteve amizade por longos anos, desde quando ministrara cursos de ficção científica na literatura e no cinema, na Oficina da Palavra (Casa Mário de Andrade), no início dos anos 90. Segundo Feldman, graças a ele deixou de ser leitor e enveredou pela literatura. “Desde as oficinas na Oficina da Palavra, que foram três que participei, nas quais André ministrava criamos um vínculo pela nossa paixão pela ficção científica e a música. Conheci minha única esposa, Alba Krishna, poetisa e romancista, com quem estou até hoje, no curso dele. André frequentava a minha casa, no Bom Retiro, em reuniões que eu realizava com literatos e músicos nas famosas Noites de Vinho, Blues e queijos. Também frequentava a casa dele, lembro vagamente era nos lados da Lapa, em São Paulo, o que me encantava era o conteúdo dentro dela, era realmente como viajar numa nave espacial por outras dimensões. A quantidade de livros, esculturas, discos, coleções, pinturas, decorações era uma coisa bárbara, tanta coisa num apartamento tão pequeno. A gente se reunia na cozinha, o lugar mais espaçoso, para bater papo. André contava a vida dele de tal modo, alegre, cativante, que ao nos despedirmos sempre já ansiava para novo encontro para saber mais dele. Nossos encontros acabaram quando fui para Curitiba, mas quando me mudei para o interior do estado (Ubiratã e Maringá), André já com problemas na visão foi morar com o filho em Curitiba, contudo mantivemos ainda contato por emails e por telefone. André sempre me incentivou quando abracei os contos e principalmente a gestão cultural. Sempre me escrevia elogiando o meu trabalho, meu blog e os ebooks que eu produzia. Guardo com muito carinho todos os seus livros, antigos e todos que ele lançava e carinhosamente me enviava com dedicatória sempre me elogiando e incentivando.”  

Em setembro de 2012, foi homenageado com a leitura de seus poemas de ficção científica, em comemoração aos seus 90 anos, durante o VI Fantasticon – Simpósio de Literatura Fantástica, organizado pelo editor Silvio Alexandre, com realização da Biblioteca Pública Viriato Corrêa e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo,

Em julho de 2014, recebeu o Troféu MegaCon Brasil pelo conjunto de sua obra e sua valiosa contribuição para a literatura nacional, durante o evento MegaCon 2014, um encontro das comunidades nerds, geeks, otakus, de ficção científica entre outros, no campus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Curitiba.

A Prefeitura de Atibaia (SP) promoveu a 1ª Semana André Carneiro, de 24 a 30 de marco de 2014, para homenageá-lo. A Semana contou com uma exposição dos livros de André Carneiro (que passaram a fazer parte do acervo permanente da Biblioteca Central de Atibaia), um Museu de Rua com ampliação de fotos e reproduções de fotos e de obras de artes plásticas, além da exibição do longa-metragem “Alguém”, dirigido por Júlio Xavier Silveira, baseado no seu conto O Mudo. Esse evento cultural ofereceu diversas atrações à população, como o 7º Curta Atibaia e o 8º Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual (FAIA), mostras competitivas, exibições, debates, palestras, além de atividades nas áreas de cinema, fotografia, artes plásticas e literatura.

Para o escritor Roberto Causo, Carneiro “trouxe para a ficção científica brasileira não apenas textos de qualidade, mas questões importantes e de peso junto ao mainstream literário, como a denuncia do conservadorismo social, a referência à cultura das drogas, a impermanência do real e as dificuldades de comunicação na modernidade, rendendo-lhe comparações com Franz Kafka e os mágico-realistas latino-americanos”.

A obra literária de André Carneiro se caracteriza quase que sistematicamente por um enfoque psicossocial, onde a crítica à estrutura vigente sempre se mostra aguda e sutil. A técnica do contraponto narrativo, na qual conta a história sob diferentes perspectivas, presente em algumas de suas criações, faz lembrar Aldous Huxley, de cuja literatura Carneiro era um admirador confesso. Essa estrutura narrativa, aliada aos temas sociológicos e psicológicos abordados principalmente nas suas ultimas criações, mostra uma ficção científica mais preocupada com o humano do que com o tecnológico.

Faleceu no dia 4 de novembro de 2014, aos 92 anos de idade, em razão de complicações cardiorrespiratórias, em Curitiba (PR), onde viveu seus últimos 15 anos. De acordo com seu filho Henrique, ele foi cremado sem qualquer cerimônia, como sempre quis, avesso às pompas funerárias e aos convencionalismos em geral. Suas cinzas foram espalhadas ao pé de uma pitangueira, em Atibaia, junto de algumas árvores que sempre protegeu, como um verdadeiro ecologista, antes dessa palavra se tornar conhecida. Deixou ex-esposa, a irmã, dois filhos e um neto.

Fonte:
Excertos da biografia por Silvio Alexandre para a Semana André Carneiro
https://www.semanaandrecarneiro.com.br/andre-carneiro/biografia/
Complementação por José Feldman

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Cláudio de Cápua (Falecimento domingo, 5 de dezembro de 2021)


Cláudio de Cápua, aviador, jornalista profissional. 51 anos especialista em jornalismo cultural, nas áreas de Artes Plásticas e Literatura, com publicações em diversos veículos de Comunicação da Pauliceia e Litoral paulista. Lato Sensu em História da Arte (Universidade Mackenzie), graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Santos.

O dia oito de março de 1945, marca a data do nascimento de Cláudio de Cápua, que é natural de São Paulo, e que em 1960 mudou-se para Araraquara, tendo mais tarde ingressado na Escola Superior de Agrimensura. Paralelamente aos estudos, Cláudio começou a colaborar no jornal semanário “A Cidade” onde respondia pela edição da “Coluna do Estudante”. A partir deste momento, Cláudio não parou mais de escrever. Escrever tornou-se a forma de comunicação marcante em sua existência. Foi escrevendo que Cláudio de Cápua passou a escrever em jornais paulistanos como a antiga “A Gazeta”, “Diário da Noite”, “A Tribuna Italiana”, “Diário Popular”; colaborou também na revista “Destaque”, de Santos, além de outras assim como ainda em cerca de 30 jornais de bairro, do interior de São Paulo e até de outros estados.

Em sua volta a São Paulo, Cláudio de Cápua teve de abandonar em definitivo os estudos de Agrimensura, uma vez que não existia este curso em nível superior na Capital. Foi nesta época que começou a conviver com poetas como Guilherme de Almeida, Paulo Bomfim, Judas Isgorogota. Bernardo Pedroso, Orlando Brito, Oswaldo de Barros, Antônio Lafayette, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia, Laurindo de Brito, Ibrahim Nobre, só para mencionar os mais conhecidos. Para aperfeiçoar sua vocação natural e satisfazer seu desejo de ampliar os conhecimentos e adquirir um maior lastro profissional, Cláudio ingressou num curso de jornalismo. A partir daí, o jornalismo constituiu-se a base de todas as variadas atividades nas quais Cláudio de Cápua se envolveu e nas quais deixou sempre a marca de sua integridade e força de trabalho. Ainda no jornalismo, tornou-se professor de jornalismo eletrônico, na Universidade Mackenzie, na década de 80.

Cláudio de Cápua fez ainda algumas incursões pelas artes dramáticas, tendo participado como ator no filme “A Marcha” baseado no romance de Afonso Schmidt. Na televisão, foi ator coadjuvante na telenovela “Hospital” da extinta TV Tupi, isso em 1971, e na TV record trabalhou como assistente de produção de externas na telenovela “O Leopardo”.

Na década de 70, fez parte do júri do programa da TV Bandeirantes, "O Clube do Bolinha". Inicia na TV Tupi em um grupo que adapta obras literárias para novelas, na década de 70. Atua como assistente de externas de novelas na Record e, mais tarde como produtor e diretor de jornalismo especializado (arte, cultura e lazer) na TV Gazeta, entre 1978 e 1980.

Por cerca de 10 anos, editou a Revista Santos Arte e Cultura, da qual foi editor e articulista. Classificou-se em alguns concursos de prosa, poesia e trovas.

Cláudio de Cápua atuou sempre de forma marcante na vida literária paulista, tendo participado ativamente de diversas eleições da União Brasileira de Escritores. Nesta entidade deixou marcas de sua defesa intransigente dos direitos do escritor, e tem lutado pela divulgação de suas obras e do pensamento do escritor paulista. Nenhum movimento significativo que tivesse por objetivo a valorização e a divulgação dos escritores e suas obras deixou de contar com o apoio e iniciativa decisiva de Cláudio de Cápua. Da mesma forma teve ainda atuação destacada junto ao Sindicato dos Escritores do Estado De São Paulo e Centro de estudos Euclides da Cunha de São Paulo.

Como escritor, Cláudio de Cápua publicou livros que não foram brindados com edições fantásticas, mas que foram procurados avidamente pelos conhecedores das obras de qualidade, esgotando rapidamente suas edições. Estão nessa categoria, a começar por 1980, a biografia do escritor e político Plínio Salgado, livro que alcançou 4 edições e vendeu 11 mil exemplares mantendo-se durante 9 semanas entre os livros mais vendidos. (…) Em 1981, Cláudio de Cápua lançou o livro “Meu Caderno de Trovas”, editado por Mestre das Artes; anos depois publicou em co-autoria com sua esposa, Carolina Ramos, o livro “Paulo Setúbal – Uma Vida – Uma Obra”, que teve sua primeira edição esgotada em apenas 90 dias.

Em 2003, seu livro "A Revolução de 1924" conquistou o Prêmio CLIO de História, sendo escolhido para figurar na bibliografia do 4o ano de História da Universidade Católica de Santos.

Em 2005, novamente foi aquinhoado com o Prêmio CLIO de História pela publicação do livro "Fim da Chibata na Marinha de Guerra".

Os dois livros acima citados figuram entre os "dez livros mais vendidos da Baixada Santista", segundo o jornal A Tribuna de Santos.

Nas palavras de Carolina Ramos, “Ninguém passa pela Trova saindo impune. Rendido aos seus encantos, sempre deixa com ela um pedaço do coração, quando não o coração inteiro. No passado, grandes poetas como Vicente de Carvalho, Martins Fontes, Bilac, Colombina e outros, passaram por ela, ainda que de raspão. Naquele tempo, a Trova não tinha a força nem o prestígio que hoje tem. Mas, convém lembrar que o santista Ribeiro Couto conquistou Prêmio Internacional com o livro “Jeux de l’apprenti animalier”, com suas fábulas consideradas superiores às de La Fontaine pela concisão com que eram apresentadas, ou seja, sob o formato de Trovas.”

Cláudio de Cápua não seria uma exceção.

Biógrafo, prosador e poeta, esbarrou na Trova e deixou-se cativar por ela. Em 1969, foi um dos fundadores da “União Brasileira de Trovadores”, Seção de São Paulo e, desde 1980, faz parte do quadro associativo da Seção de Santos.

Embora concorrente bissexto, Cláudio de Cápua conquistou vários prêmios em Concursos de Trovas realizados em território nacional.

Seu trabalho em prol da Trova, sincero e despretensioso, merece o respeito daqueles que cultuam o gênero e fazem do Movimento Trovadoresco Nacional, uma das mais ativas e populares facções da literatura do nosso país.”
 
Cláudio de Cápua, que era casado com Carolina Ramos (97 anos),  faleceu em Santos/SP,  onde se radicou definitivamente, de aneurisma, a 5 de dezembro de 2021, aos 76 anos.

Fontes:
– Trechos extraídos do Discurso de Saudação de Henrique Novak em recepção a Cláudio de Cápua. 31 de outubro de 1998 . Disponível em http://www.de-capua.com/biografia.html
– Excerto da Introdução por Carolina Ramos ao livro “Canto que eu Canto”, de Cápua.
– Cláudio de Cápua. Revolução na Pauliceia: Semana de Arte Moderna de 1922. SP: EditorAção, 2019.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Marques de Carvalho (1866 – 1910)

João Marques de Carvalho (Belém, 6 de novembro de 1866 — Nice, 11 de abril de 1910) foi um escritor, diplomata e jornalista paraense. É autor da obra naturalista Hortênsia, de 1888, ambientada em Belém.

Em 1879, embarca para Lisboa a fim de continuar os estudos de humanidades. Dois anos depois transfere-se para a França. Volta ao Pará, em 1884, iniciando a carreira de jornalista como colaborador do Diário de Belém. Rompe no ano seguinte com esse periódico pela recusa em publicarem o conto "Que bom marido!", declarado imoral. No dia seguinte A Província do Pará o publica. Mais tarde, esse trabalho aparece em Contos Paraenses, 1889.

Em 3 de setembro é representada no Teatro Cosmopolita a comédia em um ato Entre Parentes..., na festa da atriz Aurora de Freitas.

Em 1887, é um dos fundadores e redator-chefe do diário Comércio do Pará.

Em 1888, publica sua obra máxima, Hortênsia, um romance naturalista que retrata um incesto entre dois irmãos. Foi impresso na tipografia da Livraria Moderna, em Belém. Foi reeditado, em 1989, e por último em 1997.

Em 1891, sendo ministro das Relações Exteriores (1891 a 1893) o paraense Justo Leite Chermont, inicia a carreira diplomática como cônsul brasileiro em Georgetown. No ano seguinte é transferido para Assunção como segundo-secretário de legação.

Em 1894, é transferido para Montevidéu como primeiro-secretário. Um ano depois vai para Buenos Aires como encarregado dos negócios. Em 1896, é demitido de suas funções por interferência do ministro Fernando Abbott, que o acusa dos crimes de peculato e estelionato. Volta então para Belém, reiniciando as atividades jornalísticas em A Província do Pará.

Em 1897, vai ao Rio de Janeiro para defender-se da acusação imposta ficando preso no quartel da Brigada Policial.

Em 1898, é condenado por peculato, grau médio, no Supremo Tribunal Federal. Por intermédio de seu advogado, é absolvido no ano seguinte.

Em 1900, funda a Academia Paraense de Letras, que só irá se estabelecer de fato em 1913.

Achando-se doente, fixa residência em Nice, onde falece.

Obras
Georgina, novela, Diário de Belém, 1884
Que bom marido!, conto, Província do Pará, 1885
Entre parentes..., peça, 1885
O sonho do monarcha, poemeto, 1886
Lavas, poemeto, 1886
Paulino de Brito, ensaio, 1887
Hortênsia, romance naturalista, Tip. da Livraria Moderna, Belém, 1888
O livro de Judith, versos e contos, 1889
Contos Paraenses, Tip. de Pinto Barbosa, Belém, 1889 (eBook)*
Entre as Nymphéas, contos e sensações, Buenos Aires, 1896 (eBook)*
A carteira de um diplomata, comentários, Typ. Aldina, 1889
Contos do Norte, tip. da Papelaria Silva, Belém, 1900 (eBook)*
A Bubônica, revista de volumes paraenses, 1904

Referência
COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. São Paulo: Global.

* Os ebooks encontram-se disponíveis no Projeto Gutenberg.
Fonte:
Wikipedia

domingo, 4 de outubro de 2020

Zaé Junior (1929 – 2020)


Zaé Mariano Carvalho de Nascimento Junior é o nome inteiro de Zaé Junior.

Nascido em Botucatu, interior de São Paulo, em 8 de junho de 1929, mas na década de 1930 mudou-se para a capital paulista. Desde os 10 anos fazia sonetos a 4 mãos com seu pai. A música também entrou em seu coração e Zaé aprendeu sozinho a tocar violão e piano.

Gostava também de desenhar e com isso ganhava uns “trocados”, para ir ao cinema ou algum passeio. Fazia “caricaturas”. Adorava desenhar, mas trabalho prá valer foi na Serviços Holerit, desenhando letras muito miúdas, para pagamento de funcionários públicos. Zaé estava com 14 anos. Passou depois a fazer “histórias em quadrinhos”, pequenos trabalhos em revistas. Em seguida foi para a Rádio Cosmos, e depois para a Rádio Gazeta. Ao mesmo tempo cursava Filosofia na USP. Casou-se cedo, com uma colega de faculdade e tiveram duas filhas: Cibele e Cilena. Prestou concurso público para a rede estadual de ensino e tornou-se professor.

Aí já estava na televisão. Esteve na Tupi, onde produziu nos anos 1950, o “Capitão Estrela”, na Excelsior, na Record, indo em seguida para uma agência de publicidade.

E foi aí que o rapaz eclético encontrou seu grande campo: no departamento de criação de várias agências. Sua vida sempre foi inteiramente louca: dava aulas à noite, trabalhava em mais de um jornal ao mesmo tempo, escrevia para revistas, trabalhava em rádio, em televisão e em agências de publicidade. Cinema de propaganda criou e dirigiu mais de 2000 trabalhos. Dentre eles alguns ficaram famosos e permaneceram anos no ar.

Fez também muitos roteiros para televisão, inclusive para a TV Globo. Criou e dirigiu sua própria agência: a Promark Propaganda e Marketing, desde 1973. Zaé Junior também compôs músicas, sendo que uma delas, gravada pela Odeon, foi o disco mais vendido em 1965.

Sempre esteve na cúpula intelectual das emissoras de televisão e das agências de publicidade em que trabalhou. Em 1961, entrou para a agência McCann Erickson. Lá, veio a oportunidade de supervisionar um horário de telenovelas da TV Excelsior, que apresentou sucessos como “A Deusa Vencida”, escrita por Ivani Ribeiro e dirigida por Walter Avancini. Na época, foi pioneiro em compor trilhas de novelas. Escolheu grandes astros e estrelas, entre eles Regina Duarte que lançou na novela “A Deusa Vencida”.

Ao longo da trajetória, também lecionou na Escola Superior de Propaganda e Marketing, na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e na primeira turma da Escola de Comunicações e Artes da USP.

Ana, a neta dele o descreve como teimoso. “A teimosia dele era uma forma de resistir. Não aceitava a idade que tinha e lutava para continuar sendo independente.”

Zaé também deixou marcas na imprensa brasileira. Escreveu para a extinta revista O Cruzeiro e para alguns jornais. Foi um dos fundadores do Museu da Televisão e autor de quatro livros: o infantil “A Gruta Misteriosa”, o de trovas “O Pássaro Aprendiz”, e dois de poesias: “O Homem e seu Quintal” e “Fugaz Eternidade”. “O homem e seu quintal” recebeu muitos elogios de Vinicius de Moraes, que sobre ele disse: “Zaé é poeta inteiro, dos grandes”.

Zaé Júnior sofria de mal de Alzheimer, mas nunca se entregou à doença. Ele morreu dia 20 de agosto de 2020, de broncopneumonia.

Fontes:
Museu da TV
Folha de São Paulo

domingo, 9 de agosto de 2020

Jane Tutikian (1952)

Jane Tutikian nasce em Porto Alegre/RS, em 1952. Em 1970, é eleita Miss Porto Alegre e Primeira Princesa do Rio Grande do Sul. Ingressa no Curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.  Em 1974, casa-se com o advogado Edemar Morel Tutikian. Neste mesmo ano publica seu primeiro texto, "Batalha naval", no "Caderno de Sábado" do Correio do Povo, passando a colaboradora. Conclui o curso de Graduação em Letras.  Ingressa no Mestrado em Literatura, na UFRGS. Em 1976 passa a colaboradora do suplemento "Mulher", da Folha da Tarde. Em 1977 obtém o título de Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa. Em 1978, recebe o "Destaque - Prêmio Apesul Revelação Literária. Em 1980, ingressa na Rede Pública Estadual como professora.

Em 1981 publica Batalha Naval, e em 1984, A cor do azul, recebendo neste ano o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. Em 1986, é finalista da Bienal Nestlé de Literatura Brasileira - categoria conto - SP. Em 1987 recebe o Prêmio Érico Veríssimo da Câmara Municipal de Porto Alegre.

Em 1990 publica Geração Traída. Recebe o Prêmio Gralha Azul de Literatura Brasileira da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. 1994  publica Um time muito especial.

Em 1995, ingressa no Curso de Doutorado em Literatura Comparada na UFRGS, obtendo o título em 1998.

Em 1999 publica O sentido das Estações e Inquietos Olhares. Em 2000, publica Alê, Marcelo, Ju & eu.

Em 2001 ocupa a cadeira nº 39 na Academia Literária Feminina do RS. Em 2002, publica A rua dos secretos amores e também Aconteceu também comigo. Assume a Vice-presidência da Associação Gaúcha de Escritores. É patrona da Feira do Livro de Gramado.  Dá nome à Biblioteca da Escola Edvino Bervian, de Morro Reuter. E em 2003 publica JF e a conquista de "Niu Ei".

Em 2005 publica Entre Mulheres (contos de amor aprendiz). Em 2006 lança Olhos azuis coração vermelho (novela infanto-juvenil) e Velhas identidades novas (ensaios), resultado de seu Pós- Doutorado em Literatura, realizado na PUCRS.

Em 2005 inicia a organização das obras completas de Fernando Pessoa pela L&PM, tendo editado, neste ano: Mensagem, a obra de Caeiro, Campos e Ricardo Reis. É Patrona da  XVII Feira do Livro de Dois Irmãos.

Em 2007, publica Fica Ficando (novela infanto-juvenil). Recebe o prêmio Nacional O Sul por incentivo à literatura. É homenageada pela Feira do Livro de Caçapava do Sul. É Patrona da Feira do Livro de Triunfo.

Em 2008, é Patrona da Feira do Livro de Camaquã. Organiza para a L&PM a leitura comentada de Os Lusíadas.

Em 2009, assume a Direção do Instituto de Letras da Univeraidade Federal do Rio Grande do Sul e a cadeira n. 35 da Academia Rio-grandense de letras. Participa da antologia The Brazilian Short  Story in The Late Twentieth Century, publicada nos EUA pela The Edwin Mellen Press. Lança  Por que não agora? , novela Infanto-juvenil.

Em 2010 é eleita Vice-Presidente da Associação Internacional de Professores de Literaturas Africanas. Patrona da Feira do Livro de Guaíba.

Em 2011, primeira mulher  do séc. XXI e quarta dos 57 anos de história a ser escolhida  Patrona da Feira do Livro de Porto Alegre. Lança antologia de contos comemorativa aos 30 anos de carreira: Coisa Viva, pela Território das Letras. Eleita Vice-Presidente da Associação Internacional de Literaturas e Culturas Africanas – AFROLIC – em Ouro Preto. Passa a ser editora da Revista Conexão Letras do PPG-Letras

Em 2012, Recebe o Prêmio  Joaquim Felizardo por obra, concedido pela Secretaria Municipal de Cultura – Porto Alegre, Patrona da Feira do Livro de Caçapava do Sul e da Feira do Livro de Capão da Canoa. Assume a Direção do Instituto Confúcio da UFRGS.

Em 2014, organiza o livro: Fernando Pessoa – Obra poética VII – pela L&PM. Patrona da Feira do Livro de Esteio.

Tem participação em dezenas de antologias e livros organizados e traduzidos para o inglês e o espanhol.

Atual vice-reitora da UFRGS.

Fontes:
Jane Tutikian
Wikipedia

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Manuel de Arriaga (1840 – 1917)

Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue nasceu em Horta, Açores, Portugal, 8 de julho de 1840 e faleceu em Lisboa, 5 de março de 1917.

Manuel de Arriaga nasceu na casa do Arco, na freguesia da Matriz, cidade da Horta, ilha do Faial, filho de Sebastião José de Arriaga Brum da Silveira e da sua esposa Maria Cristina Pardal Ramos Caldeira. Pertencente à melhor sociedade faialense, o pai era um dos mais ricos comerciantes da cidade, último administrador do morgadio familiar e grande proprietário. Foi neto do general Sebastião José de Arriaga Brum da Silveira, que se distinguira na Guerra Peninsular, e sobrinho-neto do desembargador Manuel José de Arriaga Brum da Silveira, que em 1821 e 1822 fora deputado pelos Açores às Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa.

Depois de concluídos os estudos preparatórios na cidade da Horta, em 1860 matriculou-se no curso de direito da Universidade de Coimbra. Em Coimbra cedo se revelou um aluno brilhante e um orador notável. Aderiu ao positivismo filosófico e ao republicanismo democrático, passando a ser frequentador assíduo das tertúlias filosóficas e políticas, onde se destacava pela sua verve e capacidade argumentativa.

Esta adesão ao ideário republicano, então considerado subversivo, levou a que o pai, monárquico conservador com laivos miguelistas, cortasse relações com o filho, proibindo-lhe o regresso a casa. Nessas circunstâncias foi obrigado a trabalhar para sustentar os seus estudos, e os do irmão, igualmente proscrito pelo pai por adesão a ideologias subversivas. Lecionava inglês como professor particular, aproveitando os bons conhecimentos daquela língua que adquirira na Horta com a preceptora americana contratada pela sua família.

Formou-se no ano de 1865 e no ano seguinte abriu um escritório de advocacia em Lisboa, cidade onde se fixou. Não tendo conseguido ingressar na docência, rapidamente se notabilizou como advogado, ganhando uma carteira de clientes que lhe permitia segurança financeira e os meios para ajudar o irmão a terminar os seus estudos.

Também se revelou, desde os seus tempos de Coimbra, cultor da poesia e da literatura, tendo mantido até ao fim da sua vida uma atividade literária e interesses culturais que o integram claramente na Geração de 70.

Já advogado de renome em Lisboa, em 18 de maio de 1871 foi um dos doze signatários do programa das conferências democráticas do casino Lisbonense. Tornou-se membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, afirmando-se como um dos seus principais ideólogos. Afirmava-se partidário entusiasta da democracia, tendo sempre militado no republicanismo unitário e democrático, rejeitando o anticlericalismo e o jacobinismo que marcavam a corrente dominante do republicanismo português daquela época.

Casou em Valença com Lucrécia Augusta Brito de Berredo Furtado de Melo, filha do general Roque Francisco Furtado de Melo, natural da ilha do Pico, que fora comandante da sub-divisão militar da Horta e governador do Castelo de São João Baptista do Monte Brasil em Angra do Heroísmo. Deste casamento nasceram quatro filhas e dois filhos.

Em 26 de agosto de 1876 foi nomeado para a Comissão para a Reforma da Instrução Secundária, sendo este o primeiro cargo público que exerceu.

Em 1878 concorreu para o lugar de professor de História Universal e Pátria do Curso Superior de Letras, mas voltou a ser preterido, apesar do brilhantismo da dissertação que apresentou a concurso. Apesar de ser considerado um gentleman e de vestir à melhor moda da aristocracia do tempo, a sua fama de revolucionário não deixou certamente de influir sobre o júri. Acabaria por conseguir um lugar de professor de inglês do Liceu de Lisboa, cargo que manteria por largos anos.

Nesse mesmo ano de 1878, concorreu pela primeira vez a um lugar de deputado nas Cortes, integrando a lista republicana candidata a um dos círculo eleitorais da cidade de Lisboa (o círculo n.º 96). Apesar da forte campanha que conduziu, foi largamente derrotado, obtendo apenas 456 votos, contra os 1 086 sufrágios do vencedor.

Em 1881 faleceu o seu pai, herdando os bens familiares no Faial e no Pico, já que o seu irmão mais velho, Sebastião de Arriaga, falecera precocemente em 1875. Nesse mesmo ano empenhou-se novamente na campanha republicana para as eleições gerais de 21 de Agosto (24.ª legislatura), sendo novamente candidato por um dos círculos de Lisboa, no qual voltou a ser derrotado.

Em 26 de novembro de 1882, numas eleições suplementares, foi finalmente eleito deputado republicano pelo círculo da Madeira. Esta vitória eleitoral deveu-se a um conjunto de circunstâncias que beneficiaram a sua candidatura: apresentara-se a convite de uma comissão de comerciantes e industriais funchalenses, desiludidos com os partidos do rotativismo, beneficiando da ausência de um candidato do Partido Regenerador. Foi proclamado deputado a 8 de Janeiro de 1883, prestando juramento dois dias depois. Foi o segundo republicano a tomar assento no parlamento português, juntando-se no parlamento a José Elias Garcia, que ali tinha assento desde 1881.

Manuel de Arriaga iniciou o seu percurso parlamentar apresentando de imediato uma proposta que visava eliminar o juramento de fidelidade ao rei e à Carta Constitucional a que estavam obrigados os parlamentares, proposta que obviamente foi de imediato rejeitada. Apresentou durante o ano de 1883 diversas propostas legislativas, todas sem sucesso. Durante estes dois anos no Parlamento renunciou ao seu vencimento como professor liceal, recebendo apenas o subsídio parlamentar a que tinham direito os deputados. Terminado o mandato, não foi reeleito.

Na sua ação como deputado, e mesmo não conseguindo fazer parte de qualquer comissão parlamentar, distinguiu-se pela pertinência das suas intervenções e posições e pela fineza do seu trato. Demonstrando elevados dotes intelectuais e uma cultura superior, aliava a uma oratória brilhante uma grande combatividade política e um elevado rigor ético.

No Partido Republicano Português, o prestígio que conquistara nas Cortes e a sua capacidade intelectual guindaram-no para uma posição preponderante, que manteve entre 1883 e 1892. Revelando-se um orador distinto e tendo dado um forte contributo para a estruturação do partido, foi autor de algumas das suas normas estatutárias e doutrinárias. A partir de 31 de Dezembro de 1891 integrou, com Jacinto Nunes, Azevedo e Silva, Bernardino Pinheiro, Teófilo Braga e Francisco Homem Cristo, o diretório do partidário durante o período da sua estruturação.

Foi também vereador republicano da Câmara Municipal de Lisboa.

Nas eleições gerais de 20 de Outubro de 1889 voltou a candidatar-se a deputado, desta feita pelo círculo da sua cidade natal, a Horta. Apesar das ligações familiares, o meio conservador das ilhas não lhe era favorável, pelo que ficou em quarto lugar, num círculo que elegia três deputados.

No ano seguinte, depois de cinco anos fora do Parlamento, a reação popular ao ultimato britânico de 1890, que levara à dissolução do recém-eleito parlamento, veio abrir uma nova oportunidade para os republicanos. Manuel de Arriaga voltou à ribalta política nacional ao liderar a manifestação organizada a 11 de Fevereiro de 1890 em repúdio ao ultimato britânico e à cedência do governo português. Foi preso durante o evento e conduzido a bordo de um navio de guerra, onde ficou retido até ser libertado por uma anistia régia.

Aproveitado a indignação popular contra o rei e os partidos do rotativismo, nas eleições gerais realizadas a 30 de Março de 1890 (28.ª legislatura) concorreu novamente pelo círculo de Lisboa, sendo eleito folgadamente, em conjunto com outros dois republicanos (Elias Garcia e Latino Coelho). Foi proclamado deputado a 30 de Abril de 1890, prestando juramento, novamente sob protesto, a 3 de Maio. Nesta segunda passagem pelo Parlamento, com um grupo republicano substancialmente alargado, tendo passado dos dois de 1883 para seis, teve um papel bastante mais interventivo, recusando novamente a acumulação de vencimentos. Apesar de não fazer parte de qualquer comissão parlamentar, começou por reapresentar a sua proposta de eliminação da obrigatoriedade de juramento, proposta obviamente rejeitada, passando depois a utilizar as Cortes como uma plataforma privilegiada para a sua atividade político-partidária. Considerando-se eleito pelo voto popular, passou a defender acerrimamente a teoria da soberania popular, recusando qualquer solução política que não resultasse diretamente da vontade dos cidadãos. A defesa da liberdade de consciência, de expressão, de reunião e de associação esteve sempre entre os tópicos da sua acção parlamentar.

Outra temática constante da sua ação parlamentar foi a defesa dos interesses do povo, por ele entendido como todos os cidadão. Nessa defesa dava grande importância à dignificação das classes menos favorecidas, tendo sido notável o empenho que colocou em 1883 na defesa dos camponeses e operários da Madeira, o círculo que o elegera, então a braços com uma profunda crise frumentária que condenava muitos deles à fome.

Foi um dos principais autores do programa do PRP apresentado ao público no dia 11 de Fevereiro de 1891. A partir daí participou frequentemente nos comícios de propaganda republicana, onde a sua capacidade oratória e a sua retórica rica e inflamada era muito apreciada pelas camadas populares. Aliás essa sua presença em comícios já vinha desde longe, já que em 1883 já participara num comício dissolvido pela força, razão que o levara depois a protestar veementemente nas Cortes.

Apesar da forte atividade e da pertinência das suas intervenções parlamentares, desencantou-se com a atividade parlamentar, declarando, no termo do mandato que não voltaria às Cortes enquanto novas leis ou melhores condições não investissem os representante do povo de melhores garantias. Desencantado com a política, dedicou-se gradualmente às suas obras literárias, com forte pendor filosófico, publicando, entre 1899 e 1907, dois livros de poesia e um de prosa.


Após a implantação da República Portuguesa, a 17 de Outubro de 1910 foi nomeado reitor da Universidade de Coimbra. Pouco depois, a 17 de Novembro de 1910, foi nomeado Procurador-Geral da República.

A 28 de Abril de 1911 foi eleito novamente deputado constituinte pelo círculo da Madeira. Na Assembleia Nacional Constituinte revelou-se um orador notável, tendo muitos dos seus discursos dado um impulso não negligenciável à causa republicana. Não partilhava, porém, o anticlericalismo próprio dos primeiros republicanos portugueses.

Perante um Partido Republicano Português dividido em facções crescentemente radicalizadas, a 24 de Agosto de 1911 foi eleito Presidente da República Portuguesa, por proposta de António José de Almeida. Sem o apoio da facção dos democráticos de Afonso Costa, tendo como apoiantes toda a ala moderada do republicanismo português. Com 71 anos de idade, foi o primeiro Chefe do Estado eleito do novo regime.

O seu mandato foi atribulado devido a incursões monárquicas movidas por Paiva Couceiro e à crescente instabilidade política resultante da desagregação do PRP. Nesse ambiente, tentou, sem êxito, reunificar o partido que, entretanto, se desmembrava em diferentes facções.

Adversário da hegemonia afonsista da ala radical do PRP, após o Movimento das Espadas, em Janeiro de 1915 Manuel de Arriaga convidou o general Pimenta de Castro a formar governo, dando origem à instauração de uma ditadura, com dissolução inconstitucional do Congresso da República. A decisão deu origem ao descontentamento generalizado dos republicanos, com os parlamentares, reunidos secretamente a 4 de Maio, no Palácio da Mitra, a declararem Manuel de Arriaga e Pimenta de Castro fora da lei e os seus atos nulos. Esta declaração levou a uma revolta, a Revolta de 14 de Maio de 1915.

Desencadeada pelos republicanos democráticos, derrubou o governo do general Pimenta de Castro. Perante a formação de uma junta militar que reclamava a reposição da ordem_presidente constitucional, o bondoso e pacifista Manuel de Arriaga deixou o cargo a 26 de Maio, abandonando em definitivo a vida política, acusado de trair os ideais republicanos democráticos que defendera toda a sua vida. Foi então substituído na Presidência da República por outro açoriano, o professor Teófilo Braga.

Embora amargurado e sentindo-se incompreendido e injustiçado pelos vitupérios de que era vítima por parte dos seus próprios correlegionários republicanos, publicou, em 1916, um livro intitulado Na Primeira Presidência da República Portuguesa, um verdadeiro testamento da sua ação política.

Morreu em Lisboa a 5 de Março de 1917, dois anos depois de ter abandonado a Presidência da República. Foi sepultado em jazigo de família no Cemitério dos Prazeres.

Manuel de Arriaga é patrono da Escola Secundária Manuel de Arriaga, na cidade da Horta, e é recordado em centenas de nomes de ruas e praças. A 19 de Novembro de 2011 foi inaugurada a Casa/Museu Manuel de Arriaga na cidade da Horta, Faial, onde se poderá encontrar a sua história de vida como político, alguns artigos pessoais bem como os seus ideais e valores republicanos.

Conhece-se colaboração da sua autoria nas revistas A Arte Musical (1898-1915) e Brasil-Portugal (1899-1914).

Fonte:
Wikipedia