sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Expressões e Suas Origens = Letra A (Deonísio da Silva)

Estas expressões encabeçam cada página ímpar do livro De Onde Vêm As Palavras, Editora Mandarim. O autor apresenta a etimologia das palavras em ordem alfabética, sendo um verdadeiro dicionário.

A bom entendedor, meia palavra basta
Esta frase, dando conta de que não são necessárias muitas palavras para um bom entendimento entre as pessoas, está coberta de sutilezas, pois sugere que os interlocutores compreendem o sentido exato do que se disse por meio das mais leves alusões. Às vezes, é pronunciada também como advertência ou ameaça disfarçada de boas intenções. Os franceses são ainda mais sintéticos: para bom entendedor, meia palavra. E os espanhóis dizem: a bom entendedor, meio falador. A frase consagrou-se no famoso livro Dom Quixote de la Mancha, do celebérrimo Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616).

A burrice é contagiosa; o talento, não.
Esta é uma das muitas frases célebres da autoria do crítico literário Agripino Grieco (1888-1973), famoso por tiradas cheias de verve e maledicência, proferidas contra pomposos escritores nacionais, até então convictos de que, dado o ofício que praticavam, muitas vezes confundido com sua posição social ou política, não poderiam ter suas obras criticadas, a não ser em comentários favoráveis. O corajoso paraibano, entretanto, culto e irônico, não poupava ninguém e levou à posteridade uma obra de crítica literária desassombrada, imune às tradicionais igrejinhas e confrarias tão presentes na cultura brasileira. Entre seus livros estão Vivos e mortos, Recordações de um mundo perdido e Gralhas e pavões.

Abre-te sésamo
Esta frase reúne as palavras mágicas e cabalísticas que, proferidas pelo herói do episódio "Ali-Babá e os quarenta ladrões", das Mil e uma noites, resultam na abertura da porta misteriosa da caverna onde eram guardados os tesouros. Aqui está presente também a etimologia para explicar o significado de sésamo, em latim sesamum, que é uma planta em cujas sementes, muito pequenas e amareladas, está contida numa cápsula que se abre sem muita pressão. O sésamo nada mais é do que o nosso popular gergelim, utilizado nas padarias para o fabrico de pães especiais e outras delicadezas de sabor muito raro.

A casa da mãe Joana
A expressão ‘casa da mãe Joana’ alude a lugar em que se pode fazer de tudo, onde ninguém manda, uma espécie de grau zero de poder. A mulher que deu nome a tal casa viveu no século XIV. Chamava-se, obviamente, Joana e era condessa de Provença e rainha de Nápoles. Teve vida cheia de muitas confusões. Em 1347, aos 21 anos, regulamentou os bordéis da cidade de Avignon, onde vivia refugiada. Uma das normas dizia: "o lugar terá uma porta por onde todos possam entrar". ‘Casa da mãe Joana’ virou sinônimo de prostíbulo, de lugar onde impera a bagunça, mas a alcunha é injusta. Escritores como Jean Paul Sartre, em A prostituta respeitosa, e Josué Guimarães, em Dona Anja, mostraram como o poder, o respeito e outros quesitos de domínio conexo são nítidos nos bordéis.

A crítica não ensina a fazer obras de arte; ensina a compreendê-las
Frase do jornalista e romancista carioca Raul d’Ávila Pompéia (1863-1895), patrono da cadeira 33 da Academia Brasileira de Letras. Foi também diretor da Biblioteca Nacional, cargo atualmente ocupado pelo poeta, crítico e ensaísta Affonso Romano de Sant’Anna. Os críticos nem sempre foram bem entendidos, mas freqüentemente hostilizados. O autor do famoso romance O ateneu foi um dos poucos escritores que, com isenção, esforçaram-se por praticas ou entender a crítica. Seu contemporâneo francês, também romancista, Gustave Flaubert (1821-1880), tinha opinião radicalmente contrária. Segundo ele, era crítico quem não podia criar, assim como tornava-se delator quem não podia ser soldado.

Acta Est Fabula
O cuidado com dois momentos decisivos das narrativas, o começo e o desfecho, resultou na criação de formas fixas como "era uma vez" para a abertura das fábulas, e "foram felizes para sempre", para a conclusão. No teatro romano, o fim dos espetáculos era anunciado aos espectadores com a frase acima, que significa "a peça foi representada". O imperador romano Caio Júlio César Otaviano Augusto escolheu esta frase como última a ser pronunciada por ele antes de morrer. Tinha feito uma administração tão primorosa que o século em que viveu foi chamado pelos historiadores de o século de Augusto.

Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura
Utilizada para designar a pertinácia como virtude que vence qualquer dificuldade, por maior que seja, esta frase perde-se nas brumas do tempo, mas um de seus primeiros registros literário foi feito pelo escritor latino Ovídio (43 a.C.-18 d.C), autor de célebres livros como A arte de amar e Metamorfoses, que foi exilado sem que soubesse o motivo. Escreveu o poeta: "A água mole cava a pedra dura". É tradição das culturas dos países em que a escrita não é muito difundida formar rimas nesse tipo de frase para que sua memorização seja facilitada. Foi o que fizeram com o provérbio portugueses e brasileiros.

Alea Jacta Est
O general e estadista romano Júlio César (101-44 a.C.) pronunciou esta frase, que significa ‘a sorte está lançada’, em 49 a.C., durante a campanha da Gália. Ele decidira atravessar o rio Rubicão, transgredindo a lei do Senado romano que determinava o licenciamento das tropas toda vez que um general de Roma entrasse na Itália pelo norte. A tradição consagrou-a como sinônimo de decisão importante, tomada após reflexão e seguida de risco. É lembrada quando se quer ressaltar ou não há mais possibilidade de voltar atrás, nem que se queira. Célebre em razão de quem a pronunciou em situação tão dramática, tem sido com freqüência para ilustrar decisões irrevogáveis.

A imprensa é o quarto poder
Esta frase, que expressa em boa síntese a importância que tem a imprensa, deve sua criação ao escritor e grande orador britânico Edmund Burke (1729-1797). Ao lado dos três poderes clássicos de uma sociedade democrática, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, a imprensa seria o quarto poder pela influência exercida sobre as votações do primeiro, as ações do segundo e as decisões do terceiro. Quem mais divulgou a frase em seus escritos, defendendo a mesma concepção, foi o famoso historiador e crítico inglês Thomas Carlyle (1795-1881). A imprensa foi sempre importante também para nossas letras. Os primeiros romances brasileiros foram publicados em jornais e revistas.

A mulher é a porta do diabo
Esta famosa frase foi originalmente dita e escrita em latim – mulier janua Diaboli – por Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona, na África, doutor da Igreja e um dos pilares da teologia cristã e da filosofia ocidental. Antes de proferi-la, entretanto, levou vida amorosa das mais conturbadas, entregando-se a prazeres que depois condenou. Sua conversão é atribuída às orações de sua mãe, sobre quem escreveu um texto famoso, o Panegírico de Santa Mônica. Para um dialético como Agostinho, nada mais sintomático: sua salvação e perdição foram obras femininas. "A mulher é a porta de Deus" também poderia ser uma frase agostiniana.

A política não é uma ciência, mas uma arte.
Frase pronunciada pelo lendário príncipe, chefe militar e estadista prussiano, Otto von Bismarck (1815-1898), que fez da Alemanha uma grande potência, garantindo-lhe unidade não apenas territorial, pois com ele o povo alemão conquistou sua autonomia. Para tanto, Bismarck enfrentou sérias dificuldades e ousou sustentar uma de suas guerras até mesmo contra o partido católico. Além disso, deu especial atenção às classes trabalhadoras, protegendo-se numa espécie de socialismo de Estado. A frase acima foi dita pela primeira vez num discurso pronunciado em alemão no dia 18 de dezembro de 1863 e desde então insistentemente repetida em muitas outras línguas.

A pressa é inimiga da perfeição
Esta frase antológica passou ao acervo de ditos célebres pela pena do famoso jurisconsulto brasileiro Rui Barbosa de Oliveira ao comentar a rapidez com que se redigia o Código Civil Brasileiro, que trouxe em sua versão final preciosas anotações do mestre. Os detalhes sempre foram importantes, nas redações das leis como nas obras artísticas. Ao longo dos carnavais, várias foram as escolas de samba que perderam pontos importantes pelo desleixo com pormenores. O águia de Haia, como era chamado por sua atenção em famosa conferência que pronunciou na Holanda, acrescentou que a pressa é também "mãe do tumulto e do erro".

Assim é, se lhe parece
Frase de autoria do célebre escritor italiano, Prêmio Nobel da Literatura em 1934, Luigi Pirandello (1967-1936), autor de contos, romances e peças de teatro. Algumas de suas obras foram transpostas para o cinema. Seus livros mais conhecidos são O falecido Matias Pascal, Seis personagens à procura de um autor e Assim é, se lhe parece, comédia em três atos que discute a busca da verdade. Dois dos principais personagens, o senhor e a senhora Ponza, por meio de diálogos, apresentam um espelho da vida provinciana, no estilo habitual do autor, marcado por fina ironia, grande dose de sarcasmo, mas também grande compaixão humana. A frase passou a ser usada para encerrar uma discussão.

As mulheres perdidas são as mais procuradas
Cantores e cantoras, como Roberto Carlos e Sula Miranda, muso e musa de caminhoneiros, a quem dedicaram várias de suas canções, souberam inspirar-se num imaginário rico em metáforas, presente em frases como esta, extraída do pára-choques de um caminhão. Tendo abandonado os projetos de ferrovias, o desenvolvimento brasileiro dos anos de pós-guerra deu preferência ao transporte rodoviário. Formou-se, então, um tipo de profissional que está presente desde então na cultura brasileira, não apenas com o trabalho importantíssimo que realiza, inclusive carregando este livro até você, leitor, mas também em frases picantes, aludindo a amores passageiros que podem durara penas por um trecho de suas longas viagens.

À sombra de um grande nome
Esta frase tem sua origem na expressão latina Magni nombris umbra, encontrável em vários escritores antigos que escreviam em latim, entre os quais Lucano (39-65) e seu tio Sêneca (4 ªC.-65 d.C.), o primeiro lamentando a rápida transformação do seu caráter do grande general romano Pompeu (106-48 a.C.) que abandonou suas virtudes guerreiras ao tornar-se paisano, ainda que sob os eflúvios solenes da toga. A frase é citada quando um grande homem, por seus atos, faz com que se apaguem antigas lembranças de feitos memoráveis que o credenciaram à admiração, mas que vão para a vala comum dos esquecimentos em virtude de seus desvios. As boas recordações são apagadas e o povo passa a relembrar apenas os malefícios da grande figura. É também utilizada para identificar quem faz o mal à sombra de um bom nome, como ocorre a auxiliares de vários governantes.

A Terra é Azul
Esta frase foi a declaração do cosmonauta soviético Yuri Alekseyevich Gagarin (1934-1968), o primeiro a fazer um vôo espacial, a bordo da nave Vostok 1, em 12 de abril de 1961. Antes dele, a cadelinha Laika, também soviética, se é que se pode dar nacionalidades a cachorros, foi o primeiro ser vivo a ir ao espaço, no Sputnik 2 (um dos dez satélites soviéticos lançados a partir de 1957), mas morreu ao entrar em órbita. Gagarin disse a famosa frase quando contemplou a Terra de um lugar onde homem nenhum estivera. Não foi apenas um pioneiro, mas alguém que, a bordo de sofisticada tecnologia da época, lançou um olhar humano sobre o planeta e soube expressá-lo com simplicidade e poesia.

Até que a morte os separe
A história desta frase prende-se às cerimônias de casamentos, principalmente dos ritos cristãos, que concebem os laços do matrimônio como indissolúveis. Está presente em numerosas narrativas, sejam contos, novelas, romances ou poesias. Integra também a ensaística que trata das relações entre marido e mulher na estrutura familiar. Um de seus mais antigos registros foi feito pelo apóstolo São Paulo (10-67) em sua Primeira Epístola aos Coríntios, em que se esforça para demonstrar aos leitores e ouvintes daquela famosa carta que os laços que unem homem e mulher no casamento foram instituídos, não pelos homens, mas por Deus, ainda no paraíso.

Até tu, Brutus?
A história desta frase famosa, comumente aplicada a situações de traição, remonta ao episódio que resultou no assassinato do grande imperador, estadista e general romano Caio Júlio César (101-44 a.C.), vítima de conspiração organizada por senadores e aristocratas e liderada, entre outros, por Marco Júnio Bruto (85-42 a.C.), nos idos de março de 44 a.C. A vítima defendeu-se quanto e como pôde de punhais e espadas, até que reconheceu entre os que o atacavam e feriam o próprio filho adotivo. Ao vê-lo, teria pronunciado esta frase que o historiador Suetônio celebrizou em A vida de César. O enteado pagou caro por tramar a morte do pai e, derrotado, suicidou-se dois anos depois.

Ave, Maria!
Uma das mais célebres frases de todas as religiões cristãs, significando salve, Maria! Foi transcrita do Evangelho de Lucas 2, 28, constituindo-se na saudação com que o anjo Gabriel anunciou à Virgem Maria que ela estava grávida do Espírito Santo e iria ganhar um menino a quem deveria pôr o nome de Jesus. Tão famosa ficou a expressão que tornou-se tema e título de diversas obras artísticas, como pinturas, esculturas e até músicas. É também o nome de uma das mais notórias orações, que tem uma segunda parte acrescentada às palavras proferidas pelo anjo Gabriel no momento da anunciação. Ave já era forma de saudação na antiga Roma, como o clássico Ave, Caesar.

A vida é breve
Esta frase constitui o primeiro dos célebres aforismos de Hipócrates (460-377 a.C.), que o escreveu originalmente em grego, precedido de outra frase: a arte é longa. Tem sido muito citada ao longo dos séculos, e o cantor e o compositor Tom Jobim foi um dos que a aproveitaram, inserindo-a nos versos de uma de suas famosas músicas, porém em ordem inversa para fazer a rima: "breve é a vida". O pai da medicina, ainda que praticando uma ciência, reconheceu ser a arte mais duradoura do que a vida, inaugurando assim uma linhagem de médicos escritores, presentes em todas as literaturas do mundo, incluindo a brasileira, em que se destacam autores que exerceram a medicina como ofício principal.

A voz do dono
Tornou-se célebre a figura de um cão ouvindo um fonógrafo, acompanhada desta expressão que foi utilizada por um fabricante de discos e de um aparelho destinado a reproduzir os sons gravados. A frase teria sido pronunciada pela primeira vez por Thomas More (1478-1535), depois transformado em santo, quando atuava como juiz de uma causa entre sua esposa e um mendigo. Lady More trouxera para casa um cachorrinho extraviado e um dia um mendigo apresentou-se como dono do animal. Querendo ser justo, o famoso humanista inglês pôs sua esposa num dos cantos da sala e o mendigo no outro, ordenando que cada qual chamasse ao mesmo tempo o cachorrinho, que estava no meio dos dois. Sem vacilar, o animal correu para o mendigo, reconhecendo a voz do dono. Para não deixar muito triste sua esposa, o marido pagou uma moeda de ouro pelo cãozinho.

A voz do povo é a voz de Deus
A expressão veio do latim vox populi, vox Dei, traduzida quase literalmente. Há milênios o povo simples considera que o julgamento popular é a voz de Deus. Tal crença tem raízes na cultura das mais diversas procedências. Tudo começou em Acaia, no Peloponeso, onde o deus Hermes se manifestava em seu templo do seguinte modo: o consulente entrava, fazia a pergunta ao oráculo, depois do que tapava as orelhas com as mãos e saía do recinto. As palavras errantes ditas pelos primeiros transeuntes seriam as respostas divinas. Perguntava-se a um deus, mas era o povo quem respondia. No Brasil, um instituto de pesquisa de opinião pública chama-se Vox Populi e foi um dos primeiros a prever a vitória de Fernando Collor nas eleições presidenciais de 1989 por larga margem. Curiosamente, não previu seu afastamento. Teria faltado a vox Dei?

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Deonísio da Silva é catarinense, ou catarinauta, como diz, de Siderópolis, onde nasceu em 1948. Em 1976, pelas mãos de Rubem Fonseca, publicou seu primeiro livro, Exposição de Motivos, logo premiado pelo MEC e transposto para teleteatro por Antunes Filho, ao qual seguiram A Mulher Silenciosa, Orelhas de Aluguel, A Cidade dos Padres. Em 1991 recebeu o Prêmio Internacional Casa de las Américas pelo romance Avante, Soldados: para Trás. Seu romance Teresa, lançado em 1997, baseado na vida de Teresa D'Ávila, foi premiado pela Biblioteca Nacional e transposto para teatro antes mesmo de ser publicado. Doutor em letras pela USP, é professor da Universidade Federal de São Carlos.

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=curiosidades/docs/vempalavras1
P.S.: As Letras G, H e I foram postadas em dezembro de 2007.

De onde vêm nossas palavras (Hélio Consolaro)

Tudo tem a sua história. A língua portuguesa não é diferente. Toda língua possui uma história que se confunde com a de seus falantes, ou seja, o seu povo. O português também é assim. Nossas palavras vêm de várias fontes. Vejamos:

1ª) Fonte primária e básica é o LATIM FALADO, que os filólogos denominam de "latim vulgar". Este latim era levado pelos soldados romanos a cada região conquistada pelo império. Em cada terra, os soldados romanos se misturavam na convivência, que também gerou uma mistura lingüística do latim vulgar com a língua nativa do lugar, dando origem a vários idiomas, como: português, castelhano, catalão, provençal, francês, rético, italiano, sardo, dalmático (morto) e romeno.

A Península Ibérica foi conquistada no século III A.C.. Nela habitavam celtas, iberos, fenícios, gregos e outros grupos. Celso Cunha diz que poucas palavras destes povos permaneceram no português, como: balsa, barro, carrasco, louça, manteiga e alguns sufixos.

2ª) LATIM ESCRITO usado pela Igreja Católica e pelos intelectuais, de onde nasceram as palavras eruditas no português, como: celeste, fascículo, homúnculo, lácteo, miraculoso (de milagre).

3ª) Outras línguas, quase sempre neolatinas, das quais recebemos palavras que tiveram origem também no latim, como "amistoso", ligado à palavra castelhana amistad (no português amizade), do latim amicitate.

4ª) Invasões estrangeiras. Os visigodos, no século V, como os árabes, do século VII ao XV, estiveram na Península Ibérica, por isso há no português várias palavras de origem gótica, como: albergue, bando, guerra, trégua; de origem árabe, como: alface, álcool, cifra, faquir, tripa, xadrez.
De 1580 a 1640 Portugal permaneceu sob o domínio espanhol, são desta época o espanholismo, como: alambrado, granizo, hombridade, neblina redondilha, tablado, vislumbrar.

5ª) Imigrações. Já no Brasil, o português sofreu influência dos negros, que foram trazidos como escravos, como acarajé, candomblé, dengue, vatapá. Recebemos palavras também do povo nativo, os índios, principalmente nos nomes dos acidentes geográficos e das cidades. Depois dos europeus e asiáticos vindos ao Brasil no final do século XIX e início do século XX, como: italianos, espanhóis, japoneses. Por isso, o português do Brasil foi se distanciando do português de Portugal.

6ª) Influência cultural. A intelectualidade brasileira já sofreu forte influência cultural da França, por isso temos palavras importadas do francês, como: chique, croqui, tricô, menu, omelete, purê, sutiã. Atualmente sofremos uma influência forte do inglês norte-americano, como: basquete, vôlei, boxe, ringue, uísque, nocaute, cartum, filme. Havendo muitas palavras que conservam a ortografia inglesa, como: marketing, software, overnight, holding, lobby.

E o português continua aberto à importação de termos estrangeiros, principalmente em tempos de globalização.

*Hélio Consolaro é professor do Ensino Médio, cronista diário da Folha da Região.

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=curiosidades/docs/origens

Palavras e Expressões Regionais do Pernambuco

Ababacado, Abestado – Bobo, tolo, idiota.
Abiscoitado – Bobo, ingênuo.
Abisuntado - Enganado, lesado.
Abufanar – Provocar; irritar; perturbar.
Acertar na veia - Fazer a coisa com exatidão; dar o tiro certo.
Acochado – Destemido, valente.
Acunhar - Perseguir, chegar junto.
Afolozado – Folgado.
Alcoviteira – Pessoa que faz intermediação ou apóia namoro proibido.
Aloprado – Ousado.
Alpercata - Sandália de couro cru.
Aluado – Meio louco.
Amarrar-o-bode – Ficar de mau humor.
Amojada – Prenhe, grávida.
Amolegado - Coisa remexida, mole; pessoa frouxa.
Amundiçado – Desprovido de bons modos; mal-educado.
Ancho - Feliz, contente; metido.
Aperriado – Aflito, irritado.
Apoquentado – De cabeça quente; irritado.
Aprochegar - Aproximar-se; se enturmar.
Arenga – Briga.
Ariado – Sem rumo, desorientado.
Aruá – Bobo, idiota.
Arregar – Pegar carona sem ser convidado; usufruir de algo sem pagar.
Arremedar - Imitar, geralmente os pássaros.
Arretado – De boa qualidade, excelente.
Arriado – Enamorado, apaixonado.
Arrilique - Remédio eficaz, santo remédio.
Arribar – Partir, fugir.
Arrocha-o-nó - Agir com firmeza.
Arrudiar - Dar a volta pelo lado de fora ("O moleque arrudiou o circo, procurando um buraco pra entrar").
Arupemba – Peneira.
Avexar – Apressar .
Avia – Apressa, agiliza ("Avia logo com esse serviço, menino!").
Babão - Puxa-saco.
Baitola - Bicha, homessexual masculino.
Baixa-da-égua - Lugar muito distante.
Balai-de-gato - 1. Situação confusa; 2. Coisa muito ruim.
Baleado – Ligeiramente embriagado.
Bambo - Por acaso, por sorte (Não sabia o endereço, acertou no bambo).
Barata-de-igreja – Beata.
Barroada – Choque, batida entre dois ou mais automóveis.
Bascui – Sujeira, entulho.
Bater-fofo - Falhar, não cumprir o prometido.
Berrante - Revólver, arma de fogo.
Bexiga – Coisa ruim; situação complicada.
Bexiguento - Patife, cretino.
Bicada – Dose de aguardente, dose de bebida alcoólica.
Bicado – Embriagado.
Bigu – Carona.
Bila – Bola de gude.
Bip – Pessoa insistente; pessoa pegajosa; pessoa que fala muito.
Biritado – Bêbado, embriagado.
Bizu - Cola de prova; fraude em vestibular.
Boca-quente - Pessoa influente, importante.
Bodeado – Chateado; embriagado.
Bode-moco - Pessoa com problema de audição.
Borrego – Filhote de cabra.
Brebote – Comida com baixo teor de nutrição.
Bregueço - Objeto sem valor, desprezível.
Brenhas - Lugar longe e de difícil acesso.
Bruaca – Mulher feia.
Bujinganga – Conjunto de objetos variados, sem ou de pouco valor; miudezas.
Bunda-nacasta – Cambalhota.
Buruçu – Confusão.
Cabra – Pessoa não identificada; pessoa má; trabalhador braçal.
Cabrita – Menina-moça, moça sapeca.
Cabroeira – Grupo de cabras, pessoas.
Cabuetar – Denunciar.
Cabuloso – Chato; desagradável (O sujeito é muito cabuloso).
Cachete – Comprimido.
Cafofa - No futebol, chute fraco, sem força.
Caixa-dos-peito - Tórax (O cabra levou um tiro bem na caixa-dos-peito).
Caixa-prego - Lugar muito distante.
Califon - Sutiã, corpete.
Calombo - hematoma, galo, caroço.
Calunga – Aquele que trabalha descarregando caminhão.
Cambota - Pessoa de joelhos separados, que caminha de pernas abertas.
Canso - Cansado; Informação velha (Ele casou com ela porque quis, mas estava canso de saber que ela não prestava).
Cão chupando manga - Muito competente no que faz.
Capiongo - Desanimado, triste, abatido.
Caritó – Estado da mulher que envelheceu e não conseguiu casar (Ela ficou no caritó).
Carraspana - Bebedeira, cachaça.
Catatau - Entulho, amontoado de objetos.
Catinga – Mau-cheiro.
Catombo - Parte elevada de alguma superfície; hematoma.
Catota - Secreção nasal, meleca.
Catrevage - Coisa velha, objetos sem valor.
Cavalo batizado - Grosseiro, estúpido.
Cavernosa - Pessoa ou coisa misteriosa.
Chamar-na-grande - Advertir seriamente.
Cheleléu - Puxa-saco, xaleira.
Chililique – Desmaio.
Chirimbamba - Mundiça, ralé.
Chirre – Sopa rala, caldo sem consistência.
Chumbado - Meio embriagado.
Chupitilha – Refresco.
Cocorote – Cascudo.
Coivara - Ajuntamento de galhos preparativo na queimada.
Comunismo – Carestia (Os preços na feira hoje estavam um comunismo).
Conxambrança – Acordo entre duas ou mais pessoas, com objetivo de ação maldosa.
Corta-jaca – Intermediário de namorados.
Corpete - Sutiã.
Cotoco – Pedaço muito pequeno de um objeto (O lápis está só no cotoco).
Couro-de-pica – Diz-se da pessoa ou situação que vai e volta freqüentemente sem nada resolver.
Cromo – Calendário.
Curriola – Grupo de pessoas da baixa classe social.
Cuvico - Pequeno cômodo.
Dar o grau - Caprichar num serviço.
Dar o prego - Enguiçar, quebrar (o carro deu o prego na subida da ladeira).
Derna – Desde.
Derrubado – Feio; decrépito.
Desenxavido – Desinibido.
Desopilar - Descontrair .
Desmilinguido – Magro; sem vigor.
Despachada – Pessoa desinibida; pessoa folgada.
Despautério – Desaforo.
Despanaviado – Desajeitado; tonto.
Desunerar – Engrolar; ficar mal cozido ou mal assado; comida fora do ponto.
Difunço – Gripe, resfriado.
Disgramado - Atrevido ou sujeito desgraçado.
Dois gatos pingados - Platéia minúscula, pouca gente.
Do tempo do ronca - Muito antigo, fora de moda, ultrapassado.
Embarrigar – Engravidar, ficar grávida.
Emburacar - Entrar sem pedir licença.
Empazinado - Estado daquele que comeu além da conta.
Empeleitada – Empreitada, trabalho com pagamento previamente ajustado.
Emprenhar – Engravidar.
Empombar - Implicar.
Empulhado - Pessoa constrangida, sem graça diante de uma situação.
Encangados – Unidos, inseparáveis.
Encasquetar - Ficar com idéia fixa em alguma coisa
Encruar - Emperrar; empacar.
Engembrado - Dolorido, esfolado (Depois da corrida, fiquei com o corpo todo engembrado).
Engrisilha – Situação confusa; coisa enrolada.
Entonce – Então.
Entupido – Pessoa com prisão de ventre.
Escafedeu – Sumiu, desapareceu.
Escurrupichado - Muito comprido, esticado.
Esparro – Arrogância.
Espinhela caída - Doença na coluna vertebral.
Espoletado – Brabo; inconseqüente.
Espragatar – Esmagar (Ele caiu e ficou espragatado no chão).
Esprivitado - Agitado, atrevido.
Estabanado – Destemperado.
Estalecido – Gripe, resfriado.
Estambocar - Quebrar partes do reboco da parede.
Estoporar - Explodir; passar da conta; gastar em excesso (Ele estoporou todo o dinheiro apurado).
Estribado – Endinheirado, rico.
Estrupício - Aquilo ou a pessoa que dá trabalho, que sobrecarrega a vida de alguém ("Aquele menino é o estrupício da minha vida!").
Esturricar – Secar ao sol em demasia.
Farnesim – Gastura, arrepio, comichão, agitação nervosa.
Farofa - Enganação; pose (Ele muito frouxo, só tem farofa).
Farrapar – Não cumprir, falhar (Assumiu o compromisso comigo mas farrapou; o motor do meu carro está farrapando).
Febrento - Chato; mau-caráter.
Ferrado - Derrotado; em situação de apuro.
Fita - Amostração; que só tem pose.
Foi o bicho – Foi excelente.
Folote - Frouxo, folgado, afolozado.
Frege – Agitação, reboliço, festa ou função de aparência má.
Fubento – Desbotado, velho, surrado (O paletó do médico está fubento).
Fubica – Carro velho, imprestável.
Fuleiro – Usa-se para classificar objeto sem valor ou pessoa que não cumpre o prometido.
Fuleragem – Atitude desprezível.
Furdunço – Briga, bagunça, confusão.
Futricar – Bisbilhotar, remexer.
Fuxico – Mexerico, intriga, fofoca.
Gaia – Traição ao cônjuge, infidelidade conjugal.
Gaiato - Gozador.
Gaitada – Gargalhada.
Galalau – Homem de alta estatura.
Garajau – Grade feita em madeira para transportar galinhas.
Gargantilha - Homossexual masculino.
Gasguita - Mulher de voz estridente.
Gastura – Mal estar estomacal; arrepio.
Goga – Empáfia, soberba.
Góia – Resto, ponta de cigarro.
Gota-serena – Enraivecido, irado (Ficou com a gota-serena porque o time dele perdeu o jogo).
Gréia – Zombaria, gozação.
Grude – Sujeira; cola de farinha de mandioca; pessoa pegajosa.
Guelar – Apropriar-se indevidamente de algo; roubar.
Guenzo – Pessoa magra, esquelética.
Incandeado – Ofuscado.
Inguizira – Coisa ou situação complicada.
Inhaca – Mau-cheiro, fedor, catinga.
Injiado - Enrugado.
Inté – Até.
Interar – Completar.
Istruir – Desperdiçar, estragar (É pecado istruir comida).
Jabá – Propina; qualquer comida sem muito preparo, grosseira.
Jabaculê – Dinheiro; propina.
Jaburu – Mulher feia.
Jamanta – Pessoa grande e gorda.
Jararaca – Mulher que gosta de brigar, valente.
Jerico - Jumento; pessoa ignorante, burra.
Lambedor – Xarope caseiro.
Lambisgóia – Mulher magra, esquelética; mulher namoradeira.
Lacraia – Escorpião; mulher de gênio mau.
Lapada – Dose (Tomei apenas uma lapada de cachaça).
Latumia - Conversa sem controle, algazarra, confusão.
Lero – Conversa descontraída, sem compromisso.
Leseira – Bobagem, idiotice.
Leso – Bobo; Pessoa esperta que se faz de boba para levar vantagem.
Liseu – Estado de quem está sem dinheiro (Maria está num liseu que faz pena).
Loiça – Homossexual masculino.
Lombrado – Cansado.
Lumia – Clareia.
Lundu – Saudade.
Macaca – Estado de pessoa irritada, raivosa (Ele estava com a macaca).
Maçaroca – Grande quantidade de objetos desordenados (Era uma maçaroca de papel).
Madorna – Dormir (Vou tirar uma madorna).
Mafuá - Bagunça; confusão.
Malamanhado – Mal vestido.
Malassada – Omelete.
Maloqueiro - Moleque, vagabundo.
Maluvida – Pessoa sem educação, malcriada.
Mangote – Grande grupo de pessoas (Tinha um mangote de velhas na missa).
Manzanza – Lentidão; pessoa lenta.
Marinete - Carro tipo perua, utilitário.
Marmota - Pessoa desajeitada, mal-vestida.
Marretar – Roubar.
Mas é nada! - Interjeição indicando discordar, não permitir algo.
Mata-fome – Bolacha.
Matulão – Sacola de couro; bizaco.
Meganha – Soldado; recruta.
Meiota – Metade de uma garrafa de cachaça.
Melado - Embriagado .
Miolo-de-pote - Bobagem, conversa fiada.
Misto – Caminhão com metade da carroceria transformada em cabine para o transporte de passageiros: a outra metade leva as cargas.
Mocréia - Mulher feia; mulher sem classe.
Mondrongo – Engenhoca sem utilidade, coisa malfeita.
Mormaço – Ambiente sem ventilação, quente e úmido.
Mosqueiro – Restaurante malcuidado, sujo.
Mufino - Medroso, covarde.
Muiar – Molhar.
Mulesta-dos-cachorros - Ira, raiva (Ele ficou com a muleta-dos-cachorros).
Mundiça – Ralé, pessoa(s) sem educação.
Munganga – Careta, trejeito.
Munheca-de-pau – Motorista sem habilidade, mau motorista.
Muruanha – Muriçoca.
Murrinha - Coisa emperrada; pessoa com raiva.
Mussiça – Macia; carne sem osso.
Nebrina – Sereno.
Nesga ou Nesguinha - Pedaço pequeno, minúsculo.
Nó-cego – Dificuldade; pessoa ou coisa complicada.
Noda – Nódoa, mancha.
Novela – Situação de difícil solução, interminável.
Oitão - Corredor lateral entre a casa e o muro do quintal
Ôxe ou oxente – Exclamação de surpresa.
Pabulagem – Orgulho vão, empáfia; embuste, impostura.
Pacaia – Cigarro feito com palha e fumo de rolo.
Paia – Coisa sem valor; restos.
Pamonha – Diz-se da pessoa tola, sem iniciativa: comida de milho.
Pandemonho – Correria, confusão.
Pantim – Artimanha; trejeito; disfarce com objetivo de esconder algo a outrem.
Papagaio – Pipa; dívida não paga.
Pareia – Par; coisa ou pessoa sem igual (Na ruindade, aquele ali não tem pareia, não) .
Passado na casca do angico - Pessoa experiente, madura.
Pau-do-canto - Diz-se quando o aluno é aprovado com nota mínima (Eduardo passou no pau-do-canto).
Peba - Coisa sem valor, ruim.
Pedir penico - Fracassar, desistir.
Peguenta – Pessoa pegajosa, que não desgruda das outras.
Penca – Grande quantidade; cacho.
Penosa.- Galinha.
Penso - Torto, desalinhado.
Pereba – Ferimento, ferida.
Pia – Olha, veja.
Picinês – Óculos.
Pílula-bufante - Batata-doce.
Pindaíba – Estado de pobreza, liseu.
Pinguela – Passagem estreita, de madeira, sobre riacho.
Piniqueira – Empregada doméstica.
Piola – Ponta de cigarro.
Piquai - Objeto sem valor, peba.
Pirangueiro – Pessoa mão-fechada, pão-duro.
Pirobo - Bicha, homossexual masculino.
Pirraia – Criança, pessoa de comportamento infantil.
Pisante – Sapato.
Pitaco – Palpite.
Pitéu - Gata, mulher jovem e bonita.
Pitoco – Coisa ou pessoa pequena.
Pixaim – Cabelo encaracolado.
Pixotinho - Pessoa pequena, ainda criança.
Ponche – Refresco; suco de fruta.
Potoca - Conversa fiada, conversa besta.
Pra mode - De modo a.
Precisão – Necessidade.
Precondia – 1. Estado de tristeza, de abatimento (Depois que a mulher o deixou, ele ficou numa precondia danada) 2. Situação monótona (Sem festas, a cidade fica numa precondia horrorosa).
Presepe – Pessoa vestida com roupa espalhafatosa, desajeitada.
Presepada – Estripulia, confusão; atitude desonesta; atitude ridícula.
Presepeiro – Aquele que pratica presepadas.
Pru qui - Por aqui.
Quartim – Uma quarta parte da garrafa de cachaça.
Quartinha - Reservatório, de barro, para armazenar água, bem menor que pote.
Quartinho - Um quarto da garrafa de cachaça.
Quebra-queixo - Doce de ponto apurado, à base de coco e de castanha de caju, vendido nas ruas num tabuleiro que o ambulante carrega na cabeça.
Queijudo – Donzelo; abestalhado.
Queixão – Falar em tom arrogante, desafiador (Ele veio com queixão pra cima de mim).
Quenga – Prostituta; mulher de comportamento condenável.
Quengo – Cabeça.
Rabiçaca – Derrapada (Na curva, o carro deu uma rabiçaca e quase capotou).
Rançosa – Comida ou bebida amarga.
Rafaméia – Ralé; grupo de pessoas sem linhagem.
Reboculosa – Mulher de corpo avantajado e atraente.
Rebordosa - Reviravolta; prejuízo.
Rebutalho – Restos de qualquer coisa; coisa sem valor.
Refém – Referente a; a respeito de (Não sei nada refém ao crime).
Remosa – Comida gordurosa, carregada, indigesta.
Resmungar – Reclamar repetidas vezes, geralmente em voz baixa.
Revestrério – Reviravolta, mudança de situação para melhor ou pior.
Riba – A parte superior; em cima.
Rimueta – Vai-e-vem; situação que não se resolve.
Riúna – Botina, calçado.
Rodage – Estrada de barro.
Roendo - Sofrendo por desilusão amorosa (Ela vive o tempo todo roendo por ele).
Rojão – Ritmo puxado, cansativo.
Rolete – Rodela de cana-de-açúcar.
Ronceiro – Lento; preguiçoso.
Roncha - Mancha provocada por pancada.
Roscofe – Relógio de pulso de baixa qualidade.
Rudilha - Pano de apoio para carregar lata de água na cabeça.
Ruma – Grande grupo de pessoas ou grande quantidade de objetos (Tinha uma ruma de gente na procissão).
Saída – Pessoa desinibida, afoita, atrevida.
Saimento - Paquera agressiva, fogosa; oferecimento (Neuza tá com muito saimento pro lado do namorado).
Sair com dois quentes e um fervendo - Reagir energicamente; entrar na briga pra valer.
Sair de bandinha - Deixar o lugar discretamente, sem chamar atenção.
Sambado – Estado de coisa muito gasta, velha, surrada.
Samboque - Buraco aberto em superfície lisa; ferimento.
Sapecado - Assado apenas superficialmente.
Sarrar - Namorar agarrado; amasso.
Se abrir - 1. Achar graça; 2. Ceder (a mulher) às investidas amorosas do homem.
Se aprochegue - Venha pra cá; chegue mais perto.
Segurar cabra pra bode mamar - Facilitar as coisas para outra pessoa.
Sibito – Pessoa magra e de baixa estatura; pequeno pássaro.
Sobejo – Resto de comida.
Sobrada - 1. Diz-se da ocasião em que uma pessoa tentou realizar alguma coisa e não conseguiu; 2. Quando um carro tentar fazer uma curva e derrapa.
Sobroço – Mágoa.
Soneca – Cochilo.
Sonsa – Pessoa falsa; pessoa fingida.
Supimpa – De boa qualidade, excelente.
Sustança – Valor altamente nutritivo de um alimento.
Talaigada - Grande gole de cachaça.
Tampa - Coisa ou pessoa de grande valor; o melhor, o primeiro .
Tapa-no-beiço – Tomar uma dose de cachaça (Vamos dar uma tapa-no-beiço?).
Tapiar - Enganar; distrair.
Tá variando – Endoidecido.
Teitei - Confusão, algazarra.
Teréns – Pertences de uma pessoa; objetos pessoais.
Tico - Quantidade mínima, pequena porção.
Tição – Pedaço de madeira queimada; pessoa de cor negra.
Timbugar – Mergulhar na água de um rio ou açude.
Tiririca – Estado de uma pessoa enraivecida (Ele ficou tiririca com a acusação).
Tirrina – Tigela grande.
Toitiço - Nuca; juízo.
Tome tento - Tome juízo; se ligue.
Tô operado – Significa: Sinto, mas não posso te ajudar.
Trepeça - 1. Pessoa má; 2. Objeto sem valor.
Troço – Objeto pessoal; pessoa desqualificada.
Trojão - Mulher gorda.
Tronchura - 1. Situação embaraçosa; 2. Coisa mal-feita.
Truado – Embriagado.
Trunfa – Topete, cabeleira.
Trafuá – Briga, confusão.
Trapusapo – Em tempo recorde; o mesmo que vapt-vupt.
Trepeça – Pessoa ou coisa sem valor.
Tribuzana – Algazarra.
Troncho – 1. Inclinado; tortuoso 2. Indivíduo de vida desregrada.
Truado – Embriagado.
Trupicão – Tropeço; topada.
Trupizupe – Pessoa desajeitada.
Tufo - Molho (Arrancou um tufo de cabelo).
Tuia – Grande quantidade; muitas pessoas ou coisas.
Uruvai – Orvalho.
Urucubaca – Azarão.
Urupemba – Peneira; o mesmo que Arupemba.
Vai dar bode – Vai acabar em confusão.
Vara de tirar coco - Pessoa alta e magra.
Varapau - Homem alto e magro.
Vascui – Restos; resíduos.
Velhaco - Mau pagador.
Vexado – Que tem pressa, apressado.
Vuco-vuco – Casa que comercializa objetos usados.
Xanha – Coceira.
Xenhenhém - Conversa mole, desculpa mal dada.
Xeleléu – Bajulador.
Xêxo – Calote.
Xexeiro - Mau pagador, caloteiro.
Xilindró – Presídio.
Xilique – Mal estar; desmaio.
Xiringar - Lançar jato de água.
Xodó – Namoro; paquera.
Xoxo – Magro, franzino, raquítico.
Zambeta – Indivíduo que tem os dois pés tortos.
Zarói – Pessoa caolha, estrábica.
Zuadenteo – Barulhento.
Zureia - Orelha..

Fonte:
http://www.pe-az.com.br/especiais/pernambuques.htm

Ziraldo (Crônica: Reminiscência)

Nasci numa pequena cidade de Minas. Até aí nada demais. Muita gente nasce em cidades pequenas, distantes e quietas. Seria feliz, de qualquer maneira, se quem lê neste instante pudesse saber a alegria que existe em se nascer num lugar assim, em que as ruas pequenas e estreitas, as altas palmeiras, a água macia da chuva que cai sempre, as muitas estrelas e a lua, as pedrinhas das calçadas, a meninada, a carteira da sala de aula, a mestra e mais uma quantidade destas lembranças simples sejam, mais tarde, influências reais na vida da gente. Na vida de quem, afinal, preferiu enfrentar a cidade grande: as águas desse mar, a luz dessas lâmpadas frias, a sala fechada, triste e sem perspectivas em que se ganha a vida, a cadeira quente e insegura das tardes de ir e vir — pura fadiga — das empresas, a luta, a dura luta de ser alguém, um peixe grande em mar estranhamente grande. A verdade é que, um dia, a pensar e refletir na grama macia da pracinha da matriz, a criança decidiu sair.

E a estrada se abriu a sua frente. Vir era uma idéia. Fixa. Caminhar era fácil.

A chegada: a rua imensa, as buzinas, as luzes, sinal verde, aquela cidade grande, grande ali, na sua frente. Cada face, cada ser que passava — pra lá e pra cá — inquietamente, tanta gente, suada, apressada, sem alegria, sem alma, a alma cerrada, enrustida, cada triste surpresa era a chegada.

Cheguei. Um táxi. A mala. As esquinas. Está bem, mas, que fazer? Sentei e pensei. Pela janela da casa alta vai a vida. Seria a vida? E disse a primeira frase na cidade grande, as primeiras palavras diante da grande luta e as palavras eram: Meu Deus, que saudade! E nem um dia me separava da pracinha da matriz. Cada dia que, a seguir, vi passar, esqueci.

Diante da máquina, neste instante, há uma distância imensa entre aquele dia na missa cantada na minha igrejinha e este dia em que, diante de mim, diante de minha mulher e da minha casa feita de cidade grande, minhas filhas brincam de ser gente grande.

E elas. Que vai ser delas? Sem palmeiras, sem um pai de ar grave; sem entender a chuva a cair em jardins humildes, nas margaridas branquinhas; sem entender de lua e de estrelas — que céu aqui, pra se ver nem se vê —, sem brincar na lama das ruas, a lama das chuvas, casca de palmeira, descer as barracas, nadar sem mamãe saber, nas águas escuras, fim de quintal, quintal, quintal? sem quintal? pedrinha de calçada, marcar a canivete sua inicial na carteira da sala. Ainda bem que nasceram meninas.

Já é diferente. Será que é? Sei lá. Entre a chegada e este instante, lembrança nenhuma. Sei que cheguei.

E sei mais: que esta página está é uma grande besteira, dura de cintura, sem graça, uma m... Já se vê que quem nasceu para caratinguense nunca chega a Rubem Braga. E também tem mais: Quem é capaz de escrever uma página literária decente — igual a essa (?) — sem usar uma vez sequer a letra O? Leiam mais uma vez. Atentamente. Se tiver um — além deste aí em cima — eu como!

Fonte:
ZIRALDO. Crônicas Mineiras. São Paulo: Editora Ática, 1984. Disponível em http://www.releituras.com/ziraldo_reminiscencia.asp

José Sant' anna (Cronica: O Folclore)

"Velho é o tema, mas tão velho como o folclore é o sol, e o sol é sempre novo, quando esparge sobre o céu silencioso o ouro e a púrpura de sua flama, nos deslumbramentos do amanhecer.”

Velha é a terra, mas o rejuvenescimento constante de seu seio, abrindo-se fecundo, em flores e frutos, repete-lhe, em cada instante que passa, a ressurreição de sua mocidade eterna. Como o sol e a terra, o folclore é sempre novo, porque como o sol e a terra é também eterno e imortal.

Crescem-se-lhe as asas, em cada voejar sobre os seres, novas asas lhe nascem para suster na sua trajetória infinita.

E porque é eterno e imortal, vive o folclore em todos os seres, e espalha os tesouros imensos de sua força milagrosa.

Na infância do homem, as cantigas de ninar perpassam sob a gaze dos berços na voz carinhosa da mãe que sorri, contemplando a imagem do filhinho adormecido.

Na noite silenciosa e muda sopram aos ouvidos os acordes de uma serenata, inebriando os seres, vibrando em ternas canções de amor.

Canções que encheram a alma de nossos avós, umas e outras fizeram vibrar corações, que amaram e sofreram por nós, que, como nós, foram moços e envelheceram, que como nós, entraram na vida sob o fulgor de alvoradas de ouro e dela desertaram entre sombras e desenganos.

O folclore está em todo o meio ambiente. E põe a magia do seu gênio em toda a parte: Nas crendices, nas simpatias e nas superstições contra os ventos, as chuvas, os raios e as doenças.

E invade palácios, para fazer dançar os corações em festa, e entra na casinha pobre para minorar a dor, afugenta a tristeza e enfrenta a morte.

O folclore é como se fosse poema de amor feito em luz, do amor que cria, do amor que une, do amor que redime, do amor que purifica as almas.

O folclore espalha a paz. A paz é filha dileta do amor.

E só é feliz o homem, e só são felizes os povos, nas horas de paz, nas horas em que sob seus tetos e dentro de suas almas não pairam as apreensões da maior de todas as calamidades que os afligem, que é a guerra.

Fonte:
SANT’ANNA, José. Anuário do Folclore. Disponível em http://ifolclore.vilabol.uol.com.br/div/folclore/index.htm

O Folclore

A Linguagem criptologica

A palavra é o mais notável privilégio do homem e se transmite de geração a geração, alterando-se, as conservando o seu sentido original.

Para que se crie una linguagem, a vida social é absolutamente necessária.

O homem é dotado da faculdade de linguagem, isto é, da comunicação de seus pensamentos.

Falando, nós podemos fazer com que o nosso interlocutor nos entenda a mensagem. Nossa língua tem sons característicos, seus gestos e seus artifícios de linguagem. A linguagem é exercida, principalmente, pelos sons da voz humana.

A Linguagem Criptológica (Conversa Criptológica, Idioma Criptofônico ou Falar em Língua) é tradição popular e lembra costumes da coletividade infanto-juvenil de épocas remotas que persistem até hoje. É convencional e resulta de um prévio entendimento e conhecimento de seus adeptos.

Sua fonte natural é o povo que transmite suas experiências, isto é, sua fonte é folclore.

Sua manifestação primitiva é a linguagem oral, então é evidente que não se possa fixar a sua origem, dizendo de onde veio ou quem a inventou. É transmitida de boca em boca pelas criaturas. É anônima, pois não é de ninguém. Pertence ao povo.

A civilização pouco a pouco vem instruindo, educando e disciplinando a inteligência do homem, cerceando-lhe a imaginação, a ingenuidade e simplicidade, porém, não lhe destrói a feição folclórica, o que nos permite encontrar a linguagem criptológica como extraordinário legado de ontem à geração de hoje.

Enquanto o povo, desejando sempre uma clareza maior, simplifica, instintivamente, a língua que fala, sem se preocupar com a simples correção; de outro lado, integrantes deste mesmo povo, procuram complicá-la, com o sentido de confundir ou tomar sigilosa a emissão do pensamento.
O êxito da linguagem criptológica consiste no surpreendente segredo de transformar as variantes dos fonemas, isto é, os sons reais da palavra escapam a nossa observação; não podem ser, portanto, compreendidos pelo ouvinte destreinado. O ato complica a comunicação.

O único recurso empregado é a repetição, pois é incontestável esse valor.

Com método, com atenção, com interesse inspirado sempre no pensamento reflexivo, este passatempo revela a criança e a criança revela-se neste passatempo.

Os pré-adolescentes, os adolescentes e mesmo alguns adultos participam do Falar em Língua, porque adentra-lhes a alma, captando-lhes as reações.

E um tipo de argô (língua completamente adulterada, pois as “palavras” têm sentido só compreensível pelos que as usam ou têm interesse em conhecê-las). Só os iniciados são capazes de praticá-la, pois criam-se novos sons no sistema.

Não deixa de ser um ato de comunicação, pois há alguém que transmite a mensagem: o Emissor, e alguém que recebe essa mensagem e a compreende: o Receptor; os quais obedecem a regras certas, pré-estabelecidas, para essa linguagem fechada.

O papel do curioso é observar os fatos de linguagem para descobri-los, somente ouvindo quem fala, pois para consolidar os conhecimentos adquiridos, sem treino, só há o meio de ouvir freqüentemente os que falam, isto é, dependendo da inteligência, do raciocínio e da observação.

Existe um rico material de observação no que diz respeito a linguagem criptológica, com embaraços (sons intermediários articulados antes, depois ou no meio das sílabas da. palavra que gera esse exótico linguajar).

A linguagem criptológica é uma arte e uma técnica. Arte, porque estabelece os preceitos de uma ação prática. Técnica, porque racionaliza os preceitos desta arte. Apresenta várias funções, das quais apontamos:

a) Preparadora - coordena noções principais, totalizando particularidades que são necessárias para a comunicação. Prepara o falante para receber a instrução.

b) Motivadora - desperta entre os falantes o interesse pelo assunto. Apresenta a experiência.
c) Disciplinadora - alerta os falantes, chama-lhes a atenção para o assunto.
d) Reflexiva - leva a raciocinar e refletir sobre o assunto. Esclarece dúvidas.
e) Diagnosticadora - apura se os talantes estão ou não preparados para a conversação.
f) Recapituladora - encoraja as atividades dos falantes. Orienta a formação de hábitos. Toca nos pontos fundamentais já tratados.
g) Aplicadora - usa a teoria nos exercícios práticos.

A aprendizagem deste divertimento popular, depende, sobretudo, da associação de novos estímulos sensitivos, com padrões de memória que existem anteriormente.

Apresenta algumas vantagens:

Prende a atenção e desperta o interesse dos que a falam. Aproxima as amizades. Torna o assunto movimentado e alegre. Distrai. Educa a atenção. Toma a comunicação secreta. Exerce o autocontrole. Desenvolve um sistema de treinar a memória. É analítica e exige memória auditiva, vocal ou fônica, desenvolvendo a facilidade, tenacidade e exatidão. Vence dificuldades. Consolida os conhecimentos adquiridos. Forma o hábito de falar e ouvir.

Salvo os casos de gravidade, próprios de especialistas e psiquiatras, os exercícios freqüentes da conversa criptológica servem de terapêutica na correção de algumas anomalias da linguagem - comunicação, como algumas perturbações não muito graves:

A) Dislalia: articulação imperfeita por deficiência de estrutura nos nervos glóssicos.
B) Mogilalia: dificuldade de articulação de muitos sons, por falta do domínio dos órgãos periféricos da palavra:
-gamacismo (dificuldade de pronunciar fonemas constritivos : C, G e X = cs);
-sigmatismo (dificuldade na pronunciação do S);
-rotacismo (dificuldade de pronunciação do R)
-Lambdacismo (dificuldade de pronunciação do L).
C) Bradilalia: articulação lenta e defeituosa da palavra.

D) Bradiartria: Articulação lenta e defeituosa da sílaba.

O sigilo produz-se quando o som interposto às sílabas torna confusa a compreensão do vocábulo. Esta compreensão só é possível apenas por um esforço de atenção. A causa das transformações do som da palavra reside nas modificações impostas (determinadas) pela intercalação do vocábulo - obstáculo.

Quando pronunciamos uma palavra, com os sons partitivos da sílaba, produz-se a abertura de um caminho para a classe de fatores que vêm perturbar a regularidade da prolação dessa palavra.

Estas alterações constituem variantes extrafonológicas de uma cadeia sonora vocabular e somente, com dificuldade, se atinge o sistema fonológico da língua, pois se perde o reflexo e a generalização, na consciência social, da palavra emitida.

A alteração vai interessar somente às pessoas que fizeram os treinos, que descobriram o segredo. Pode-se comparar ao idioleto - linguagem especial, fechada, de um grupo, ou melhor, de até somente duas pessoas.

Assim sendo, a língua passará a um estágio monossilábico. A palavra se produzirá completamente pela eliminação dos vocábulos - dificuldade, na maioria dos casos artificiais, com raríssimas exceções não constituídas de vocábulos onomatopaicos, tornando-se o som da voz pelo signo dos sons da natureza, com variedades caprichosas de uma língua inteiramente “estranha”.

Pode-se, pois, afirmar que sob a influência da intromissão de vocábulos - chave, só através de maiores estorços para organizar esse tipo de língua, pode a pessoa aprender os seus segredos.

O som que se intercala, apresenta dificuldade de pronúncia para o emissor (o codificador) e também para o recebedor (o decodificador).

Com isto há uma série de fatores que perturbam a marcha normal da comunicação. Mas há palavras que não sofrem alterações. Passam a exceções. Nelas estão as partículas, palavras monossilábicas da língua.

Se o que é emitido pelo sujeito falante for compreendido por um interlocutor, constatamos um ato de comunicação pela língua (secreta), pois equivale a uma ação e é um ato da linguagem individual; o circuito lingüístico estabelecido entre o sujeito falante e o interlocutor, não deixa de representar, para eles, uma instituição social: uma língua.

Pelo estabelecimento de uma norma adotada pelos sujeitos falantes do grupo ensaiado, passa da linguagem individual à língua, e serve para um grupo de pessoas se comunicar.

É preciso que o receptor compreenda o código usado pelo emissor, pois haverá efetivamente comunicação se os dois conhecerem o mesmo código, isto é, é preciso que eles usem a mesma linguagem secreta, para a transmissão de mensagens e de comunicação.

Se ouvirmos alguém conversar numa língua que não entendemos, somos capazes de perceber os significantes, isto é, os sons que a pessoa emite, porém, não conseguimos associá-los a nenhum significado. Podemos combinar de modo pessoal o material lingüístico e dessa forma, criar a fala. Por outro lado, se houver alguém ouvindo aquela transmissão criptológica, mas que não conheça o código, poderá perceber alguma coisa, mas não poderá decifrar a mensagem, pois não é capaz de relacionar os sons a nenhum significado.

Como “coisas” de crianças e jovens, é um divertimento que se caracteriza pela vivacidade e parece misterioso. Utilizada como língua secreta e com extraordinária rapidez, maior é o desafio à perplexidade dos circunstantes.

Depois de haver aprendido, racionalmente, toda a parte básica dos truques, o participante assenhorar-se-á dos pormenores e das particularidades, formando um bom alicerce, e isto servirá para a combinação de brinquedos, recreação e distrações: jogar bola, nadar, caçar, pescar ou, ainda, para marcar encontro de rua aos namorados.

Apresenta algumas desvantagens: é cansativa, enervante. Irrita os adultos, principalmente os mais idosos, que se aborrecem por desconhecerem os segredos dessa comunicação verbal.

Hoje os tempos estão mudando. Poucas são as pessoas que ainda cultivam o passatempo da comunicação criptológica, porque precisam instruir-se, realizando ensaios. E a criançada só quer moleza.

História do Folclore

Folclore é um gênero de cultura de origem popular, constituído pelos costumes, lendas, tradições e festas populares transmitidos por imitação e via oral de geração em geração. Todos os povos possuem suas tradições, crendices e superstições, que se transmitem através de lendas, contos, provérbios e canções.

O termo folclore (folklore) aparece pela primeira vez cunhado por Ambrose Merton - pseudônimo de William John Thoms - em uma carta endereçada à revista The Athenaeum, de Londres, onde os vocábulos da língua inglesa folk e lore (povo e saber) foram unidos, passando a ter o significado de saber tradicional de um povo. Esse termo passou a ser utilizado então para se referir às tradições, costumes e superstições das classes populares. Posteriormente, o termo passa a designar toda a cultura nascida principalmente nessas classes, dando ao folclore o status de história não escrita de um povo.

À medida que a ciência e a tecnologia se desenvolveram, todas essas tradições passaram a ser consideradas frutos da ignorância popular. Entretanto, o estudo do folclore é fundamental de modo a caracterizar a formação cultural de um povo e seu passado, além de detectar a cultura popular vigente, pois o fato folclórico é influenciado por sua época.
No século XIX, a pesquisa folclórica se espalha por toda a Europa, com a conscientização de que a cultura popular poderia desaparecer devido ao modo de vida urbano. O folclore passa então a ser usado como principal elemento nas obras artísticas, despertando o sentimento nacionalista dos povos.

Características do fato folclórico

Para se determinar se um acontecimento é folclórico, ele deve apresentar as seguintes características:

- Tradicionalidade: vem se transmitindo geracionalmente.
- Oralidade: é transmitido pela palavra falada.
- Anonimato: não tem autoria.
- Funcionalidade: existe uma razão para o fato acontecer.
- Aceitação coletiva: há uma identificação de todos com o fato.
- Vulgaridade: acontece nas classes populares e não há apropriação pelas elites.
- Espontaneidade: não pode ser oficial nem institucionalizado.

As características de tradicionalidade, oralidade e anonimato podem não ser encontrados em todos os fatos folclóricos como no caso da literatura de cordel, no Brasil, onde o autor é identificado e a transmissão não é feita oralmente.

Linguagem

As principais manifestações do folclore na linguagem popular são as seguintes:

Adivinhas. Consistem em perguntas com conteúdo dúbio ou desafiador, do tipo “O que é o que é???”Como por exemplo: 1. Está no meio do começo, está no começo do meio, estando em ambos assim, está na ponta do fim? 2. Uma casa tem quatro cantos, cada canto tem um gato, cada gato vê três gatos, quantos gatos têm na casa?


Parlenda: são palavras ordenadas de forma a ritmar, com ou sem rima.

Provérbios: ditos que contém ensinamentos. Dinheiro compra pão, mas não compra gratidão. A fome é o melhor tempero. Ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão. Pagar e morrer é a última coisa a fazer.

Quadrinhas: estrofes de quatro versos sobre o amor, um desafio ou saudação.

Literatura de Cordel: livrinhos escritos em versos, no nordeste brasileiro, e pendurados num barbante (daí a origem de cordel), sobre assuntos que vão desde mitos sertanejos às situações social, política e econômica atuais.

Frases prontas: frases consagradas de poucas palavras com significado direto e claro.

Frase de pára-choque: Trabalho com minha família para servir a sua

Frases de pára-choque de caminhão: frases humorísticas ou religiosas que caminhoneiros pintam em seus pára-choques.

Trava-Língua: É um pequeno texto, rimado ou não, de pronunciação difícil.

Campos do Folclore

Música

Caracteriza-se pela simplicidade, monotonia e lentidão. Sua origem pode estar ligada a uma música popular cujo autor foi esquecido ou pode ter sido criada espontaneamente pelo povo. Observa-se a música folclórica, sobretudo em brincadeiras infantis, cantos religiosos, ritos, danças e festas.

São exemplos: cantigas de roda; Ciranda cirandinha; acalantos; modinhas; cantigas de trabalho; serenatas; velório; cemitério; canto[ciranda cirandinha];

Danças e festas

As danças acompanham as músicas em vários rituais folclóricos, sendo as principais danças folclóricas brasileiras samba, baião, frevo, xaxado, maracatu, tirana, catira, quadrilha.
As principais festas são Carnaval, Festas juninas, Festa do Rosário e Congado.

Algumas lendas, mitos e contos folclóricos do Brasil

Boitatá : Representada por uma cobra de fogo que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito é de origem indígena e que seja um dos primeiros do folclore brasileiro. Foram encontrados relatos do boitatá em cartas do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560. Na região nordeste, o boitatá é conhecido como "fogo que corre".

Boto: Acredita-se que a lenda do boto tenha surgido na região amazônica. Ele é representado por um homem jovem, bonito e charmoso que encanta mulheres em bailes e festas. Após a conquista, leva as jovens para a beira de um rio e as engravida. Antes de a madrugada chegar, ele mergulha nas águas do rio para transformar-se em um boto.

Curupira: Assim como o boitatá, o curupira também é um protetor das matas e dos animais silvestres. Representado por um anão de cabelos compridos e com os pés virados para trás. Persegue e mata todos que desrespeitam a natureza. Quando alguém desaparece nas matas, muitos habitantes do interior acreditam que é obra do curupira.

Lobisomem: Este mito aparece em várias regiões do mundo. Diz o mito que um homem foi atacado por um lobo numa noite de lua cheia e não morreu, porém desenvolveu a capacidade de transforma-se em lobo nas noites de lua cheia. Nestas noites, o lobisomem ataca todos aqueles que encontra pela frente. Somente um tiro de bala de prata em seu coração seria capaz de matá-lo.

Iara: Encontramos na mitologia universal um personagem muito parecido com a mãe-d'água : a sereia. Este personagem tem o corpo metade de mulher e metade de peixe. Com seu canto atraente, consegue encantar os homens e levá-los para o fundo das águas.

Corpo-seco:É uma espécie de assombração que fica assustando as pessoas nas estradas. Em vida, era um homem que foi muito malvado e só pensava em fazer coisas ruins, chegando a prejudicar e maltratar a própria mãe. Após sua morte, foi rejeitado pela terra e teve que viver como uma alma penada.

Pisadeira: É uma velha de chinelos que aparece nas madrugadas para pisar na barriga das pessoas, provocando a falta de ar. Dizem que costuma aparecer quando as pessoas vão dormir de estômago muito cheio.

Mula-sem-cabeça: Surgido na região interior, conta que uma mulher teve um romance com um padre. Como castigo, em todas as noites de quinta para sexta-feira é transformada num animal quadrúpede que galopa e salta sem parar, enquanto solta fogo pelas narinas.

Mãe-de-ouro: Representada por uma bola de fogo que indica os locais onde se encontra jazidas de ouro. Também aparece em alguns mitos como sendo uma mulher luminosa que voa pelos ares. Em alguns locais do Brasil, toma a forma de uma mulher bonita que habita cavernas e após atrair homens casados, os faz largar suas famílias.

Saci Pererê: O saci-pererê é representado por um menino negro que tem apenas uma perna. Sempre com seu cachimbo e com um gorro vermelho que lhe dá poderes mágicos. Vive aprontando travessuras e se diverte muito com isso. Adora espantar cavalos, queimar comida e acordar pessoas com gargalhadas.

TRAVA LÍNGUAS

O que são

Podemos definir os trava línguas como frases folclóricas criadas pelo povo com objetivo lúdico (brincadeira). Apresentam-se como um desafio de pronúncia, ou seja, uma pessoa passa uma frase difícil para um outro indivíduo falar. Estas frases tornam-se difíceis, pois possuem muitas sílabas parecidas (exigem movimentos repetidos da língua) e devem ser faladas rapidamente. Estes trava línguas já fazem parte do folclore brasileiro, porém estão presentes mais nas regiões do interior brasileiro.


Crenças e superstições

Sabença: sabedoria popular utilizada na cura de doenças e solução de problemas pessoais através de benzeduras.

Crendice: crença absurda, também chamada de ablusão.

Superstição: explicações de fatos naturais como conseqüências de acontecimentos sobrenaturais.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Folclore

SANT’ANNA, José. Linguagem Criptológica. Disponível em http://ifolclore.vilabol.uol.com.br/div/verbal/index.htm

SANT’ANNA, José. Anuário do Folclore. Disponível em http://ifolclore.vilabol.uol.com.br/div/folclore/index.htm

Como saber se um fato é folclore?

O fato folclórico tem uma série de características próprias:

A) A primeira é o anonimato, isto é, não tem autor conhecido. Naturalmente tudo tem um autor, foi feito por alguém, pela primeira vez, mas o nome desse alguém, desse autor, se perdeu através dos tempos, despersonalizando-se, assim, a autoria. A estória de Dona Baratinha que se considerou muito rica ao encontrar um vintém e, por isso, saiu à procura de quem com ela desejasse casar-se - nos parece, pelos seus elementos, essencialmente brasileira, pois o noivo é o nosso conhecido João Ratão, que no dia do casório, por gula, morre num caldeirão que continha nossa feijoada. Mas já havia sido registrada em uma coleção de estórias da Índia, há quase dois mil anos. Quem foi seu autor? Ninguém sabe. E quem inventou os brinquedos de roda com suas cantigas, as danças, as adivinhas, as trovas, os ditados? Quem disse, pela primeira vez: quem quer vai, quem não quer manda?

B) A segunda característica é a aceitação coletiva, é a aceitação do fato pelo povo e é essa aceitação que despersonaliza o autor. O povo, aceitando o fato, toma-o para si, considerando-o como seu, e o modifica e o transforma, dando origem a inúmeras variantes. Assim, uma estória é contada de várias maneiras, uma cantiga tem trechos diferentes na melodia, os acontecimentos são alterados e o próprio povo diz: "Quem conta um conto acrescenta um ponto". A mesma coisa acontece com as danças, os teatros, a técnica. Tudo pode ser modificado, porque o povo dança, mas suas danças não têm regulamento, não são codificadas, tanto pode o conjunto de dançadores dar três voltas como apenas uma, a indumentária tanto pode ser rica e colorida como simples e ingênua. Há, contudo, uma certa estrutura que determina aquela dança, aquela estória, aquela indumentária, aquela cerâmica e as modificações não invalidam o modelo.

C) A terceira característica é a transmissão oral, isto é, a que se faz de boca em boca, pois os antigos não dispunham de outros meios de comunicação. Não havia imprensa, não havia, portanto, nem livros, nem jornais, todos os conhecimentos eram transmitidos oralmente. Essa forma de transmissão, a oral, ainda persiste em meios primitivos e no interior de nosso país, nos povoados distantes, nas vilazinhas esquecidas, nos bairros longínquos. Só se aprende, nessas circunstâncias, por ouvir dizer e, no que se refere à técnica, feitura de aparelhos rudimentares, de rendas, de trançados, se aprende também por imitação, dispensado, muitas vezes, o ensinamento oral.
Na transmissão oral vive toda a história daquele grupo, daquele povo, e, em qualquer das modalidades particulares (lendas, contos com preceitos morais e normas de procedimento, narrativas imaginosas sobre a natureza e o sobrenatural, cantos, provérbios, parlendas, adivinhas, brinquedos, poesia, etc.) em conexão com o objetivo, facilita a apreensão e a conservação. A aquisição do conhecimento dá a cada qual a possibilidade de difundi-lo, de propagá-lo, cabendo, evidentemente, aos bem dotados, a responsabilidade maior nas cantorias, nas danças e nas técnicas, que se fixam pela prática freqüente, comunicação do exemplo e imitação espontânea.

D) A quarta característica é a tradicionalidade, não no sentido de um tradicional acabado, perimido, coisa passada, sem vida, mas de uma força de coesão interna que define o modelo do conglomerado, da região, do povo, e lhe dá uma unidade. Sem se poderem valer de outros expedientes, como professores, escolas, imprensa, as pessoas do povo se valem da tradição, veiculada pela transmissão oral, a fim de resolver suas situações, buscando na lição vinda do passado o que precisam saber no presente, já que suas possibilidades as endereçam mais A sabedoria constituída que à inventiva. A tradição, que é o modo vivo e atual pelo qual se transmitem os conhecimentos, não ensinados na escola, rege todo o saber popular, seja o desenvolvimento de um jogo, de uma dança, de uma técnica, seja uma atitude ante qualquer agente que exija definição de comportamento. Essa força, que age no sentido de garantir a permanência dos valores de uma cultura, não segue seu destino nem cumpre sua missão sem lutas e empecilhos. Elementos de outras culturas a submetem a pressão, e isto provém de não ser absolutamente fechado o campo da cultura, antes, é um campo aberto onde se agitam as influências do próprio meio e as externas. Somente a inércia poderá retardar essas modificações, mas a cultura é viva, é dinâmica, e sofre evidentemente, impacto em todos os setores.

E) A quinta característica é a funcionalidade. Tudo quanto o povo faz tem uma razão, um destino, uma função. O povo nada realiza sem motivo, sem determinante estritamente ligada a um comportamento, a uma norma psico-religiosa-social, cujas origens talvez se perderam nos tempos. A dança, por exemplo, não é apenas uma repetição de gestos com feição harmoniosa. Inicialmente teria tido um destino, seja decorrente de rito religioso, seja de cerimônia do grupo, e, assim, deve ser vista como pane de um todo, da cultura do povo, é uma expressão a ser analisada como integrante de um contexto.

Por que o povo canta? Canta para rezar, canta para adormecer a criança, canta para trabalhar, canta para festejar as colheitas e os acontecimentos, canta para ajudar a morrer e para enterrar seus mortos. Mas não dão concertos, recitais, audições como os eruditos; as suas festas têm épocas marcadas, com seus cantos e danças próprias. Assim, o Natal é comemorado com grupos de Pastorinhas, Bailes Pastoris e Folias de Reis; o Bumba-meu-boi aparece em datas distintas, variando conforme a região; Congadas e Moçambiques louvam a Senhora do Rosário e São Benedito, e ainda as Danças de São Gonçalo e de Santa Cruz, com destino certo.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Folclore

SANT’ANNA, José. Anuário do Folclore. Disponível em http://ifolclore.vilabol.uol.com.br/div/folclore/index.htm

Como o Folclore pode ser utilizado na Escola

Muitas ciências e disciplinas e artes estão intensamente ligadas ao Folclore, e, assim, a escola primária dele pode e deve servir-se, como excelente meio de transmissão de conhecimentos, ao mesmo tempo em que revelador da cultura do povo. A sua maior aplicação será no setor de Linguagem oral e escrita, com a amplitude dos contos, nos objetivos éticos, morais e estéticos a serem por meio deles atingidos. A Criança é conduzida a um mundo de fantasias, no qual o espírito repousa e se encanta. O conto é um veiculo educativo, usado nas mais antigas civilizações e do mesmo modo entre os povos naturais, para realce dos feitos dos seus heróis e das virtudes de seus antepassados. Os provérbios, que representam uma condensação de sabedoria, as adivinhas, que são testes de conhecimentos, as parlendas, os jogos, os brinquedos, recreiam, estimulam as relações sociais e reafirmam a unidade grupal.

Na História do Brasil, na Geografia e nas Ciências, as lendas relativas à escravidão, mineração, bandeiras, heróis, os tipos brasileiros e seus traços culturais, os ambientes em que vivem, as serras e lagoas e mares com seus mitos, animais, vegetais e minerais.

Em Matemática, inúmeras fórmulas e outras contribuições, em parlendas ou poesias e jogos;
no Desenho, Trabalhos Manuais, Artes e Artesanatos, o uso do material local, com revalorização de seus usos e seus motivos típicos ornamentais;

na Música, as nossas melodias, ritmo e instrumentos; ainda a dança e o teatro, com apresentações da beleza que possuímos nesses campos. O aproveitamento do Folclore na escola primária é das mais válidas contribuições, pela intenção formativa e pelo caráter de nacionalidade que imprime.

No ensino médio e no secundário, passa o Folclore ao plano informativo, numa prospecção profunda da cultura, que levará à conclusão consciente de que "toda cultura tem uma dignidade e um valor que devem ser respeitados e protegidos; em sua fecunda variedade, em sua diversidade e pela influência recíproca que exercem uma sobre as outras, todas as culturas fazem pane do patrimônio comum da humanidade".

Na Universidade, o Folclore deve ser estudado como disciplina autônoma, através de suas implicações antropológicas, sociais, psicológicas e estéticas, para o conhecimento, e profundidade, da cultura popular.

No Brasil, é antiga a lição do aproveitamento do Folclore no ensino. Já nas primeiras décadas de nossa vida, os jesuítas o aplicaram com extrema sabedoria na catequese, utilizando as danças e os cantos indígenas, e encenando seus autos. Anchieta, nosso primeiro mestre, nos legou esse exemplo, nos campos de Piratininga. A cultura do povo precisa ser estudada, porque é objetivo de todos os governos dar ao povo melhores condições de vida. Ao comentar a revolução dos nossos tempos, da qual um aspecto é "a luta pelo domínio tanto quanto possível científico do destino humano", Gilberto Freyre considera esse domínio de modo algum absoluto, 'pois deve conciliar-se com o daqueles valores de sempre, às vezes superiores à própria ciência e guardados pelos clássicos, pelas igrejas e pelo próprio folclore.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Folclore

Folclore (Recomendações sobre seu estudo, segundo a Unesco)

Preservar E Revitalizar

O patrimônio cultural do mundo compreende também as tradições orais, as línguas, a música, a dança, as artes do espetáculo, o artesanato, os costumes, as crenças, etc. Para numerosas sociedades, inclusive as minorias culturais e as populações autóctones, estas dimensões do tecido cultural evoluem ao contato com outras culturas, através das migrações, da mídia, e mais recentemente da Internet. A mudança é fonte de riqueza , mas também de empobrecimento. Às vezes, por força de empréstimos, ou porque submetidas a fortes pressões de outras culturas, algumas desaparecem para sempre. Já desde muito tempo a UNESCO está atenta à preservação de certas formas frágeis de expressão cultural, e hoje sua missão adquire maior amplidão.

Como o lembra a célebre frase do filósofo mali Hampaté Bâ: "Quando morre um velho na África, é uma biblioteca inteira que se queima", a expressão tradicional e popular é salvaguardada na memória dos homens. Ela só pode sobreviver pelos elos humanos da transmissão de geração em geração ou, mais recentemente, graças aos registros mecânicos. A natureza efêmera do patrimônio imaterial o faz vulnerável. Portanto, é urgente agir.

Orientações Principais

O programa consagrado ao patrimônio imaterial apresenta duas orientações principais. A primeira concerne às línguas, à segunda interessa mais particularmente ao "savoir-faire" [música, dança, folclore..]. No domínio do patrimônio oral, música, dança, folclore e "savoir-faire" dos artesãos tradicionais, a UNESCO ajuda os Estados-membros a desenvolver uma estratégia para a salvaguarda do patrimônio imaterial através da implementação da Recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e do folclore.

No domínio das línguas a UNESCO concentra suas ações sobre a salvaguarda das línguas em perigo, a promoção das línguas de grande comunicação, e o encorajamento à adoção, a nível nacional, de políticas lingüísticas multilinguais, para que todo indivíduo possa falar uma língua local, uma língua nacional e uma língua internacional. É por isto que a Organização ajuda os Estados-membros a preservar seu patrimônio cultural imaterial, notadamente aplicando as diretivas da Recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular. Favorecendo a adoção de formas de arte e de expressão tradicionais aos necessitados do mundo moderno, a UNESCO espera enriquecer o presente e o futuro com os tesouros do passado.

Viver As Culturas

A cultura é o fluxo de significações criadas, co-produzidas e permutadas pelos povos. É ela que nos torna capazes de edificar patrimônios culturais e viver em suas lembranças.

Ela nos permite reconhecer nossos elos com nossa linhagem, nossa comunidade, nossa família lingüística, nossa nação – sem falar da própria humanidade. Ela nos ajuda a dar sentido a nossa vida. Mas a cultura pode também nos levar a fazer de nossas diferenças os estandartes da guerra e do extremismo. Ela não deve pois jamais ser considerada como uma evidência, mas traduzida com cuidado em formas de complementação positiva. A cultura não é nunca estática: cada indivíduo produz obras e imagens que se fundam no fluxo da história. Hoje, quando povos pertencentes a todas as culturas entram em contato mais estreitos que nunca, se observam mutuamente e se colocam as mesmas questões: como preservar nosso patrimônio cultural? Como nossas culturas plurais podem coexistir num mundo interativo? A missão do Setor de cultura da UNESCO é ajudar os povos do mundo a responder a estas questões.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Folclore

SANT’ANNA, José. Linguagem Criptológica. Disponível em http://ifolclore.vilabol.uol.com.br/div/verbal/index.htm

SANT’ANNA, José. Anuário do Folclore. Disponível em http://ifolclore.vilabol.uol.com.br/div/folclore/index.htm

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Carmélia Maria Aragão (1983)

Carmélia Maria Aragão, mestranda em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará – UFC – como bolsista da Fundação Cearense de Apoio à Pesquisa – FUNCAP. É natural de Sobral, Ceará, 1983. Tem diversos contos e crônicas publicados em revistas impressas (CAOS Portátil, Carta Capital, etc) e eletrônicas (Famigerado, Cronópios, etc.) no Ceará ou em outros estados do país. Seu conto 2003 (Carmina) foi agraciado com o Prêmio Domingos Olímpio (Secretaria de Cultura de Sobral). E Eu Vou Esquecer Você em Paris, seu primeiro livro, foi premiado na categoria Contos do III Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (SECULT/CE) em 2006. [abril 2007]


Carmélia Aragão: literatura como paixão
por Nilto Maciel

As quinze peças ficcionais que compõem Eu vou esquecer você em Paris (Fortaleza: Imprece, Edição do Caos, 2006), de Carmélia Aragão, mostram uma escritora madura. E isso se deve a dois fatores: muita leitura e talento. O primeiro se pode constatar pelas epígrafes (Neruda, Salman Rushidie, Cortazar), pela menção a nomes fundamentais da literatura (Dostoievski, Flaubert, Emily Brontë, Virgínia Woolf, Goethe, George Orwell e outros), sem falar na composição “Página 12224”, de feição policial e ao mesmo tempo fantástica, a nos lembrar “O homem que sabia javanês”, de Lima Barreto.

Como ser madura, aos vinte anos de idade? Ou antes? Pois não se sabe quando as composições de Carmélia (1983) foram escritas. Ora, os exemplos de jovens escritores são muitos. Assim como de escritores idosos que nunca conseguiram atingir a maturidade literária, e morreram inacabados, incompletos, depois de dez, vinte, trinta livros publicados.

Claro, nem tudo é ótimo em Eu vou esquecer você em Paris. Mas o que não é ótimo para uns é aceitável para outros. Como a linguagem das narrativas, ora mais coloquial, ora próxima do rigor literário. O próprio título do livro é frase de uso comum no falar. Isso, porém, já nem se discute no Brasil, desde o início do século XX, desde os modernistas. Ignácio de Loyola Brandão escreveu a obra “Pega ele, Silêncio” (parece poético, mas Silêncio é o nome de um personagem), que deu título a um livro.

As narrativas de Carmélia são densas, mesmo quando os diálogos se estendem. Quase sempre ela se vale da narração e faz uso da economia de detalhes. Não se perde em descrições desnecessárias. Muitas vezes nem enredo há. E, se há, não obedece aos ditames do tradicional “descritivo narrativo linear”. Veja-se a construção de “Seja feliz (fragmentos da felicidade)”, disposta em quatro “fragmentos” independentes, como se fossem quatro histórias. No último, intitulado “O contista”, o narrador se refere aos três primeiros fragmentos: “Sim, um conto novo. Três crônicas que se unem em um conto.”

Apesar da modernidade das narrativas, Carmélia ainda usa o tradicional travessão nos diálogos, assim como os verbos introdutores do relato do discurso, como “dizer”, “afirmar”, “responder”, etc., há muito abolidos na prosa de ficção. O “ainda usa” acima pode ser substituído por “também usa”, pois a contista sabe disso e sabe se livrar dos tais pobres “verbos introdutores”, como se vê em “Quase” e “Felis catus”.

Mas isso é de pouca importância.

E onde vivem os seres fictícios de Carmélia? São quase todos suburbanos, vivem em grandes cidades, embora oriundos de pequenos burgos, como o contista de “Seja feliz” (“Sempre fôramos vizinhos de frente, mas separados pela praça da Matriz. Cidadezinha pequena: ‘Eita vida besta, meu Deus!’”). Andam de ônibus, moram em prédios de apartamentos, caminham por ruas longas, repletas de carros. Vejam esta descrição em “Pulsos intactos”: “Os olhos dele eram azuis refletidos no vidro da sorveteria. Eram azuis sob as janelas dos edifícios, das repartições, das barbearias, dos cafés, das vitrines, das lojas.” Seres perdidos, isolados, solitários. Mesmo quando o ambiente é “uma cidadezinha que vivia em torno de uma biblioteca”, cidade sem nome explícito, a não ser pela letra inicial “C”, do insólito conto “Página 12224”, cujos personagens parecem inspirados em alfarrábios medievais.

Curioso ainda é o grande número de escritores fictícios na obra da contista. Em “Seja feliz” há um contista. Em “2003 (Carmina)” uma professora conhece Marco Santiago, professor de literatura, autor do romance “linear e trágico” Carmina. Em “Página 1224” os personagens “vivem” numa biblioteca, na qual há uma sessão exclusiva de Literatura Baltusanesa, “da tribo Kaywa da extinta Baltúsia”. Em “Meu reino por uma fivela” a narradora participa de um curso intitulado “Mulheres escritoras”, lê O morro dos ventos uivantes, em composição de características policiais. Em “Escrevia e apagava” (título sugestivo para uma história de personagem escritor) a protagonista escrevia contos para uma revista feminina. Em “Quase” a narradora se iniciara como leitora de romances policiais, passara aos “grandes mestres da literatura local, depois da nacional e, por fim, da universal”, estudara “línguas exóticas”, como baltusanês. Em “Filis catus” a mulher que narra se refere a um contista que conhecera e transcreve trechos de um de seus livros. Também os títulos de algumas peças remetem à literatura: “Romance russo”, “Página 1224”, “Escrevia e apagava”, “Crônica do 2º andar”.

Pois essa paixão pela literatura é fundamental para o escritor: para viver, aprender e escrever cada vez melhor. Sem ela, teremos bons médicos, advogados, funcionários públicos, etc, que namoram a literatura nos fins de semana e escrevem de vez em quando algumas memórias ou uns versos capengas. Carmélia Aragão é do primeiro grupo e, sem dúvida, escreverá mais e cada vez melhor.


Autor: Nilto Maciel
Fortaleza, março de 2007.
Fonte:

Carmélia Maria Aragão (Cronica: O homem que C. esperava)

“Todas as histórias são perseguidas pelo fantasma das histórias que poderiam ter sido”
Salman Rushidie


O homem que C. esperava pediria um expresso? Sim, pediria.

Eram tão insuspeitos que ninguém imaginaria que ela entrava no café às 16:45, quase todos os dias, para vê-lo e saísse antes dele, embora o seguisse andando pelo lado contrário da rua. Também, quase todos os dias, os pais de C. a esperavam na sala às 17:50 quando ela entrava e dizia que tinha ido comprar qualquer coisa, mesmo que depois encontrassem no lixo da cozinha num guardanapo escrito: PARE DE ME SEGUIR, entregue a ela pelo garçom F. às 16:50. Na cama, as mãos postas e os olhos fechados. C. branca, branca, branca, retirava um outro guardanapo do bolso entregue a ela pelo garçom F. às 16:50. Ria, pois a mentira, se lhe perguntassem, também era branca, branca, branca.

Subindo as escadas para o quarto mais barato do centro da cidade, C. não estava entre as coisas mais deslocadas, havia também as xerox P&B de Van Gogh decorando uma parede sem importância. O homem que C. esperava abriu a porta. Sentaram-se na cama. Haveria um dia em que a desobediência, a loucura e os mitos obsessivos teriam sua vez.

E eu, que sempre os observei, saí de meu olhar distante e bato à porta. Eles nunca me viram antes, mas sempre estive ao lado deles recolhendo suas histórias, os olhos são muitos, não se sabe quantos, assustadores.

— Quem é?— perguntaram

— Uma mulher — respondi.

Lá fora, os pais de C. e o garçom F. chegavam. Escondo-me. São 12:45. Eu, pessoa comum, já me esperam no trabalho. Desço as escadas, ainda os observo, mas quem me vê?

Fonte:
http://www.secrel.com.br/jpoesia/carmelia.html#homem

Fernando Pessoa e seus Heterônimos (George Steiner)

O crítico George Steiner situa Fernando Pessoa entre os mestres da modernidade em artigo que inicia o leitor de língua inglesa na obra do poeta e seus três heterônimos.

É raro um país e uma língua adquirirem quatro grandes poetas em um dia. Foi precisamente o que ocorreu em Lisboa a 8 de março de 1914.

Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu naquela capital provinciana e algo lúgubre a 13 de junho de 1888. O Exército, o serviço público e a música figuravam no passado da família. Já em janeiro de 1894, após a morte do pai e do irmão caçula, Pessoa começou a inventar "heterônimos" — "personas" imaginárias para povoar um "teatro íntimo do eu". O garoto de seis anos trocava cartas com um correspondente fictício. Sua mãe casou-se novamente, e a família mudou-se para Durban, África do Sul. No Natal veio à luz um certo Alexander Search, invenção para quem Pessoa criou uma biografia, traçou o horóscopo e em cujo nome calmamente translúcido escreveu poesia e prosa em língua inglesa. Seguir-se-iam outros 72 personagens em busca de um autor. De início, eles tendiam a escrever na esteira de Shelley e Keats, de Carlyle, Tennyson e Browning.

Em 1905, o jovem empresário de "eus" retornou a Lisboa. Logo abandonou a universidade e tornou-se autodidata. No restante de sua vida, Pessoa escolheu uma renda módica, em empregos de meio período. Serviu como correspondente de comércio estrangeiro, traduzindo e compondo cartas em inglês e francês. De vez e quando, traduzia uma antologia literária. Essa existência marginal e autônoma vincula Pessoa a outros mestres da modernidade urbana, como James Joyce, Ítalo Svevo (Trieste e Lisboa partilham uma vívida fantasmagoria) e, de certo modo, Franz Kafka.

Até 1909, a poesia imputada a Alexander Search permanece em inglês, à exceção de seis sonetos portugueses. O ano de 1912 marcou uma reviravolta. Pessoa envolveu-se nos incontáveis círculos, conventículos e publicações efêmeras de cunho lítero-estético-político-moral que surgiram da crescente crise social portuguesa. (77 mil habitantes emigraram só naquele ano). A vida íntima de Pessoa — a alternância entre o mundo dos cafés lisboetas e o isolamento radical — encontrou expressão num secreto "Livro do Desassossego" e no primeiro rascunho de um longo poema inglês. A fissão em incandescência quadri-partida teve lugar naquele dia de março de 1914. Até hoje ele permanece um dos fenômenos mais notáveis da história da literatura. Ao rememorar o fato (numa carta de 1935), Pessoa fala de um "êxtase cuja natureza não conseguirei definir (...) aparecera em mim o meu mestre".

Alberto Caeiro escreveu 30 e tantos poemas a toque de caixa. A estes se seguiram, "imediatamente e totalmente", seis poemas de Fernando Pessoa ele só. Mas Caeiro não saltara à existência sozinho. Viera acompanhado de dois discípulos principais. Um era Ricardo Reis; o outro: "De repente, em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jato, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem. Criei, então, uma "coterie" inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa".

Pseudônimos, "noms de plume", anonimato e toda forma de máscara retórica são tão velhos quanto a literatura. Os motivos são muitos. Eles se estendem desde a escrita política clandestina à pornografia, desde o ofuscamento brincalhão a sérios distúrbios de personalidade. O "companheiro secreto" (íntimo de Conrad), o "duplo" prestativo ou ameaçador, é um motivo recorrente — veja-se Dostoiévski, Robert Louis Stevenson e Borges. Assim também é o tema — antigo como a rapsódia homérica — da poesia "tomada sob ditado", sob o assalto literal e imediato das Musas, ou seja, das vozes divinas ou dos finados.

Nesse sentido de "inspiração", de "ser escrito em vez de escrever", as técnicas de escrita automática antecedem em muito o surrealismo. Muitos dos grandes escritores voltaram-se abertamente contra si próprios, contra sua obra ou seu estilo anteriores, a ponto de buscar sua destruição. A multiplicidade, o ego convertido em legião, pode ser festiva, como em Whitinan, ou sombriamente auto-irônica, como em Kierkegaard.

Há disfarces e paródias que a erudição mais minuciosa jamais penetrou. Simenon era incapaz de recordar quantos romances criara ou sob quais antigos e múltiplos pseudônimos. Em idade avançada, o pintor De Chirico prorrompia em museus e galerias de arte declarando falsos os prestigiosos quadros que havia muito lhe eram atribuídos. Agiu assim porque passou a antipatizá-los ou porque não podia mais identificar sua própria mão? Como proclamou Rimbaud, em sua renovação da modernidade, "Eu é um outro".

Entretanto o caso de Pessoa permanece sui generis. Ele não tem nenhum paralelo próximo, não apenas por causa de sua estrutura quadri-partida, mas também por diferenças mercantes entre suas quatro vozes. Cada uma tem sua própria biografia e físico detalhados. Caeiro é loiro, pálido e de olhos azuis; Reis é de um vago moreno mate; e "Campos, entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo", como nos diz Pessoa. Caeiro quase não dispôs de educação e vive de pequenos rendimentos. Reis, educado num colégio de jesuítas, é um médico auto-exilado no Brasil desde 1919, por convicções monárquicas. Campos é engenheiro naval e latinista.

O inter-relacionamento dos três, seja na atitude ou no estilo literário, é de uma densidade e sutileza jamesianas, a exemplo de seus vários laços de parentesco com o próprio Pessoa. O Caeiro em Pessoa faz poesia por pura e inesperada inspiração. A obra de Ricardo Reis é fruto de uma deliberação abstrata, quase analítica. As afinidades com Campos são as mais nebulosas e intricadas. "É um semi-heterônimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu, menos o raciocínio e a afetividade".

A língua de Campos é bastante parecida à de Pessoa; Caeiro escreve um português descuidado, por vezes com lapsos; Reis é um purista cujo linguajar Pessoa considera exagerado.

O labirinto é explorado na introdução de Octavio Paz a "A Centenary Pessoa" ("Um Pessoa Centenário"), uma antologia com bela produção editada por Eugênio Lisboa e L. C. Taylor. Paz vê Caeiro, Reis e Campos como "os protagonistas de um romance que Pessoa jamais escreveu". Pessoa não é entretanto "um inventor de poetas-personagens, mas um criador de obras de poetas", argumenta Paz. "A diferença é crucial". As biografias imaginárias, as anedotas, o "realismo mágico" do contexto histórico-político-social em que cada máscara se desenvolve são um acompanhamento, uma elucidação para os textos. O enigma da autonomia de Reis e Campos é tal que, vez por outra, eles chegam a tratar Pessoa com ironia ou condescendência. Caeiro, por sua vez, é, como vimos, o mestre cuja brusca autoridade e salto para a vida generativa desencadeiam todo o projeto dramático. Paz distingue com acurácia estes fantasmas animados.

Caeiro é um agnóstico que deseja anular a morte por negar a consciência. Sua postura é de um paganismo existencial. Há em seus textos e sua "persona" retoques de quietude e sagacidade orientais. Sua fraqueza, sugere Paz, é a qualidade esfumada da experiência que alega encarnar. Ele morre jovem. Como Caeiro, Campos pratica versos livres e lida de modo irreverente com o português clássico ou castiço. Ambos são pessimistas, apaixonados pela realidade concreta. Mas Caeiro é um ingênuo que cultiva a abstinência e o retraimento filosóficos, ao passo que Campos é um dândi peregrino.

De novo,é Paz quem formula de modo incisivo:"Caeiro pergunta-se : o que sou? Campos: quem sou?". Para Campos, essa questão é quase abafada pelo clamor da máquina, pelo bramido da nova tecnologia na fábrica e nas ruas da metrópole moderna. Partindo da premissa de que a única realidade é a sensação, Campos acabará por se perguntar se ele próprio é real (uma modulação irônica, em vista de seu primeiro e mais celebrado poema, a "Ode Triunfal").

Ricardo Reis é o mais complexo destes disfarces. Anacoreta, ele privilegia os gêneros neoclássicos altamente elaborados, como o epigrama, a elegia e a ode. Raríssima mescla de esteta estóico (um eco talvez de Walter Pater?), a perfeição técnica de seus poemas curtos busca a tranqüila resignação ao destino. Pessoa chama atenção para as obras não publicadas de Reis; elas incluem "Um Debate Estético entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos" e notas críticas sobre Caeiro e Campos, qualificadas por Pessoa como "modelos de precisão verbal e equívoco estético". (Tão encantadoramente tortuosos são o dédalo e o quarto de espelhos de Pessoa que mesmo um Borges ou um Paz, ambos mestres em labirintos, parecem simples em comparação). E a respeito do titereiro ele próprio (apesar dessa comparação grosseira)?

Paz o imagina como essencialmente ausente: "Ele nunca aparecerá: não há um outro. O que aparece insinua a si próprio sua alteridade, que não tem nome, que não é dito e nossas pobres palavras invocam. Isto é poesia? Não: poesia é o que resta e nos consola, a consciência das ausências. E, mais uma vez, quase imperceptivelmente, um rumor de algo. Pessoa ou a iminência do desconhecido".

A silhueta que Paz traça de Pessoa, sendo palavras de despedida tão sutis, correm o risco de obscurecer um fato básico. Do jogo espectral dos heterônimos emerge uma poesia com força de primeira grandeza. Pessoa é com justiça arrolado entre as 26 figuras centrais do sugestivo, embora um tanto pueril, "Cânone Ocidental" (de Harold Bloom).

O português é uma língua resistente. Suas guturais o fazem como que o membro eslavo da família das línguas românicas. Na ausência, ademais, de uma tradução adequada para, o inglês dos "Lusíadas", de Camões, essa grande epopéia de um império trágico e conquistador, para a maioria de nós a literatura portuguesa (que inclui, naturalmente, a do Brasil) permanece estranha.

Somos por isso gratos às traduções e seleções de nosso quarteto a cargo de Keith Bosley. Primeiro, a voz de Pessoa: "Não sei quem me sonho..."; "Ditosos a quem acena/ Um lenço de despedida!" ; "Dá a surpresa de ser". Ou o característico "O mais do que isto/ É Jesus Cristo,/ Que não sabia nada de finanças/ Nem consta que tivesse biblioteca..." Há este registro irônico e incerto, com seu constante apelo ao mar, a um Portugal quase liberto de suas amarras européias:

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu".

Ouvimos a seguir a sensualidade filosófica de Caeiro:

"Não me importo com às rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de
exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior".

Há laconismos inesquecíveis (uma distante melodia de Emily Dickinson): "Li hoje quase duas páginas/ Do livro dum poeta místico,/ E ri como quem tem chorado muito". Caeiro saúda o transitório. Para ele a "recordação é uma traição à Natureza", já que ela muda constantemente. Ele ordena aos, pássaros em vôo que lhe ensinem a arte de passar sem deixar rastro. A busca da individualidade, de verdades absolutas — o modelo platônico tão peremptório na poesia ocidental — é meramente "uma doença das nossas idéias". Suas reflexões sobre a morte e a posteridade são dotadas de um orgulho agridoce pois ele foi "gentil como o sol e a água" e, por fim, veio-lhe o "sono como a qualquer criança".

Absolutamente diverso é Ricardo Reis: rato de biblioteca, entendido em mitologia antiga, perito em formas métricas elaboradas e estilo mandarim. De certo modo, uma versão mais austera de Swinburne e Gautier, de ouvidos atentos e imitando "O ritmo antigo que há em pés descalços,/ Esse ritmo das ninfas repetido". Um esteta "fin de siècle" que prefere "rosas à pátria" e vê em Cristo não "mais que um deus a mais no eterno". Todavia um poeta lírico capaz desta rara mordacidade epigramática que conhecemos também de Walter Savage Landor (talvez o verdadeiro modelo de Reis):

"Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele,
Preservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes
".

Campos é o retórico loquaz, o bardo à maneira clássica. É capaz porém de ridicularizar-se com ousada satisfação. Sua "Ode Triunfal" pode ser equiparada a "A Ponte", de Hart Crane, como um dos textos-chave das paisagens industriais da modernidade. "Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hó la foule!" Como o ranzinza e fantasmagórico Pessoa deve ter refugido da robusta democracia de Campos! Como Reis, o alusivo helenista vitoriano, deve ter-se esquivado!

"Ah, e agente ordinária e suja,
que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e
amo-o!
Masturbam homens de aspecto
decente nos vãos da escada.
"

"Tabacaria" consta entre os mais prestigiados poemas da língua. Não é cinismo, mas antes uma espécie de revigorante desalento que ordena à pequena garota "comer chocolates", pois "que não há mais metafísica no mundo senão chocolates", após o que o poeta deita o papel laminado "para o chão, como tenho deitado a vida". E já que "toda gente sabe como as grandes constipações/ Alteram todo o sistema do universo/ Zangam-nos contra a vida,/ E fazem espirrar até à metafísica", o poeta receita um único remédio: "Preciso de verdade e da aspirina". Hazlitt fala com reverência de uma sensibilidade capaz de imaginar e dar articulação a um lago e a uma Cordélia. A simples amplitude de vozes e temperamentos alternados de Pessoa dificilmente é menos admirável.

Essa homenagem centenária elegantemente ilustrada oferece passagens representativas da prosa de Pessoa acrescidas de críticas, perfis e documentos. Omitido porém foi o leviatânico drama filosófico "Fausto". Pessoa começou a trabalhar nesta suma em 1908 e — em analogia a Goethe — continuou a elaborá-lo até 1933. Há críticos, notadamente na França, que o tomam por uma obra-chave, um arquipélago ainda a ser descoberto.

Os editores incluíram duas imaginárias entrevistas póstumas, mas o supra-sumo nessa veia parece que lhes passou despercebido: "O Ano da Morte de Ricardo Reis", de José Saramago, traduzido para o inglês em 1991 por Giovanni Pontiero, está entre os melhores romances da recente literatura européia. o livro fala do regresso de Ricardo Reis de seu exílio no Brasil, de Eros e fascismo em Lisboa e do encontro entre Reis e seu genitor morto. Nada mais perceptivo foi escrito sobre Pessoa e suas sombras contrastantes. Nas palavras de Fernando Pessoa:
"Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.
Eles foram e não foram
".


Fonte:
Folha de São Paulo, Caderno Mais! Disponível em http://www.secrel.com.br/jpoesia/gs01.html