terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

398 Anos da Cidade de Itú (SP)


Nota: Parabéns pelo seu aniversário dia 2 de fevereiro, que a sua grandeza permaneça sempre como um exemplo para os que ainda virão.

Em comemoração a seu aniversário, sua história.
Historia de Itu
Os primeiros habitantes do planalto paulista viveram durante muitos anos em função do sertão, buscando indígenas para escravizar, procurando metais e pedras preciosas. Aqueles que permaneciam em suas roças plantavam milho, mandioca e praticavam outras atividades próprias para a sua subsistência..

Desde o início do século XVII muitos deles começaram a procurar terras mais férteis para suas roças. Os membros da família Fernandes, por exemplo, instalaram-se em lugares onde, posteriormente, surgiram as Vilas de Santana do Parnaíba, Sorocaba e Itu. Domingos Fernandes, aventureiro descendente pelo lado materno de João Ramalho e Tibiriçá, estabeleceu-se em área não muito distante de um antiquíssimo lago glacial, que, há milhares de anos, transformara-se em uma pedreira de varvito (rocha sedimentar). Em suas pedras ainda podem ser observados sinais das ondas deixadas pelas águas do antigo lago, pedras essas utilizadas no revestimento do piso das calçadas da cidade.

A pequena capela construída por Domingos Fernandes, sob invocação de Nossa Senhora da Candelária, deu origem a povoação de Itu, que durante muito tempo foi local de parada e de partida de bandeirantes e monçoeiros em busca de sertão. Em Itu foram organizadas muitas monções, expedições fluviais que partiam do Porto de Araritaguaba (hoje Porto Feliz), às margens do rio Tietê, com destino às minas de ouro de Cuiabá.

Passou a integrar a agricultura de exportação quando iniciou o cultivo de cana-de-açúcar, desenvolvido em São Paulo durante o governo do Morgado de Mateus (Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão). Nas terras ituanas, consideradas de boa qualidade para essa cultura, surgiram grandes fazendas exploradas com mão-de-obra escrava. A população aumentou, inúmeros engenhos foram construídos, quer movidos a água, quer por tração animal.

Essa agricultura voltada para exportação, com o plantio de produtos tropicais enviados para o exterior, teve ainda maior progresso com a produção de café na segunda metade do século XIX. A cultura da cana estabeleceu as bases para o posterior desenvolvimento da cafeicultura.

No cinturão de fazendas que foram sendo abertas ao redor de Itu, construíram-se casas, engenhos e os demais aparelhamentos próprios da cultura canavieira. As moradas que ainda restam desse período são do assim chamado "estilo bandeirista", casas de taipa-de-pilão com planta simples e simétrica, construídas de acordo com sistema que vigorava em terras paulistas desde o tempo das bandeiras.

Dessas fazendas, podem ser lembradas: a do Rosário, construída na segunda metade do século XVIII. Com antigo e bem conservado engenho; a Chácara São João; a da Conceição e a do Japão, ainda com as suas capelas: a Paraíso, com uma bem conservada senzala; e a Pirahy, com restos de um provável alambique. Muitas mais tarde, tornaram-se fazendas de café e nelas foram construídas terreiros e outros aparelhamentos próprios da cafeicultura.

Fazendas como a Vassoural, Pirapitingui, Floresta, Serra e Nova América, mantém remanescentes do período áureo do café na região , época em que a Europa e as modas européias exerciam grande influência na vida paulista.

Além da cultura da cana e do café, o algodão também teve sua importância. Em Itu, no ano de 1869, ergueu-se a primeira fábrica de tecidos a vapor da Província de São Paulo, com maquinaria importada dos Estados Unidos e da Inglaterra: a Fábrica de Tecidos São Luís. Construída numa época em que todo trabalho era exercido por escravos, contava com mão-de-obra livre, principalmente de mulheres e crianças.

Os últimos decênios do século XIX o café representava grande riqueza e os escravos vindos de diversas regiões construíram a mão-de-obra, mais tarde substituída por elevado número de colonos italianos. Em nosso século, a economia de Itu tornou-se bastante diversificada, abrangendo muitos produtos agrícolas, a agropecuária e a indústria. Por tudo isso, teve apreciável crescimento urbano e populacional.

A vida cultural ituana manifesta-se por suas casas e igrejas, por monumentos e escolas, por seus trabalhadores, por pessoas que se destacaram ou que, de algum modo, para formação do seu patrimônio cultural.

Como aconteceu em outras regiões brasileiras, o catolicismo teve papel predominante no desenvolvimento cultural do município: igrejas, conventos, ordens religiosas e irmandades eram o centro da vida intelectual. As construções são, em grande parte, monumentos religiosos, do período anterior a introdução da cultura canavieira, temos a Igreja de Santa Rita, edificada entre 1726/1728 por um grupo de portugueses, e a Igreja do Carmo, encomendada pelos irmãos da Ordem Terceira em 1728. No convento, ao lado da Igreja do Carmo, morou o célebre Frei Jesuino do Monte Carmelo, Tendo ingressado na Ordem depois de viúvo, já conhecido artista, pintou a Igreja de sua Ordem, dando expansão a sua alegria e liberdade, segundo palavras de Mário de Andrade, que lhe dedicou um livro.

A primeira Matriz da Vila de Itu, dedicada por Domingos Fernandes a Nossa Senhora da Candelária, ocupava o lugar onde, mais tarde, ergueu-se a Igreja do Bom Jesus. A atual Matriz, na Praça Padre Miguel, foi inaugurada em 1780, mas posteriormente sofreu inúmeras reformas. Alí encontram-se pinturas de José do Patrocínio Manso, de Jesuino do Monte Carmelo e, na sacristia, as do celebrado pintor ituano Almeida Júnior. O frontão e as imagens de São Pedro e São Paulo, vindas de Paris, são muito mais recentes.

Um circuito intelectual de grande importância no panorama paulista era o conhecido como "dos padres do Patrocínio" que reunia políticos como Feijó, Jesuinos e tantos outros. Devoto de Nossa Senhora do Patrocínio, Frei Jesuino construiu uma Igreja dessa invocação, iniciada em 1810/1812 e concluída por Padre Simão Stock.

Com a finalidade de abrigar um grupo de religiosas vindas da França em 1859, para dedicar-se a educação de meninas (Irmãs de São José), foi fundado o Colégio do Patrocínio, ao lado da Igreja do mesmo nome.

Pouco tempo depois, vieram os jesuítas, que criaram o Colégio São Luís, importante centro educacional.

Localizada na zona rural, a Capela do Senhor do Horto (chamada de Padre Bento) foi edificada 1804/1808, ao lado do Hospital dos Lázaros. Hoje, a capela está envolvida pela cidade.

Com o desenvolvimento econômico, os mais abastados construíram grandes casas em meados do século XIX, algumas térreas, outras assobradadas, representativa da maneira de viver da classe dominante da época. Muitas delas foram derrubadas. Preservadas, encontramos, entre outras, a que abriga o Museu Republicano , antiga moradia de Carlos Vasconcelos de Almeida Prado, de família de cafeicultores, líder republicano, Ali reuniu-se a Convenção de Itu, em 1873, significativa tomada de posição para a implantação da República.

Das casas modestas ou imponentes do século passado e que constituem testemunhos de uma época, temos o prédio do antigo Grupo Escolar Cesário Mota (hoje Casa da Cultura), o prédio da Light, com sua singular fachada de azulejos portugueses, além de outras.

Neste século, os italianos que se estabeleceram no local construíram casas de tijolos, com fachada de decoração neoclássica. Representativa da maneira de viver do trabalhador é a Vila Operária, construída pela Fábrica de Tecidos São Pedro na década de 1920.

Esta cidade histórica, com seus panoramas, característicos e típicos, como o do Becão e outros, com suas Igrejas e monumentos, com suas paisagens naturais e com seu sítio geológico, com suas ruas e casas, com seus costumes, sua maneira de ser, deve ser preservada. A perda desses bens significa empobrecimento para a Cidade, para o Estado e para o País.

A FORMAÇÃO DA CIDADE DE ITU

O marco da fundação da cidade de Itu foi a construção, em 1610, de uma capela devotada a Nossa Senhora da Candelária, no lugar em que hoje fica a Igreja do Bom Jesus. Esta capela foi construída pôr Domingos Fernandes e seu genro, Cristovão Diniz. Eles receberam da Coroa Portuguesa, em 1604, a posse das terras da região de Itu.

O povoado se formou ao lado desta capela que, de 1653 a 1657, foi Igreja Matriz; neste ano, Itu deixou de ser Freguesia de Santana do Parnaíba, passando à condição de Vila, e iniciou-se a construção de um novo templo.

Durante quase 100 anos (de 1657 a 1750) a Vila de Itu não passou de um pequeno núcleo, com menos de 100 casas, concentradas no pátio da antiga Matriz e numa única rua que ia do pátio até a capelinha do primeiro povoado. Uma boa parte das casas, as do pátio, sobretudo, pertenciam a fazendeiros. Quando aumentou a escravatura e a produção das fazendas, seus donos ajudaram a erguer dois conventos na Vila - o de São Francisco (1692) e o do Carmo (1718).

Os comerciantes ergueram, em 1726, uma capela, num lugar ainda descampado - a de Santa Rita.

Em 1760, já existiam cerca de 105 casas e mais uma rua, chamada da Palma (atual dos Andradas). Nessa época, Itu se firma como entreposto de comércio na rota entre o sul do país e as regiões mineradoras de Mato Grosso e Goiás. A maioria das casas da Vila eram pequenas e habitadas por gente que pouco ou nada possuía.

Alguns anos depois, em 1776, com o crescimento das lavouras do açúcar e do algodão, a Vila cresceu, contando com 180 casas, tendo ainda as mesmas ruas de antes. Quem dá vida à localidade são os artesãos (sapateiros, ferreiros, latoeiros, carpinteiros, tecelões, costureiras e fiandeiras); eles ocupam 119 casas. Os comerciantes interessados na venda de tecidos, colchas e cobertores para outras regiões, promovem o cultivo do algodão, e a produção caseira de tecidos.

A partir de 1777, a Vila de Itu vai crescer em função dos negócios de exportação de açúcar para a Europa. O número de engenhos de cana e de escravos, agora vindos da África e não do sertão, se multiplicam. De 1785 a 1792, são abertas as ruas que descem paralelas, pelas encostas do espigão. Nessas ruas e seus prolongamentos pelo lado da Igreja do Patrocínio é que se forma, até 1865, a cidade que hoje constitui o "Centro Histórico". A fase de maior crescimento da cidade foi entre 1836 e 1854, quando atingiu o número de 800 casas.

Nesta época, Itu era a Vila mais rica de toda a Província, tendo (desde o início do século) importante participação na vida política e econômica. Em 1857, a Vila foi elevada à condição de cidade.

Em 1860, ocorreu uma grande crise no mercado internacional do açúcar. O plantio da cana entra em decadência, causando, com o tempo, um conflito entre os políticos e os fazendeiros ituanos contra o governo Imperial. Cresce em Itu o movimento republicano que resulta, em 1873, na realização da Primeira Convenção Republicana do país. O açúcar vai sendo gradativamente substituído pelo café.

Com o aumento da produção cafeeira, os fazendeiros buscam, na Europa, a vinda de imigrantes para substituir a mão de obra escrava. O tráfico havia sido proibido em 1850 e, a escravatura, abolida em 1888. Com a ajuda do governo republicano, proclamado em 1889, vieram para Itu milhares de imigrantes, a maioria italianos. A cidade possui, nesta época, cerca de 1000 casas. O café foi a base da economia do município até 1935, ano da maior produção, decaindo depois, pela concorrência de outras áreas de plantio e pelo esgotamento de suas terras.

De 1935 a 1950, Itu quase não cresce além da área ocupada. A partir de 1950, novas indústrias vêm se instalar na cidade, principalmente as de cerâmicas. Ocorre grande migração rural em busca de trabalhos nas fábricas. A cidade começa novamente a crescer com a abertura de diversos loteamentos na periferia. Itu já não tem a mesma importância de antigamente, sendo influenciada pela Capital do Estado, já então uma metrópole. O velho centro, a maior e mais importante herança cultural dos tempos da colônia, passa a ser transformado. Os objetos antigos, imagens das igrejas e pertences particulares, começam a ser comercializados, sobrando hoje pouca coisa na cidade.

Após 1970, com a construção da rodovia Castelo Branco, novas indústrias instalam-se em Itu, principalmente às margens de suas estradas de acesso.

Dialetos e Linguagens de Itu

Embora sejam só quatro os Estados integrantes da região sudeste, há uma diversidade de expressões e linguagens entre seus habitantes, em decorrência das formações históricas e culturais de cada um deles. Por isso mesmo, pode se estudar cada um separadamente, sendo importante lembrar que Amadeu Amaral chegou a publicar um importante livro sobre o que ele chamou de "Dialeto Caipira", típico de grande parte de São Paulo e Minas Gerais. Também Téo Azevedo identificou um outro dialeto, típico do norte de Minas Gerais, mas estendendo ao Sul da Bahia, e que ele chamou de linguagem catrumana.

O centro cosmopolita de povos de muitas etnias vivendo em seu espaço, São Paulo, tornou-se um centro difusor de expressões, muitas delas, curiosamente vindas do interior do Estado e outras partes do País.
Matungo é cavalo velho; ser judas é ser traidor, breganhar é fazer uma troca; grana e bufunfa significam dinheiro; enquanto assuntar significa perguntar, interrogar, repassar é revisar, remontar; sustância é força, energia, coragem; trucada é um desafio; trabucar é trabalhar, existindo mesmo um provérbioque diz: " Quem não trabuca, não manduca". Ou seja: " Quem não trabalha, não come"; menina sapeca é menina levada mas também pode ser carne mal passada; supimpa é ótimo, exelente, mas homem sacudido é homem forte; Por sua vez ficar na rabeira é ficar para trás; e ser pidonho é estar sempre pedindo as coisas.

Culinária Tipica de São Paulo e Interior

Os Paulistas também frugais no inicio de sua história, foram adotando influências e assimilando pratos de várias partes do mundo, embora mantivessem alguns bem típicos. Assim é possivel hoje, encontrar ao lado de legítimas pizzas ítalo-paulista, pratos como o virado, o arroz com suã, um sanduiche bem paulista que é o bauru, além de uma gama de subprodutos do milho, da pamonha ao licor.

Fonte:
http://www.achetudoeregiao.com/SP/Itu/historia.htm

Maria Thereza Moreira Pereira (Bisa Maith)


Maria Thereza Moreira Pereira é mais conhecida por Maith e Bisavó Blogueira. Com quase oitenta anos ela escreve desde que é criança e sempre sonhou em tornar-se uma escritora de verdade.Depois de aposentada e com os filhos encaminhados, passou a dedicar-se mais à literatura, quando então deparou-se com a internet e criou seus blogs, publicando finalmente seu livro. É co-autora na coletânea Roda Mundo 2006 e colunista no site "O Liberal" de Cabo Verde.

A Academia Athenas, de Sorocaba, apresentou nos dias 3 e 4 de Dezembro, no Teatro Municipal Teotônio Vilella, um festival de Dança e Artes Marciais apresentados pelos seus alunos e professores. O espetáculo teve o nome de CUIDADO, ESTÃO TE ESPIANDO e todas as coreografias foram inspiradas no livro do mesmo nome de Maith.

Sites da Maith:
http://www.cuidadoestaoteespiando.blogger.com.br/
http://www.bisavo.blogger.com.br/
http://www.ciranda.blogger.com.br/

Fontes:
http://sorocult.com/el/talentos/maith.htm
http://www.itapedigital.com.br/

Bisa Maith (Conto: Uma Brasileira na Inglaterra)

Tudo começou há muito tempo, quando ela ainda era menina e ele também. Só que ela, a July, era uma menina comum, classe média, e ele o Príncipe Herdeiro do trono da Inglaterra.

Já então, ela se interessava muito por tudo o que dizia respeito a Ele, o menino que um dia seria rei. Lia tudo o que se publicava sobre a família real inglesa, recortava as fotos do garoto notável e colava na parede do quarto.

O tempo foi passando. Ela cresceu (Ele, também, é claro) e July começou a alimentar um sonho arrojado: Havia de conhecer pessoalmente o Príncipe... conquistá-lo... casar-se com ele.

Impossível? Nem tanto! A literatura estava cheia de histórias de Nobres & Plebeus e, sabe-se de muitos casos de Príncipes que renunciaram a Coroa para casar-se com uma mulher do povo. Por que não podia acontecer com ela?

Mas, precisava dar uma mãozinha para a sorte. Mesmo que estivesse "escrito nas estrelas" seria preciso que ela interpretasse e fizesse acontecer.

O primeiro passo seria ir para a Inglaterra.

Se ela dissesse para a Mãe que queria ir para conhecer o Príncipe, é claro que a Mãe ia dizer para ela deixar de bobagem, então, tinha que arranjar outro pretexto.

Estudar! É claro!

Nada melhor para sensibilizar as mães do que manifestar o desejo de estudar alguma coisa.

A primeira tentativa foi desanimadora:

- Mãe, estou pensando que podia bem ir passar uns tempos na Inglaterra para aperfeiçoar o meu inglês...

- Aperfeiçoar o quê? Você não sabe nada ainda! Aprenda tudo o que lhe ensinarem na Escola e, depois, então, a gente pensa na possibilidade de estudar fora.

- Mas, Mãe, na Escola ensinam muita gramática, lingüística, coisas que não interessam. Convivendo com os ingleses é que a gente aprende a língua coloquial que é o que importa.

- Nada disso. Trate de estudar aqui mesmo. Mais tarde, quem sabe...

A segunda tentativa também não foi muito melhor:

- Mãe, eu tenho muitos amigos e amigas que foram para lá. Estão estudando e trabalhando. Uma beleza! A gente ganha bem, estuda em excelentes escolas e conhece o Mundo. Quer coisa melhor?

- Você pensa que é fácil? Você, lá, seria uma estrangeira, desvalorizada, teria que adaptar-se a uma vida muito diferente da que está acostumada. Não! Você não está preparada para uma coisa dessas.

- Mas, como, do mesmo modo que a água mole faz com a pedra dura o que todo mundo sabe, a insistência dos filhos, quase sempre, acaba por minar o bom senso de qualquer mãe, e a mãe de July não era diferente.

Depois de muitos argumentos, beicinhos e até mal-criações, a Mamãe deixou-se convencer de que, afinal de contas, na pior das hipóteses, seria uma experiência a mais.

E começaram os preparativos para a viagem. Compras, arrumações, conselhos, listas de endereços de Companhias de Viagem, escolas de Londres, acomodações, etc.etc.
* * *
O avião levanta vôo. July se assusta um pouco quando vê, rapidamente, desaparecer o seu Mundo, o seu chão firme e sente-se muito só, acima das nuvens, parecendo estar mais próxima do céu estrelado do que da Terra.

Mas está feliz, pois, encaminha-se para a realização de seu sonho de tantos anos. Fecha um pouco os olhos e quando abre... oh, surpresa das surpresas!

Quem está ali, a sua frente, ao vivo e a cores? Nada mais, nada menos que o Príncipe, mais bonito do que em todas as fotos, sorrindo para ela:

- Olá, July! Que satisfação te encontrar aqui!

- Como sabe quem eu sou?

- Eu a vi em um site de uma discoteca, lá da sua cidade. Foi amor à primeira vista. Disse comigo mesmo: "preciso conhecer essa garota" Estava pronto para ir procurá-la lá no Brasil, mas já que você veio para cá é melhor ainda.

- Você fala muito bem o português. Meu inglês é péssimo. Vim à Inglaterra para aprender a sua língua, e, mais ainda, para conhecê-lo pessoalmente.

- Eu tenho um compromisso oficial agora de manhã, mas vou procurá-la depois para conversarmos mais. Se precisar de alguma coisa é só falar comigo. Se tiver alguma dificuldade, basta dizer que é namorada do Príncipe que todas as portas se abrirão para você.

Alguns homens se aproximaram, o Príncipe levantou-se e acompanhou-os.

O dia estava amanhecendo. O avião foi baixando sobre a grande Londres, envolta em brumas, a cidade coberta de neve, uma paisagem, até então, só vista em cartões postais, ao mesmo tempo, fascinante e aterrorizante.

July desembarcou e misturou-se a multidão que transitava pelo aeroporto.Quando se dirigiu à sessão de Emigração, começaram as dificuldades. Um funcionário muito impessoal pediu-lhe um documento que ela não tinha.

Ela não entendia direito o que ele dizia e não conseguia se comunicar. Lembrou-se, então, das palavras do Príncipe e falou no seu melhor inglês:

- Eu sou a namorada do Príncipe. Se não me facilitar as coisas eu faço queixa a Ele.

- Não estou aqui para brincadeiras. Veja logo o que lhe pedi senão eu mando prendê-la.

- Mas eu não tenho esse documento. Nem sei o que é isso.

- Então vai presa.

Dois policiais aproximaram-se, agarraram-na e a enfiaram num carro. Ela queria gritar, pedir socorro, mas não conseguia. Já estava ficando apavorada.

Na cela onde a encerraram já estavam dois rapazes e duas moças, todos brasileiros. Havia só um colchão no chão e ela perguntou como iriam dormir.

- A noite passada, dormimos os quatro, neste colchão. E esta noite tem mais você...

- E comida?

- De manhã, eles jogam uns pedaços de pão naquela gamela. Pouco, só o suficiente para não morrermos de fome.

- E banho?

- Nem pensar! Banho, aqui, é luxo de turista. Londrino não toma banho e estrangeiro, menos ainda.

- Por que vocês vieram para cá?

- Porque não tínhamos dinheiro suficiente... faltaram documentos... não sabíamos falar bem...

- O funcionário zangou-se porque eu disse que sou namorada do Príncipe.

- Chiii! Você disse isso? Você sabe que quem inventa mentiras relacionadas com a Família Real é condenada à morte?

- Mas eu não inventei nada. É verdade!

- Você tem como provar isso?

- ... não...

- Então você está ferrada!

- EU NÃO QUERO MAIS FICAR AQUI! QUERO MINHA MÃE! MÃÃÃÃÃÃEEEEEEEE!

Como num passe de mágica, uma porta se abriu e a Mãe, meio assustada perguntou:

- Que foi July!

Vertiginosamente tudo retrocedeu como num filme rebobinado e ela se viu, no seu quarto, na sua cama.

- Não foi nada, Mamãe! Só um pesadelo...

No dia seguinte, July comunicou a Mãe a sua resolução:

- Sabe Mãe, eu pensei melhor, acho que vou continuar estudando por aqui mesmo. Londres fica para outra oportunidade.

Mais tarde ligou para o Bruno:

- Ainda está de pé o seu convite para o baile? Acho que vou aceitar!

E sorriu para o retrato do Príncipe pendurado na parede:

- Que mico!

Publicado Segunda-feira, 28 de janeiro de 2008, em
http://www.itu.com.br/colunistas/artigo.asp?cod_conteudo=12102

Bisa Maith (Conto: O Patinho Perdido)

A pata saiu do ninho com seus filhotes recém-nascidos. Estava feliz como toda a mãe que acaba de ter um filho.

Saiu pelo terreiro com sua prole mostrando-lhes a beleza do mundo onde iam viver, o grande quintal, as árvores, a relva verdinha. Levou-os depois ao lago para ensinar-lhes a nadar.

Os pimpolhos adoraram a água e nem foi preciso a mãe ensinar, num instante já estavam todos nadando.

De repente a pata levou um susto. Contando os patinhos a sua volta, constatou que faltava um. Eram doze a ali só estavam onze.

Onde estaria o outro? Será que afogou-se?

Impossível! Os patos já nascem sabendo nadar. Nunca se ouviu contar de um pato que se afogasse num lago tranqüilo como aquele.

Desesperada a pata chamou os patinhos e saiu correndo para procurar o filhinho perdido.

Encontrando o pato disse-lhe:

- Querido, sumiu um de nossos bebês! Vamos procurá-lo juntos.

Mas o pato, displicente, respondeu:

- Ora, deixe disso. Com certeza o gato o pegou. Não adianta nada continuar procurando.

- Você é um pato sem coração! Onde já se viu falar assim do seu filho?

- Nos ainda temos onze, meu amor, prá que precisamos de mais um?

Vendo que nada adiantava ficar ali discutindo com o pato a pata continuou seu caminho.
Encontrou, pouco depois, o galo:

- Bom dia, seu galo! Eu perdi o meu patinho! Será que você podia me ajudar a procurá-lo?

- Eu? Imagine! Está pensando que não tenho nada mais importante para fazer do que caçar patos perdidos?

Mais adiante, o peru respondeu ao seu cumprimento com um glu-glu de pouco caso e um orgulhoso arrepiar de penas.

Nem adiantava pedir ajuda a ele. A pata estava só com a sua dor e ainda preocupada com os outros patinhos, tão novinhos, que ela estava obrigando a uma exaustiva correria.

E, então, encontrou a galinha choca que acaba de sair de seu ninho com os pintainhos;

Vendo a pata, amável, lhe disse;

- Vejo que também está com os filhinhos novos, eles são lindos.

A pata contou-lhe rapidamente a sua odisséia e ela, solícita, ofereceu-se:

- Deixe os patinhos comigo enquanto vai continuar a sua busca. Tomara que você encontre logo o seu filhinho!

A pata, agora desembaraçada correu por todo lado, examinou todos os cantos até que ouviu um piadinho muito fraco vindo de uma moita.

Achara o patinho! Ele se enroscara em um ramo e não conseguira sair sozinho.]

Vendo que ele estava bem a mãe respirou aliviada, foi buscar os outros filhotes e, todos juntos, foram ao ninho para o merecido descanso noturno.

No dia seguinte a Dona comentou com o marido:

- Aconteceu uma coisa estranha ontem. Quando fui tratar dos animais a galinha choca veio comer e os patinhos estavam junto com os pintinhos. Ela alimentou-os do mesmo modo que fez com os seus. Não sei para onde tinha ido a pata, mas hoje de manhã ela já estava com os patinhos e a galinha com os pintinhos.

O dono deu uma risada:

- Você e suas histórias! Esta galinha deve ser muito idiota para não saber distinguir um pinto de um pato! E a pata então, uma irresponsável que larga os patinhos por ai e vai passear.

- Não fale assim! Achei tão bonito! A galinha parecia uma mãe adotiva. Não sabemos o porquê do sumiço da pata. Tenho certeza de que ela não abandonou os patinhos. Eu, ás vezes penso que os animais não são tão irracionais como pensamos.

-Você é mesmo uma romântica!

LIÇÕES
A PATA = Uma mãe é capaz de qualquer sacrifício para salvar um filho.
O PATO: Um pai omisso como muitos.
O GALO: Indiferente e preguiçoso
O PERU: Vaidoso, cheio de empáfia, mas inútil.
A GALINHA: Prestativa e boa. Uma mãe que entende a aflição de outra e procura ajudar.
O DONO: Olhe lá os julgamentos ....!
A DONA: O romantismo é a realidade em traje de festa!

Fonte:
Publicado em 1 de julho de 2006 na Ciranda das Flores e dos Bichos, no Sorocultinho, da Academia Sorocabana de Letras.
http://www.ciranda.blogger.com.br/

Bisa Maith (Conto: Confidências de um Curió)

Nasci numa floresta virgem, no alto de uma árvore centenária.

Meu berço foi um singelo ninho feito de palha, mas, embora aparentemente frágil era suficientemente forte para me abrigar das tempestades e afastar-me dos animais predadores.

Minha mãe era carinhosa e nos meus primeiros dias de vida trazia-me o alimento e cuidava de mim.

Mas, eu cresci muito depressa. Logo aprendi a voar e a procurar o meu próprio alimento.

Aprendi também a cantar e o meu canto era maravilhoso.

Todas as manhãs eu soltava a voz em chilreios vibrantes e ouvia ao longe a resposta, um gorjeio desafinado, mas que me parecia a mais bela melodia, pois vinha de minha namorada, uma curiózinha encantadora.

Entretanto, o meu dom de bem cantar foi a minha desgraça, pois despertei o desejo de pessoas desalmadas ter-me preso em uma gaiola cantando para diverti-las.

E, foi assim que tudo aconteceu.

Eu estava faminto e vi alguns grãos no chão. Desci para comer e então senti que um cesto caia sobre mim prendendo-me.

Fiquei desesperado, não tinha como escapar dali e então vi uma mão enorme adentrando o cesto.

Tentei passar pela pequena abertura, mas não consegui e aquela mão agarrou-me com força e me levou embora,

Que covardia! Em igualdade de condições, em campo aberto, duvido muito que aquele sujeito conseguisse me pegar. Mas, ele era mais forte do que eu, ou mais inteligente e eu agora estava em sua mão.

Levou-me para sua casa e prendeu-me em uma gaiola.

Ele não me tratava mal. Dava-me sempre comida e água fresca e colocou-me em um lugar protegido.

Prendeu até o Duque, um canzarrão que quando me viu ficou louco para me abocanhar.
Mas, tirou-me a liberdade e eu fiquei muito triste. Nem cantar eu queria mais.

E, então, pensei cá comigo:

Vou ficar calado. Quem sabe assim ele perde o interesse por mim e me solta.

Mas, qual!

Ele queria a todo custo que eu cantasse e quando comentou minha mudez com um amigo este lhe disse:

- Você fura os olhos dele! Ficando cego ele vai cantar. Você vai ver.

- Será? Eu não tenho coragem...

- Deixe de ser bobo! Amanhã eu venho aqui e faço o serviço pra você.

Fiquei desesperado. Alem de preso, cego!

Passei a noite em claro pensando em um jeito de livrar-se do sacrifício, mas não atinava com nada. Estava mesmo perdido.

Já de madrugada, porém, ouvi um barulho vindo do canil.

O Duque conseguiu abrir o portão, escapou e veio correndo pegar-me.

Mas, quando de um salto ele abriu a porta da gaiola, eu sai voando enquanto ele ficava pulando e latindo como doido.

Meu dono veio correndo, mas, hahahahaha! Pegue-me agora, se for capaz!

Minhas asas estavam entorpecidas pela falta de movimento, mas consegui pousar em uma árvore, dali para outra, até que recuperando a forma voei para longe, para a floresta que era o meu lugar.

O dia estava amanhecendo. Pousei em uma arvora muito alta e soltei o meu canto vibrante saudando o sol que despontava.

E, emocionado ouvi um chilrear fraquinho me respondendo. Era a minha curiózinha desafinada que estivera o tempo todo a minha espera.

Fonte:
publicado em 4 de novembro de 2007, na Ciranda das Flores e dos Bichos, no Sorocultinho, da Academia Sorocabana de Letras.
http://www.ciranda.blogger.com.br/

Nota do autor do blog: Chamamos os animais de selvagens, mas os verdadeiros selvagens somos nós. Esta história foi classificada como história infantil ao ser publicada no Sorocultinho, da Academia Sorocabana de Letras, mas deve servir como reflexão a todos nós, sobre todo mal que fazemos aos animais, principalmente as aves, gatos, cachorros e tantos que estão em extinção por nossa - que chamamos e vivemos uma mentira - civilização.

A Língua Tupi

O Tupi foi a língua não européia que mais influenciou o português brasileiro. Existem aproximadamente 10.000 palavras derivadas do tupi que os brasileiros usam no seu dia-a-dia. Expressões, palavras e nomes de lugares como “ficar com nhemnhemnhem”, “jaguar”, “Ibirapuera”, “pindaíba”, “pereba”, “peteca”, “mingau” e “cucuia” são, entre outras, herança lingüística da verdadeira língua brasileira, chamada pelos próprios índios de “Nhe´engatu” (língua boa) ou Língua Brasílica, como era chamada pelos jesuítas que aqui aportaram no século XVI.

Antes da colonização, o Tupi e suas variantes dialetais eram falados em quase toda costa do Brasil e é rara, senão nenhuma, língua nativa no mundo que teve abrangência territorial tão grande. Sendo uma língua estritamente oral, o Tupi só foi sistematizado em registro escrito pelos jesuítas, em especial pelo Pe. Anchieta, o primeiro gramático da língua, que deixou um vasto conjunto de obras escritas na língua do nativo.

Como grande parte dos colonos vinham para o Brasil sem mulheres e passaram a conviver com mulheres indígenas, ocorreu de o Tupi ser a língua materna de seus filhos. Atualmente o Brasil seria um país bilíngüe, a exemplo do Paraguai onde se fala o espanhol e o guarani, caso o Tupi não tivesse sido proibido em 1758 pelo Marques de Pombal. Naquela época, de cada quatro brasileiros, três falavam Tupi.

Em poucos países americanos uma língua foi tão espalhada territorialmente como o Tupi antigo do Brasil. Ele era a língua da maioria dos membros da administração colonial, dos índios, dos africanos e europeus e tinham um papel fundamental na unificação da colônia portuguesa na América.

O Tupi proporcionou centenas de termos ao português brasileiro, foi importante para a literatura do período colonial, romântica e moderna e é um elemento central da afirmação de uma identidade cultural brasileira. O Tupi foi a língua que mais deu origem a nomes geográficos no Brasil: várias cidades, regiões e cidades tem nomes derivados do Tupi. Cidades como “Sorocaba” e “Jundiaí” (que significam, respectivamente, “Terra Fendida” e “Rio do Bagre”), apenas para mencionar duas entre muitas, tiveram suas designações em Tupi devido à suas características físico-geográficas.

A influência do Tupi é também percebida na culinária, na fauna e em expressões cotidianas no Brasil, sendo a língua não-européia mais importante na formação do português brasileiro.

Características do Tupi
A língua tupi não conhece flexões. Os vários conceitos gramaticais são expressos:

1) por prefixos e sufixos;
2) pela ordem das palavras;
3) pela duplicação do tema;
4) ou por partículas especiais.

Não há artigo definido nem indefinido.

A distinção dos sexos, quando necessária, traduz-se por palavras equivalentes a "macho" e "fêmea". Há, porém, palavras diferentes para distinguir as relações de parentesco do homem e da mulher. Assim, "filho" com referência ao homem é (t)a'ýra; com referência à mulher é membýra. A distinção leva ainda em conta o sexo do parente intermediário: "tio", irmão do pai, é o mesmo que "pai": (t)úba; já "tio", irmão da mãe, é tutýra. Há também a idade relativa: (t)ybýra é o irmão mais moço do homem; (t)ykeýra, irmão mais velho do homem.

Homens e mulheres usam linguagens diferentes: por exemplo, "sim", dito pelo homem, é pá; dito pela mulher, é e'e~.

Não existe diferença entre singular e plural nos substantivos e adjetivos. No tupi colonial, sob a influência do bilingüismo, o indefinido (s)etá, "muitos", tendia a tomar a função de plural.
São escassos no Tupi nomes abstratos relacionados com qualidades, como "injustiça", "bondade", "cor", "beleza", "distância", "tamanho", etc.

A índole concreta da língua evidencia-se ainda nos prefixos classificatórios — como a para coisas "arredondadas", pó para as compridas, pý para as largas, apé para as de superfície igual. Assim, tanto sýma quanto asýma significam "liso", mas asýma reserva-se para qualificar os objetos lisos que sejam arredondados: ybá asýma "fruta lisa".

Os substantivos e adjetivos referentes a estados da alma e qualidades interiores são amiúde meras descrições das concomitâncias nos órgãos do corpo ou nos sentidos externos: olhos, ouvidos, boca, nariz, mãos, pés, entranhas, etc.: îesarekó "considerar" ou "ter olhos em"; tesaetá "muitos olhos" ou muito cuidado; tesapóra "olhos saltados" ou "extasiado".

Nos pronomes, nenhuma distinção de gênero gramatical. Em contrapartida existe o desdobramento do pronome "nós": um que inclui a 2ª pessoa (eu ou nós & tu ou vós) e outro que exclui a 2ª pessoa (eu & ele ou eles s/ tu nem vós). Também um pronome reflexivo de 3ª pessoa o, distintivo do relativo i. Crf. latim suus e eius.
Os pronomes e os prefixos verbais são a chave da língua. Antepostos aos substantivos, os pronomes servem de possessivos. Antepostos a adjetivos, ou pospostos a substantivos e pronomes, formam os chamados verbos predicativos, dispensando o verbo "ser", que a língua tupi ignora.

O genitivo obtém-se pela simples justaposição dos dois substantivos em ordem inversa à do português: gûyrati~: "bico de pássaro"; de gûyrá "pássaro" e ti~ "bico".

O aposto, como em português, vem em segundo lugar: abá-gûyrá: "homem-pássaro"; de abá "homem" e gûyrá "pássaro".

Não há categoria de tempo gramatical ou relativo. O verbo na sua forma simples significa a ação completa ou perfeita em qualquer tempo, principalmente no passado.

Também a conjugação perifrásica realça a duração da ação verbal. Mas é o verbo auxiliar, correspondente ao nosso "estar", que vai para o gerúndio, e não o principal: anhe'éng gûitekóbo: "estou falando", lit. "falo estando".

É muito desenvolvida a linguagem afetiva. Partículas especiais exprimem os sentimentos com que a pessoa que fala acompanha a sua própria evolução; enfado, desgosto, raiva, desprezo, carinho, louvor, saudade, dúvida, interrogação, certeza, meia certeza, opinião baseada em informação de outrem, etc.

Grande número de palavras (substantivos adjetivos, verbos e preposições) leva os os prefixos t-, s- ou r-.
Em princípio, pode-se dizer que t- refere-se a "gente", e s- a "coisa", isto é, tudo o que não é humano: animais, plantas, etc. Aos substantivos, t- e s- prefixam-se na função de "possuidor". Por exemplo: obá: rosto(s.) > tobá: rosto (de gente) - sobá: rosto (de coisa)

Ao contrário que muitos acreditam, não existe uma língua tupi-guarani. A língua guarani, apesar de muito se assemelhar com o tupi, tem palavras e peculiaridades distintas. O que existe é o tronco lingüístico Tupi-Guarani, que engloba, entre outras, as línguas Tupi e Guarani.

Fonte:
http://www.terrasemmal.com.br/tupi.html
http://www.terrasemmal.com.br/mais/tupi.html

Luis Vaz de Camões (c. 1524 - 1580)

Príncipe dos poetas portugueses, autor imortal dos LUSÍADAS

Após a morte de Luís Camões, o diplomata e escritor espanhol Valera, que por esse tempo esteve em Portugal, escreveu que Os Lusíadas «son el mayor obstáculo à la fusion de todas las partes de esta Península. Camões se levanta entre Portugal y España qual firme muro, más difícil de derrubar que todas las plazas y los castillos todos».

As informações sobre a sua biografia são relativamente escassas e pouco seguras, apoiando-se num número limitado de documentos e breves referências dos seus contemporâneos. A própria data do seu nascimento, assim como o local, é incerta, tendo sido deduzida a partir de uma Carta de Perdão real de 1553. A sua família teria ascendência galega, embora se tenha fixado em Portugal séculos antes. Pensa-se que estudou em Coimbra, mas não se conserva qualquer registo seu nos arquivos universitários.

- Serviu como soldado em Ceuta, por volta de 1549-1551, aí perdendo um olho.
- Em 1552, de regresso a Lisboa, esteve preso durante oito meses por ter ferido, numa rixa, Gonçalo Borges, um funcionário da corte.
- Data do ano seguinte a referida Carta de Perdão, ligada a essa ocorrência. Nesse mesmo ano, seguiu para a Índia.
- Nos anos seguintes, serviu no Oriente, ora como soldado, ora como funcionário, pensando-se que esteve mesmo em território chinês, onde teria exercido o cargo de Provedor dos Defuntos e Ausentes, a partir de 1558.
- Em 1560 estava de novo em Goa, convivendo com algumas das figuras importantes do seu tempo (como o vice-rei D. Francisco Coutinho ou Garcia de Orta).
- Em 1569 iniciou o regresso a Lisboa. No ano seguinte, o historiador Diogo do Couto, amigo do poeta, encontrou-o em Moçambique, onde vivia na penúria. Juntamente com outros antigos companheiros, conseguiu o seu regresso a Portugal, onde desembarcou em 1570.
- Dois anos depois, D. Sebastião concedeu-lhe uma tença, recompensando os seus serviços no Oriente e o poema épico que entretanto publicara, Os Lusíadas.
- Camões morreu a 10 de Junho de 1580, ao que se diz, na miséria. No entanto, é difícil distinguir aquilo que é realidade, daquilo que é mito e lenda romântica, criados em torno da sua vida.

Da obra de Camões foram publicados, em vida do poeta, três poemas líricos, uma ode ao Conde de Redondo, um soneto a D. Leonis Pereira, capitão de Malaca, e o poema épico Os Lusíadas. Foram ainda representadas as peças teatrais Comédia dos Anfitriões, Comédia de Filodemo e Comédia de El-Rei Seleuco. As duas primeiras peças foram publicadas em 1587 e a terceira, apenas em 1645, integrando o volume das Rimas de Luís de Camões, compilação de poesias líricas antes dispersas por cancioneiros, e cuja atribuição a Camões foi feita, em alguns casos, sem critérios rigorosos. Um volume que o poeta preparou, intitulado Parnaso, foi-lhe roubado.

Na poesia lírica, constituída por redondilhas, sonetos, canções, odes, oitavas, tercetos, sextinas, elegias e éclogas, Camões conciliou a tradição renascentista (sob forte influência de Petrarca, no soneto) com alguns aspectos maneiristas. Noutras composições, aproveitou elementos da tradição lírica nacional, numa linha que vinha já dos trovadores e da poesia palaciana, como por exemplo nas redondilhas «Descalça vai para a fonte» (dedicadas a Lianor), «Perdigão perdeu a pena», ou «Aquela cativa» (que dedicou a uma sua escrava negra). É no tom pessoal que conferiu às tendências de inspiração italiana e na renovação da lírica mais tradicional que reside parte do seu génio.

Na poesia lírica avultam os poemas de temática amorosa, em que se tem procurado solução para as muitas lacunas em relação à vida e personalidade do poeta. É o caso da sua relação amorosa com Dinamene, uma amada chinesa que surge em alguns dos seus poemas, nomeadamente no conhecido soneto «Alma minha gentil que te partiste», ou de outras composições, que ilustram a sua experiência de guerra e do Oriente, como a canção «Junto dum seco, duro, estéril monte».

No tratamento dado ao tema do amor é possível encontrar, não apenas a adopção do conceito platónico do amor (herdado da tradição cristã e da tradição e influência petrarquista) com os seus princípios básicos de identificação do sujeito com o objecto de amor («Transforma-se o amador na cousa amada»), de anulação do desejo físico («Pede-me o desejo, Dama, que vos veja / Não entende o que pede; está enganado.») e da ausência como forma de apurar o amor, mas também o conflito com a vivência sensual desse mesmo amor. Assim, o amor surge, à maneira petrarquista, como fonte de contradições, tão bem expressas no justamente célebre soneto «Amor é fogo que arde sem se ver», entre a vida e a morte, a água e o fogo, a esperança e o desengano, inefável, mas, assim mesmo, fundamental à vida humana. A concepção da mulher, outro tema essencial da lírica camoniana, em íntima ligação com a temática amorosa e com o tratamento dado à natureza (que, classicamente vista como harmoniosa e amena, a ela se associa, como fonte de imagens e metáforas, como termo comparativo de superlativação da beleza da mulher, e, à maneira das cantigas de amigo, como cenário e/ou confidente do drama amoroso), oscila igualmente entre o pólo platónico (ideal de beleza física, espelho da beleza interior, manifestação no mundo sensível da Beleza do mundo inteligível), representado pelo modelo de Laura, que é predominante (vejam-se a propósito os sonetos «Ondados fios de ouro reluzente» e «Um mover d'olhos, brando e piedoso»), e o modelo renascentista de Vénus.

Temas mais abstractos como o do desconcerto do mundo (expresso no soneto «Verdade, Amor, Razão, Merecimento» ou na esparsa «Os bons vi sempre passar/no mundo graves tormentos»), a passagem inexorável do tempo com todas as mudanças implicadas, sempre negativas do ponto de vista pessoal (como observa Camões no soneto «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades»), as considerações de ordem autobiográfica (como nos sonetos «Erros meus, má fortuna, amor ardente» ou «O dia em que eu nasci, moura e pereça», que transmitem a concepção desesperançada, pessimista, da vida própria), são outros temas dominantes da poesia lírica de Camões.

No entanto, foi com Os Lusíadas que Camões, embora postumamente, alcançou a glória. Poema épico, seguindo os modelos clássicos e renascentistas, pretende fixar para a posteridade os grandes feitos dos portugueses no Oriente. Aproveitando a mitologia greco-romana, fundindo-a com elementos cristãos, o que, na época, e mesmo mais tarde, gerou alguma controvérsia, Camões relata a viagem de Vasco da Gama, tomando-a como pretexto para a narração da história de Portugal, intercalando episódios narrativos com outros de cariz mais lírico, como é o caso do da «Linda Inês». Os Lusíadas vieram a ser considerados o grande poema épico nacional. Toda a obra de Camões, de resto, influenciou a posterior literatura portuguesa, de forma particular durante o Romantismo, criando muitos mitos ligados à sua vida, mas também noutras épocas, inclusivamente a actual. No século XIX, alguns escritores e pensadores realistas colaboraram na preparação das comemorações do terceiro centenário da sua morte, pretendendo que a figura de Camões permitisse uma renovação política e espiritual de Portugal.

Amplamente traduzido e admirado, é considerado por muitos a figura cimeira da língua e da literatura portuguesas. São suas a colectânea das Rimas (1595, obra lírica), o Auto dos Anfitriões, o Auto de Filodemo (1587), o Auto de El-Rei Seleuco (1645) e Os Lusíadas (1572)

Canto lll (20-21)

Eis aqui, quase cume de cabeça
De Europa toda, o reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floreça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora; elá na ardente
África estar quieto o não consente

Esta é a ditosa pátria minha amada
À qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lira, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela antam os íncolas primeiros.

Além de Poeta, Luis Vaz de Camões foi um grande guerreiro, tendo combatido no Norte de África, onde cegou do olho direito, e na Índia (Goa). Morreu a 10 de Junho de 1580, pouco tempo antes de Portugal perder a independência. Conta-se que, ao exalar o último suspiro, terá exclamado angustiado: “Ao menos morro com a Pátria”.

Camões teria nascido em Coimbra em 1524, filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo. A vida deste grande homem foi uma vida de aventuras e adversidades.
A sua cultura clássica abarcou tanto os poetas latinos como os filósofos gregos. Além destes, Dante e Petraca eram os seus autores predilectos. A Geografia, a História Antiga, tanto dos Romanos e dos Gregos como dos povos da Península Ibérica, a Astronomia e as artes militares, tudo ele conhecia e, mais do que conhecia, tinha sempre presente, pois afigura-se quase certo que as paráfrases de versos latinos escritos na Ásia e na África foram feitas de momória. É pouco provável que os preciosos livros da época andassem na bagagem de Camões, que, apesar da nobreza da sua família, foi um pobre soldado endividado, tendo permanecido dezassete anos afastado da Pátria.

Mas a vida de Luís de Camões não foi só o estudo. Em Coimbra, quando contava menos de vinte anos, misturava já os prazeres do espírito com os do corpo. Autores portugueses afirmam que o poeta aprendeu nessa época a arte de conquistar os corações femininos, tornando-se ainda mais invejado pelos fidalgos que, apesar de terem fortuna, não conseguiam o seu êxito junto das belas damas da nobreza.

Depois de ter frequentado durante curto tempo a corte de D. João 111, partiu para em 1547 para Ceuta, onde ali perdeu seu olho direitos numa escaramuça com os árabes.

Três anos depois, regressou a Portugal, onde teve vários duelos e rixas, numa delas feriu gravemente um servidor do Paço Real. Custou-lhe isto um ano de prisão, durante o qual compôs o primeiro canto dos Lusíadas.

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Toprobana,
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles que por obras valerosas
Se vão de lei da Morte libertando

- Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.


Em 1553, segue para Goa, na armada de Fernão Álvares Cabral (filho de Pedro Álvares Cabral) e ai toma parte em várias expedições militares, batendo-se como sempre, valentemente. Da Índia vai para Macau, onde escreve mais de seis cantos do poema. Aí foi nomeado para o cargo de Provedor-Mor dos defuntos e Ausentes em Macau, e antes de entrar no exercício das suas funções, Luís de Camões participou em várias campanhas militares: atacou beduínos na Arábia, tomou parte em batalhas contra nativos que combatiam os portugueses, esteve em expedições no Vietname e em Malaca, actividades que soube descrever no seu poema, tirando delas conclusões que ainda hoje continuam válidas:

A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando

É chamado a Goa. Naufraga na costa do Camboja, junto à foz do rio Mekong e salva-se, nadando com um braço e erguendo o outro acima das vagas, o manuscrito dos Lusíadas. Chegado a Goa, sofre acusações caluniosas e é preso novamente.

Em Goa, Luís de Camões convidou cinco nobres portugueses para um banquete em sua casa. Estes ficaram surpreendidos por lhes serem apresentados pratos cheios de folhas manuscritas de poesia, em vez de iguarias que esperavam. O Poeta e nobre soldado, com humor e uma nota de tristeza, anunciou-lhes o seu deplorável estado de finanças:

Se não quereis padecer
Uma ou duas horas tristes,
Sabeis que haveis de fazer ?
Volveros por dó veniste,
Que aqui não há que comer ...

A muito custo consegue justificar-se, recuperando a liberdade, mas ainda passa por grandes trabalhos e baldões, ante de iniciar o regresso a Portugal.

De um capitão de uma nau conseguiu passagem gratuita até Moçambique, onde esperava encontrar a protecção de um amigo. Porém, as suas esperanças frustraram-se e a situação tornou-se-lhe catastrófica. Quem o encontro nessas tristes circunstâncias foi o historiador Diogo do Couto, que faz referências ao caso nas suas “Décadas da Índia”: “Em Moçambique achamos aquele Príncipe dos Poetas, Luís de Camões, tão pobre que comia de amigos, e, para se embarcar para o Reino, lhe juntámos toda a roupa que houve mister, e não faltou quem lhe desse de comer. E aquele Inverno que esteve em Moçambique, acabando de aperfeiçoar as suas Lusíadas para as imprimir, foi escrevendo muito em um livro, que intitulava Parnaso de Luís de Camões, livro de muita erudição, doutrina e filosofia, o qual lhe furtaram. E nunca pude saber, no Reino, dele, por muito que inquiri. E foi um furto notável”.

Camões voltou a Lisboa com Diogo do Couto, chegando por ocasião da grande peste que dizimou a população (1568 / 1569). Aí, teve conhecimento de que uma das suas grandes amadas havia morrido cedo, com vinte cinco anos, quando ele ainda estava em Macau. Assim, escreveu Camões, provavelmente em memória de D. Catarina de Ataíde:

Perfeita formosura em terra idade
Qual flor que antecipada foi colhida
Murchada está da mão da morte dura

Em 1572, sai a primeira edição dos Lusíadas, tendo o rei D. Sebastião lhe concedido uma tença anual de quinze mil reis.

Os últimos tempos da vida de Camões, foram amargurados pelas enfermidades e pela miséria. Um escravo de nome Jau, que trouxera de Goa, salvou-o de morrer de fome, pois segundo reza tradição, todas as noites ia esmolar para ele, pelas ruas de Lisboa. Em 10 de Junho de 1580, expirou numa miserável enxerga, dentro de uma barraca de madeira, para os lados do Campo Santana. Foi um dos maiores poetas que a humanidade teve, e que era ao mesmo tempo notável homem de ciência em História, em Geografia, em Humanidades Clássicas e em Literatura Geral.

O seu poema espelha a alma portuguesa com a sua feição sonhadora e amorosa, o seu entusiasmo, o seu espírito de aventura, o seu belicoso ardor.

Camões criou um estilo seu, enriquecendo a Língua Portuguesa do seu tempo com formas elegantes e originais, que ainda hoje são admiradas e estudadas.

Para servir-vos, braço às armas feito;
Para cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece ser a vós aceito,
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto é céu concede, e o vosso peito
Digna empresa tomar de ser cantada
- Como a pressaga mente vaticina,
Olhando a vossa inclinação divina -,

O fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandre em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja.

Fonte:
Trabalho e Pesquisa de Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal
http://www.caestamosnos.org/Pesquisas_Carlos_Leite_Ribeiro/Dia_de_Camoes.html

Luis Vaz de Camões (Soneto)

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Fonte:
Luis Vaz de Camões. Sonetos e Redondilhas. Ediouro.
http://www.sonetos.com.br/

Artur de Azevedo (Conto: História de um Soneto)

Antes de entrar definitivamente na vida prática, Ludgero Baptista, hoje um dos nossos industriais de polpa, fazia versos. Eram rimas inofensivas; entretanto, um dos seus sonetos - um, pelo menos - foi escrito com más tenções, e, se alguma desculpa tem o poeta, deve-a unicamente aos seus vinte e três anos, idade em que o homem não sabe medir bem as conseqüências dos seus atos... nem dos seus versos.

Havia naquele tempo, como ainda as há, e em maior número, talvez, uma senhora casada, por nome Laura Rosa, um nome de flor, a qual se comprazia em arrastar atrás de si uma chusma de corações masculinos, e cuja formosura fazia sensação em toda a parte aonde a levava o marido, um tal comendador Rosa, muito dado a festas e espetáculos.

Ludgero encontrou-a um dia no Jockey Club, e aconteceu-lhe o mesmo que a todos os rapazes do seu gênero: enamorou-se dela. Dali por diante não perdia corrida de cavalos em que Laura Rosa estivesse, e, ou fosse que realmente os olhos da formosa dama lhe prometessem mais do que deviam, ou fosse natural filáucia de namorado jovem, ele considerou-se autorizado a empregar algumas diligências, a fim de que os seus amores saíssem do período ingrato do platonismo, e entrassem numa situação mais positiva.

Para isso, recorreu à musa, que não abandona o poeta nessas emergências exóticas, e escreveu o soneto em questão. Era nada mais nem menos que uma injúria, até certo ponto atenuada pela rima e pelo metro; mas, como se sabe, os fazedores de versos tiveram, em todos os tempos, o privilégio de insultar as senhoras, sem que a moral pública os responsabilizasse por isso.

Eis aqui o soneto, que se intitulava:

SÚPLICA

Desde o dia feliz em que, pasmado,
Pela primeira vez te vi, senhora,
Um sentimento no meu peito mora
Feito de angústia e feito de pecado.

Não creias que ninguém houvesse amado
Tão loucamente como eu te amo agora,
Nem mesmo, oh! linda Laura, no de outrora
Cavalheiresco tempo celebrado!

Para que finde o meu suplício airoso,
Ou me concede o mendigado beijo,
Este martírio transformado em gozo,

Ou revela ao teu dono o meu desejo:
Talvez ele me faça venturoso,
Dando-me a doce morte, enfim, que almejo!
Ludgero Baptista assinou esse desaforo com as iniciais do seu nome, L.B., e publicou-o na revista literária Nova Aurora, órgão especial dos "novos" daquela época.

Publicado o soneto, mandou o poeta entregar um número do periódico à "linda Laura", procurando, naturalmente, ocasião em que o comendador Rosa não estava em casa, e tendo o cuidado de chamar, com um traço de lápis vermelho, a atenção da moça para os versos em que tão indiscretamente ia envolvido o nome dela.

Não sei qual foi o resultado obtido por Ludgero, nem isso importa à narrativa; creio, entretanto, que a súplica não foi atendida: nem Laura Rosa lhe deu aquele "mendigado beijo", que era um eufemismo bandalho, nem disse nada ao seu dono, e ainda bem, porque se o poeta não logrou a ventura que almejava, também não perdeu a vida, que aproveitou mais tarde, nem mesmo apanhou a sova que merecia.

O caso é que o nosso homem tomou juízo, e abriu mão de todas as suas veleidades poéticas, para cuidar de coisas mais sérias e mais úteis.

A fortuna sorriu-lhe. Aos trinta anos, estava ele senhor de algumas centenas de contos de réis, e aos trinta e sete principiou a sentir, pela primeira vez, necessidade de constituir família.

Isso coincidiu com o encontrar, em casa de uma família de amigos, a interessante Blandina, moça pobre, que realizava perfeitamente o seu ideal, quer no moral, quer no físico.

Blandina contava apenas vinte e três primaveras, justamente a idade que ele tinha quando escrevera a "Súplica"; mas, não obstante essa diferença de quatorze anos, o casamento não lhes pareceu desproporcionado: queriam-se deveras.

Ela talvez fosse um pouco romântica, cheia de mistérios e devaneios, sequiosa do imprevisto e do ignorado; mas esse defeito, se o era, não repugnava ao que em Ludgero ficara do sonhador de outrora.

Casaram-se.

Casaram-se, e foram excepcionalmente felizes durante os dez primeiros anos; mas passado esse tempo, ele que estava às portas do semicentenário e poderia passar por mais velho, ao passo que ela não parecia ter ainda os seus trinta e três, julgou que sua mulher já não o amava como dantes...

Perdi o encanto - disse ele aos seus botões - tenho agora os cabelos grisalhos, engordei muito, sofro de reumatismo, e Blandina conserva a mocidade, a beleza e a elegância que tinha na ocasião do nosso primeiro encontro... O nosso enlace não era, mas tornou-se desigual... Para sermos felizes até a morte, fora preciso que envelhecêssemos juntos, como Filêmon e Báucis...

Efetivamente, Blandina, que, durante os primeiros dez anos de casada nunca reparou que seu marido ressonava alto, não o podia agora suportar, queixando-se de não poder dormir ao som de um rabecão. Ao mesmo tempo deixava-se absorver, horas esquecidas, em longas cismas, e suspirava de instante a instante, como se alguma coisa lhe faltasse...

Ludgero inquietou-se, e começou a observar com olhos ciumentos o que se passava em torno de si. Não lhe tardou perceber que a sua casa era constantemente rondada por um rapazola, que poderia ser seu filho e, mesmo, filho de sua mulher. De uma feita, deu com ele à esquina entregando uma carta à cozinheira; escondeu-se, entrou em casa de mansinho, sem ser visto, e interceptou a missiva no momento preciso em que esta passava das mãos da intermediária para as de sua mulher.

Ludgero tomou a mão de Blandina, que tremia como varas verdes, e levou-a para o interior do seu gabinete.

- Quem é aquele sujeitinho que te mandou esta carta?

- Não sei - respondeu ela, e desatou a chorar.

- Por que choras?

- Choro, porque não tenho culpa. Não sei quem me escreveu... Desconfio de um mocinho impertinente que costuma passar por aqui e me cumprimenta com um sorriso muito amável quando me vê à janela... Juro-te que eu devolvia essa carta sem abrir!...

- Abro-a eu! - disse Ludgero, engasgado pela comoção - e rasgou o invólucro. Estava dentro um soneto, escrito em papel ridículo, cercado de florinhas e rendilhado nos cantos.

Ao ler o primeiro verso,

Desde o dia feliz em que, pasmado,

o marido reconheceu logo o seu velho soneto, que tinha sido copiado, palavra por palavra, sofrendo apenas uma alteração no segundo quarteto: o nome de "Laura" fora substituído pelo de "Blandina", o que, aliás, desfigurava o verso, evidenciando que o copista era inteiramente hóspede em metrificação.

Ludgero deu uma gargalhada.

- De que te ris?... Que há que te faça rir? - perguntou Blandina.

- Ri-me, porque o teu infeliz namorado te mandou um soneto que não é dele, e sim meu!

- Teu?

- Sim! A coincidência é notável... Vais ver!

Ludgero abriu uma gaveta, e tirou de dentro dela o número amarelado da Nova Aurora, em que vinha estampada a sua "Súplica".

- Aqui tens! Olha! Compara! Está assinado com as minhas iniciais!

- Tu fazias versos?

- Fazia-os, e ainda os farei, se quiser - tanto assim, que vou escrever outro soneto em resposta a este, e hás de tu copiá-lo com tua letra, e eu mesmo o entregarei ao tal mocinho.

- Está dito!

A prontidão com que Blandina proferiu esse "está dito" foi a melhor prova que Ludgero teve de que poderia continuar a conservá-la junto de si. O mesmo não sucedeu à cozinheira, que foi posta na rua.

No dia seguinte estava escrita a resposta. Blandina copiou-a, e, na mesma tarde, quando o rapazola, parado à esquina, interrogava as janelas, Ludgero aproximou-se dele, e disse-lhe:

- Jovem, aqui tem a resposta de minha mulher ao seu soneto. Espero que, depois de lê-la, o meu amiguinho não me rondará mais a porta; mas, se continuar, previno-o de que o mato a bengaladas!...

O rapazola fugiu, e não consta que reaparecesse no bairro. Foi esta a:

RESPOSTA

Para satisfazer ao seu pedido,
Na parte da denúncia e não do beijo,
Revelei a meu dono o seu desejo.
Os versos entreguei a meu marido.

Este em vez de ficar enfurecido,
E de agarrar um ferro malfazejo,
Tomou a coisa à conta de gracejo,
E pôs-se a rir como um perdido!

Pois se é ele o autor do tal soneto!
O senhor copiou-o da Nova Aurora,
Estragando-lhe apenas um quarteto...

Ele, que a Musa já mandou embora,
Cede-lhe os versos (discrição prometo),
Mas não quer sociedade na senhora.

Blandina Baptista
Blandina leu todos os versos antigos de seu marido, e perdoou-lhe os cabelos grisalhos, o abdômen, o reumatismo e, até, o ressonar alto: adora-o.

Ludgero descobriu que o rapazola era filho de Laura Rosa; provavelmente, encontrou o soneto entre os papéis da mãe, que já não existia...

O ex-poeta viu em tudo isso uma espécie de punição, e, como tem os seus momentos de filosofia barata, pensa muitas vezes que um homem pode ser ferido, mais dia menos dia, pela própria arma que forja com intenção maligna, mesmo quando essa arma seja simplesmente um mau soneto.

Artur Azevedo. Contos. Ed. Escala. Col. Grandes Obras.
http://www.sonetos.com.br/hdus.php

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Sidónio Muralha (1920 - 1982)


Quando Tudo Aconteceu...

– 1920: Em 28 de Julho, Sidónio Muralha nasce na Madragoa, Lisboa, filho do jornalista socialista Pedro Muralha.
– 1941: Publica BECO, poesia político-social.
– 1942: Com a chancela do “Novo Cancioneiro”, publica PASSAGEM DE NÍVEL, outros poemas de intervenção
– 1943: Desembarca no Congo Belga, em exílio voluntário. Ali chegará a ser diretor geral da Unilever Internacional (SM estudara Ciências Econômicas e Financeiras em Lisboa e, mais tarde, estudará Administração de Empresas na Universidade de Louvain, na Bélgica).
– 1944: Casa, por procuração (ela em Portugal, ele no Congo) com Maria Fernanda d’Almeida. O casal terá quatro filhos: Alexandre, José Ricardo, Beatriz e Mário Jorge.
– 1950: Durante umas férias em Portugal, SM promove a edição de COMPANHEIRA DOS HOMENS, novos poemas político-sociais; e também do seu primeiro livro de poemas para crianças: BICHOS, BICHINHOS E BICHAROCOS.
– 1960: Pressionados pela efervescência política, os Muralha se afastam do Congo e, durante dois anos, irão morar em Bruxelas. Neste período, contratado pela Unilever, SM viaja constantemente pelo mundo, prestando assessoria econômica a mercados financeiros. Estagia e trabalha em Bofatá, Guiné-Bissau, Ostende, Dakar, Londres e Paris.
– 1961: SM chega sozinho ao Brasil (a família virá mais tarde). Em São Paulo, com o escritor Fernando Correia da Silva e o pintor Fernando Lemos (ambos portugueses) funda a Editora Giroflé, que irá revolucionar e criar um novo padrão para as publicações dirigidas às crianças. Apoio integral de intelectuais e artistas brasileiros, sucesso de crítica e fracasso de bilheteria.
– 1962: A TELEVISÃO DA BICHARADA, poemas para crianças, chancela Giroflé, recebe o I Prêmio da Bienal do Livro de São Paulo. Entretanto, SM continua trabalhando para a Unilever no Brasil, prestando assessorias financeiras, proferindo conferências pelo país todo. Sempre bem sucedido.
– 1963: SM publica OS OLHOS DAS CRIANÇAS.
– 1974: Ao embarcar para visitar o Portugal libertado, SM declara: “Voltar não voltarei. Sempre lá estive.”
– 1976: SM recebe o “Prêmio Meio Ambiente na Literatura Infantil” pelo seu livro VALÉRIA E A VIDA.
– 1978: Falecimento de Maria Fernanda d’Almeida Muralha.
– 1979: SM recebe o “Prémio Portugal 79 – Livro para Crianças” pelo seu HELENA E A COTOVIA. Casa com a médica obstetra Dra. Helen Butler, com quem passa a viver em Curitiba.
– 1982: A 8 de dezembro falece em Curitiba, Paraná, Brasil. Sidónio Muralha foi um dos precursores do neo-realismo português com BECO (1941). Publicou 21 livros em prosa (contos, um romance, ensaio e depoimento) e versos para adultos e 15 para crianças, por editoras portuguesas e brasileiras. É considerado um dos melhores poetas para crianças em língua portuguesa.

Aventuras Venturosas

Perseguido pela polícia política salazarista, resolveu embarcar com Alexandre Cabral para o Congo Belga. Como não falavam francês, contrataram uma professora com quem treinaram arduamente uma conversa-padrão até decorarem todas as respostas, sem se preocuparem em entender as perguntas... Com evidente surpresa, conseguiram o emprego.

Sidónio era campeão de pingue-pongue e durante a longa viagem marítima, mobilizou os passageiros para investirem em apostas na sua performance com a saltitante bolinha branca. Vitorioso nas disputas conseguiu algum dinheiro que o ajudou a se manter nos primeiros e difíceis tempos de África.

Ele mesmo conta, do seu jeito saboroso, suas primeiras experiências africanas e o desenrolar destas aventuras de exílio:

Quando fui para o Congo, depois de uma conferência de Bento de Jesus Caraça, acompanhado de Alexandre Cabral e perseguidos pela polícia política, conseguimos um emprego, graças ao Soeiro Pereira Gomes (Soeiro Pereira Gomes, que também trabalhou e viveu em África, escreveu um romance notável, ESTEIROS, na beira-Tejo os meninos sem infância. Morreu, de mal incurável, durante a clandestinidade antifascista, solidão.), nosso querido camarada e amigo, na Unilever Internacional (quarto trust mundial, ironia do destino). Fui nomeado gerente de uma loja em Bukavu. Um dia, de repente, apareceu de “Cadillac” um indivíduo chamado Charles Jacquemart, o qual me perguntou que fazia eu ali como gerente, pois, como português, eu deveria estar atrás do balcão, a pesar cebola e batata e a cortar presunto. Pensei esmurrá-lo, mas isso colocar-me-ia na situação de ter de regressar a Portugal, de onde, depois, o Salazar nunca me deixaria sair. E decidi ir cortar presunto. Foram tempos difíceis e dolorosos. Então, prometi a mim mesmo arrebatar o lugar a esse diretor-geral que me havia ofendido. Segui cursos de especialização e freqüentava a Universidade de Lovaina, sempre que ia de férias. Galguei setecentos e vinte lugares e, sete anos depois, estava ao lado desse diretor-geral, como diretor comercial. Quando ele foi de férias escrevi um relatório sobre as suas atitudes desumanas, em relação ao pessoal, e acerca das inúmeras irregularidades cometidas. De Londres, recebi uma carta a nomear-me diretor-geral. Lembrei, mais tarde, a esse indivíduo que os portugueses eram para ser arremessados atrás dos balcões e ordenei-lhe que saísse imediatamente.

Escolhi o Brasil, sobretudo por causa da língua. Mas não acredito na existência de coisa mais trágica que o exílio.”


Entre as altas finanças, a administração exigente e a poesia chamante, viveu sempre de modo intenso e contrastante. Pulou, na mesma semana, da floresta úmida para alguma metrópole sofisticada. Voou entre a África e a Europa conseguindo pernoitar e produzir, em alguns dias intervalados, na selva e Paris, em Bruxelas ou em alguma aldeola perdida. Nunca perto da repetitiva monotonia...

Certa vez contou que fez: “em oito meses oitenta e oito mil quilômetros de avião e vinte e sete mil de estradas” supervisionando várias equipes por todo o Brasil. Dizia e repetia enfaticamente: “A disciplina, a economia de meios, o ordenar as idéias e emoções de maneira harmoniosa e ao mesmo tempo direta, confundem por vezes no meu espírito poesia e organização. Existe em organização uma necessidade de criatividade e de pesquisa que não é incompatível com a poesia. As duas podem ajudar a salvar o mundo».

Viveu intensamente. Viajou incansavelmente. Organizou obsessivamente. Poetou constantemente .

Megafone no Beco

Com pouco mais de 20 anos, em 1941, Sidónio Muralha publicou seu primeiro livro - BECO - reunindo poemas de protesto social, de indignação com a ditadura salazarista, incorporando-se ao neo-realismo que então se iniciava e congregava poetas que ainda nem se conheciam, mas que bradavam - isolada e convictamente - pela justiça.

Em 1942, veio PASSAGEM DE NÍVEL e em 1950 COMPANHEIRA DOS HOMENS, mantendo a sublinhação denunciante das injustiças, soltando gritos raivosos com o descaso com os pobres, os velhos, os negros, as mulheres. Odes indignadas e loas compassivas a todos os marginalizados.

Luís Carlos, jornalista aposentado, comunista de carteirinha, se comove todas às vezes que relê algum destes poemas. Tem todos estes livros (e mais os outros que nunca foram mui divulgados e conhecidos...) em sua estante e em noites de insônia leva algum deles para a sua cabeceira. Então, lê- meditativamente- até a aurora se anunciar ou o sono chegar e o derrubar.

Maria Lúcia, professora liberal e liberada, não segura seu espanto com a estereotipia gritona e gritante dos versos e imagens. Leu por exigência escolar, fez a prova, declarou clara e explicitamente a sua opinião e foi reprovada. No ano seguinte releu os mesmos livros, elogiou no exame engolindo a sem-gracice e conseguiu a nota almejada. Às vezes, apanha um volume na biblioteca pública, folheia, se detém aqui ou ali e se pergunta o que Saramago ou o Álvaro Cunhal realmente diriam...

Sidónio Muralha fez várias profissões de fé. Uma delas: “Escrever é participar.”

Mais maduro, em 1963 publicou OS OLHOS DAS CRIANÇAS, 25 poemas embalados em requintado projeto gráfico. Neles se depara com a tristeza infinda pela solidão e miséria das crianças espalhadas pelo mundo. Desfilam garotos esfarrapados carregando o silêncio, despertando mal-estares em “implacáveis paisagens” . Flashes líricos e nostálgicos se mesclam com crianças indesejadas que “fustigam o rosto da cidade.”

O jornalista Luís Carlos copiou com tinta preta e letras imensas os versos que mais lhe tocaram deste livro e dependurou sobre a sua escrivaninha para se recordar sempre da premência do que deve fazer:

Olham os poetas as crianças das vielas
mas não pedem cançonetas mas não pedem baladas
o que elas pedem é que gritemos por elas
as crianças sem livros sem ternura sem janelas
as crianças dos versos que são como pedradas
.”

A professora Maria Lúcia se debruçou na janela e cantarolou uma cantiga de antigamente. Lúdica, brincante, risonha. Depois, mansamente caminhou até à sua estante, vasculhou e encontrou o que desejava ler naquela exato momento. Se enroscou na poltrona aveludada e mergulhou nos sonetos de Florbela Espanca...

Quase uma década depois, em 1972, Sidónio publicou O PÁSSARO FERIDO, reunindo muitos poemas e poucas crônicas. Neste pequeno volume, vagueia pelas saudades e reconhecimentos: dele mesmo, de cidades, amigos. Adentra por espantos jubilosos: “Não tenho tempo para ter idade.”, por ternuras contidas, usa de demolidora ironia com heróis pouco heróicos, ousa novas buscas.

No pórtico se lê outra profissão de fé: “Nasci homem, antes de ser poeta. Minha poesia nunca trairá os homens, meus companheiros. Se eles sofrem, ela, que faz parte de mim, sofre com eles e tem movimentos de fúria e de raiva como os bichos encurralados.”

Pela primeira vez, o velho jornalista e a jovem professora que nem se conheciam, concordaram.

Só Sabia o Sabiá

Sidónio cocoricou e começou a poetar para crianças. Em 1950 publicou BICHOS, BICHINHOS E BICHAROCOS uma coletânea divertida, onde se acriança, espanta, brinca, busca aliterações, segue brigas, surpreende. Verseja breve ou se estende por poemas compostos por várias estrofes, sem temer que a criança-leitora desista de chegar ao longínquo final...

Certa vez, perguntado, respondeu: “ Sempre me interessei pelas crianças e dou tudo o que de melhor para dar quando escrevo para elas...Quando escrevo, vejo desfilar imagens da infância que gostaria de ter tido mas não tive, porque custava muito caro. Quero entregar às crianças de hoje o que gostaria de ter recebido. Se não lhes dou mais e melhor é porque não sei. É tudo.”

Audaciou, criou, brincou. Em A TELEVISÃO DA BICHARADA, de 1962 - sem dúvida seu melhor livro - desconserta com os inesperados risonhos:
Boa Noite.
A zebra quis
ir passear
mas a infeliz
foi para a cama
- teve que se deitar
porque estava de pijama.


quebra os preconceitos, aplaude a miscigenação (tão ao gosto luso), se encanta com o novo resultado:

Se é branca a gata gatinha
e é preto o gato gatão
como é que são os gatinhos?
- os gatinhos eles são,
são todos aos quadradinhos
.”

produz o puro deleite ao narrar a oferenda, um lenço colorido, que a girafa deu ao seu marido:

Que alegria!
- disse o marido -
ponha a pata
nesta pata,
com um pescoço
tão comprido
você não podia
ter-me comprado
uma gravata
.”

Sempre humorado, abençoadamente politicamente incorreto nestes momentos criançais, ludicamente conta a conversa entre dois tatus gagos, descreve a imensidão do elefante ou o encantamento vaidoso do cardeal ao ver sua própria imagem espelhada... Não é conivente com as mentiranças natalinas e jocosamente adentra pelo sotaque espanhol dum peru nascido no Peru, cujo destino fatal é conclusivo: “se não houvesse Natais, haveria perus a mais.”

Nestes poemas, irresistível é o ritmo chamante, bailante, sensual, convidativo para os olhos se debruçarem na leitura e os pés e as mãos marcarem os pontos de parada e de andada.

A floresta
acordada
pela madrugada
de um dia
de festa
abria
a saia rodada


ou

partiu do canteiro
e o marinheiro
partiu,
partiu o navio,
partiu o marinheiro
.”

O velho jornalista Luís Carlos vagueou seguindo seu cigarro aceso, espiralou a fumaça e quis que ela também lhe trouxesse a suave boniteza reencontrada:

- mas do cachimbo saíram a voar
um colibri,
dois colibris
três colibris
.”

A jovem professora Maria Lúcia festejou a alegria e a poesia descobertas naquele doce e ocasional momento e dizendo pela primeira vez:
Era um sábio o sabiá.”

sabendo que assim falava do sabiá Sidónio Muralha, que até então tão mal conhecia e tão pouco sabia...

Em A DANÇA DOS PICAPAUS, lançado em 1976, Sidónio continua encantando e provocando, num jogo inusitado entre vários bicharocos , respostas inusitadas da criança-leitora. Propondo que ela faça a prova dos nove se acreditar que a onça é um gato crescido, lendo anúncios chorosos de quem enfrentou agruras dolorosas:
Urso procura mel
que não tenha abelhas
”.

chamando para o movimento contínuo ao se deixar levar pela irresistível sonoridade:
Quebra-se o ovo da rola
sai uma rola do ovo
que bota um ovo de rola
e tudo começa de novo.


VOA, PÁSSARO, VOA, lançado em 1978, é a edição portuguesa destes dois deliciosos livros poemais publicados no Brasil. Reúne as 16 poesias da TELEVISÃO DA BICHARADA , outras 10 da DANÇA DOS PICAPAUS e agrega dois inéditos... FILM EN COULEUR, de 1981, também reimprime poemas da TELEVISÃO DA BICHARADA e alguns outros pedindo tradução urgente para as crianças que - ainda - só lêem em português.

Importante é assinalar que o parceiro visual, o ilustrador e programador gráfico mais constante do poeta Sidónio foi o artista plástico Fernando Lemos, também nascido nas terras lusitanas.

Em 1981, saiu a ciranda lírica TODAS AS CRIANÇAS DO MUNDO e em 1983 O ROUXINOL E SUA NAMORADA onde- entre namoricos passarinhais e de outros bicharocos, se estende a ternura, a procura da liberdade e se reencontra, espalhados pelas páginas, os trocadilhos divertidos, as aliterações inventivas, o ritmo chamante.

A professora Maria Lúcia sentiu subir a indignação. Se perguntou e não conseguiu se responder porque seus professores, quando ela era ainda uma criança, não leram os poemas infantis de Sidónio Muralha para ela e seus colegas. Teria sorrido, se surpreendido, se espantado, se divertido. Teria simplesmente adorado! Teria se iniciado antes nas delícias da poesia... Festejou o que agora sabia. Sabia o que leria para seus alunos, logo amanhã.

mas onde estava a alegria
mas onde estava a poesia
só sabia
o sabiá.
(...)
- era um sábio o sabiá
.”

Sidónio Muralha foi vanguarda na forma de versejar para crianças. Inventou, brincou, inovou, deleitou. E permanece ocupando um dos primeiros lugares entre os que melhor escreveram poesia infantil, em língua portuguesa, no século 20.

Perdido na Prosa Emperrada

Sidónio Muralha também se dirigiu às crianças pelas veredas da prosa e narrou nove histórias, editadas em Portugal ou no Brasil.

O jornalista Luís Carlos conta - sempre emocionado - aos seus netos O COMPANHEIRO e A AMIZADE BATE À PORTA (ambos de 1975) e CATARINA DE TODOS NÓS (de 1979). Relembra seu próprio fervor quando da Revolução de Abril, faz sua voz ressoar mais forte e firme ao ressaltar o discurso político, os males da colonização, a bravura da camponesa anti-racista.

A professora Maria Lúcia não disfarça sua irritação com o dogmatismo, o maniqueísmo, a discurseira político-ensinante destas histórias. Procura a poesia solta e sábia e só encontra a prosa travada.

Luís Carlos considera fundamental o eixo de VALÉRIA E A VIDA (1976), um brado contra a poluição nefasta. Não duvida, na firmeza de sua crença convicta: tem que se conscientar as crianças. Nada é mais importante num livro que se quer e se pretende livro! Maria Lúcia se espantou com a quantidade de frases feitas que encontrou nestas páginas, com a ausência de sabor, de vitalidade...Se disse: ”decididamente não sou adepta duma história que se encolhe e se estreita para dar passagem ao recado-da- participação. Quero literatura, não manifestos. Para mim e para meus alunos.”

Em SETE CAVALOS NA BERLINDA (1977), Maria Lúcia volteou surpreendida. Nas primeiras páginas soltura e leveza, seguidas dum sensível lirismo...Logo empacou. O texto não a fez cavalgar, galopar, nem trotar como os cavalos. Olhou ressabiada, dispensou a carruagem e pegou um poético e colorido bonde que por ali passava e que prometia lhe fazer chegar num lugar cheiinho de gostosuras e belezuras. Encheu-se de saborosas expectativas...

Luís Carlos guarda há anos, com especial desvelo HELENA E A COTOVIA (1979). Sente-se comovido com os vôos libertadores dos pássaros. Encolhe-se na sua cinzenta poltrona e relembra quantas vezes se deparou com estas imagens...Não, não se importa com a obviedade, com o moralismo explícito, nem com os imensos e intermináveis parágrafos. Persiste na sua insistência convicta: seus netos e todas as crianças-leitoras-do-mundo ainda vão entender a amplitude da libertação dos pássaros e de todas as espécies aprisionadas... Fechou o colarinho impecavelmente branco e refez o nó da gravata.

Sidónio, uma vez perguntado, respondeu o que o levava a escrever para este público: “É importante escrever para as crianças e os jovens como um corredor de estafetas que passa o testemunho, para outros prosseguirem, e depois sai do campo, apaga-se, desaparece, leva com ele a certeza do dever comprido.” Ele optou pela tarefa, não pelo deleite provocativo que a literatura pode trazer.

Publicou ainda OS TRÊS CACHIMBOS, um croquis promissor dum texto não finalizado, o divertido O TREM CHEGOU ATRASADO e um ambíguo A REVOLTA DOS GUARDAS CHUVAS, onde se debate entre o non-sense e a chamada ensinante sobre os males da tirania, sem se resolver sobre o tom buscante.

Sidónio declarou certa feita: “Tanto a prosa como o verso para crianças têm que ter ritmo, têm que saber sentido de humor, têm que saber brincar, encaixar as frases umas nas outras, têm que despertar na criança o desejo criativo”.

A professora Maria Lúcia embasbacou quando leu esta resposta. Empalideceu, enraivou. Achou todos estes elementos na poesia do sabiá poeta. Não na sua prosa. Em alguns momentos encontrou um esboço de humor, de non-sense divertido e soltamente brincante, mas sempre apegado a um pano de fundo politizante. Não sentiu as frases encaixadas, escorrendo deslizantemente pelas páginas impressas. Leu um texto sem fluidez, sem envolvência. Não se seduziu, não embarcou e muito menos se viu com seus ímpetos criativos atonados e aflorados. Encontrou personagens apenas esboçados e o prosador preso, sem voar como já tinha mostrado que podia e sabia em seus encantados poemas.

O jornalista Luís Carlos perplexou. Gostou sempre destas histórias, exatamente porque não cediam às brincadeiras bobas e alienantes e ressaltavam a seriedade dos assuntos focados. Fosse a luta antifascista ou a antipoluição, a solução era sempre libertária. Mais do que demonstrados, muito bem provados. Estes eram os temas certos para se falar com as crianças, se repetiu. Gostou porque os personagens não se debatiam em conflitos ou impasses, tão ao gosto dos moderninhos sem compromissos com a luta maior. Gostou sempre porque os personagens não eram maiores do que a história. Gostou sempre, porque a narrativa é simples, clara, caminha numa reta que sabe onde vai chegar. Como todos os homens que lutam por um mundo mais justo! Luís Carlos apanhou vários volumes da prosa escrita por Sidónio e se dirigiu à casa dos netos para viverem, juntos, um entardecer esclarecedor.

A Editora Giroflé

No início dos anos 60, em São Paulo, alguns intelectuais e artistas portugueses capitaneados por Sidónio Muralha, Fernando Correia da Silva e Fernando Lemos, arregimentaram e se cercaram de vários profissionais liberais brasileiros e de exilados portugueses e se reuniram para formatar uma editora absolutamente original: a GIROFLÉ.

Nas pequenas saletas, o clima era de permanente efervescência, febricitação, criatividade impulsionadora e fazedora.

Pela primeira vez, no Brasil, uma editora se dedicava exclusivamente a livros para crianças...E que livros! Ousados no formato retangular, alongado, com um projeto gráfico belo e requintado e belo, papel kraft, capa dura...

Lançaram cinco títulos. Histórias ou poemas escritos por Cecília Meireles, Gerda Brentani, Fernando Correia da Silva, Guilherme de Figueiredo e Sidónio Muralha que por lá editorou o seu maior sucesso e também o maior sucesso da Giroflé: A TELEVISÃO DA BICHARADA (posteriormente relançado por duas outras editoras brasileiras).

Ilustradores do porte de Maria Bonomi e Fernando Lemos, um livro exibindo fotos de Dulce Carneiro no lugar de desenhos, mudava o conceito de ilustração do livro infantil... Inovações em cima de inovações!

O Boletim Pedagógico Giroflé sacudia a cabeça dos professores e pais, propondo questões, levantando novas angulações, ampliando o conceito do que fazer e suscitar nas crianças...Cartões postais reproduzindo desenhos infantis, impressos em impecável qualidade gráfica, embalados em envelopes de design avançado mostravam registros impactantemente coloridos do real olhar da criança. Esteticamente educativos.

A Giroflé buscou o humor, a leveza, o requinte, a formosura. A narrativa bem estruturada, a escrita de qualidade. Trouxe autores e ilustradores que nunca tinham escrito ou desenhado para crianças. Tratou a criança com atento respeito por sua inteligência e percepção atilados. Deslumbrou gentes de todas a idades. Inovou em tudo! Sua ousadia formal e textual (quase 40 anos depois) ainda não foi alcançada por nenhuma outra editora e está longe de ser superada.

Para quem lida com livros infantis, a chegada destes arrojados intelectuais e artistas portugueses, foi mais importante e impulsionante do que a de Cabral com suas caravelas. Trouxeram, efetivamente, a descoberta!

O Sorriso de Sidónio

Sidónio Muralha foi um homem sorridente, gargalhante, certo de suas certezas, entusiasmado, vital, por vezes arrogante. Como acrescentaria o jornalista Luís Carlos brindando com seus amigos: Como ele gostava de mandar as suas pedradas no charco, como a do BECO em 1941, poesia político-social quando a maioria dos poetas, para não sujar as mãos, declamava em esferas metafísicas... Foi a exultação da militância antifascista portuguesa.

E como agregaria a professora Maria Lúcia : Ainda bem que surgiram poetas como ele, que abriram as portas e vielas para que eu pudesse caminhar livre e solta por Lisboa.

Sidónio Muralha foi um enfático, sedutor, arrebanhador de carneiros para se aliarem às suas inadiáveis teimosias, generoso, cobrante, trabalhador, bon-vivant. Um homem dialético.

Escrevia sempre, onde estivesse. Em restaurantes ou aviões, na escrivaninha ou em alguma sala de espera. Apanhava qualquer papelucho disponível, um guardanapo de papel escondido, segurava sua majestática caneta e se punha a versejar. Por puro e irresistível impulso. Raro sair dum jantar, com ele, sem levar - na bolsa - um poeminha divertido, sarcástico e sintetizador do acontecido na noitada.

Sempre foi um correspondente contumaz. Avalanches de cartas para amigos anônimos ou afastados, para escritores famosos, para toda e qualquer criança que com ele quisesse conversar.
Íntegro, solidário, definiu assim a sua rota:

Parar. Parar não paro.
Esquecer. Esquecer não esqueço.
Se carácter custa caro
pago o preço
.”

Pagou!


Fonte
Texto de Fanny Abramovich. http://www.vidaslusofonas.pt/sidonio_muralha.htm

Fanny Abramovich por Fanny Abramovich


Nasci, cresci, estudei, namorei, badalei, trabalhei em São Paulo. Aqui me formei no curso de Pedagogia na Faculdade de Letras da USP. Comecei dando aulas particulares, quando tinha catorze anos. Depois, foram anos como professora de crianças, de jovens, de adultos, de professores. Lecionei pelo Brasil todo, mexendo mais com teatro-educação e criatividade-educação. Mexi com as cabeças, com os corpos, com o autoconhecimento. Curti.

Trabalhei anos como jornalista. Fazendo crítica de livros para crianças, falando do que se produzia para elas usufruírem. Mexi com os monstros sagrados, fiz ver coisas que passavam despercebidas. Adorei. Fiz o mesmo tipo de trabalho na televisão: na Globo e na Cultura. Falava sobre brinquedos, discos, teatro, livros infantis. Foi um barato! Colaborei com vários jornais e revistas.

Dei muita consultoria. Para projectos especialmente bolados para crianças e jovens. Na área do teatro, da literatura, da educação. Palpitei em coleções de livros para crianças e adolescentes. Amei de paixão!

Me iniciei nos mistérios do fazer livros infantis trabalhando, por uns dois anos, como consultora pedagógica da Editora Giroflé.

Circulei por este Brasil inteiro. Fazendo conferências, participando de mesas-redondas, dando cursos. Em grandes capitais ou em cidadezinhas escondidas. Em algumas ficando um dia, em outras três semanas. Foi ótimo!

Escrevi livros para professores. O mais conhecido deles é o Quem educa quem? Fiz antologias que discutiam questões da infância e da adolescência. Cutuquei. O último deles é O professor não duvida? Duvida!. Escrevi um montão de livros para jovens. Os mais conhecidos são Quem manda em mim sou eu, As voltas do meu coração e Que raio de professora sou eu?. Quem leu, curtiu. Maravilha! Tenho também vários livros para crianças publicados. Entre eles Também quero pra mim, Sai para lá dedo-duro e Olhos vermelhos. Adorei escrever cada um deles.

Sempre gostei do que fiz. Também, se não gostava, não fazia. Por isso curti tanto aquilo em que me joguei. E tem valido a pena.

Fonte:
http://www.vidaslusofonas.pt/fanny_abramovitch.htm

Stanislaw Ponte Preta (Cronica: Não sei se você se lembra)

ENTÃO, não sei se você se lembra, nos veio aquela vontade súbita de comer siris. Havia anos que nós não comíamos siris e a vontade surgiu de uma conversa sobre os almoços de antigamente. Lembro-me bem — e não sei se você se lembra — que o primeiro a ter vontade de comer siris fui eu, mas que você aderiu logo a ela, com aquele entusiasmo que lhe é peculiar, sempre que se trata de comida ou de mulher.

Então, não sei se você se lembra, começamos a rememorar os lugares onde se poderia encontrar uma boa batelada de siris, para se comprar, cozinhar num panelão e ficar comendo de mãos meladas, chão cheio de cascas do delicioso crustáceo e mais uma para rebater de vez em quando. E só de pensar nisso a gente deixou pra lá a vontade pura e simples e passou a ter necessidade premente de comer siris.

Então, não sei se você se lembra, telefonamos para o Raimundo, que era o campeão brasileiro de siris e, noutros tempos, dava famosos festivais do apetitoso bicho em sua casa. Ele disse que, aos domingos, perto do Maracanã, havia um botequim que servia siris maravilhosos, ao cair da tarde. Não sei se você se lembra que ele frisou serem aqueles os melhores siris do Rio, como também os únicos em disponibilidade, numa época em que o siri anda vasqueiro e só é vendido naquelas insípidas casquinhas.

Ah... foi uma alegria saber que era domingo e havia siris comíveis e, então, nos dois — não sei se você se lembra — apesar da fome que o uisquinho estava nos dando — resolvemos não almoçar para ficar com mais vontade ainda de comer siris. Passamos incólumes pela refeição, enquanto o resto do pessoal entrava firme num feijão que cheirava a coisa divina do céu dos glutões. O pessoal — aliás — achava que era um exagero nosso, guardar boca para um siri que só comeríamos à tarde, porque podíamos perfeitamente ter preparo estomacal para eles, após o almoço.

Mas — não sei se você se lembra — fomos de uma fidelidade espartana aos siris. Saímos para o futebol com uma fome impressionante e passamos o jogo todo a pensar nos siris que comeríamos ao sair do Maracanã.

Então — não sei se você se lembra — saímos dali como dois monges tibetanos a caminho da redenção e chegamos no tal botequim. Então — não sei se você se lembra — que a gente chegou e o homem do botequim disse que o siri já tinha acabado.

Fonte:
PRETA, Stanislaw Ponte. Garoto Linha Dura. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964. Disponível em http://www.releituras.com/spontepreta_folga.asp.