segunda-feira, 17 de março de 2008

Plínio de Lima (1847 - 1873)

Plínio de Lima: O Primeiro Poeta de Caetité

O poeta Plínio Augusto Xavier de Lima nasceu em Caetité, aos 17-10-1847, numa casa onde hoje está a residência episcopal, filho do Ten. Cel. Antonio Joaquim de Lima e D. Francelina de Albuquerque Lima. Estudou Direito no Recife, onde travou amizade com Castro Alves, junto a quem fundou uma associação abolicionista, sendo em vida mais popular e conhecido que o confrade. Em trajetória inversa ao colega Ruy Barbosa, migrou da Faculdade do Largo de S. Francisco, em S. Paulo, para Pernambuco, onde formou-se retornando para a terra natal onde adoece, falecendo aos 17 de abril de 1873. Parte de seus poemas, ínfima, foi recuperada por João Gumes e publicada em 1928 pela "Seção de Obras d'O Estado de São Paulo", sob o título de "Pérolas Renascidas".

Quase perdida, com o concurso do Sr. Sylvio Gumes Fernandes, Acadêmico Emérito da ACL, foi reeditada eletronicamente pelo Município, em 2002.

Dr. Plínio Augusto Xavier de Lima, filho legítimo do Tenente Coronel Antonio Joaquim de Lima e de D. Francelina de Albuquerque Lima, nasceu na Cidade de Caetité, no Estado da Bahia, a 17 de Outubro de 1847.

Fez curso primário na terra natal, e iniciou o secundário com o professor Theotonio Soares Barbalho que regia a cadeira pública de latim naquela cidade.

Seguindo para a Capital do Estado, continuou o estudo de preparatórios no Gymnasio Bahiano, do saudoso diretor Dr. Abílio César Borges, Barão de Macaúbas, estudos que foi terminar em S. Paulo e Pernambuco, centros de intensa cultura para o jovem Plínio que assim ilustrara o seu tirocínio colegial e acadêmico.

Em 1867, matriculou-se na Faculdade de Direito de Pernambuco onde, por seu amor ao estudo e peregrinas virtudes, conquistou, por entre a estima geral de mestres e colegas, com aprovações plenas e distintas, o grau de bacharel em ciências jurídicas e sociais, em 29 de Novembro de 1871.

As suas tendências literárias, que se manifestaram desde os bancos escolares, fizeram-no poeta sagrado pelas musas.

Espírito superior, pertenceu a uma geração acadêmica distintíssima e tornou-se, graças às fulgurações do seu belo talento, fortalecido pelo estudo, um cultor primoroso do verso.

Assegura um dos seus contemporâneos - o jovem Plínio de Lima "era uma figura original de sertanejo: de cabeleira aloirada e olhos verdes, apresentando-se sempre com requintes de elegância de um parisiense, e primando por um espírito cintilante, por vezes finamente mordaz, só saindo de seu aspecto expansivo e risonho na hora da luta, em que se transformava num valoroso guerreiro.
Uma compleição de ateniense que fazia lembrar Alcebíades
."

Homem de ciência, poeta e escritor, gozou sempre do alto apreço que dão as prendas do estudo e da inteligência.

Nas teses cientificas e literárias que se apresentavam, nas discussões eruditas que se travaram, a sua palavra eloqüente soava sempre com prestígio singular.

"Múltiplas e superiores foram as manifestações de seu estro nesse último período de sua jornada acadêmica: nos comícios escolares, nas manifestações patrióticas dessa época de guerra, nas solenidades em que se iniciava, pujante, a cruzada emancipadora, a sua voz, de uma sonoridade empolgante, era sempre ouvida com encanto."

Espírito liberal, não foi como já vimos o jovem acadêmico estranho à causa do abolicionismo, em Pernambuco, pois, fundou, em 1867, com Castro Alves, Ruy Barbosa e João Baptista Regueira Costa, uma sociedade abolicionista que tinha a missão generosa de combater a escravidão, numa época em que era um crime não a ação, mas a simples palavra em favor da raça negra no Brasil, sendo seu presidente o glorioso Cantor dos escravos.

Estudioso, inteligente e sempre festejado pela mocidade do seu tempo, publicou Plínio de Lima, no Correio de Pernambuco, versos, sátiras e folhetins, cheios de humor, sobre fatos da vida social ou acontecimentos públicos da época, sob o pseudônimo de Lucio Luz.

Aos 19 anos de idade, prefaciando Lésbia, livro de versos do poeta baiano Antonio Alves de Carvalhal, foi Plínio de Lima, "definitivamente consagrado um dos primeiros literatos em uma legião de 500 acadêmicos".

Quando, em 1871, os doutorandos ofereceram ao Dr. Aprígio Justiniano da Silva Guimarães o seu retrato, foi Plínio aclamado o seu intérprete, missão que desempenhou em um discurso de peregrina eloqüência, publicado na imprensa pernambucana com elogiosas referências.

Não cabe, nos estreitos limites destas linhas singelas, de homenagem à sua memória, o estudo de sua obra literária, na qual figuram versos primorosos suficientes para lhe dar reputação de poeta.

O verso lírico foi a constante preocupação do poeta, cuja morte prematura tanto deploram as letras pátrias.

Faleceu o Dr. Plínio Lima na Cidade de Caetité, a 17 de Abril de 1873, contando apenas 26 anos de idade.

O seu enterro, escreve um contemporâneo, foi uma apoteose porque o Dr. Plínio era muito querido, por seu trato cativante, talento de escol e pelo muito que trabalhara pelo progresso de sua terra natal, a começar pela construção de um bom teatro, para o qual deixou o dinheiro que adquirira em subscrição.

Deixou muitas produções inéditas, entretanto não deixou livro publicado.

Entre suas poesias uma logrou grande popularidade, graças ao sentimento artístico de Xisto Bahia, que a pôs em música. Era a modinha preferida da mocidade e fez época na capital da Bahia.

Com o seu título - Ainda e sempre - é a seguinte:

Quis debalde varrer-te da memória
E o teu nome arrancar do coração!
Amo-te sempre! Que martírio infindo!
Tem a força da morte esta paixão!...

Eu sentia-me atado aos teus prestígios
Por grilhões poderosos e fatais;
Nem me vias sequer, - te amava ainda!...
Motejavas de mim, - te amava mais!...

Tu me vias sorrir. Os prantos d'alma
Só confiam-se a Deus e à solidão!...
Tu me vias passar calmo e tranqüilo,
Tinha a morte a gelar-me o coração!...

Quantas vezes lutei co'o sentimento!
Quantas vezes corei da minha dor!...
Quis até odiar-te... amava sempre
Sempre e sempre a esmagar-me o meu amor!

Em diversos cadernos, deixou o Dr. Plínio de Lima, colecionadas as suas poesias, ainda em grande parte inéditas, em poder de pessoas de sua família, mas devido à bela iniciativa do Dr. Affonso Fraga, ilustre filho de Caetité e conceituado advogado na capital de S. Paulo, foram elas, em parte, editadas à sua custa, no bonito livro, ora publicado que é o justo valor dos méritos do genial poeta Plínio de Lima.

Colaborou nesse generoso empenho, a pedido do Dr. Affonso Fraga, o ilustre professor João Gumes, distinto homem de letras e conhecido jornalista que se desempenhou com louvores da sua honrosa incumbência. O livro em apreço, impresso em papel superior, com capa alegórica, nas oficinas do Estado de S. Paulo, em 1928, recebeu, em falta de um nome dado pelo poeta, o título expressivo Pérolas Renascidas.

Da edição feita, apenas reservou o editor alguns exemplares que distribuiu pela imprensa e escritores de renome, remetendo para a cidade de Caetité os restantes para serem oferecidos, em partes iguais, à Caixa Escolar e à Sociedade das Senhoras de Caridade.

É mais um duplo e valioso serviço prestado pelo benemérito caetiteense à assistência social e às letras pátrias, fazendo ressurgir do olvido a que foi relegado, o nome do laureado poeta, para torná-lo redivivo no Panteão da nossa literatura.

Para julgar a importância da justa homenagem, prestada à memória de um poeta que muito honrou as letras e especialmente a terra do seu nascimento, transcrevemos abaixo o judicioso artigo do Diário Popular, de S. Paulo:

... Plínio de Lima, cujos trabalhos só agora saem a lume devido ao entusiasmo generoso de um admirador póstumo, faz parte daquela plêiade de talentosos rapazes que de 67 a 75 fizeram as delícias da mocidade baiana e pernambucana, irmanada sob as torres de Recife.

Condoreiros ricos de hipérboles, fascinantes de tropos, enchiam, com os seus lundus, com a poesia popular, as ruas de Olinda, as Academias de Recife.

Plínio de Lima, como Castro Alves, fizeram a alegria das raparigas do norte, depois de deixarem um sulco nostálgico na sua terra natal, a Bahia.

Num e noutros, sente-se não a influência da época, a influência do meio, o prestígio de Tobias Barreto que arrebatava as multidões.

Mais feliz, Castro Alves teve como cenário o palco do Santa Isabel com toda a munificência perdulária da cultura e inteligência baiana, de então.

Mais modesto, Plínio de Lima não alcançou o apanágio da glória e nem os prestígios sobre o coração feminino, quanto Castro Alves.

Ambos perlustraram o mesmo caminho: as Faculdades de Recife e de S. Paulo.

Ambos amaram, um em segredo, outro retumbantemente, pelos camarins das estrelas da época.

Mas, nenhum deles morreu de todo.

De Castro Alves a apoteose foi rápida: fê-la Ruy Barbosa, numa festa decenária na capital da Bahia; a apoteose de Plínio de Lima vem de a fazer o Snr. Affonso Fraga.

O entusiasmo do seu patrono é sincero e ainda vem a tempo.

A sua melhor recomendação fizeram-na o fulgor do seu talento, a beleza e o encanto dos seus versos, a delicadeza extrema com que canta os sonhos de moço e traduz os sentimentos dominantes na mocidade da sua época, em suma, tudo quanto a sua imaginação e organização poética produziram de belo e sensível em linguagem rítmica.

Affonso Fraga, que lhe patrocina a entrada nos umbrais gloriosos da popularidade, salvou do olvido um dos 5 cadernos legados pelo poeta, 4 dos quais soçobraram no oceano do tempo.

Daí denominar os preciosos remanescentes - Pérolas Renascidas.

E fê-lo com a sinceridade elegante de quem sabe afirmar:
"No que toca à dedução da harmonia, à propriedade das imagens, à precisão das figuras, à exação da rima, à justa observância dos preceitos da arte poética, enfim, ao merecimento intrínseco dos versos, nada diremos: somos profanos na matéria."

É uma afirmação errônea, porque, emocionado pelo talento de Plínio de Lima, fez-se não só seu divulgador, através do tempo, mas crítico sincero.

Esse pequeno volume que, por sua iniciativa, saiu das oficinas do Estado de S. Paulo, é a consagração do vate baiano.

Poderá a rima antiquada e o lirismo de antanho desagradar aos iconoclastas de hoje, mas a beleza de expressão talhada nos mármores de Paros, com a beleza também helênica da forma, ainda não foram vencidas, mesmo pela violência dos gênios da grandiosidade de um Miguel Ângelo.

Eis uma amostra magnífica:

Eu choro ao recordar estes instantes
de suprema ventura que me davas
Carinhosa e divina...
Eu contava-te a história de meus sonhos,
Tu me contavas - inocente e alegre -
Teus sonhos de Menina
.

Mas a glória é falaz.

Para Castro Alves foi bondosa e rápida; para Plínio de Lima, tardia, posto que igualmente bondosa.

Sua obra não se perdeu de todo; houve um pescador de pérolas que a soube salvar.

Fontes:
Plínio de Lima por Pedro Celestino da Silva (in Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia - n.58 "Notícias Históricas e Geográficas do Município de Caetité - IGHB, Salvador, 1932)
http://br.geocities.com/acadcaetiteenseletras/index2.html

Academia Caettiteense de Letras (Bahia)

Caetité: Terra das Letras

Desde o século XIX Caetité assoma como centro cultural, e produz literatos das mais variadas tendências e estilos.

PRÓLOGO

Entre as elevações da Serra Geral, início da Chapada Diamantina, coração do sertão baiano, confluência de três riachos, a mata nativa se fez densa, ilha em meio ao causticante gerais, atraindo para suas terras lindeiras o bravo índio Tapuia.

Tribo nômade? Aventariam empós, os pesquisadores, que tais nativos vieram das margens do São Francisco, povoar estas paragens. Primitivos, ferozes, atrasados, eram os adjetivos que os invasores europeus os qualificaram. Seria verdadeiro? Tudo temos para crer que não. Afinal, onde estão os índios que um dia povoaram este solo? Tal foi sua incorporação genética, que apenas traços restaram na gente caetiteense, em especial do meio rural e que hoje compõem a vida citadina... Não, numa terra tão diferente, haveria um povo indígena também diverso: e as provas eles nos legaram no fantástico monumento visitado ainda no século XIX por João Gumes, nas Vargens.

A cerca de 10 km de onde hoje é o centro da cidade encontramos um conjunto de cavernas, ainda não pesquisado por paleontólogos, que guarda em si um tesouro arqueológico: foram todas elas escavadas pelos nativos, no meio dum morro que se destaca em belíssima planície cortada por um perene regato. Erguendo-se sobre o vale, as lapas têm, em suas paredes, escritos diversos ainda sem a devida proteção do Patrimônio Histórico. Símbolos foram distribuídos em áreas previamente demarcadas, como páginas na parede de pedra. Ali, perdido numa fazenda do distrito de Brejinho das Ametistas, jaz o atestado de que nossos nativos, acima dos estereótipos criados pelos colonizadores, foram também eles escritores.

Aquela mata feraz, a altitude com seu clima ameno, trouxe levas de colonizadores europeus que, já no fim do século XVIII pleiteavam a emancipação à Coroa, algo finalmente conseguido apenas em 1810, após a instalação da Corte no Rio de Janeiro. Caetité viria a cumprir seu destino de pólo cultural sertanejo, trazendo a si uma estrutura administrativa centralizadora de vastíssimo território, e serviria de berço para próceres da nação, no âmbito político e cultural e, como não poderia deixar de ser, no literário.

Aqui se constituíram escolas preparatórias da nova geração que viria, possuindo ensino primário de qualidade que impressionava aos visitantes, como a presença do ensino régio do latim. Mas no que respeita aos escritores, no século XIX o nome de Plínio de Lima assoma como o precursor e maior nome: seus versos do poema Ainda e Sempre alcançaram sucesso inaudito no Estado, além de haver, quando ainda aluno na Faculdade de Direito do Recife, granjeado a simpatia de toda a sociedade para seus escritos publicados nos jornais de então. Vindo para Caetité, falece muito jovem, sem ter publicado os versos que, em sua maioria, vieram a perder-se... a semente, entretanto, fora lançada, e produziria frutos.

O primeiro veio de seu amigo e contemporâneo, Marcelino José das Neves, autor de peças teatrais, como O Designado, e romances de valor ínequívoco, como Lavras Diamantinas (publicado apenas em 1967). As nossas letras ficavam, então, restritas ao público local e familiar: não havia sequer como editar um de nossos autores, até o advento do maior caetiteense de todos os tempos: João Gumes.

Este homem, também ele escritor e jornalista, compreendendo com raro civismo a importância do coletivo e da luta pelo progresso comum, granjeou apoio e fez o Jornal A Penna, introduzindo no alto sertão a imprensa que, antes, vinha das Capitais e metrópoles européias.

Publicou um livro de Plínio de Lima, Pérolas Renascidas, e também livros seus.

Neste afã pioneiro fulgura Joaquim Spínola, fundador da Revista dos Tribunais.

A virada do século XX encontra uma Caetité com homens de nomeada, tal como Cezar Zama, inda hoje homenageado em Salvador e no Rio de Janeiro. Político polêmico, legou-nos memoráveis biografias, artigos em jornais diversos, e um manifesto contundente que o colocam entre as mais lúcidas vozes a erguerem-se contra a chacina de Canudos.

Pelas mãos de João Gumes o Presidente da Academia, Afrânio Peixoto, escreve o seu Sinhazinha.
O século XX seria, portanto, profícuo: dezenas de nomes perlustram nossas letras, desde o genial e premiado Camillo de Jesus Lima, ao incompreendido e ainda desconhecido Mariano Matos; Camillo é Patrono de uma cadeira no silogeu conquistense, e reluz entre os verbetes da enciclopédia Larousse.

E no romance encontramos o jurista Nestor Duarte Guimarães, nome que honra a Bahia e seu Sodalício.

Na Academia Mineira, o Imortal Flavio Neves, que tem em sua obra o Rescaldo de Saudades, sobre a Caetité natal; o tema é recorrente, pois a terra apaixona, como declara Teodoro Sampaio, gênio da raça e aqui passou quatro dias memoráveis em 1880; como atesta Áurea Costa, em seu Luz Entre os Roseirais.

Anísio Teixeira, que dispensa apresentações, teve sua biografia e a vida na Caetité natal retratada pelo Imortal da ABL Hermes Lima.

Nicodema Alves faz relevo no canto feminino baiano, com seu livro de versos Ocaso. Aldovandro Chaves persiste em conquistar espaço pelas letras, legando-nos versos num tempo em que as portas se fechavam.

Outros ficaram calados, mas não Vandilson Junqueira, que agradou a Jorge Amado. Nem a profª Emiliana Nogueira Pita, autora do hino oficial da cidade que, servindo-se do Diário Oficial, publica seus versos, reunidos nos anos 80 no volume Divagando.

Longas estradas haveriam de ser percorridas, alguns perecendo antes do ápice almejado, como foi o caso de Noemi Prisco, contratada novelista da Rede Globo, tolhida por derrame antes de cumprir seu desiderato. Sua parenta Lúcia Prisco, ainda ativa nas letras, publica Arquimimo, romance sertanejo.

A antiga Escola Normal produz professores e amantes das letras, como Irany Castro, professora veneranda, trazendo seus poemas em Nosso Mundo, Nosso Lar.

Feita caetiteense pela Escola Normal Helena Lima torna-se a biógrafa de Caetité, seguida por Bartolomeu Mendes. Maria Teodolina Neves Lobão copila Caetité e o Clã dos Neves. Erivaldo Fagundes, emancipando a Igaporã natal, traz seu profundo estudo Da Sesmaria ao Minifúndio - todos a retratar uma cidade que, mesmo sob o olhar alheio e descompromissado de muitos, merece verdadeiramenten o título ostentado ontem e sempre, qual seja o de terra da cultura.

E Caetité é referida exportando escritores, como Luis Cotrim, e o jornalista seu irmão, Newton; Imortalizada nas Letras, foi carinhosamente retratada nos flashes do historiador Dário Cotrim - fazendo caetiteenses aqueles que por um acaso aqui não nasceram, como a poeta Tânia Martins, com sua Folha Solta.

Surgem entusiastas pela escrita, como o Discurso Poético de Valdelúcio Cunha; o Valmique Alves, Lutando Por Justiça; e João Alípio Santos versejando Lágrimas. Moysés Augusto Torres expõe os versos em seus acrósticos.

Versos solitários em coletâneas expõem Evando Carele, André Koehne e Sônia Silveira.

O jornalismo ressurge, esporádico, veemente, combativo ou meramente informativo: segue em A Penna com Huol, Sady Rútilo e Luiz Gumes, perpassa por O Caetité, dos Drs. Vanni Silveira, Eutrópio Oliveira e Bulhões, nos anos 50; O Jornal da Esquina, de André Koehne e Gilson Bolivar, nos fins da ditadura, seguido pelo ainda existente (mas em Brumado) Tribuna do Sertão, de Mauricio Lima Santos e o ainda caetiteense Imagem, do maranhense 'de Caetité', Antonio Rocha e o boletim da AABB, de Romilton Ferreira e Arnoldo Paes.

Em 1981 a comunicação ganha os ares, com a fundação da Rádio Educadora, que com suas emissões invadem os céus atingindo outros estados com ondas caetiteenses.

As escolas locais têm cumprido seu papel, desde o primeiro Diretor da Escola Normal, dr. Edgard Pitangueiras, passando pelo IEAT, COOPEC, e a rede Municipal de Ensino, jornais e até livros foram editados com textos dos alunos.

Com o advento do computador, da internet, os jovens encorajam-se, como Kalil Santos, Alidéia Rodrigues e Zezito Rodrigues...

ESCRITORES DE CAETITÉ

Mas a História está apenas começando... desta data até o ano de 2003 vieram à luz 3 livros de Galdino Lédo, a revista Encontros reuniu novos autores como Keila Santos, Wbirajara Martins, Jucelma Gomes, Salvador da Silva, Sebastião Pereira e Suzete Silveira Cruz.

Que todo caetiteense, nato ou por eleição, encontre seu espaço para fazer luzir nossa arte literária. Este o papel maior e transcendente da Academia Caetiteense de Letras - e o seu verdadeiro Norte.

Neste breve resumo foram citados mais de 50 nomes, e tantos outros ficaram de fora, quer por já estarem consignados nas demais páginas deste Portal, quer por serem Confrades e Confreiras na ACL - e mesmo assim resta a certeza de que muitos ainda podem aqui estar presentes. Que todos sintamo-nos unidos, embora, representados pelos poetas, romancistas, historiadores, jornalistas, literatos enfim, que perlustram esta imensa plêiade.

Fonte:
http://br.geocities.com/acadcaetiteenseletras/index2.html

domingo, 16 de março de 2008

Deusdédti Ramos (Conta de Cabeça - O Sorteio)

CONTA DE CABEÇA
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Sujeito vaidoso sobrevoando a fazenda, em companhia de um amigo, se gabava mostrando a propriedade. Ora uma enorme plantação de café, ora de laranja, ora de outra cultura. Estava de peito estufado e o amigo simplesmente incabulado com as dimensões do patrimônio do amigo, não tecia o menor comentário.

Quando sobrevoaram uma enorme invernada onde uma quuantidade incalculável de gado pastava, o amigo pediu para o piloto fazer um vôo razante sobre os bichos. Ao terminar o vôo razante, que durou uns dez minutos,o amigo exclama exausto: - Puxa! Quinze mil, trezentas e quarenta e oito cabeças?

O outro intrigado, pergunta: - Como é que voce sabe que é este o numero de cabeças?

- Foi fácil. Foi só somar as patas e dividir por quatro.
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O SORTEIO

Durante uma assembléia onde participavam pessoas de ambos os sexos com idade de 10 a 95 anos.

Em um dado momento, para descontrair, um dos organizadores, tomando a palavra, propôs aos participantes um sorteio:
- Atenção, pessoal, quem quiser participar de um sorteio, por favor levante a mão.

No mesmo instante, praticamente 90% dos quase duzentos presentes levantou a mão, mesmo não sabendo o quê seria sorteado.

Uma explicação se seguiu:
- Nós vamos sortear uma barra de chocolate, permaneça com a mão levantada quem quiser ganhar uma barra de chocolate.

Os 90% foi reduzido a mais ou mais de 40%.

Então o interlocutor, para esclarecer disse:
- Pessoal, a barra de chocolate é esta aqui – aí mostrou uma barrinha de Bis.

Houve um breve silêncio e o número de mãos levantadas caiu para pouco mais de trinta.
- Muito bem! Vocês concordam que escolhamos dentre as pessoas de mãos levantadas, a pessoa mais jovem?

Todos concordaram e o prêmio foi entregue a uma garota aparentando ser a mais nova.
- Agora vamos sortear esta caixa com cocô de cavalo. Levante a mão quem deseja ganhar este prêmio.

Houve um tremendo zum-zum-zum e algumas gargalhadas. Quando tudo se acalmou, notou-se um garoto de uns doze anos com a mão levantada. O organizador chamou a atenção de todos para o fato e todos os olhares se convergiram para o ponto, no canto, onde estava o garoto, sério e decidido.

O silêncio foi quebrado com esta pergunta do organizador:
- Meu bom garoto, você entendeu bem o que contém esta caixa? Para que é que você quer este com cocô de cavalo?

A resposta foi breve e inteligente e direta.
- É que gosto de cultivar algumas plantinhas e com certeza isto servirá como esterco. Nada tenho a perder. É um prêmio, não é? Meu avô já dizia: “ Cavalo dado não se olha os dentes”

O organizador para não cometer injustiça, sentindo como se o garoto estivesse adivinhando, resolve perguntar mais uma vez:
- Ninguém mais quer concorrer a este prêmio?

Silêncio geral.

- Bom, meu garoto, então você acaba de ganhar: uma caixa com a bosta do cavalo e o próprio animal que a eliminou. Trata-se de um cavalo da raça Puro Sangue Inglês de dois anos e meio, inteiro, e que vale perto de R$280.000,00, doado por um proprietário de um Haras, aqui da redondeza. Meus parabéns! Aqui está a caixa com seu conteúdo e uma carta/autorização para retirada do magnífico animal, quando você achar melhor.

Fonte:
Sítio do Caipira. Causos. http://eptv.globo.com/

Artur da Távola (Espirro é quase gripe)

Nessa época de verão, dengue e outras gripes, lembro de algo que deve infectar (silenciosamente) muito mais que o famoso mosquito que azucrina o verão de países tropicais.

Você já viajou em ônibus, carro ou avião com um cara a tossir ou espirrar? Há uns muquiranas sentados atrás que chegam a molhar a nuca de quem está no banco da frente com os perdigotos. Há outros que explodem tosses expectorantes e tenebrosas! E a gente ao lado. Ou na frente. Falta de educação? É pouco. Esses pelintras são inimigos públicos, pestes ambulantes. No avião, porém, é mais grave.

As companhias de aviação insistem no hábito de não advertir os passageiros para não espirrar ou tossir fora do lenço. E como se espirra em avião fechado! Ônibus também. Arre!

Vi há anos um filme educativo canadense que mostrava a nuvem de germes e perdigotos, de metro e meio de diâmetro, lançada no ar a cada espirro. Em menor tamanho porém bem mais contaminada é a nuvem de perdigotos e germes espargidos pela tosse.

O avião, quando em vôo, é um sistema fechado. Iguala o espirro no elevador: o que ali se ejeta, ali circula, infecta ao léu. Idem ônibus, carro, sala. Espirrar fora do lenço prova falta de civilidade, higiene e educação. É ruim, hein!...

O espirro é uma cusparada. Só que em fragmentos. Tem a mesma malignidade e idêntico (ou talvez pior) teor de contágio porque se espalha.

Quando eu era criança havia escarradeiras. Era o medo da tuberculose. Que voltou!... Ainda recordo a instrução: "Pise no pedal". As piadas gozavam um político da época, muito ignorante, de quem diziam que para simular cultura, lia a frase como se fosse em inglês, assim: "paise nou pidal"....

Soar, assoar, assolar, espirrar (palavra que em castelhano é ainda mais expressiva: "estornudar"), tossir, perdoem o mau gosto, leitores e leitoras mas quem vai no ônibus ou avião, com um cretino ao lado ou atrás a espirrar e espirrar sem o fazer de modo educado no lenço, expondo-nos a contágios, leva o cronista a esta crônica algo escatológica mas de alerta às companhias de avião que assim como proíbem fumar na subida, na descida e nos banheiros, deveriam também compelir os passageiros a tossir e espirrar no lenço. Em pouco tempo o contaminador teria vergonha de espirrar na nuca dos demais!

Espirro faz tanto estrago quanto dengue.

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Biografia do Autor e Entrevista podem ser encontradas na postagem de 01 de janeiro de 2008
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Fonte:
http://www.arturdatavola.com/

Roberto Protti (1923)

Roberto Protti, nasceu na cidade de São Paulo, em agosto de 1923. Nos seus oitenta anos, guarda muitas recordações preciosas: da infância no bairro tumultuado e alegre, dos tempos de Grupo escolar e Ginásio e de sua atividade como executivo de vendas, que o ajudou a aguçar seu senso de observação. As reflexões que o acompanharam nessa longa caminhada e o hábito de ler bons livros despertaram seu interesse em escrever. Por duas vezes, participou do Concurso "Talentos da Maturidade", promovido pelo Banco Real. Foi convidado a participar de todas as edições seguintes do concurso, mas declinou do convite por estar empenhado na composição da presente obra. O embrulho inédito é seu primeiro livro. "Inédito", portanto, na autoria e não só no conteúdo.
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Sobre o Livro
Embrulho Inédito, O. Editora Novo Século. 2004.

O Embrulho Inédito é um livro diferente da grande maioria dos bons títulos em circulação, por se tratar de assuntos diversos reunidos num só livro. Apresentado em quatro partes distintas, pode agradar o leitor. Na primeira parte, "Contos e humor". Os contos prendem sua atenção e o humor diverte o leitor. Na segunda parte, "Curiosidades, onde o relógio tem algo em comum com muitas pessoas e outras curiosidades, frases e conselhos interessantes. Na terceira parte, "Filosofia mística" ? um assunto sério, porque se tenta provar a existência de Deus e quanto Ele é importante para nós e todo o Universo. A quarta parte, "Ficção Científica" é uma idéia fantasiosa do futuro, mas muito bem colocada para uma vida feliz da humanidade. Em resumo, esta são as razões do título O Embrulho Inédito, um livro original e excêntrico. O Embrulho Inédito é um livro diferente da grande maioria dos bons títulos em circulação, por se tratar de assuntos diversos reunidos num só livro. Apresentado em quatro partes distintas, pode agradar o leitor. Na primeira parte, "Contos e humor". Os contos prendem sua atenção e o humor diverte o leitor. Na segunda parte, "Curiosidades, onde o relógio tem algo em comum com muitas pessoas e outras curiosidades, frases e conselhos interessantes. Na terceira parte, "Filosofia mística" ? um assunto sério, porque se tenta provar a existência de Deus e quanto Ele é importante para nós e todo o Universo. A quarta parte, "Ficção Científica" é uma idéia fantasiosa do futuro, mas muito bem colocada para uma vida feliz da humanidade. Em resumo, esta são as razões do título O Embrulho Inédito, um livro original e excêntrico.

Fontes:
PROTTI, Roberto. O embrulho inédito. Osasco, SP: Novo Século, 2004. ps.239

http://www.planetanews.com/produto/L/53577/embrulho-inedito--o-roberto-protti.html

Roberto Protti (O Enterro do Juventino)

O Juventino morreu. Não se perdeu grande coisa. Passou pela vida só arrumando encrenca. Não fez amigos. Inimigos, ganhou diversos. De gênio difícil, não concordava com nada. Mulheres nunca aturou, e por isso era ferrenho celibatário, e sempre morou sozinho. A bebida e outros excessos complicaram o seu gordo corpo, que o levou para outra melhor, nem tão velho nem tão moço.

Agora a providência era depositar sua carcaça na tumba do cemitério.

O enterro não estava fácil, pois ninguém queria gastar na derradeira viajem do rejeitado morto. Mas foi descoberta no seu quarto, bem enfurnada numa gaveta, uma boa importância – resultado da profissão de sapateiro que exercia – e que daria para o enterro. Com alguma sobra, ainda, para a Igreja ajudar a sua alma no outro lado da vida.

Foi arrumado o velório, com caixão de primeira e todos os paramentos. Na sala, os presentes faziam a guarda do corpo e vez por outra se ouvia alguém dizer:

– O Juventino tinha lá os seus defeitos, mas era um bom homem!

– Não há dúvida! – concordava outro.

Em velório, o defunto sempre vira santo.

E lá se iam comentários transformando Juventino em homem de bem. Quanta falsidade! Havia até aqueles que forçavam o choro, inclusive aquele velha, que nunca se deu com o Juventino e agora se debulhava em lágrimas, como uma carpideira. Até o padre, que veio para encomendar a alma do morto, usava palavras com elogios inexistentes, talvez pelo óbolo recebido.

O tempo ia passando e as cenas aconteciam. Uma vela do paramento tombou e a roupa do morto começou a queimar. Houve corre-corre para apagar as chamas, mas o estrago já estava feito.

Alguém segredou:
– Até depois de morto o Juventino apronta!

Em seguida, uma velha deu um grito, pensaram que era piedade do finado. Antes fosse, pisaram seu calo arruinado.

Chegou a hora do enterro, e o carro fúnebre não aparecia. Eram dois quilômetros até o cemitério. Quando já se passavam trinta minutos da hora combinada, com todo mundo impaciente para se livrar da empreitada, eis que chega a notícia de que o carro estava enguiçado. E agora? O enterro tinha de ser feito no muque.

Candidatos para a proeza não apareciam, e o enterro não saía. Depois de marchas e contramarchas, com muita discussão, foi resolvida a questão. O time do carrega-caixão seria substituído a cada quarteirão. E assim seguiu o cortejo, pela Avenida da Saudade, para a última morada de Juventino. O caixão, com o passageiro, estava pesado. Todos que o carregavam, não viam a hora de seu quarteirão terminar. Até que, em dado momento, um mais fracote não agüentou, e largou a alça que empunhava. O caixão se deslocou, os outros não suportaram e a carga caiu no chão. Com o impacto, o fundo se desprendeu e o Juventino sobrou espalhado na rua.

Situação desperadora: com o fundo quebrado, como o defunto seria levado? Achou-se a solução. O caixão foi virado e a tampa passou a ser o fundo. O Juventino foi ajeitado, com o seu travesseiro na tampa e a cara pro outro lado. Como a nova tampa não parava, passaram em volta do caixão vários cintos amarrados dos homens do cortejo, que tiveram de segurar as calças.

Chegando ao cemitério, outra vez confusão. A campa designada estava lotada e os coveiros não estavam de plantam.

Êta Juventino complicado! Arranjando encrenca até depois de morto.

Ninguém mais aguentava estar em companhia do finado. Apareceram, então, pás e enxadas, fizeram um buraco e meteram o caixão. Cobriram rapidamente e mais que depressa foram embora.

Agora o encrenqueiro do Juventino jazia em paz e deixava os outros também.

Fonte:
PROTTI, Roberto. O embrulho inédito. Osasco, SP: Novo Século, 2004. p.106-107.

Roberto Protti (O Nome)

A cena se passou numa fila do INSS para recebimento do auxílio-doença, igual a muitas que se vêem por este Brasil afora.

– Nome?
– Colosflónio Único da Silva.
– Cavalheiro, não estou aqui para brincadeira! O nome certo? – falou, já meio bravo, o atendente do outro lado do guichê.
– Colosflónio Único da Silva.

E o gajo já foi metendo quase nas fuças do funcionário sua carteira de identidade, para comprovar o seu nome verdadeiro.

– Mas, isso é nome que alguém tenha?
– Mas eu tenho, infelizmente!
– E como é que você se arranja com um nome desses?
– E o que é que eu posso fazer? Matar o meu pai? Ele já está morto há muito tempo! Foi ele quem botou esse nome em mim, e eu, recém-nascido não podia protestar! Meu pai quis que seu filho tivesse um nome inédito no Brasil! E me arranjou esse que só me dá encrenca. Já fui até parar na delegacia por ter esbofeteado uma moça que fez chacota do meu nome. Já apanhei e bati por causa do nome. Não passa um só dia em que não tenha de explicar essa maldita herança que meu pai me deixou. Mas também é tanta praga que eu rogo para ele, que até o seu esqueleto deve dançar no caixão!

Logo atrás do infortunado, um homem “gordo às pampas” ria e falava:

– Isso não é nada! Podia ser pior!

Mas foi logo fulminado com o olhar de “poucos amigos” do proprietário do nome e até a “autoridade” do guichê se pronunciou:

– Cavalheiro, o assunto não lhe diz respeito. Cale-se!

Depois do atendimento ao único dono de tal nome no Brasil, que por sinal tinha de voltar, pois, como sempre, faltava um documento para satisfazer o Instituto, lá se foi ele embora todo chateado.

Murmurou entredentes o funcionário: “Cada nome que me aparece neste guichê!”

– O próximo. Nome?
– Paquiderme Junqueira.

Fonte:
PROTTI, Roberto. O embrulho inédito. Osasco, SP: Novo Século, 2004. ps.75

sexta-feira, 14 de março de 2008

Mario de Sá Carneiro (1890 - 1916)

Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de Maio de 1890 — Paris, 26 de Abril de 1916), foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do Modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.

Nasceu, no seio de uma abastada família alto-burguesa, sendo filho e neto de militares. Órfão de mãe com apenas dois anos (1892), ficou entregue ao cuidado dos avós, indo viver para a Quinta da Vitória, na freguesia de Camarate, às portas de Lisboa, aí passando grande parte da infância.

Inicia-se na poesia com doze anos, sendo que aos quinze já traduzia Victor Hugo, e com dezesseis, Goethe e Schiller. No liceu teve ainda algumas experiências episódicas como ator, e começa a escrever.

Em 1911, com dezenove anos, vai para Coimbra, onde se matricula na Faculdade de Direito, mas não conclui sequer o ano. Aí, contudo, viria a conhecer aquele que foi, sem dúvida, o seu melhor e mais compreensivo amigo – Fernando Pessoa –, o qual, em 1912, o introduziu no ciclo dos modernistas.

Desiludido com a «cidade dos estudantes», segue para Paris a fim de prosseguir os estudos superiores, com o auxílio financeiro do pai. Cedo, porém, deixou de freqüentar as aulas na Sorbonne, dedicando-se a uma vida boêmia, deambulando pelos cafés e salas de espetáculo, chegando a passar fome e debatendo-se com os seus desesperos, situação que culminou na ligação emocional a uma prostituta, a fim de combater as suas frustrações e desesperos.
Na capital francesa viria a conhecer Guilherme de Santa-Rita (Santa-Rita Pintor). Inadaptado socialmente e psicologicamente instável, foi neste ambiente que compôs grande parte da sua obra poética e a correspondência com o seu confidente Pessoa; é, pois, entre 1912 e 1916 (o ano da sua morte), que se inscreve a sua fugaz – e no entanto assaz profícua – carreira literária.

Entre 1913 e 1914 vem a Lisboa com certa regularidade, regressando à capital devido à deflagração do conflito entre a Sérvia e a Áustria-Hungria, o qual a breve trecho se tornou uma conflagração à escala européia – a I Guerra Mundial. Com Pessoa e ainda Almada-Negreiros integrou o primeiro grupo modernista português (o qual, influenciado pelo cosmopolitismo e pelas vanguardas culturais européias, pretendia escandalizar a sociedade burguesa e urbana da época), sendo responsável pela edição da revista literária Orpheu (e que por isso mesmo ficou sendo conhecido como a Geração d’Orpheu ou Grupo d’Orpheu), um verdadeiro escândalo literário à época, motivo pelo qual apenas saíram dois números (Março e Junho de 1915; o terceiro, embora impresso, não foi publicado, tendo os seus autores sido alvo da chacota social) – ainda que hoje seja, reconhecidamente, um dos marcos da história da literatura portuguesa, responsável pela agitação do meio cultural português, bem como pela introdução do modernismo em Portugal.

Em Julho de 1915 regressa a Paris, escrevendo a Pessoa cartas de uma crescente angústia, das quais ressalta não apenas a imagem lancinante de um homem perdido no «labirinto de si próprio», mas também a evolução e maturidade do processo de escrita de Sá-Carneiro.
Uma vez que a vida que trazia não lhe agradava, e aquela que idealizava tardava em se concretizar, Sá-Carneiro entrou numa cada vez maior angústia, que viria a conduzi-lo ao seu suicídio prematuro, perpetrado no Hotel de Nice, no bairro de Montmartre em Paris, com o recurso a cinco frascos de arseniato de estricnina.

Contava tão-só vinte e seis anos. Extravagante tanto na morte como em vida (de que o poema Fim é um dos mais belos exemplos), convidou para presenciar a sua agonia o seu amigo José de Araújo. E apesar de o grupo modernista português ter perdido um dos seus mais significativos colaboradores, nem por isso o entusiasmo dos restantes membros esmoreceu – no segundo número da revista Athena, Pessoa dedicou-lhe um belo texto, apelidando-o de «gênio não só da arte como da inovação dela», e dizendo dele, retomando um aforismo das Báquides (IV, 7, 18), de Plauto, que «Morre jovem o que os Deuses amam» (tradução literal de Quem di diligunt adulescens moritur).

Verdadeiro insatisfeito e inconformista (nunca se conseguiu entender com a maior parte dos que o rodeavam, nem tão pouco ajustar-se à vida prática, devido às suas dificuldades emocionais), mas também incompreendido (pelo modo com os contemporâneos olhavam o seu jeito poético), profetizou acertadamente que no futuro se faria jus à sua obra, no que não falhou.

Com efeito, reconhecido no seu tempo apenas por uma fina elite, à medida que a sua obra e correspondência foi publicada, ao longo dos anos, tornou-se acessível ao grande público, sendo atualmente considerado um dos maiores expoentes da literatura moderna em língua portuguesa. Embora não tenha a mesma repercussão de Fernando Pessoa, a sua genialidade é tão grande (senão mesmo maior) que a de Pessoa, mas porém muito mais próxima da loucura que a do seu amigo.

A terra que o acolheu na infância – Camarate –, e a quem ele dedicou também algumas das suas poesias, homenageou-o, conferindo o seu nome a uma escola local. O seu poema Fim foi musicado por um grupo português no final dos anos 80, os Trovante. Mais tarde, o seu poema O Outro foi também musicado pela cantora brasileira Adriana Calcanhotto.
As suas influências literárias são de Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Stéphane Mallarmé, Fiódor Dostoievski, Cesário Verde e António Nobre. Este escritor influenciou vários escritores, entre eles Eugênio de Andrade.

Na fase inicial da sua obra, Mário de Sá-Carneiro revela influências de várias correntes literárias, como o decadentismo, o simbolismo, o ou saudosismo, então em franco declínio; posteriormente, por influência de Pessoa, viria a aderir a correntes de vanguarda, como o interseccionismo, o paulismo ou o futurismo.

Nessas pôde exprimir com à-vontade a sua personalidade, sendo notórios a confusão dos sentidos, o delírio, quase a raiar a alucinação; ao mesmo tempo, revela um certo narcisismo e egolatria, ao procurar exprimir o seu inconsciente e a dispersão que sentia do seu «eu» no mundo – revelando a mais profunda incapacidade de se assumir como adulto consistente.

O narcisismo, motivado certamente pelas carências emocionais (era órfão de mãe desde a mais terna puerícia), levou-o ao sentimento da solidão, do abandono e da frustração, traduzível numa poesia onde surge o retrato de um inútil e inapto. A crise de personalidade levá-lo-ia, mais tarde, a abraçar uma poesia onde se nota o frenesi de experiências sensórias, pervertendo e subvertendo a ordem lógica das coisas, demonstrando a sua incapacidade de viver aquilo que sonhava – sonhando por isso cada vez mais com a aniquilação do eu, o que acabaria por o conduzir, em última análise, ao seu suicídio.

Embora não se afaste da metrificação tradicional (redondilhas, decassílabos, alexandrinos), torna-se singular a sua escrita pelos seus ataques à gramática, e pelos jogos de palavras. Se numa primeira fase se nota ainda esse estilo clássico, numa segunda, claramente niilista, a sua poesia fica impregnada de uma humanidade autêntica, triste e trágica.
Por fim, as cartas que trocou com Pessoa, entre 1912 e o seu suicídio, são como que um autêntico diário onde se nota paralelamente o crescendo das suas frustrações interiores.

Obras

Amizade (1912)
Publicada em 1912, Amizade, é a primeira peça que escreve. Mário de Sá-Carneiro divide a autoria desta obra com Tomás Cabreira Júnior, seu colega do Liceu Camões em Lisboa. O fato de hoje podermos ler esta peça deve-se a um acaso. Dos dois colegas e autores da peça Amizade, Tomás Cabreira Júnior era o único dos dois que tinha os manuscritos. Por qualquer motivo era Sá-Carneiro quem os tinha consigo quando do suicídio de Tomás Cabreira Júnior, que antes de cometer tal ato destruiu toda a sua obra.

Princípio (1912)
No ano de 1912, o autor dá à estampa um conjunto de novelas que reúne sob o título Princípio.

A Confissão de Lúcio (1913)
Inaugurando um estilo até então em si desconhecido, o romance, Mário de Sá-Carneiro publica, em 1913, A Confissão de Lúcio. A temática desta obra gira em torno do fantástico e é um ótimo espelho da época de vanguarda que foi o modernismo português.

Dispersão (1914)
O ano de 1913 veio a revelar-se de uma pujança criativa inigualável. Não só variou dentro da prosa, como apresenta ao público a sua primeira obra de poesia: Dispersão. Esta obra é composta por doze poemas e a sua primeira edição foi revista quer pelo autor quer pelo seu grande amigo, e também poeta, Fernando Pessoa.

Céu em Fogo (1915)
Em 1915, volta a reunir novelas, mais precisamente doze, num volume a que dá o título de Céu em Fogo. Estas novelas revelam igualmente as mesmas perturbações e obsessões que já a sua poesia expressava.

Obras Póstumas
Nem tudo aquilo que Sá-Carneiro produziu em vida viu ser publicado, ainda que muitas coisas, além dos seus livros, tenha deixado espalhadas pelas publicações em que participou, como as revistas Orpheu ou Portugal Futurista.

Indícios de Oiro (1937)
Do que Mário de Sá-Carneiro não chegou a publicar em vida Indícios de Oiro, publicada em 1937 pela revista Presença, é o conjunto de trabalhos seus mais significativo do conjunto da sua obra.

Correspondência
A sua correspondência com outros membros do Orpheu foi também reunida em volumes póstumos: Cartas a Fernando Pessoa (2 vols., 1958-1959), Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Luís de Montalvor, Cândia Ramos, Alfredo Guisado e José Pacheco (1977), Correspondência Inédita de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa (1980).

Traduções
De Sá-Carneiro existe ainda uma tradução da peça Les Fossiles, de François de Curel, em parceria com António Ponce de Leão.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org
http://www.instituto-camoes.pt

Mario de Sá-Carneiro (Poesias: Quase - Fim - Dispersão)

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

FIM

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

DISPERSÃO

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-se saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro-
Não me acho no que projecto.

Regresso dentro de mim,
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi...Mas recordo

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

E sinto que a minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas para se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

E tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?...Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida,
Eu sigo-a mas permaneço...
...............
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...
...............

Fonte:
Tufano, Douglas (org.) De Camões a Pessoa: Antologia escolar da poesia portuguesa. São Paulo: Moderna, 1993. p.90, 92-95.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Eliane Potiguara

Eliane é escritora indígena, professora, mãe, avó, 54 anos, remanescente Potiguara. É Conselheira do Inbrapi, (Instituto Indígena de Propriedade Intelectual) e Coordenadora da Rede de Escritores Indígenas na Internet e o Grumin/Rede de Comunicação Indígena.

Eliane foi indicada para o Projeto internacional Mil Mulheres Para o Prêmio Nobel da Paz. É uma das 52 brasileiras indicadas.

Formada em Letras (Português-Literatura), licenciada em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, participou de vários seminários sobre Direitos Indígenas na Onu, organizações governamentais e Ongs nacionais e internacionais.

Eliane Potiguara foi nomeada uma das “Dez Mulheres do Ano de 1988”, pelo Conselho das Mulheres do Brasil, por ter criado a primeira organização de mulheres indígenas no país: Grumin (Grupo Mulher-Educação Indígena), e por ter trabalhado pela Educação e integração da mulher indígena no processo social, político e econômico no país e por ter trabalhado na elaboração da Constituição Brasileira. Com a bolsa que conquistou da ASHOKA em 1989 (Empreendedores Sociais) mais seu salário de professora e o apoio de Betinho/IBASE e os recursos do Programa de Combate ao Racismo, (o mesmo que apoiava Nelson Mandela ), ela pôde prosseguir sua luta, além de sustentar e cuidar de seus três filhos, hoje adultos.

Em 1990, foi a primeira mulher indígena a conseguir uma PETIÇÃO no 47º. Congresso dos Índios Norte-Americanos, no Novo México, para ser apresentada às Nações Unidas. Neste Congresso, havia mais de 1500 índios. Por isso, participou durante anos, da elaboração da ”Declaração Universal dos Direitos Indígenas”, na ONU, Genebra, por essa razão recebeu em 96 , o título “Cidadania Internacional”, concedido pela filosofia Iraniana “Baha´i”, que trabalha pela implantação da Paz Mundial.

Defensora dos Direitos Humanos, além de vários Encontros, e criadora do primeiro Jornal Indígena e Boletins conscientizadores e cartilha de alfabetização indígena no método Paulo Freire com apoio da Unesco, organizou em Nova Iguaçu/RJ, em 91 outro Encontro inédito e histórico, onde participaram mais de 200 mulheres indígenas de várias regiões, tendo como convidados especiais a cantora Baby Consuelo e vários líderes indígenas internacionais. Organizou vários cursos referentes à Saúde e Diretos reprodutivos das mulheres indígenas e foi consultora de outros encontros sobre o tema.

Em 92 foi Co-Fundadora/Pensadora do Comitê Inter-Tribal 500 Anos (kari-oka), por ocasião da Conferência Mundial da ONU sobre Meio-Ambiente, junto com Marcos Terena, Idjarruri Karajá e muitos outros líderes do país, além de ter participado de dezenas de Assembléias indígenas em todo o país.

Discutiu a questão dos Direitos Indígenas em vários fóruns nacionais, e internacionais, governamentais e não governamentais, diversas diretrizes, estratégias de ordem político-econômica, inclusive no fórum sobre o Plano Piloto para a Amazônia, em Luxemburgo/1999.

No final de 92, por seu espírito de luta, traduzido em seu livro “A Terra é a Mãe do Índio”, foi premiada pelo PEN CLUB da Inglaterra, no mesmo momento em que Caco Barcelos (“Rota 66”) e ela estavam sendo citados na lista dos “Marcados para Morrer”, anunciados no Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, para todo o Brasil, por terem denunciado esquemas duvidosos e violação dos direitos humanos e indígenas.

Em 95, na China, no Tribunal das Histórias não contadas e Direitos Humanos das Mulheres/Conferência da ONU, Eliane Potiguara narrou a história de sua família que emigrou das terras paraibanas nos anos 20 por ação violenta dos neo-colonizadores e as conseqüências físicas e morais desta violência à dignidade histórica de seu bisavô, avós e descendentes. Contou também o terror físico, moral e psicológico pelo qual passou ao buscar a verdade, além de sofrer abuso sexual, violência psicológica e humilhação por ser levada pela polícia federal, por estar defendendo os povos indígenas, seus parentes, do racismo e exploração. Seu nome foi jogado na lama nos jornais do Estado da Paraíba. Tudo isso à frente de suas três crianças na época.

Eliane no último governo foi Conselheira da Fundação Palmares/Minc, é FELLOW da organização internacional ASHOKA, dirigente do Grumin e membro do Women´s Writes World. Eliane participou de 56 fóruns internacionais e para mais de 100 nacionais culminando na Conferência Mundial contra o Racismo na África do Sul, em 2001 e outro fórum sobre Povos Indígenas em Paris, 2004.

Eliane é do Comitê Consultivo do Projeto Mulher_ 500 anos atrás dos panos que culminou no Dicionário Mulheres do Brasil.

É autora de seu mais recente livro ‘Metade cara, metade máscara, Global, pela GLOBAL EDITORA que aborda a questão indígena no Brasil.

Fonte:
http://www.elianepotiguara.org.br/aautora.html

Eliane Potiguara (Oração pela Libertação dos Povos Indígenas)

Parem de podar as minhas folhas e tirar a minha enxada
Basta de afogar as minhas crenças e torar minha raiz.
Cessem de arrancar os meus pulmões e sufocar minha razão
Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz.
Não se seca a raiz de quem tem sementes
Espalhadas pela terra pra brotar.
Não se apaga dos avós - rica memória
Veia ancestral: rituais pra se lembrar
Não se aparam largas asas
Que o céu é liberdade
E a fé é encontra-la.
Rogai por nós, meu pai-Xamã
Pra que o espírito ruim da mata
Não provoque a fraqueza, a miséria e a morte.
Rogai por nós - terra nossa mãe
Pra que essas roupas rotas
E esses homens maus
Se acabem ao toque dos maracás.
Afastai-nos das desgraças, da cachaça e da discórdia,
Ajudai a unidade entre as nações.
Alumiai homens, mulheres e crianças,
Apagai entre os fortes a inveja e a ingratidão.
Dai-nos luz, fé, a vida nas pajelanças,
Evitai, Ó Tupã, a violência e a matança.
Num lugar sagrado junto ao igarapé.
Nas noites de lua cheia, ó MARÇAL, chamai
Os espíritos das rochas pra dançarmos o Toré.
Trazei-nos nas festas da mandioca e pajés
Uma resistência de vida
Após bebermos nossa chicha com fé.
Rogai por nós, ave-dos-céus
Pra que venham onças, caititus, siriemas e capivaras
Cingir rios Juruena, São Francisco ou Paraná.
Cingir até os mares do Atlântico
Porque pacíficos somos, no entanto.
Mostrai nosso caminho feito boto
Alumiai pro futuro nossa estrela.
Ajudai a tocar as flautas mágicas
Pra vos cantar uma cantiga de oferenda
Ou dançar num ritual Iamaká.
Rogai por nós, ave-Xamã
No Nordeste, no Sul toda manhã.
No Amazonas, agreste ou no coração da cunhã.
Rogai por nós, araras, pintados ou tatus,
Vinde em nosso encontro
Meu Deus, NHENDIRU !
Fazei feliz nossa mintã
Que de barrigas índias vão renascer.
Dai-nos cada dia de esperança
Porque só pedimos terra e paz
Pra nossas pobres - essa ricas crianças.


*Nhéndiru: Deus
*Mintã: criança
*Boto: um mamífero que mostra o caminho

Fonte:
http://www.elianepotiguara.org.br/canticos.html

Eliane Potiguara (Cunhataí, a menina sagrada contra o suicídio)

Quando Cunhataí era criança, ouvia os espíritos da mata, ela via a mãe das águas. Os sonhos eram o seu direcionamento. Sua clarividência era ancestral. Cunhataí tinha o poder da cura. Onde colocava as mãos, o bem se fazia. Sua mãe, insatisfeita com as invasões dos estrangeiros, tomou erva má, para que a semente que ouvia o espírito da mata, morresse. A erva fez muito mal à pequena Cunhataí; não a matou, tirou um pedaço dela... A mãe desesperançada com sua aldeia, não queria mais as coisas do espírito, negava a terra e a raiz. Ela queria o suicídio. Mas a avó da menina era mais guerreira. A mãe ficou cega e muda. Tempos depois a mãe renasceu da mudez e da cegueira por uma prova divina e se tornou pajé, sacerdotisa das águas. E a triste avó, cansada das dores, do peso do tempo e do sacrifício, morreu. Mas sua essência permaneceu.

O homem branco, naquela época ria e incutia maus valores em alguns membros do povo... A semente ferida e mutilada nasceu triste e com uma estrela no olho direito. Era Cunhataí. Foi o lado direito que quase morreu. Só ficou roxo como uma marca, um sinal e... Sobreviveu para ouvir os espíritos, os antepassados e as velhas mulheres enrugadas pelos séculos. Sobreviveu para compreender o significado das três velhas, cujas seis mãos se transformam em cobras. O velho espírito disse a Cunhataí: Vai ave-menina e mulher! Cria asas e enxergue, um dia, quem sabe, seremos livres! Ela foi pra longe sofrer.

Por isso quando ela retornou à sua aldeia de origem, o cacique, a pajé e os segmentos do povo a reconheceram, porque ela já era esperada por decisão dos ancestrais, há muitos séculos. O seu olho direito roxo_ o espiritual_ foi identificado pelos líderes conectados com a ancestralidade e pelo pitiguary, o pássaro que ANUNCIA. Os que não reconheceram estão muito além, mas muito além de qualquer tipo de compreensão do que seja essência, transcendência indígena. Estavam cegos, por isso traíam seus próprios conterrâneos e incentivavam a discórdia, a inveja, a mentira, a intriga, a luta pelo poder e desconheciam o verdadeiro sentimento de paz, solidariedade, amor ao próximo, companheirismo e cooperação, por isso muitas meninas sofriam. Foram contaminados pelo poder dos neocolonizadores. Só vislumbravam o materialismo, por isso não podiam perceber os sinais dos deuses, dos ancestrais, do Grande Espírito_ a Poderosa Força Cósmica_ existente dentro de todas as boas almas.

Mas Cunhataí, em toda a sua vida seguiu o boto e as ordenações de seus sagrados ancestrais. Muitas mulheres indígenas que ouviram a história de Cunhataí, desenvolveram um útero sadio, porque entendiam que a cosmovisão indígena estava sagradamente vinculada a Mãe-Terra. E começaram a trabalhar e a lutar para melhorar as condições de vida do povo. Ninguém mais se suicidou, porque o amor e o respeito prevaleciam nas famílias, entre o homem e a mulher. A palavra fome nunca mais se ouviu naquele povo, quando também os homens perceberam o mal que haviam adquirido.

Cunhataí deixou a mensagem para que todos os homens e todas mulheres prestassem bem a atenção nos seus sonhos e deles fizessem seus caminhos a partir do respeito pelos velhos e velhas e pelos ancestrais e pelas boas relações de igualdade e respeito entre homens e mulheres!

Fonte:
http://www.elianepotiguara.org.br/

Eliane Potiguara (Em Memória ao ìndio Chico Sólon)

O texto é o testemunho das lágrimas de uma indígena vendedora de bananas, sua avó a refugiada Maria de Lourdes de Souza, filha do índio Chico Sólon, desaparecido das terras indígenas paraibanas por volta de 1920, quando se instalava ali, a neocolonização da agricultura algodoeira causando a fuga de famílias indígenas, oprimidas pela escravidão moderna.

Nosso ancestral dizia: Temos vida longa!
Mas caio da vida e da morte
E range o armamento contra nós.
Mas enquanto eu tiver o coração acesso
Não morre a indígena em mim e
E nem tão pouco o compromisso que assumi
Perante os mortos
De caminhar com minha gente passo a passo
E firme, em direção ao sol.
Sou uma agulha que ferve no meio do palheiro
Carrego o peso da família espoliada
Desacreditada, humilhada
Sem forma , sem brilho, sem fama.
Mas não sou eu só
Não somos dez, cem ou mil
Que brilharemos no palco da História.
Seremos milhões unidos como cardume
E não precisaremos mais sair pelo mundo
Embebedados pelo sufoco do massacre
A chorar e derramar preciosas lágrimas
Por quem não nos tem respeito.
A migração nos bate à porta
As contradições nos envolvem
As carências nos encaram
Como se batessem na nossa cara a toda hora.
Mas a consciência se levanta a cada murro
E nos tornamos secos como o agreste
Mas não perdemos o amor
Porque temos o coração pulsando
Jorrando sangue pelos quatro cantos do universo.
Eu viverei 200, 500 ou 700 anos
E contarei minhas dores pra ti
Oh!!! Identidade
E entre uma contada e outra
Morderei tua cabeça
Como quem procura a fonte da tua força
Da tua juventude
O poder da tua gente
O poder do tempo que já passou
Mas que vamos recuperar.
E tomaremos de assalto moral
As casas, os templos, os palácios
E os transformaremos em aldeias do amor
Em olhares de ternura
Como são os teus, brilhantes, acalentante identidade
E transformaremos os sexos indígenas
Em órgãos produtores de lindos bebês guerreiros do futuro
E não passaremos mais fome
Fome de alma, fome de terra, fome de mata
Fome de História
E não nos suicidaremos
A cada século, a cada era, a cada minuto
E nós, indígenas de todo o planeta
Só sentiremos a fome natural
E o sumo de nossa ancestralidade
Nos alimentará para sempre
E não existirão mais úlceras, anemias, tuberculoses
Desnutrição
Que irão nos arrebatar
Porque seremos mais fortes que todas a células cancerígenas juntas
De toda a existência humana.
E os nossos corações?
Nós não precisaremos catá-los aos pedaços mais ao chão!
E pisaremos a cada cerimônia nossa
Mais firmes
E os nossos neurônios serão tão poderosos
Quanto nossas lendas indígenas
Que nunca mais tremeremos diante das armas
E das palavras e olhares dos que “chegaram e não foram”.
Seremos nós, doces, puros, amantes, gente e normal!
E te direi identidade: Eu te amo!
E nos recusaremos a morrer
A sofrer a cada gesto, a cada dor física, moral e espiritual.
Nós somos o primeiro mundo!
Aí queremos viver pra lutar
E encontro força em ti , amada identidade!
Encontro sangue novo pra suportar esse fardo
Nojento, arrogante, cruel...
E enquanto somos dóceis, meigos
Somos petulantes e prepotentes
Diante do poder mundial
Diante do aparato bélico
Diante das bombas nucleares
Nós, povos indígenas
Queremos brilhar no cenário da História
Resgatar nossa memória
E ver os frutos de nosso país, sendo dividido
Radicalmente
Entre milhares de aldeados e “desplazados”
Como nós.

Fonte:
Eliane Potiguara
Textos do livro “METADE CARA, METADE MÁSCARA” Global editora
http://www.elianepotiguara.org.br/

Eliane Potiguara (Literatura Indígena: Instrumento de Conscientização)

Avanços na luta do movimento indígena brasileiro têm se dado de forma concreta. Apesar de algumas dificuldades, e apesar de alguns pontos isolados como falta de apoio das políticas públicas ainda, a Educação Indígena _ hoje_ no Brasil já é uma realidade. É uma Educação diferenciada, onde a cosmologia indígena está ali inserida no seu sentido mais amplo. Dentro deste aspecto, há de se situar a Literatura Indígena como um instrumento de conscientização, força e libertação.

Essa Literatura deve ser incentivada através da Educação Indígena, no dia a dia das escolas, para que os próprios indígenas sejam realmente os interlocutores de suas culturas, tradições e visões de vida. No entanto, outro aspecto de fundamental importância há de se considerar. É a tradicionalidade do discurso oral pelos componentes mais idosos, idosas e pajés da comunidade que não pode, de forma alguma, ser ignorado. Na realidade, esse discurso é a base sólida, é a conceituação, são os princípios primordiais étnicos que fundamentam essa tradição e que fundamentarão a escrita, a partir de valores lingüísticos próprios de cada povo indígena.

Diante do mundo moderno e de alguns aspectos maléficos da neocolonização e globalização, se reforça que é necessário o registro escrito, realizado pelos próprios indígenas como uma medida de precaução e cuidado para que o “contar” e historiografia indígenas, não caiam no domínio público, ou que terceiros ou instituições sejam beneficiados nos aspectos financeiro, histórico e moral pelos direitos autorais.

Povos indígenas do mundo inteiro lutam, através dos fóruns nacionais e internacionais pela conservação da cosmologia, contra predadores naturais ou impostos, no caso de filosofias burguesas, religiosas, filosofias de cunho “pátreo-pseudo-moral”, filosofias coloniais ou imperialistas. O empobrecimento social das etnias também é um fator que causa a perda dos valores culturais, espirituais, éticos. Ali as mulheres, as crianças e os velhos e as velhas acabam sendo muito mais sobrecarregados pelo peso da discriminação social e racial, como é o caso da situação de fome e suicídio no Mato-Grosso do Sul/Brasil. O empobrecimento e a destruição das terras indígenas também são fatores de alto risco. Centenas de exemplos se têm dessa situação.

A literatura indígena cumpre o papel de resgate, preservação cultural, fortalecimento das cosmovisões étnicas.O futuro escritor indígena deve ser já incentivado, na aprendizagem da Educação bilíngüe e Educação em geral, desde pequeno. O escritor indígena é o futuro antropólogo, aquele que vê, enxerga e registra. Povos indígenas devem caminhar com seus próprios pés.

Núcleos de pensadores e escritores devem ser também incentivados e capacitados dentro das Organizações indígenas, assim como muitas vezes, falou-se em discutir a questão de gênero, de raça e etnia nas Assembléias. Os problemas identificados devem ser imediatamente direcionados para estudos objetivando estratégias, mecanismos que busquem a solução das dificuldades, dos conflitos e das diferenças.

Quando a rosa desabrocha, as abelhas vêm espontaneamente sugar-lhe o mel. Deixemos que a rosa de nosso coração, de nossa alma e caráter desabroche completamente na sociedade brasileira, a partir de um testemunho de nossa capacidade, auto-gestão, diálogo e ética, para que essa sociedade desconstrua, rapidamente, o discurso e prática atuais que causam a exclusão de povos indígenas. Os resultados e o respeito aparecerão.
Pensadores e escritores indígenas: Contem e criem então!
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Fonte:

E-Book indígena divulga trabalho de 11 escritores em defesa de suas tradições

"Esse e-book é como um cartão de visita para os autores indígenas, já que divulgam seus trabalhos aos órgãos governamentais, à universidade local, entre outros locais". A afirmação de Eliane Potiguara, escritora indígena da comunidade Potiguara e coordenadora da Rede de Escritores Indígenas da Inbrape (Instituto Indígena de Propriedade Intelectual) e o Grupo Mulher-Educação Indígena (Grumin), ressalta a importância do primeiro e-book com textos indígenas.

O Núcleo de Escritores Indígenas (NEI) do Inbrapi, o Grumin/Rede de Comunicação Indígena e Vanderli Medeiros Produções Digitais prepararam o e-book. O livro pretende promover autores indígenas, incentivar estes povos à escrita, divulgar o pensamento indígena, usufruir a ferramenta da internet para divulgar o trabalho dos autores a um baixo custo e disponibilizar este material em diversos sites.

Segundo Eliane, foram enviados cerca de 20 textos, sendo 11 contos publicados. "Recebemos muito material, mas o dinheiro foi o problema já que o projeto não recebeu apoio de nenhum órgão da educação, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Contamos apenas com a ajuda e um artista plástico e a produtora Vanderli Medeiros, responsável pela parte física do livro", esclarece a organizadora do e-book.

O livro apresenta contos de várias comunidades indígenas, como guarani, potiguara, entre outros. Yaguarê Yamá, Olívio Jecupé, Daniel Mundukuru, Eliane Potiguara, Lúcio Flores, Kerexu Mirim, Manuel Moura Tukano, Florêncio Vaz, Juvenal Payáyá, Adelmário Ribeiro e Gabriel Gentil foram os autores deste primeiro e-book. "A gente quer jogar este livro na mídia, porque é importante as pessoas indígenas divulgarem seus trabalhos com escritores conhecidos e mostrar sua experiência nas editoras. As portas até agora foram fechadas para eles. É como se o povo indígena não tivesse capacidade para nada. Aquela mentalidade do código civil brasileiro em que dizia que os índios eram menores de idades ainda existe. A gente ainda sente um olhar diferente sobre o indígena", ressalta Eliane.

Formada em Letras, a organizadora do primeiro e-book é conhecida pela sua atuação na defesa dos direitos indígenas e foi indicada para o Projeto Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz entre 52 brasileiras indicadas. Além disso, foi nomeada uma das "Dez Mulheres do Ano de 1998", pelo Conselho das Mulheres do Brasil e por ter criado a primeira organização de mulheres indígenas no país, o Grumin. É ainda empreendedora social da ASHOKA, membro do Women´s Writes World e autora do livro "Metade cara, metade máscara", que aborda a questão indígena no Brasil.

Com objetivo de levar mais informações para as comunidades indígenas, o Grumin, segundo Eliane, é uma rede de comunicação indígena que trabalha para levantamento de projetos de financiamento na área indígena. Ou seja, luta pela democratização da informação. No seu primeiro jornal, costumava denunciar a invasão dos garimpeiros e madeireiros nas terras indígenas. "Colocávamos a opinião do indígena no jornal e levávamos o debate no campo internacional¸ para a Organização das Nações Unidas (ONU). Fizemos até um relatório e recebemos comissão da ONU. Recebemos ainda uma Comissão de Combate ao Racismo, em 1996. Como sofri ameaça de morte no final de 1992, paramos de publicar este material cerca de dois anos e decidi retomar meu trabalho por meio da literatura para chegar sem muito alarde", explica Eliane.
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O e-book pode ser baixado no site http://www.elianepotiguara.org.br/home.html

Fonte:
Aragarças-Goiás/Brasil. 23 setembro 2005. por Susana Sarmiento.
http://www.jlocal.com.br/geral.php?pesquisa=1544

Folclore Indígena (As Amazonas [Icamiabas])

Em torno de 400 a 600 anos atrás, existiu na região Amazônica, próximo às cabeceiras do rio Jamundá, um reino formado somente de mulheres guerreiras, conhecidas como Icamiabas, isto é, mulheres sem homens ou ainda mulheres sem maridos e, uma terceira interpretação, mulheres escondidas dos homens.. Mas há outra designação, também encontrada no rico folclore sobre elas, que as chama de Cunhã-teco-ima, o que quer dizer mulheres à margem da lei ou sem lei.

Elas viviam completamente isoladas, só mantendo contatos esporádicos com homens.

Em certas épocas do ano estas mulheres belas e guerreiras celebravam suas vitórias sobre o sexo oposto. Neste dia, uma grande festividade era organizada e elas desciam do monte onde viviam até o lago sagrado denominado "Yaci Uarua" (Espelho da Lua).

Durante à noite, quando a Lua deitava sobre o espelho da água, as Amazonas mergulhavam nela com seus corpos fortes e morenos. Após este ritual de purificação e limpeza, estas deusas da Lua clamavam pela Mãe do Muiraquitã. Os estudiosos folcloristas identificaram esta entidade como uma fada, mas ela também cabe na classificação de Grande Mãe das Pedras Verdes. Era ela que entregava a cada uma daquelas mulheres uma pedra da cor verde (jade), denominada de "Muiraquitã", onde encontravam-se esculpidos estranhos símbolos. Receberiam-nos ainda moles, porém, logo que saíam da água eles endureciam. Segundo os índios Uaboí, os amuletos eram vivos e para apanhá-los, as índias feriam-se e deixavam cair uma gota de sangue sobre o tipo que queriam. Isso feito, o animal morria e elas se atiravam na água para buscá-los.

Cada nativa trazia em seu pescoço seu talismã propiciatório de proteção material e espiritual. Mas elas também os presenteavam àqueles que seriam os futuros pais de seus filhos. Estes homens eram selecionados para fecundá-las e depois eram mantidas vivas as meninas, que mantinham a continuidade da casta matriarcal das mulheres guerreiras.

As Amazonas foram vistas pela primeira vez pelo padre espanhol Gaspar de Carvajal, cronista da expedição de Francisco de Orellana. Tal encontro ocorreu no lugar exato onde o rio Negro encontra-se com o Amazonas e não foi muito atraente a estada para estes exploradores. Ao chegarem a aldeia das índias, constataram que no centro de uma praça erigia-se um ídolo, que era o símbolo de uma poderosa Senhora, Rainha de uma grande nação de mulheres guerreiras. Uma dúzia de guerreiras investiram contra os espanhóis e tiraram a vida de vários indígenas que os acompanhavam. Carvajal as descrevia como sendo mulheres altas, belas, fortes, de longos cabelos negros, tez clara e que andavam totalmente despidas, com arcos e flechas e guerreavam como dez índios.

Esta descrição nos remete à um coração de uma caçadora também solitária, Ártemis. Estas mulheres índias representam o arquétipo mais puro e primitivo da feminilidade. Foram deusas nativas que santificavam a solidão, a vida natural e primitiva a qual todos nós podemos retornar quando acharmos necessário a busca de nós mesmos. Como Ártemis, elas possuem um amor intenso pela liberdade, pela independência e pela autonomia. Um amor que pode transparecer como agressão, pois elas sempre irão lutar para preservar sua liberdade.

Fonte:
ROSANE VOLPATTO
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendaasamazonas.htm

Folclore Indígena (As Icamiabas e Orellana = A Lenda)

Havia já muitas mãos de lua que se prolongava aquela fugida pasmosa pelo rio abaixo, saltando cachoeiras, cortando vales, vendo igarapés, esmagado pela aventura teatral da viagem.

Se ele soubesse, de certo não teria cometido contra Pizarro, seu protetor e amigo, a perfídia que o riscara da confiança merecida por tanto tempo ao espírito do caudilho.
Enfim, o que estava feito não tinha mais remédio.

O melhor era afrontar os perigos daquela travessia acidentada e bárbara, a ver qualquer coisa de dramático naquela dificílima excursão.

Dominado por esse pensamento, D. Francisco de Orellana, de posse da barca famosa cujo comando lhe fora confiado por Gonçalo Pizarro, desembocou num grande rio de que ninguém até então lhe dera notícias.

Sua expectativa era agora excedida pelo formidável painel hídrico que se lhe deparava. Agora, sim via-se senhor de um descobrimento e tinha a revelação de um verdadeiro e novo mar.

Absorvido pelas idéias grandiosas que o empolgavam, o famoso explorador não dormia, contemplando como um enamorado aquele lençol de água desconhecido dos cartógrafos e que parecia uma dádiva da providência à sua delirante ambição.

Muitas horas ficou assim, contemplativo e subjugado, a admirar o próprio isolamento, cercado pelo céu e pelo mar de água doce.

Afinal, exausto de distender a vista por aquela extensão indefinida, foi pouco a pouco adormecendo na fadiga e no amolecimento natural do solitário.
E o romance começou a aparecer...

Aproximando-se de uma das margens do rio, o caudilho viu-se de repente cercado por um bando de mulheres novas e lindas, arrojadas e fortes, em tudo iguais àquelas de que havia memória na Ásia e na África e de que estava cheia a história mítica dos gregos.

Lembravam a imagem das criaturas aladas que comprimiam e queimavam o seio direito, a fim de atirarem com arco mais facilmente, e que se perpetuavam por um comércio calculado e astucioso com os homens dos países vizinhos, devolvendo-lhes depois os filhos varões.

Vinham defender naturalmente aquele vale ameaçado pelo olho cobiçoso do estrangeiro. E o ardente e imaginoso espanhol, reunindo todas as forças de que dispunha, pôs-se a combater a tribo das icamiabas, distribuindo estocadas aqui e ali, ferindo, amedrontando e conseguindo, depois de muita luta, dispersar a valente legião feminina.

Mas quanto não lhe custara em sacrifício e coragem o arriscado e duvidoso duelo!

A manhã vermelha, lastrando de claridade o espaço e as águas sacudiu num estremecimento o famoso explorador.

Abrindo os olhos, ele viu novamente a extensão verde das margens e hesitava entre o sonho e a realidade do combate.

Chegando ao vale, povoado de cabildas e ranchos, começou a indagar, aqui e ali se tinham visto passar um bando de mulheres guerreiras, com as quais houvera batalhado arduamente na noite anterior.

Fazendo-se entender, indagava deles se não tinham visto, em seu galope romanesco, o bando das icamiabas.

E a gente rústica, ora duvidando do juízo e da pergunta desse imaginativo turbulento, ora levada pelo próprio amor ao maravilhoso, respondia-lhe com ironia ou com deslumbramento:

-Sim, passou por aqui de madrugada.

-Sim, encaminhou-se para o lado das cabeceiras.

E ainda:

-Subiu a serra de Patituna.

-Está em Jaciuaruá.

-Foi para as cabeceiras do Jamundá.

E assim, na controvertida informação dos nativos, deslumbrados ou divertidos com as perguntas do explorador, adquiriu Orellana a certeza de ter visto e de ter combatido o bando de mulheres guerreiras e de lhes ter dado seguríssima peleja.

Anunciou por todo o vale a presença daquelas heroínas que dormiam no fundo dos lagos, escaldando a imaginação dos mestiços com a notícia da legião aguerrida.

Enfeitiçados pela sugestiva façanha, o povo da região também começou a vê-las, a segui-las, a invocá-las, e, para autenticarem o sonho de Orellana, puseram-lhe o friso da tradição nativa, adornando a fantasia do viajante com uma pedra verde, úmida e lendária que seus avós encontraram no peito inquieto dos rios...

O ÓDIO DAS AMAZONAS

O que acarretou o isolamento das Amazonas e seu generalizado desejo de vingança contra os homens?

As Amazonas surgiram, justamente em um período de transição, em que o matriarcado, ou seja, um governo de mulheres, acabou sendo substituído pelo patriarcado. Essa tese está comprovada com o surgimento da "Casa dos Homens" e a realização da Grande Festa do Jurupari.

Muitas são as lendas e mitos que fazem referências ao antigo poder das mulheres e colocam a questão da transferência desse poder como uma luta, a qual o homem venceu e desde então, passou a tiranizar a mulher. A grande possibilidade é que, as mulheres que conseguiram sobreviver a essa luta, se retiraram para outras regiões, formando "reinos" por elas governados, aos quais, muitas tribos deveriam prestar tributos quando necessitassem cruzar seus territórios.

Fonte:
ROSANE VOLPATTO
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendaasamazonas.htm

Folclore Indígena (O Mítico Jurupari e As Amazonas)

Jurupari foi o herói mítico criado pelos homens para explicar e justificar as duras leis aplicadas às mulheres, que ficaram relegadas a uma total situação de inferioridade.

Ele veio do céu e é o Coaraci Raia, o Filho do Sol, um equivalente ao "filho do Deus Sol", cuja intervenção se faz de forma direta às mulheres, retirando-lhes todo o poder.

A realização da grande Festa do Jurupari, onde não era permitida a participação feminina, foi uma das maiores causas para agravar as diferenças nas relações entre homens e mulheres. O objetivo da festa não era outro senão intimidar e despertar uma atitude mais passiva e submissa do mulherio, para maior tranqüilidade dos homens.

Existe uma lenda que diz assim:

"No princípio, após a morte do filho da virgem, eram as mulheres que tocavam paxiúba (instrumentos de sopro) e vestiam as máscaras. Mas este tinha, sem dúvida, as suas razões para não amar as mulheres. Um dia desceu do céu e perseguiu uma delas, que tinha a máscara e as paxiúbas. Ela parou para urinar e depois lavar-se. Jurupari afinal à alcançou.

Deitou-a sobre a pedra, violou-a e tirou-lhe as paxiúbas e a mácara. Desde esta época, as mulheres não devem ver as máscaras, sob pena de morte, e Jurupari instituiu definitivamente a Casa dos Homens e a Festa dos Homens."

As Amazonas seriam então, um resquício vivo, da rebelião das mulheres, que não submeteram a nova ordem social imposta herói mítico Jurupari, que introduzia o predomínio do homem sobre a mulher.

Portanto, podemos afirmar, que na Amazônia, em tempos ainda não totalmente determinados, imperava o matriarcado, mas as mulheres acabaram perdendo seu poder e Jurupari instituiu novas leis. Não conformadas com tais ditames, por diversas vezes deve ter havido a tentativa de retomada desse poder. Como não foi alcançado o objetivo e em vista da forte repressão feita pelos homens, fugiram e foram construir tribos onde viviam sós.

As tentativas dos homens de dominar tais comunidades, por certo devem ter ocorrido. Daí a belicosidade das mulheres, que estabeleceram um grande poder para se defenderem.

É interessante acrescentar, que mesmo na lenda de Jurupari, ainda se conservava a predominância da natureza feminina, pois a palavra Coaraci, segundo Barbosa Rodrigues é de significado feminino:
a) CO = verbo ser
b) ARA = o dia
c) CI = mãe, de onde....
COARACI, que dizer "MÃE DO DIA", atestando a proeminência feminina frente a radical mudança de costumes...

BUSCAS ARQUEOLÓGICAS

Dezenas de buscas arqueológicas sucederam-se no Brasil, mas foi somente na Região Norte que os guerreiros nórdicos voltam à vida e a história.

Em torno de 1871, João Barbosa Rodrigues, um naturalista, foi designado pelo Império para explorar as imediações dos rios Tapajós, Trombetas e Jamundá. Ele recolheu amostras vegetais e catalogou dados etnográficos, retornando a capital no ano de 1875, publicando em seguida, seus estudos.

A região do rio Jamundá foi escolhida por ser o local onde se presumia ser o habitat das míticas guerreiras amazonas. Nas proximidades da cidade de Óbidos, Rodrigues encontrou vestígios de uma antiga aldeia indígena, que suspeitou ser a tribo da qual as amazonas faziam parte. A medida que deu prosseguimento as escavações, mais aumentavam suas esperanças. Surgiram um grande número de cerâmicas quebradas e machados. Imediatamente Rodrigues reconheceu que os fragmentos desenterrados eram bem semelhantes aos já encontrados no Peru e na Escandinávia. Tudo indica que realmente existiu um elo de ligação entre a Europa e o Brasil e, existiu um povo mais civilizado do que se suponha, habitando estas paragens. Entre eles estavam as nossas amazonas.

Fonte:
ROSANE VOLPATTO
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendaasamazonas.htm

Folclore Indígena (Os Muiraquitãs)

Os muiraquitãs têm formas e tamanhos variados, mas geralmente não passam de dez centímetros. São talhados em pedras de cor verde ou azulada (nefrita, jadeíta ou amazonita) e se apresentam normalmente sob a forma de batráquios e felinos. Alguns destes ídolos possuem um orifício, que possivelmente seja para passar um cordão e pendurá-lo no pescoço. Há quem diga que tal perfuração, também podia indicar a condição do feminino, estabelecendo assim uma associação direta com a lua.

Hoje, muito poucos originais muiraquitãs existem no Brasil, a maioria foram roubados, comprados ou traficados, mas já foram encontradas em toda a região amazônica: Pascoal, no Marajó, Santarém, Obidos, Parintins, Manacapuru e outros pontos. Os de cor verde e forma matraquiana são os mais afamados, mas existem igualmente, e em maior número, os de cor de azeitona, de cor leitosa, dependendo do material que foi empregado na sua confecção.

O maior poder do muiraquitã, reside em suas propriedades medicinais e na capacidade de predizer o futuro. Alguns habitantes da Amazônia que os conservam, afirmam que é necessário aproximar-se das margens de um rio ou lago numa noite de lua cheia para despertar os poderes deste fabuloso talismã. O ídolo deve permanecer por longo tempo submergido em água e, em seguida, colocado pelo devoto sobre sua testa. Os muiraquitãs arredondados são específicos para as mulheres, enquanto que os maiores e mais longos devem ser usados pelos homens. Existem também aqueles que apresentam cabeça de felinos, que são apropriados para os varões e, são usados mais para saber o futuro sentimental ou sexual, pois o simbolismo da onça nos remete à fecundidade e ao poder masculino.

O talismã de cor esverdeada mostra o futuro amoroso, enquanto que os azulados são propícios para desvendar o futuro econômico e material. Quando mais polida for a superfície do amuleto, melhor é para visualizar as previsões. Muitas pessoas utilizam glifos da região amazônica para suas adivinhações. Mas estas inscrições pré-históricas devem ter a forma e simbologia dos muiraquitãs.

As pessoas que desvendam estes segredos costumam aproximar suas testa destes símbolos de pedra e formulam então, as perguntas que dizem respeito a seu futuro para que a pedra sagrada possa revelá-lo. Comenta-se, que para empreender esta tarefa é necessário jejum e abstinência sexual, ou até mesmo ingerir uma infusão de guaraná.

Recentemente, mulheres descendentes das Amazonas, começaram a esculpir em pequenas pedras o muiraquitã, com o objetivo de resgatar a cultura, tradição e poderes. Elas só podem ser talhadas em noite de lua cheia e somente elas podem utilizá-los.

GRANDE MÃE DAS PEDRAS VERDES

A Mãe das Muiraquitãs foi quem ensinou as amazonas a fabricar os amuletos. Ela é uma Deusa Lunar que representa o "lado escuro" da lua que luta contra a consciência solar, que forçava as mulheres à servidão sexual. Foi o amor da Grande Mãe que desmanchou o feitiço narcisista e introduziu relações objetais no mundo humano. À medida que essa atitude expandiu-se e generalizou-se, transformou a sociedade no matriarcado, cujos sinais distintivos eram a aceitação universal de todas as criaturas, o naturalismo regulado e uma religião baseada nas intuições das harmonias na ordem natural.

Todas as nações já honraram e veneraram o princípio maternal da natureza. As amazonas possuíam a força e poder deste divino feminino. Elas, como nossas ancestrais, estão vivas em nosso inconsciente e como parceiras interiores nos dizem para termos mais confiança em nosso poder pessoal.

Acredito até que, já tenhamos aprendido a ser mais guerreiras que as próprias amazonas, mas mesmo assim, ainda faço um apelo para que a obra da Grande Mãe não apenas sobreviva e prospere, como também possamos entrar em uma "Nova Era" de atividade em Seu nome, que é o nome da compaixão, da sabedoria e do amor universal.

MEBIÔK, O RITUAL DAS AMAZONAS

Entre os índios Kayapó, ainda hoje é realizado o "Ritual das Amazonas", denominado de MEBIÔK.

Durante 7 dias, as mulheres se tornam as chefes da aldeia, abandonando suas casas, elas instalam-se na "ngobe" (Casa dos Homens), a escola masculina, que é proibida às mulheres.
Os homens, por sua vez, terão a tarefa de substituir suas mulheres nas lidas domésticas, preparando alimentos e cuidando dos filhos. À noite, eles têm que atender aos chamados e provocações das mulheres guerreiras, de modo a provar sua virilidade. É como se voltassem ao tempo do matriarcado, época em que os papéis de homens e mulheres eram inversos.

Na última noite, no encontro na "ngobe" completamente às escuras, sem mostrar quem realmente são, fazem sexo até o pajé anunciar a aurora. Elas vão em seguida tomar banho e retornam às suas casas e à vida normal.

É através desse comportamento que as mulheres relembram aos homens um antigo acordo: se eles não as tratarem bem, com amor e respeito aos direitos sociais adquiridos, elas podem se rebelar, abandonando-os e voltando à época em que as mulheres guerreiras viviam sozinhas na floresta, fazendo uma vez por ano uma "caçada" aos homens para reprodução.

A lenda das Amazonas não estão presentes apenas na cultura Kayapó, as mulheres xinguanas também celebram o Yamarikumã, o ritual das amazonas.

Esse ritual representa a rebelião coletiva contra o desprezo e a humilhação de permanecerem como simples espectadoras, assistindo às demonstrações que consideram machistas. Reagindo, as índias fazem o "moitará" (o comércio de troca intertribal), batem nos maridos, apropriam-se dos seus artesanatos e das flautas sagradas, cantam, dançam e lutam o huka-huka e promovem uma festa tão grande e vigorosa como qualquer outra masculina. Essa é a forma de demonstrarem que a qualquer momento podem repetir o episódio das amazonas guerreiras e viver isoladamente.

Fonte:
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendaasamazonas.htm