quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Ascenso Ferreira (Filosofia - Os engenhos de minha terra - Trem de Alagoas)

Filosofia
A José Pereira de Araújo - "Doutorzinho de Escada"

Hora de comer, - comer!
Hora de dormir, - dormir!
Hora de vadiar, - vadiar!

Hora de trabalhar?
-Pernas pro ar que ninguem é de ferro!
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Os engenhos de minha terra

Dos engenhos de minha terra
Só os nomes fazem sonhar:

- Esperança !
- Estrela d'Alva !
- Flôr do Bosque !
- Bom-Mirar !

Um trino… um trinado… um tropel de trovoada…
e a tropa e os tropeiros trotando na estrada:

- Valo!
- Êh Andorinha !
- Ê Ventania !
- Ê...

"Meu Alazão é mesmo bom sem conta !
Quando ele aponta tudo tem temor…
A vorta é esta: nada me comove !
Trem, outomove, seja lá que for…"

"Por isso mesmo o sabiá zangou-se !

Arripiou-se foi cumer melão…
Na bananeira ela fazia: piu !
Todo mundo viu, não é mentira não…"
- Bom dia, meu branco !
- Deus guarde suasenhoria, Capitão !
......................................................................
Dos engenhos de minha terra
Só os nomes fazem sonhar:

- Esperança !
- Estrela d'Alva !
- Flôr do Bosque !
- Bom-Mirar !
********************************************

Trem de Alagôas

O sino bate,
o condutor apita o apito,
Solta o trem de ferro um grito,
põe-se logo a caminhar…

- Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Mergulham mocambos,
nos mangues molhados,
moleques, mulatos,
vêm vê-lo passar.

Adeus !
- Adeus !

Mangueiras, coqueiros,
cajueiros em flor,
cajueiros com frutos
já bons de chupar...

- Adeus morena do cabelo cacheado !
Mangabas maduras,
mamões amarelos,
mamões amarelos,
que amostram molengos
as mamas macias
pra a gente mamar

- Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Na boca da mata
ha furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:

- Ali dorme o Pai-da-Mata
- Ali é a casa das caiporas

- Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Meu Deus ! Já deixamos
a praia tão longe…
No entanto avistamos
bem perto outro mar...

Danou-se ! Se move,
se arqueia, faz onda...
Que nada ! É um partido
já bom de cortar...

- Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Cana caiana,
cana rôxa,
cana fita,
cada qual a mais bonita,
todas boas de chupar...

- Adeus morena do cabelo cacheado !

- Ali dorme o Pai-da-Matta !
- Ali é a casa das caiporas

- Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Fonte:
Fundação Joaquim Nabuco. http://www.fundaj.gov.br/

Poesias Soltas ao Vento IV

Dudu Gemmal (Reflexões)
Dudu Gemmal (Suspiro)
Nadir A D'Onofrio (Deusa Mãe)
Vinicius de Moraes (Ausência)
Vinicius de Moraes (Música das almas)
Vinicius de Moraes (Poema nº três em busca da essência)
Hilda Hilst (Cantares de Perda e Predileção)
Hilda Hilst (Cantares do Sem Nome e de Partidas)
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Dudu Gemmal (Reflexões)

... E então já se vai mais um dia perdido
A noite se torce
Até se tornar do avesso
Até contrair-se ao extremo
Até retornar ao começo

E, então, lá se vai; mais um dia usado
Bateu o último segundo
Caiu-se a última gota
Esgota-se o tônus (a meta está morta)
Assim como o faz a paciência do mundo

Se então, onde estará o amanhã?
Se só à tarde me bate a aurora
Se o cão negro me late o agora
Se estico a coleira com poesia vã

Se, então, por latidos me devo acordar
Farei dos ouvidos um lar
Farei do amanhã o presente
E cada último segundo... farei deste o sempre.

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Dudu Gemmal (Suspiro)
A voz de alento refere-se
Ao forte tormento que fere
A minha consciência partida

A voz de alento transfere-se
Ao sopro do vento e esvai-se
No eterno seguir dos segundos

A voz de alento suspira
Em meu ouvido atento e transpira
O poro que a escuta e secreta
A gota secreta que escorre e refresca
A conclusão que elucida
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Nadir A D'Onofrio (Deusa Mãe)
Na fé inabalável do sertanejo
Aprendizado de paciência
Tempo de esperar
Deixar o sol calcinar a terra.

Na roda do tempo
Esperar o momento propício
Nuvens carregadas e trovão
Chuva solta pelo chão...

Ora torrencial
Formando aluvião
Outrora calma e serena
Infiltrando leve nesse torrão.

O sertanejo exulta
Nas mãos calejadas
Leva a riqueza
Hora do plantio...
Esperança do porvir...

Semblante sofrido, mas esperançoso!
Nos lábios sorriso esboçado
Os pés nos sulcos da terra
Cobrem o pequeno embrião...

À Deusa Mãe
Receptiva fecundada
Só resta aguardar seu tempo...
Completar o ciclo da colheita.

Ao sertanejo...
A certeza do fervor a oração
Pedir a São José...que chova no seu dia...
Cumprindo assim a profecia
De uma boa plantação...

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Vinicius de Moraes (Ausência)
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

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Vinicius de Moraes (Música das almas)"Le mal est dans le monde comme un esclave qui fait monter l’eau."
Claudel

Na manhã infinita as nuvens surgiram como a Ioucura numa alma
E o vento como o instinto desceu os braços das árvores que estrangularam a terra...
Depois veio a claridade, o grande céu, a paz dos campos...
Mas nos caminhos todos choravam com os rostos levados para o alto
Porque a vida tinha misteriosamente passado na tormenta.

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Vinicius de Moraes (Poema nº três em busca da essência)
Do amor como do fruto. (Sonhos dolorosos das ermas madrugadas acordando…)
Nas savanas a visão dos cactos parados à sombra dos escravos – as negras mãos no ventre luminoso das jazidas
Do amor como do fruto. (A alma dos sons nos algodoais das velhas lendas…)
Êxtases da terra às manadas de búfalos passando – ecos vertiginosos das quebradas azuis
O Mighty Lord!
Os rios, os pinheiros e a luz no olhar dos cães – as raposas brancas no olhar dos caçadores
Lobos uivando, Yukon! Yukon! Yukon! (Casebres nascendo das montanhas paralisadas…)
Do amor como da serenidade. Saudade dos vulcões nas lavas de neve descendo os abismos
Cantos frios de pássaros desconhecidos. (Arco-íris como pórticos de eternidade…)
Do amor como da serenidade nas planícies infinitas o espírito das asas no vento.
O Lord of Peace!

Do amor como da morte. (Ilhas de gelo ao sabor das correntes…)
Ursas surgindo da aurora boreal como almas gigantescas do grande-silêncio-branco
Do amor como da morte. (Gotas de sangue sobre a neve…)
A vida das focas continuamente se arrastando para o não-sei-onde
– Cadáveres eternos de heróis longínquos
O Lord of Death!
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Hilda Hilst (Cantares de Perda e Predileção)
Eu amo Aquele que caminha
Antes do meu passo
É Deus e resiste.
Eu amo a minha morada
A Terra triste.
É sofrida e finita
E sobrevive.
Eu amo o Homem-luz
Que há em mim.
É poeira e paixão
E acredita.
Amo-te, meu ódio-amor
Animal-Vida.
És caça e perseguidor
E recriaste a Poesia
Na minha Casa.
(XXIII)
* * *
Vida da minha alma:
Um dia nossas sombras
Serão lagos, águas
Beirando antiqüíssimos telhados.
De argila e luz
Fosforescentes, magos,
Um tempo no depois
Seremos um só corpo adolescente.
Eu estarei em ti
Transfixiada. Em mim
Teu corpo. Duas almas
Nômades, perenes
Texturadas de mútua sedução.

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Hilda Hilst (Cantares do Sem Nome e de Partidas)
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.
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Fontes:
-
http://abcdaliteratura.blogspot.com/
- MORAES, Vinicius de. Anologia Poética. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1935
- HILST, Hilda. Cantares de Perda e Predileção. São Paulo: Massao Ohno & M. Lydia Pires e Albuquerque Editores, 1983.
- HILST, Hilda. Cantares do Sem Nome e de Partidas. São Paulo: Massao Ohno, 1995

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Concurso Centenário de José Barrros Vasconcellos (Porto Alegre-RS)

Âmbito nacional - Tema João de Barro

Vencedores:

Construtor de propriedade,
João- de- Barro, arquiteto,
Sem cursar a faculdade,
Cria e monta o seu projeto.
Nei Garcez (Curitiba - PR)
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João de barro, um engenheiro,
Que jamais leu apostila.
Seu ninho é quase um mosteiro,
- poema feito de argila-
Francisco Neves Macedo (Gramoré - Natal)
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O João- de -Barro é um exemplo,
Pode não saber gorjear,
Com tão pouco faz um templo,
Ao erguer seu próprio lar
Cláudio de Cápua (Santos - SP)
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João de Barro, o construtor,
Usa a terra com nobreza,
O que faz, faz por amor
Não agride a natureza.
José Guarany Rodrigues (São Paulo - SP)
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Na casa do joão-de-barro
não tem tevê nem mobília;
não tem quadros, não tem jarro...
tem, no entanto, uma família!
Antônio Augusto de Assis (Maringá - PR)
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Menções Honrosas:

João -de- Barro nos ensina
Com seu talento exemplar,
Que com barro e palha fina
Pode se fazer um lar.
Miguel Russowsky (Joaçaba - SC)
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Na mansão, quanto egoísta
Vive distante da paz,
Que o João- de-Barro conquista
Na casa humilde que faz...
Regina Célia de Andrade (Magé - RJ)
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Deus, que ao homem fez de barro
E ainda o intenta amoldar,
Lembra e inspira o João- de -Barro,
Que transforma barro em lar...
Josafá Sobreira da Silva (Rio de Janeiro -RJ)
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Que saudade matadeira,
Das coisas que aqui não há,
João de Barro na paineira,
No terreiro um sabiá.
Campos Sales (São Paulo - SP)
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João -de -Barro, o arquiteto,
Aos homens dá belo exemplo:
Com amor, constrói seu teto,
Mais que um lar... será seu templo!
Alba Helena Corrêa (Niterói - RJ)
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Menções Especiais:

João -de -Barro, em verdade,
Envolto em desilusão,
Emparedei a saudade
No ninho do coração!
Antônio Juraci Siqueira (Belém - Pará)
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Tu voltas arrependido
E eu, mesmo só, quase morta,
Qual João de Barro traído,
Para ti ... fechei a porta!...
Marina Bruna (São Paulo - SP)
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De longe, eu posso escutar
Esse grito de louvor...
João de Barro o teu cantar
Leva mensagens de amor!...
Rodolpho Abbud (Nova Friburgo - RJ)
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João-de-Barro - desolado -
Maldiz o fogo daninho,
Ao ver, no tronco queimado,
Os escombros do seu ninho!!!
Maria Madalena Ferreira (Magé - RJ)
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João de Barro, esse seu canto,
Eu sei, é saudade dela!
Faça outro ninho no canto
Aqui da minha janela...
Almira Guaracy Rebelo (Belo Horizonte - MG)

Fonte:
Colaboração de Antonio Augusto de Assis (Maringá - PR)

Marcelino Freire (1967), por ele mesmo

Eu nasci no ano de 1967 em uma cidade chamada Sertânia, alto sertão de Pernambuco. Vivo em São Paulo, vindo do Recife, desde 1991. Escrevi, entre outros, "Angu de Sangue" (Contos, 2000), "eraOdito" (Aforismos, 1998 - 2002) e "BaléRalé" (Contos, 2003), todos publicados pela Ateliê Editorial, São Paulo.

Sou também editor, tendo idealizado e lançado, em 2002, a "Coleção 5 Minutinhos" (eraOdito editOra), com livros inéditos, distribuídos gratuitamente, de nomes como Moacyr Scliar, Glauco Mattoso, Valêncio Xavier e Manoel de Barros.

Em 2003, lancei a segunda versão da Coleção, desta vez destinada às crianças e reunindo autores como Luis Fernando Verissimo, Ignácio de Loyola Brandão, Haroldo de Campos e Tatiana Belinky.

Sou um dos editores da revista de prosa "PS:SP", lançada, em número único, no ano de 2003.

Participei das antologias "Geração 90 - Manuscritos de Computador" (2001) e "Os Transgressores" (2003), organizadas por Nelson de Oliveira para a Boitempo Editorial e que reúnem "Os melhores contistas brasileiros surgidos na última década do século XX".

Participei também de algumas importantes antologias no Brasil e no Exterior, como a "Ficções Fraternas" (editora Record, 2003), a "Dentro de um Livro" (Casa da Palavra, 2005) e a "Putas", lançada em Portugal (Quasi Edições, 2002).

Alguns de meus contos foram adaptados com sucesso para teatro no Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, e interpretados, em especiais na TV, por atores como Beatriz Segall e Walmor Chagas. Alguns, idem, foram publicados em revistas e jornais no México, França, Estados Unidos e Itália.

Em 2004, idealizei e organizei a antologia "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê Editorial e eraOdito editOra), reunindo 100 autores, como Dalton Trevisan, Millôr Fernandes, Marçal Aquino, Raimundo Carrero, João Gilberto Noll, em microcontos inéditos de até 50 letras. Ainda em 2004, idealizei e organizei para a editora paulistana Alaúde a "Série Paralelepípedos", em que autores de cada uma das 27 capitais brasileiras apresentam, para o público infantil e adolescente, a cidade em que nasceram ou onde vivem.

Representei o Brasil no III Encontro de Novos Narradores da América Latina e da Espanha, realizado no final de 2003 em Bogotá, Colômbia. Também em 2005 participei da Feira Internacional do Livro, acontecida no Paraguai. Fui um dos destaques da Jornada Literária de Passo Fundo, RS, edição de 2003. E um dos escritores convidados para a segunda edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a FLIP, que aconteceu em julho de 2004, sendo apontado, pela imprensa em geral, como uma das "revelações" da Festa.

Em julho de 2005, lancei o "Contos Negreiros", meu primeiro livro pela editora Record. Escrevi o meu primeiro romance, intitulado "Gonza-H", publicado pela editora Record. E também organizo, ao lado do escritor Santiago Nazarian, a antologia de contos gays, em dois volumes, intitulada "Contos para Ler Fora do Armário". Preparo, ainda, o lançamento do programa literário de TV, o "SÁideira", idealizado por mim, com apresentação do escritor e jornalista Xico Sá e realização da Tereré Cinema.

Fonte:
http://www.foresti.locaweb.com.br/03_eraOdito/marcelino.html
Foto: J. R. Duran

Lançamento do Livro Rasif, de Marcelino Freire


A Editora Record e o b_arco convidam para o lançamento do livro de contos Rasif: mar que arrebenta, de Marcelino Freire, gravuras de Manu Maltez, com abertura da exposição "Anjos e Urubus".
Lançamento em São Paulo
Dia 14 de agosto, quinta-feira, a partir das 19 horas, no Centro Cultural b_arco. Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 426 (transversal da Rua Artur de Azevedo), Pinheiros - São Paulo.
Lançamento no Recife
Dia 29 de agosto, sexta-feira, a partir das 17 horas, na Livraria Cultura.
Fonte:
Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima

Marcelino Freire (Rasif: mar que arrebenta)

“Eu quero que o leitor tenha a sensação de que está com o fim do mundo nas mãos”. Quem expressa esse desejo apocalíptico é o escritor Marcelino Freire, radicado em São Paulo desde os anos 90, mas natural de Sertânia, cidade do Sertão distante 316 Km do Recife. Autor de Angu de Sangue, Navio Negreiro e outros sucessos de crítica e público, ele é uma das atrações principais deste final de semana da 6ª Bienal Internacional do Livro, que desde ontem ocupa diversos espaços do Centro de Convenções.

Rasif transforma em realizade um sonho antigo de Marcelino Freire: o de publicar algo acompanhado por ilustrações. “Eu semprei gostei das coisas que Caribé fazia para os livros de Jorge Amado ou dos desenhos de Santa Rosa para Vidas Secas. Aí conheci o trabalho de Manu Maltez no Degrau, um bar da Vila Madalena. Esse cara, além de músico, é um ilustrador portentoso!”. O novo livro traz figuras de urubus, corujas, ossos e outros elementos.
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Para Iemanjá
Oferenda não é essa perna de sofá. Essa marca de pneu. Esse óleo, esse breu. Peixes entulhados, assassinados. Minha Rainha.

Não são oferenda essas latas e caixas. Esses restos de navio. Baleias encalhadas. Pingüins tupiniquins, mortos e afins. Minha Rainha.

Não fui eu quem lançou ao mar essas garrafas de Coca. Essas flores de bosta. Não mijei na tua praia. Juro que não fui eu. Minha Rainha.

Oferenda não são os crioulos da Guiné. Os negros de Cuba. Na luta, cruzando a nado. Caçados e fisgados. Náufragos. Minha Rainha.

Não são para o teu altar essas lanchas e iates. Esses transatlânticos. Submarinos de guerra. Ilhas de Ozônio. Minha Rainha.

Oferenda não é essa maré de merda. Esse tempo doente. Deriva e degelo. Neste dia dois de fevereiro. Peço perdão. Minha Rainha.
Se a minha esperança é um grão de sal. Espuma de sabão. Nenhuma terra à vista. Neste oceano de medo. Nada. Minha Rainha.
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Se em Contos negreiros, o escritor Marcelino Freire questionava a noção de igualdade racial no Brasil (a cordialidade como produto de uma síntese feliz e festiva entre índios, negros e brancos estrangeiros), Rasif, mar que arrebenta, sua nova antologia de contos, busca outros territórios. O título rascante do livro carece de alguma explicação.

Recife vem do árabe, Rasif: terreno de lajes, estrada composta de rochedos. Já Pernambuco, origina-se no tupi-guarani, paranã-puca: “onde o mar se arrebenta”. Deste violento embate entre pedra e mar, emerge Rasif, mar que arrebenta.

Dezessete contos, ou melhor, “cirandas, cirandinhas” (assim o autor as nomeou no índice) compõem Rasif, um desnorteio de ritmos bem traduzido na linguagem lírica e ríspida, dura e sutil, bela e grotesca, deste autor que embaralha ainda mais os limites da narração. Cada palavra é ponderada, valendo sílaba a sílaba, aspirando a poemas. Pensemos, por isso, a pertinência da denominação “ciranda” para os contos. Na origem do termo está sarand, palavra hispano-árabe que em sua evolução rumo à forma portuguesa conheceu as formas zaranda e çaranda. Para um livro que mira o oriente, mas que tem Recife, Pernambuco como ponto de partida para pensar o mundo, ciranda aponta para um volteio de temas, escolha, união, dança e embate. Isto porque “ciranda” dá nome a uma peneira grossa, mas também define o canto e a dança de roda adulta ou infantil (e lembremos a profusão de crianças que abarca esta obra).

O livro vai além dos limites de Recife e Pernambuco, já que as fronteiras dos contos se distendem para novos territórios. Partindo da etimologia de Recife, surgem contos que tematizam conflitos e põem em pauta uma Arábia sem mistificação, sem orientalismo. Aqui e lá vivem amores, desejos, estilhaços, guerras, explosões. As Arábias são mais um motivo para olhar o mundo que se vê invadido, que se sente deslocado num mundo cada vez mais vertiginoso. Os árabes invadem Rasif até mesmo na dedicatória (“para Asfora, Benuthe, Hatoum, Nassar, Nazarian, Salomão e Snege”), mas alarga-se em contos como “O meu homem-bomba”, “We speak English”, e está implícita no desejo assassino de menino de “Maracabul”, cujo sonho maior é possuir uma arma. Os estilhaços ferozes e infelizes da violência e da guerra estão também em “Amor cristão” e “Da paz”.

Do mesmo modo que o árabe, a “língua indígena” vai dar no intérprete que traduz, no conto “Tupi-guarani”, as reivindicações dos índios que, furiosos, invadem o teatro Amazonas. As palavras ameríndias guiam o autor, com sua sonoridade, e vão dar numa proliferação de toponímia, nomes de bichos, lugares, costumes e sons, num livro entranhado em contos que dialogam e distendem-se como no conto que abre o livro, “Para Iemanjá”. Nele, o mar (e as águas) é leitmotiv de Rasif e além de ser um canto de louvação à orixá-senhora das águas, denuncia a dessacralização da natureza, o desrespeito e a ação assassina do homem. O lirismo de “Para Iemanjá” é dos mais imensos: “Oferenda não é essa perna de sofá. Essa marca de pneu. Esse óleo. Esse breu. Peixes entulhados. Assassinados. Minha Rainha (...) Não são para o teu altar essas lanchas e iates. Esses transatlânticos. Submarinos de guerra. Ilhas de Ozônio. Minha Rainha. /Oferenda não é essa maré de merda. Esse tempo doente. Deriva e degelo” (...) (p.21).

Muitos reconhecerão no livro a dicção coloquial e urbana dos narradores; o tema da violência; a obsessão pelo solilóquio repleto de ambigüidades. Trata-se de uma linguagem que busca aproximar-se da letra de canção; canção que, na modernidade, vai se irmanar ao sample e ao canto-desafio do rap: “O medo, aqui, não é brinquedo, pode crer. / Pá-pá-pá. / Gostoso roubar e sumir pelos buracos do barraco. Pelo rio e pela lama. Gritar um assalto, um assalto, um assalto. Cercado de PM por todos os lados. Ilhado na Ilha do Maruim. Na boca do guaiamum. /Papai Noel vai entender o meu pedido. Quero um revólver comprido, de cano longo. /Socorro! /Socorro!” (“Maracabul”, p.41).

Marcelino Freire trabalha com uma frase quebrada, que em estilhaços se faz quase versejada, já que se encontra posta no martelo do cordel, sincopada na récita do repente: “Saudades da bernúncia. Saudades da zabumba. Do Zé do Vale e Zé Pereira. Do Zé Limeira. Saudades do violão e da viola. Saudades da graviola. Pitanga, umbu. Cajá, maracujá. /Saudades da Lia. Da lua de Itamaracá. Saudades do Cariri, Sertão do Pajeú. (...)” (“O futuro que me espera”, p. 122).

Em Rasif estão presentes as personagens que se constroem ao narrarem-se. São travestis, pedófilos, miseráveis indignados, assassinos militantes, gays passionais, pais indignados, crianças cruéis, todos unidos (ao lado de outros) para novos cantares. Afasta-se do clichê, da pobreza sofrida e explorada, seus personagens não revidam o que enfrentam, revelam suas carências, são impiedosos e cínicos. Marcelino Freire os constrói por meio da ironia (figura central em sua “poética” do desmascaro), por isso podem ser lidos de formas distintas.

Para traduzir estas personagens, o autor faz uso das “falas-drama” que mimetizam tanto o universo interior quanto o exterior pelo “modo” que elas (aparentemente) diriam-se, conquistado o direito à voz. São “personalidades” que se convertem em trama ao executar o enredo de si mesmas. “Enredar-se”, neste sentido, adquire também o significado de “logro”. Não bastasse isto, o autor – cuja literatura se constrói à revelia do bom gosto e do politicamente correto - elege personagens marginais, seres de exceção, figuras cujo olhar viciado (da sociedade contemporânea) as converteu em “tipos”, “estereótipos”. Marcelino Freire assume o risco de traduzi-las de uma perspectiva interna, modus operandi experimentado (não sem algum constrangimento) por escritores de peso como Graciliano Ramos. A adesão de Marcelino Freire é, contudo, desapaixonada, oposta à perspectiva empática efetuada por João Guimarães Rosa. Adotando a ironia, a contradição, o paradoxo, ele desestabiliza as certezas, inserem singularidade para destroçar a visão pré-concebida. Estigmatizadas pela ordem social, suas personagens humanizam-se pela complexidade de sua paisagem interior. Sua estratégia é o foco narrativo em primeira pessoa, diálogos mais próximos de solilóquios, de monólogos interiores que se alteram para um fluxo de consciência no qual sobressai, pelo não-dito, “personalidades” que ao se contradizerem, revelam-se.

O que poderia resultar numa estratégia narrativa de curto alcance, pelo risco de esgotar-se pela repetição (neste sentido, “Maracabul” é dentre todas a mais fraca, pelo curto alcance da configuração psicológica de menino; o mesmo podendo se dizer do discurso de “We speak English”, reduzido à sátira estilisticamente bem construída), resulta, por vezes, em excelentes contos. “I-no-cen-te”, talvez a narrativa mais arriscada do livro, é exemplo da força desta técnica. Sua trama constrói-se sub-repticiamente, por meio de um depoimento no qual o não-dito configura o crime, um discurso que pretensamente busca a conversão do réu em vítima. “I-no-cen-te”, em sua ambígua, irônica, e amoral tecitura, busca a afirmação e comprovação da inocência do criminoso diante da perversidade de sua vítima: “Aí o povo vai comentar: que é coisa pura. Uma nudez de candura. A maldade está no meu olhar. Eu é que não enxergo. Vejo além. Vejo desonesto. Vejo o que não está. Tenho um coração feio, que não se contém. Algo em mim precisa se exorcizar. Miolo mole, que não bate bem” (p.89).

Rasif possui um tom mais melancólico e satírico do que as obras anteriores; em parte, por trazer personagens ainda mais isolados, desconfortáveis no lugar onde estão. Trata, igualmente, da perda de um olhar ingênuo sobre o mundo, e de falas soltas, incompreendidas, uma algaravia não-comunicativa. O melhor exemplo é “Chá”, sátira corrosiva que põe à roda da mesa, os imortais da academia de Letras cada vez mais surdos e senis. Entre xícaras de chá e torradinhas, eles discutem o destino da cadeira recentemente vaga de um “imortal” gagá: “(...) Deu derrame. A bolacha. Passa. Ficou caduquinho. Tira a roupa. O quê? Não estou ouvindo. Dizem que fica nuzinho. Nu? Nuzinho. Hum, hum. Deve ficar uma graça. Nuzinho. Só tem osso. De quê? Camomila. Hã? Não ouço. Ca-mo-mi-la. Obrigado. É a vida. (...)” (p. 81).

Mesmo abrindo-se ao humor e ao nonsense, Marcelino Freire não arrefece em explicitar, com a ferocidade denunciadora das obras precedentes, que vivemos num mundo mal, atolado em injustiças das mais diversas esferas. Rasif é tudo isso, mas é também um livro de amor, um amor particularíssimo, selvagem, como explicitado no conto-vinheta “Amor cristão”: “Amor é a mordida de um cachorro pitbull que levou a coxa da Laurinha e a bochecha do Felipe. Amor que não larga. Na raça. Amor que pesa uma tonelada. Amor que deixa. Como todo grande amor. A sua marca. (...)” (p. 77).

O nonsense em Rasif comparece em contos como “Junior”, que traz um bebê que surpreende fascinado o pai com um travesti na cozinha de casa; em “Meu último natal”, apresenta-se apenas no insólito desfecho da narrativa sobre um menino, cujo propósito feroz é assassinar e roubar o Papai Noel. Este nonsense pode chegar a extremos de melancolia, como no beckettiano “Ponto.com.ponto”, que traz um sujeito num banco de praça, à espera (cega e interminável) de um possível amor agendado pela internet. As frases curtas, picotadas (ponto a ponto), procuram traduzir ao leitor esperança, impotência e crescente frustração do protagonista: “(...) O meu peito ziguezagueia. Cada passo da cidade de São Paulo. Sinto. Ela não vem. Depois de tanto tempo. Um, dois, três. Marcamos o encontro. Dentro da tarde, neste terceiro banco. A gente vai ser feliz. Depois de tanto tempo, meu amor. No computador. Marcamos. Este encontro real. (...)” (p. 116).

Marcelino Freire esmera-se em tornar mais complexos os enredos de alguns contos de Rasif. “Os atores”, trama que mistura melodrama, suspense e tragédia, ilustra o tema da representação. No conto, um velho ator encena um crime passional. Protagonizando a peça ao lado de seu jovem amante, ele decide substituir a pistola falsa por outra verdadeira, tudo para que o rapaz, o mate diante da platéia. A narrativa inicia com a descrição da cena clímax da peça, seguindo em marcações, rubricas, pontuando intenções: “A última cena é assim: ele tira o revólver da gaveta, dispara à queima-roupa. E eu caio. Como um rei cairia. Ou a Petra. Ou a Phedra. Depois, Leocádio sopra um monólogo sem fim. E chora e ri. As cortinas fecham o espetáculo. E voltamos abraçados para os aplausos” (p. 67).

Amalgamando lirismo e crueza (a exemplo do trecho anterior), Marcelino Freire dá vazão em Rasif a um estranho saudosismo da ingenuidade perdida, da infância, de uma natureza não-corrompida, de uma modernidade sem a vertigem do consumo. É o que se lê no diálogo indignado do motorista de “Sinal fechado”: “- A Guerra na Arábia Saudita, na Conchinchina, sei lá. A culpa é do carro. Do combustível. Do petróleo. Do gás. Da gasolina. (...) - Da guerra. Sim, da guerra. Da carnificina. Por que é que eles brigam, meu caro? Por causa do carro. Entendeu? A roda nos fodeu. Antes a gente vivesse no tempo do jumento. Até o jumento virou moto. Não viu? Um dia saiu na televisão” (p. 109).

Em Rasif estão ainda presentes as zonas de conflitos dos afetos, os campos minados dos desejos; mas há, pela primeira vez nos enredos, finais felizes, saídas para o amor como se os personagens já pudessem aspirar a um futuro possível, menos torpe. É o caso de “Roupa suja”, em que uma empregada de lavanderia narra a uma amiga suas idas e vindas num terreiro feitas para conquistar o cliente executivo pelo qual se apaixonou. Num tom entre o obsceno e humorístico, a narrativa excede em referências ao universo do trabalho da narradora: “(...) Cheiroso, nem olhou para o meu alvoroço. Nem sequer um pensamento. Leve. Ele, dentro de uma bolha. Eu, tão rastejante. Nada, a partir daquela manhã, foi a mesma coisa. (...) Amor, Maria, amor./Sabe o que é isso?/Fragrância de flor. (...)” (p.57).

Apaixonado pela sonoridade das palavras, o autor joga com som e sentido para enredar significados e efeitos novos na expressão. Isto faz com que por vezes, a trama seja o próprio discurso, tornando ainda mais difícil a classificação “contos” para textos como “Para Iemanjá”, “We speak English”, “Amor cristão” e “O futuro que me espera”. Estes funcionariam, à maneira de um álbum musical, como vinhetas para introdução de novos temas, outros andamentos. Isto por que Marcelino Freire deixa circular (cirandar) com rigor, elementos que unificam tematicamente Rasif e fazem ressoar um conto no outro: “Mamãe, este ano eu fui um bom menino, mas ano que vem eu quero ficar rico. Ter um carro-forte, um carro do ano. /Juro que não estou brincando”. (“Maracabul”, p. 43), “Aí o Leco resolveu matar o Papai Noel. De verdade. Dar uma pedrada na cabeça dele assim que ele chegasse. Não pela chaminé, que não havia. Pela janela do barraco.(...)” (“Meu último Natal”, p. 45).

Contraditoriamente, faz uso do “lugar-comum”, de personagens estigmatizados, marginais que põe em primeiro plano e que, ao se expressarem, singularizam-se, ganhando em complexidade psicológica. Humaniza-os, assim, sem escamotear suas falhas de caráter, seus desvios morais, suas obsessões sexuais. Sua perspectiva é interna (daí o uso freqüente da primeira-pessoa), não-distanciada. Não se trata, porém, de uma adesão amorosa (à maneira de um Guimarães Rosa), tampouco amoral (sem julgamento explícito, como num Rubem Fonseca). Eles expressam e em seu próprio discurso explicitam ambiguamente suas contradições.

Como o desfecho em que paisagens, nomes, paladares (termos predominantemente indígenas) fecham o livro com uma declaração de amor a Pernambuco, ao sertão, ao Brasil sem dor. Neste desfecho, há ecos de poemas do poeta Manuel Bandeira (cujos versos fecham o livro), textualmente citado no conto “Amigo do rei”, narrativa de um garoto cuja amor pela poesia faz aflorar o horror homofóbico do pai: “(...)Um pesadelo! Eu mato esse menino. Ah! Se mato. Que desgraça! Ele e esse tal de Manuel Bandeira. Suados e abraçados, em campo. (...)”(p. 98)

Rasif retoma o tom poético em seu desfecho com “O futuro que me espera”, aspiração que soçobra os desencantos com a cidade grande, dissolve angústias, acena para uma felicidade futura resgatada do passado (interiorano?) quando a paz não se fazia reles discurso: “Saudades de tantas coisas. Que eu costurei a mala, levantei as paredes da caixa. Disse olhando os prédios de São Paulo. E a fumaça. Vou-me embora agora mesmo, de hoje não passa. Aqui nunca foi a minha terra”. (p. 123)

Completando este salto, estão as ilustrações de Manu Maltez, gravuras em água forte que não ilustram os contos, mas que traduzem a fluidez do traçado desconcertante do artista, com figuras que oscilam num premente movimento, alterando-se de figuras humanas clássicas a animais e formas grotescas: impuros seres convertidos em mãos, feras míticas, aves que se convertem em onda, como a que ilustra a capa. Fortes águas, vozes de arrebentação. Rasif traz narrativas e formas que não se contém quietas, que precisam saltar, ganhar espaço no mundo.

Rudes e acérrimos, subversivos, bailarinos, radicalmente negros (na contra-corrente da literatura noir), os contos de Marcelino Freire em Rasif, mar que arrebenta não se prestam ao limite do papel. Assentam mal, parecem não pertencer à classe da literatura que se imprime impunemente em nossos dias. Inquietantes, vertem sangue, dançam, batucam, aspiram o trânsito, o salto para fora do objeto-livro que os contêm. Por isso mesmo, faz-se válida a afirmação do autor de que seus contos são para serem lidos em voz alta.

Acatemos essa voz, cantemos e cirandemos, sem pudor, nas águas fortes de Rasif.
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Amor cristão

Amor é a mordida de um cachorro pitbull que levou a coxa da Laurinha e a bochecha do Felipe. Amor que não larga. Na raça. Amor que pesa uma tonelada. Amor que deixa. Como todo grande amor. A sua marca.

Amor é o tiro que deram no peito do filho da dona Madalena. E o peito do menino ficou parecendo uma flor. Até a polícia chegar e levar tudo embora. Demorou. Amor que mata. Amor que não tem pena.

Amor é você esconder a arma em um buquê de rosas. E oferecer ao primeiro que aparecer. De carro importado. De vidro fumê. Nada de beijo. Amor é dar um tiro no ente querido se ele tentar correr.

Amor é o bife acebolado que a minha mulher fez para aquele pentelho comer. Filhinho de papai. Lá no cativeiro. Por mim ele morria seco. Mas sabe como é. Coração de mãe não gosta de ver ninguém sofrer.

Amor é o que passa na televisão. Bomba no Iraque. Discussão de reconstrução. Pois é. Só o amor constrói. Edifícios. Condomínios fechados. E bancos. O amor invade. O amor é também o nosso plano de ocupação.

Amor que liberta. Meu irmão. Amor que sobe. Desce o morro. Amor que toma a praça. Amor que de repente nos assalta. Sem explicação. Amor salvador. Cristo mesmo quem nos ensinou. Se não houver sangue. Meu filho. Não é amor.

(Extraído do livro “RASIF – Mar que Arrebenta”, de MARCELINO FREIRE, Editora Record, 2008)

Fontes:
http://www.bienalpernambuco.com/
http://www.cronopios.com.br/

O Escritor em Xeque (Entrevista com Marcelino Freire)

Marcelino Freire nasceu em 20 de março de 1967 na cidade de Sertânia, Sertão de Pernambuco. Vive em São Paulo desde 1991. É autor de EraOdito (Aforismos, 2ª edição, 2002), Angu de Sangue (Contos, 2000), BaléRalé (Contos, 2003) publicados pela Ateliê Editorial, e Contos Negreiros (Contos, 2005) pela Record, livro que venceu o prêmio Jabuti. Em 2002, idealizou e editou a Coleção 5 Minutinhos, inaugurando com ela o selo eraOdito editOra. É um dos editores da PS:SP, revista de prosa lançada em maio de 2003, e um dos contistas em destaque nas antologias Geração 90 (2001) e Os Transgressores (2003), publicadas pela Boitempo.

MARCELINO FREIRE diz que escreve para se vingar. Seu novo petardo, chama-se Rasif: Mar que Arrebenta, quarto livro de contos e o primeiro desde que ganhou o prêmio Jabuti. Nesta entrevista exclusiva para Verbo21, ele fala um pouco de seu passado com a Geração 90, a moda da literatura árabe, guerras, Movimento Armorial, Mangue Beat e outros quiprocós.

Lima Trindade – Você vem publicando contos com certa regularidade. De 2000 para cá, Rasif: Mar que Arrebenta é o seu quarto livro do gênero. Como costuma ser o seu processo de gestação de um novo trabalho? Você planeja tudo, se cobra horários ou trabalha de forma livre?

Marcelino Freire – Livro meu, pode verificar, eu publico de três em três anos. O Contos Negreiros, por exemplo, é de 2005. Entre um livro outro, faço outros projetos, me envolvo em baladas literárias [Freire criou o evento Balada Literária, que reúne todo ano mais de uma centena de escritores nacionais e internacionais pelas ruas do bairro paulistano da Vila Madalena] e antologias. Nesses três anos, escrevo um conto e outro, vou juntando material. Aí vejo o que há de comum neles, que linha os une. Qual temática eu quero provocar, sei lá. Escrevo, inclusive, alguns contos especialmente para o livro que eu imaginar. E, sobre como eu trabalho, é o mais desleixadamente possível. Não tenho horários, não bato ponto para a literatura. Escrevo quando estou com vontade. Fico guardando uma frase no meu juízo por um bom tempo. Aí escrevo a partir daquela frase que fiquei matutando. Uma vez, tentei anotar o que eu ia ouvindo, o que eu ia colhendo pelas ruas. Não deu certo. Eu perdia o caderninho. Senti que eu estava “burocatrizando” o cotidiano. Desisti. Agora deixo a frase ficar perdida na memória. Até eu encontrá-la de novo.

LT – Uma característica marcante dos seus textos, a meu ver, está na escolha em retratar um universo de párias, excluídos e marginalizados, sem, no entanto, reduzir essas personagens à questão da miserabilidade existencial. O que podemos esperar de Rasif? Há uma linha-mestra conduzindo os contos?

MF – Na verdade, não são temas escolhidos por mim. Não sei bem dizer. É a forma de eu enxergar. Esse mundo pobre, doente, em que vivemos, sobrevivemos. É o mundo que temos. E a minha literatura não consegue fugir disto. A minha literatura está afetada por isto. Eu queria muito tratar de outros assuntos. Mas, quando vejo, um personagem vem gritar no meu ouvido. Sangrar à minha porta. Eu costumo dizer que eu escrevo para me vingar. De uma saudade, de um governo, de uma família. Eu preciso exorcizar alguma coisa. Não consigo ser um escritor frígido. Adoraria, um dia, escrever uma história passada no Planeta Vermelho, por exemplo. Na Cochinchina. Aguardemos... No meu novo livro, o Rasif, é a vez das guerras. Particulares e nucleares. Sempre tem alguém fodendo alguém no meu novo livro. Algum conflito sendo travado. Eu quero que o leitor, ao pegar o Rasif, tenha a impressão de estar com o fim do mundo nas mãos. É um livro quente. Fervente. Sem contar, faço questão de ressaltar e louvar, as gravuras presentes no livro. Rapaz, está bem bonita a edição. Por causa, sobretudo, da participação de Manu Maltez [artista paulistano]. Meu livro vem com as gravuras apocalípticas do Manu. Cheias de corujas, anjos nus, asas e urubus. Valerá a pena conferir. Formamos nós dois uma duplinha demoníaca, você vai ver...

LT – O título (belíssimo) é também uma clara homenagem a Recife. De que modo a cidade aparece no livro? Há nele algum traço de evocação memorialística ou você traça outros caminhos?

MF – Sim. Há uma referência recifense. E pernambucana. O nome “Recife” vem de “Arrecife”. Mas ambas palavras vêm do árabe: “Rasif” e “Arrasif”. Gostei quando soube disto. Quem me contou foi a amiga Adrienne Myrtes [também escritora, autora do livro de contos “A Mulher e o Cavalo”]. Porque eu estava falando para ela que o meu próximo livro tinha homem-bomba, tinha Afeganistão, Cabul, Sertânia [a cidade em que Freire nasceu]. Aí ela me contou isto. Eu não sabia. Adorei. Sem contar que eu quero muito ganhar dinheiro com este livro. Os livros árabes não estão vendendo feito quibe? Pois eu tenho a minha Árabia própria e nada mais justo que eu ganhe uns trocados com ela. Eu também quero colocar a minha pipa para voar. Enfim. Eu quero fazer essa provocação. E me animei com estas ligações malucas. Descobri, por exemplo, que “ciranda” é uma palavra árabe. Aí fui lá na música da lenda-viva que é a cantora Lia de Itamaracá: “estava na beira da praia / ouvindo as pancadas das ondas do mar”. Isso. Pancadas, chutes, cuspes para todo lado. Aí lembrei também do Manuel Bandeira, “num torpedo-suicida / darei de bom grado a vida”. É isso aí. Meu livro quer explodir. E tem mais: meu livro tem um subtítulo, Mar que Arrebenta. O nome “Pernambuco” vem do tupi-guarani, que quer dizer “onde o mar arrebenta”. Então vai ser isto: um livro que se lasca, se arrebenta, se lança lá do alto. E acaba sendo também um livro sobre minha terra, de forma truncada. Um livro escrito por alguém que não está mais no seu lugar de origem. Que fala outra língua. Que se sente um estrangeiro, sempre. É um livro também que coloca a questão da língua que falamos. Se entendemos mesmo o que falamos e o que ouvimos, sei lá.

LT – Tenho a impressão que todos os seus contos nasceram para serem lidos em voz alta. Você os concebe com essa intenção?

MF – Eu escrevo em voz alta, sim. Gosto da palavra falada. Como lhe disse, escrevo a partir de uma primeira frase que ouvi por aí. Não tenho história para contar. Tenho um som para rimar. Vou construindo a história a partir de um mote. O que faço é música, costumo dizer. Embolada. E eu comecei a minha trajetória escrevendo para teatro. Gosto muito do teatro. Quando escrevo, imagino sempre um ator em cena. Eu penso muito nisso. Na palavra lançada, dita para ser ouvida. E eu leio e releio muito o que escrevo. Em voz alta, pela casa. Quando algo não está claro, o ouvido denuncia. E aí eu mudo, modifico o parágrafo. Eu adoro ler os meus contos em público. Ah! Nos livros, nunca chamo meus contos de contos. Sempre os chamo de cantos, de improvisos. Agora, no Rasif, eles são cirandas, cirandinhas. É assim que os contos do Rasif soaram para mim. Cirandas à beira do mar. E o mar arrebenta, grita. E o mar está morrendo. Mas, antes de morrer, ele vai matar muita gente. Já está matando, não vê?

LT – Contos Negreiros foi encenado, não? Alcançou êxito? É verdade que Rasif terá uma montagem simultânea ao lançamento do livro?

MF – Rapaz, essa história da encenação do Contos Negreiros começou na FLIP [Festa Literária Internacional de Parati] de 2005. A cantora Fabiana Cozza, minha amiga, estava fazendo um show na cidade. E aí resolvi dar uma canja lendo um dos meus contos. Deu supercerto. Daí, a gente pensou em um espetáculo juntos. E até hoje a gente se apresenta. Sempre que convidam a gente. Já fizemos no Recife, várias vezes em São Paulo. Em Salvador, pelo interior, etc. E o espetáculo ganhou a participação do maravilhoso cantor baiano Aloísio Menezes, que você bem conhece. Lotamos a casa várias vezes aqui em São Paulo. E o Rasif – Mar que Arrebenta ganhou uma peça homônima, sim. Estreia lá no Recife no dia 30 de agosto. É com o mesmo grupo que encenou o Angu de Sangue [livro de contos publicado em 2000]. A montagem do Angu foi muito premiada e elogiada por onde passou. Os atores são muito bons [um deles é a atriz Hermila Guedes, premiada pelo filme “O Céu de Suely”]. Causaram grande impressão no ano passado no Festival de Curitiba. É uma turma da pesada. Estou supercurioso para ver o que eles aprontaram com os meus contos sobre o final dos tempos. Ah! Também tem o ator e dançarinho recifense Kleber Lourenço, que encenou o Contos Negreiros. Brilhante, brilhante. Eu fico feliz pra caralho quando vejo meu trabalho encenado. É uma forma de eu voltar aos palcos. Eu que sempre quis ser ator. Fico, neste caso, menos frustrado...

LT – Quando morou em Recife, chegou a travar conhecimento com o pessoal do Movimento Armorial? Como você avalia a importância dessa expressão artística para a contemporaneidade?

MF – Coincidentemente, na semana passada, a convite de Antonio Nóbrega, eu fui participar da homenagem que fizeram a ele aqui em São Paulo. Fui um dos oradores do evento. O cabra ganhou o título de Cidadão Paulistano, heróica e merecidamente. Nóbrega é a única ligação, indireta, que eu tenho com o Movimento Armorial. Meu primo, Wilson Freire, é parceiro do Nóbrega faz tempo. Também já estive algumas vezes com o Ariano [Suassuna]. Eu gosto mais do Nóbrega e do Ariano onde eles são mais universais. Não importa o som e a palavra que criam. Não gosto muito dessa coisa “radical”, purista, digamos. Acho um saco toda aquela discussão armorial, raízes da terra, coco genuíno, sei lá. Tenho preguiça. Embora ache divertido o discurso do Ariano. Por exemplo, quando ele fala mal do Michael Jackson. Hilário! Mas não acho graça quando, de alguma forma, alguns artistas do Recife são escanteados por lá se pensam, digamos, mais “desarmorial”. Conhece o poeta Jomard Muniz de Brito? Ele está com 70 anos e foi quem conseguiu peitar essa “ditadura armorial” no Recife. Jomard foi quem inventou o Tropicalismo, sabia? Foi conversando com o Jomard que Gilberto Gil teve a idéia tropicalista. Mas enfim. Também acho meio sacal essa coisa do Tropicalismo, Gosto mais das bananas do que da Carmen Miranda. Ah! Mas vamos mudar de assunto...

LT – E o Mangue Beat, você curte? Tem preferência por gêneros musicais? Costuma escrever ouvindo música?

MF – Não consigo escrever ouvindo música. Atrapalha-me qualquer ruído que não seja o da palavra. Eu tenho a concentração problemática. Nunca faço duas coisas ao mesmo tempo. Cagar e ler é o máximo que faço. Sobre o Mangue Beat, adoro, cabra. Festejei a chegada do Chico Science. Lembro quando ele chegou à cena no Recife. Demorou uns dez anos para estourar no Brasil. Aquela vitalidade, aquela lado caranguejo. Tomado emprestado de João Cabral de Melo Neto, de Josué de Castro. Gostava e gosto disto. Uma vez, me chamaram de “Chico Science da Literatura”. Fui ao delírio. Foi o máximo. Fiquei superarrasado com a morte do Chico. Eu teria cruzado com ele, com certeza, aqui em São Paulo. Uma pena! Sou amigo de vários companheiros dele, que continuam compondo, produzindo. E lembra como o lado armorial do Ariano caiu em cima do Chico, à época? É isso o que eu falo: há um patrulhamento que me irrita. Porém, acho que agora isso está mais calmo pelas bandas de lá. O Mangue Beat tratou de calar um pouco esse exagero feito de barro-barroco, sei lá.

LT – Recebeu estímulo artístico na casa da sua infância? Lembra do primeiro livro lido?

MF – O estímulo foi o silêncio. Explico: minha família não ficava enchendo o meu saco, perguntando demais o que eu fazia. Eu me trancava no quarto para ler Manuel Bandeira e eles me deixavam “morrer” por lá. Uma vez ou outra, minha mãe perguntava se eu estava bem, se não estava doente, enfim. Mas era mais preocupação do que censura. E eu tinha facilidade para leitura, para a escritura. Aí eu escrevia as cartas para a família inteira. E era eu quem lia as bulas de remédio. Muito pequeno, com nove anos, resolvi fazer teatro na escola. Minha mãe não sabia bem do que se tratava. Mas deixou. E ela ia ver as peças, toda entusiasmada, toda orgulhosa. Foi no teatro que tomei contato, pela primeira vez, com o texto criativo. E foi lá que conheci a atriz Ilza Cavalcanti, já falecida. Foi ela quem primeiro me deu fôlego. Quem me disse para eu continuar a escrever. Falou que eu tinha futuro, digamos. Não tenho do que reclamar. Eu me enchia de ânimo. E sempre segui à revelia. Nem adiantava a família ser contra, tenho certeza de que continuaria a fazer o que eu queria. Meu primeiro livro lido foi o Estrela da Vida Inteira, do Bandeira. O primeiro livro em prosa foi o romance São Bernardo, de Graciliano Ramos.

LT – E quando pensou seriamente na possibilidade de ser um escritor pela primeira vez? Já morava em São Paulo?

MF – Eu só vim, na verdade, me tocar para isto, seriamente e verdadeiramente, quando conheci, em São Paulo, o crítico literário João Alexandre Barbosa. Foi ele quem me disse que o meu Angu tinha tempero. Conheceu o meu livro, indicou-me para publicação na Ateliê Editorial, assinou o prefácio do Angu de Sangue, publicou este prefácio na revista Cult. Sem contar as conversas demoradas que tínhamos. Ele me chamou a atenção para a feitura de um livro, a organização, o jeito, a força que um livro deve ter, sei lá. Outro que também me alertou foi o poeta mato-grossense Manoel de Barros. Leu uns contos meus, me chamou a um canto da sua casa, em Campo Grande, e falou: “você está fodido. Você é um escritor”. Isso foi sintomático para mim. Vi que a coisa não era brincadeira. Aí comecei a prestar mais atenção. E a me foder de vez.

LT – E seu contato com a Geração 90? Guarda alguma lembrança saudosa desse tempo? Imaginava que fossem chegar aonde chegaram (muitos em grandes editoras, recebendo prêmios, etc.)?

MF – Engraçada esta pergunta. Por causa do adjetivo “saudoso”. Por causa do “chegar aonde chegaram”. Sempre digo que estou construindo ainda um trabalho. E estou muito novo ainda para sentir saudades, digamos, tão grandes. Claro que tenho idéia do caminho que foi trilhado, mas há ainda muita coisa para fazer. Não posso me sentir realizado completamente. Sempre alguém chega e me fala: “você agora é um Jabuti”. Mas eu não posso me sentir um Jabuti. Nunca. Repito: estou ainda trilhando, arregaçando o cabaço. E preciso escrever muito. Escrever, escrever. Vejo alguns poucos companheiros desta “Geração” já falando cheio de boçalidade. Dá-me nos nervos. O que esse cara pensa que é? Em um país como o nosso. O cara acredita que é o dono-da-cocada. Meu Cristo! Não estou aqui querendo posar de humilde. Mas jamais posarei de rei. Argh! O melhor é a cerveja que bebo hoje. Se aprendi a beber cerveja, foi com essa “Geração”. Eu já bebia algumas, mas não o tanto que bebo agora. E olha: foi fundamental o trabalho que fez o Nelson de Oliveira quando organizou as duas antologias da Geração 90. Somos estudados aqui dentro e fora do país. Foi a porta de entrada, sim. Mas essas antologias não fizeram de ninguém escritor. Cada um que continuasse a acreditar. Escrever, escrever. E nunca perder o foco. Comparo a vida literária a futebol americano. É o cara com aquela bola dura na mão, correndo em direção a não-sei-onde. Empurram os ombros dele, dão porradas no seu capacete, mas ele não perde o foco. Agarrado à bola dura. Sigamos, sigamos.

LT – Acredita ser ainda possível hoje o aparecimento de escritores como Dalton Trevisan, distanciados do público e encarando o ofício da escrita como reclusão irrestrita?

MF – Eu não conseguiria. Adoraria ficar trancado em casa, mas sempre batem à nossa porta: via internet, via correios, por telefone. Antes de eu escrever um conto, tenho de checar os e-mails, escrever no blog [www.eraodito.blogspot.com]. Esse isolamento eu não consigo mais. Até porque essa história de autor em redoma me cansa um pouco. Acho o Dalton genial, genial! Já travei uns contatos com ele. Dalton está no tempo dele, fiel ao seu esconderijo. Nesse sentido, estou fodido. Isolo-me, sim, na hora da criação. Mas, na hora de o livro sair, eu quero berrar para o mundo a cria que eu pus na roda, ora. E eu gosto dessa circulação. De ver pessoas, de beber. Se estou em casa, escrevendo um conto, e toca o telefone e é o Joca [Reiners Terron], o Xico Sá me chamando para beber, eu largo o conto e vou beber. Mais importante que escrever é beber. Escritor em redoma, sempre falo, só serve para peidar. Eu é que não vou ficar cheirando sozinho o meu peido. Vou compartilhá-lo com os amigos. Se é para feder, que fedamos todos juntos, pode crer.

LT – Seu olhar nunca esteve reduzido exclusivamente ao eixo Rio-São Paulo, mas, de certa forma, basta ler o seu blog para constatar isso, você parece estar sempre em contato com escritores periféricos dos lugares mais diversos. Como você julga que está o Brasil em termos de produção literária?

MF – Gosto desta movimentação toda. Gosto de fazer parte dela. Sem culpas. Aí dizem que eu devia parar um pouquinho. Parar para morrer? Porra! Gosto deste furação o tempo inteiro. De saber o que anda acontecendo. Gosto de conhecer novos escritores. É claro que, um dia, vou precisar descansar um pouco. A idade não vai deixar meu juízo se movimentar tanto. Enquanto isto, estou aproveitando a putaria que aí está. Acho que sempre foi assim. Mesmo os escritores hoje recolhidos faziam parte de uma agitação medonha. Sem contar a turma que se reunia em torno de Vinicius de Moraes, por exemplo. Todos festeiros. Aí enchem o saco da gente perguntando “mas quem vai ficar dessa turma toda?”. Ora, eu sei que a gente vai ficar, sim, durinho no caixão. Todo mundo. Se querem a posteridade, fiquem com ela. Eu quero é o agora, o já. Por enquanto, está bem divertido. Quando não estiver, pulo fora, sem problemas.

LT – Por último, em que pé ficou a prometida antologia homoerótica Contos para Ler Fora do Armário? Será publicada em dois volumes? Por que uma demora tão grande para o projeto?

MF – O livro será publicado em um volume único. Vai sair só no ano que vem. Eu estou lançando o Rasif no dia 14 de agosto em São Paulo. Santiago Nazarian, que faz a antologia comigo, vai publicar livro novo também neste semestre. Resolvemos, em comum acordo, deixar a antologia gay para o ano que vem, em março. Numa boa. É bom que ela vai sair mais porreta do que estava. Estamos tendo novas idéias. Vai ser uma festa quando sair. Demoramos porque saiu uma antologia antes, lançada pelo Ruffato [Luiz Ruffato]. Aí houve uma polêmica. Mas eu estou cansado agora para comentá-la. O negócio é ir para frente. Sempre para frente. Que atrás não vem ninguém. Só o Chocottone [suposto namorado de Freire], é claro.

Fontes:
http://www.verbo21.com.br/
http://www.cronopios.com.br/

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sinopse de Obras Literárias III

Corrida pela herança (Sheldon, Sidney)
Este é mais para o público infanto-juvenil. O magnata Samuel Stone gostava mais de sua fortuna do que do seus herdeiros. Quem quiser se apossar das riquezas do falecido terá que desvendar pistas misteriosas e enfrentar perigos inimagináveis, nesta complicada caça ao tesouro. A viúva vaidosa, o sobrinho ganancioso, o advogado interesseiro e o primo bondoso irão se meter nas mais incríveis situações e recorrer à métodos bastante estranhos para se livrar dos adversários.

Os doze mandamentos (Sheldon, Sidney)
Moisés desceu da montanha com suas tábuas de pedra nas quais estavam os dez mandamentos da lei de Deus, conta a história sagrada. Mas o escritor viaja ao passado para revelar um segredo: na verdade seriam doze os mandamentos. E, ao contrário da punição de quem não cumpre essas leis, os personagens recebem grandes recompensas, tornando-se ricos, famosos e felizes.

Os quatrocentos (Sheppard, Stephen)
Inverno 1872. Quatro jovens aventureiros americanos arquitetam e, mais tarde, executam um grande golpe para lesar o Banco da Inglaterra, em milhares de libras. O desenrolar da história leva o leitor de um continente a outro causando muita ansiedade em querer adivinhar o seu final.

Carta a meu juiz (Simenon, Georges)
Por amor, ou antes, por paixão, um médico sai de seu confortável círculo de valores e se envolve com um lado da vida que desconhecia. Fica muito envolvido, a ponto de cometer um crime, como explica e justifica a longa carta a seu juiz.

Os quatro dias de um pobre homem (Simenon, Georges)
A história deste livro mostra dois momentos distintos da vida de seu personagem central. O pobre homem porém, é o mesmo. Não pode e parece não querer fugir ao seu destino. Não pode modificá-lo e tem consciência do que será o fim de sua trajetória. O autor apoia-se nas lembranças e no rumo que tomou a vida de seu personagem e oferece uma análise psicológica das motivações e da fatalidade de um autêntico pobre homem.

O testamento maldito (Simenon, Georges)
A saga da família Donadieu começa com o desaparecimento do armador Oscar Donadieu e após alguns dias, seu corpo é encontrado boiando junto ao cais. Em La Rochelle, a importante e abastada família é tida como referência na cidade e todos observam seguem seus passos. A exumação do cadáver, a surpresa do testamento e as suspeitas sobre a morte do armador são algumas das muitas passagens reservadas por George Simenon para “O testamento maldito”.

O xangô de Baker Street (Soares, Jô)
Sherlock Holmes vem ao Império do Brasil investigar um crime. E, mesmo tendo vindo a negócios, também passeia no país dos papagaios num carnaval interpretado por Sarah Bernhardt.

Álbum de família (Steel, Danielle)
Romance que conta a carreira e a vida particular de uma atriz, desde sua juventude, quando ainda solteira e depois de seu casamento com um playboy milionário. Relata a vida dos seus filhos, suas alegrias e também suas grandes tristezas.

Viajando com Charley (Steinbeck, John)
Aos 60 anos, John Steinbeck partiu à descoberta de sua terra natal. Para esta viagem batizou seu veículo de Rocinante e levou como companheiro seu poodle francês Charley. Partiram de Nova York e percorram cerca de 40 estados americanos. O livro descreve não só essa aventura, mas também a descoberta que de certo modo vive no coração de todos os homens, principalmente dos que não podem mais fazê-la.

As vinhas da ira (Steinbeck, John)
A trajetória da família Joad, de fazendeiros estabelecidos a quase escravos na Califórnia, nos anos da Depressão. Um clássico americano, em que se juntam o social, o econômico e o humano – que se recusa a ceder.

Lendas do deserto (Tahan, Malba)
Trinta e nove histórias com um mundo moral bem definido, que derivam de lendas árabes, hindus e persas trazendo sempre, em cada uma delas, uma lição de vida e fé.

Inocência (Visconde de Taunay)
Romance de amor passado em meados do século XIX, num lugarejo no interior do Brasil. Inocência, já prometida pelo pai a Manecão, tem um romance com Cirino, amor totalmente impossível. Conflito entre o modo de vida rural e o urbano.

A retirada da Laguna (Visconde de Taunay)
Episódio da Guerra do Paraguai. Narrativa da expedição brasileira em operações no sul de Mato Grosso, no recuo efetuado desde Laguna, na fronteira do Paraguai, até o rio Aquiduana, em território brasileiro. “Trinta e nove léguas percorridas em 35 dias de dolorosa recordação”.

Ciranda de pedra (Telles, Lygia Fagundes)
Infância e adolescência de uma jovem que ao descobrir sua verdadeira origem paterna, torna-se uma pessoa problemática. Suas angústias são contadas, assim como seus amores e suas tristezas.

Venha ver o pôr-do-sol e outros contos (Telles, Lygia Fagundes)
Conto que dá título ao livro – Ricardo é um rapaz misterioso, com idéias mórbidas, que leva sua namorada Raquel para ver o pôr-do-sol no cemitério e o melhor local para isso seria sobre o túmulo da família de Ricardo onde estava sua prima.

O Senhor dos Anéis – I – A Irmandade do Anel (Tolkien, J.R.R.)
Primeira parte da grande obra de ficção fantástica do autor. Esta história cresceu conforme foi sendo contada, até se tornar uma história da Grande Guerra do Anel, incluindo muitas passagens da história ainda mais antiga que a precedeu. Em grande parte, esta obra trata de hobbits, e através de suas páginas o leitor pode descobrir muito da personalidade deles e um pouco de sua história.

A herdeira veneziana (Tomizza, Fulvio)
Romance histórico que se passa no século XVIII. Relato verídico da vida de Paulina Rubi, baseado no livro “Privadas desventuras de uma mulher de verdadeiro espírito” escrito por seu pai, o Conde Gian Rinaldo Carli, que depois de editá-lo, mandou queimar todos os exemplares, menos um , que ficou guardado em uma caixa blindada sob a guarda da Biblioteca de Lucca.

Topázio (Uris, Leon)
1962: a crise dos mísseis em Cuba. Espiões russos infiltrados entre os ministros do General De Gaulle. Agentes secretos norte-americanos e franceses tentando provar a instalação de mísseis, na pequena ilha do Caribe, pelo governo da Rússia. Homens fortes e mulheres apaixonadas lutam desesperadamente para selar o destino das nações. Baseado em fatos reais.

Banana brava (Vasconcelos, José Mauro de)
Aventura de um jovem que pretende ser garimpeiro e se embrenha pelo caminho difícil que leva ao garimpo de Banana Brava. Uma vida mesclada de traição e vingança, de amizade e solidariedade.

O garanhão das praias (Vasconcelos, José Mauro de)
O livro tem como cenário o Araguaia, junto a uma aldeia Xavante, onde em torno de um posto de saúde do serviço de proteção ao índio, desenrola-se toda a história, tendo como protagonista Canário, o garanhão das praias. A explicação dada pelo próprio autor dá idéia da real característica da narrativa:
“O leitor não encontrará neste livro apenas um sentido de diversão. Ao contrário, o livro é de uma aridez doentia, de um desânimo acachapante e sobretudo, de uma contínua solidão mesclada de constantes desencontros”.

Os cavalinhos de platiplanto (Veiga, José)
Dada a simplicidade de sua linguagem, a fluência de sua narrativa e a singularidade dos entrechos que inventa, Veiga é escritor de leitura constante nas escolas. Mas sua ficção não é simplesmente pedagógica. Sua literatura invade o terreno do fantástico, do mistério e do absurdo, e algo característico que talvez explique esse sucesso, é a sua predileção pelos personagens infantis.

Ana Terra (Veríssimo, Érico)
Romance pacifista e humanista em que o autor inclui vários elementos do folclore gaúcho, onde os personagens imaginários misturam-se com personagens reais da história do Rio Grande do Sul. A família Terra, descendente dos tropeiros vindos de São Paulo, se estabelece na antiga província de São Pedro, na segunda metade do século XVIII e início do século seguinte. A protagonista Ana Terra é uma das pioneiras do povoado de Santa Fé, dominado pela família Amaral.

Incidente em Antares (Veríssimo, Érico)
Romance político. Ambientado na fictícia cidade de Antares, no interior do Brasil, esta obra centra-se na defesa dos direitos humanos e na denúncia do fanatismo ideológico.

Olhai os lírios do campo (Veríssimo, Érico)
Romance que conta a vida de um jovem pobre que, a custa de muito sacrifício, forma-se em Medicina. Muito ambicioso, faz um casamento frustrado com uma moça da alta sociedade. Tarde demais dá-se conta do seu verdadeiro amor.

O resto é silêncio (Veríssimo, Érico)
Romance. Numa praça, no centro de Porto Alegre, uma moça cai do alto de um edifício. Das pessoas que assistem a cena, sete interpretam o fato de maneira diversa. Mais importante que a história da suicida é o relato da vida dessas sete pessoas.

O analista de Bagé (Veríssimo, Luis Fernando)
Vinte e sete hilariantes histórias do impagável analista gaúcho, freudiano, machista, que costuma tratar seus pacientes a tapa.

Comédias para se ler na escola (Veríssimo, Luis Fernando)
Textos curtos, fáceis e divertidos, onde o autor, com originalidade e humor, revela suas obsessões, mergulha em lembranças de infância e adolescência, preocupa-se com o social e o ético.

As mentiras que os homens contam (Veríssimo, Luis Fernando)
Luis Fernando Veríssimo, observador bem-humorado do cotidiano brasileiro, reúne um repertório divertido sobre “As mentiras que os homens contam”. O livro traz crônicas do autor sobre o tema, espalhadas em vários de seus livros ou publicadas nos jornais. Este é o primeiro da série de relançamentos da obra completa de Verissimo.

A vida é pra valer (o diário de Fabiana) (Vilela, Antonio Carlos)
Fabiana é uma adolescente que, com a morte dos pais, vê sua vida e de sua irmã gêmea, dar uma grande virada. O livro fala do amadurecimento, de aprender a ter responsabilidade e a direcionar a afetividade. Fabiana passa a viver separada de Mariana, mas faz novos amigos e estes vão lhe dar forças para enfrentar as suas dificuldades.

A cor púrpura (Walker, Alice)
Estuprada pelo padrasto, uma adolescente negra tenta desabafar escrevendo cartas para Deus e para sua irmã que julga morta.

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br

Monteiro Lobato (Urupês)

Urupês não contém uma única história, mas vários contos e um artigo, quase todos passados na cidadezinha de Itaoca, no interior de SP, com várias histórias, geralmente de final trágico e algum elemento cômico. O último conto, Urupês, apresenta a figura de Jeca Tatu, o caboclo típico e preguiçoso, no seu comportamento típico. No mais, as histórias contam de pessoas típicas da região, suas venturas e desventuras, com seu linguajar e costumes.

José Bento Monteiro Lobato nasceu em 18/04/1882 como José Renato Monteiro Lobato e mudou seu nome mais tarde para poder usar a bengala com as iniciais JBML do pai. Bacharel em Direito contra a vontade, dizia sempre o que pensava e defendia a verdade. Escreveu livros para crianças e iniciou o movimento editorial brasileiro. Meteu-se em encrenca ao afirmar que o Brasil tinha petróleo (e estava certo). Editou livros para adultos e, desgostoso, voltou a literatura infantil. Morreu a 04/07/48. Em Urupês aparece pela primeira vez a figura de Jeca Tatu. Seu outro livro de contos muito famoso, que se junta a sua bibliografia de 30 obras é Cidades Mortas. Uma característica única de Monteiro Lobato é sua linguagem, simplificada, mais até do que a atual gramática oficial.

"Como se fosse de natural engraçado, vivera até ali da veia cômica, e com ela amanhara casa, mesa, vestuário e o mais. Sua moeda corrente era micagens, pilhérias, anedotas de inglês e tudo quanto bole com os músculos faciais do animal que ri, vulgo homem, repuxando risos ou matrecolejando gargalhadas." Urupês

"Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!" Urupês
"A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas outrora, hoje mortas, ou em via disso, tolhidas de incansável caquexia, uma verdade, que é um desconsolo, ressurte e tantas ruínas: nosso progresso é nômade e sujeito a paralisias súbitas. Radica-se mal. Conjugado a um grupo de fatores sempre os mesmos, reflui com eles duma região para outra. Não emite peão. Progresso de cigano, vive acampado. Emigra, deixando para trás de si um rastilho de taperas." Cidades Mortas

"Há de subir, há de subir há de chegar a sessenta mil réis em julho. Café, café, só café!…" Cidades Mortas

RESUMO DA OBRA
Urupês – Monteiro Lobato

Urupês é basicamente uma série de 14 contos, tendo como ênfase a vida quotidiana e mundana do caboclo, através de seus costumes, crenças e tradições.

Os faroleiros
Dois homens conversam sobre faróis, e um deles conta sobre a tragédia do Farol dos Albatrozes, onde passou um tempo com um dos personagens da trama: Gerebita. Gerebita tinha um companheiro, chamado Cabrea, que ele alegava ser louco. Numa noite, travou-se uma briga entre Gerebita e Cabrea, vindo este a morrer. Seu corpo foi jogado ao mar e engolido pelas ondas. Gerebita alegava ter sido atacado pelos desvarios de Cabrea, agindo em legítima pessoa. Eduardo, o narrador, descobre mais tarde que o motivo de tal tragédia era uma mulher chamada Maria Rita, que Cabrea roubara de Gerebita.

O engraçado arrependido
Um sujeito chamado Pontes, com fama de ser uma grande comediante e sarrista, resolve se tornar um homem sério. As pessoas, pensando se tratar de mais uma piada do rapaz negavam-lhe emprego. Pontes recorre a um primo de influência no governo, que lhe promete o posto da coletoria federal, já que o titular, major Bentes, estava com sérios problemas cardíacos e não duraria muito tempo. A solução era matar o homem mais rápido, e com aquilo que Pontes fazia de melhor: contar piadas. Aproxima-se do major e, após várias tentativas, consegue o intento. Morte, porém inútil: Pontes se esquece de avisar o primo da morte, e o governo escolhe outra pessoa para o cargo.

A colcha de retalhos
Um sujeito (o narrador) vai até o sítio de um homem chamado Zé Alvorada para contratar seus serviços. Zé está fora e, enquanto não chega, o narrador trata com a mulher (Sinhá Ana), sua filha de quatorze anos (Pingo d'Água) e a figura singela da avó, Sinhá Joaquina, no auge dos seus setenta anos. Joaquina passava a vida a fazer uma colcha de retalhos com pedacinhos de tecido de cada vestido que Pingo d'Água vestia desde pequenina. O último pedaço haveria de ser o vestido de noiva. Passado dois anos, o narrador fica sabendo da morte de Sinhá Ana e a fuga de Pingo d'Água com um homem. Volta até aquela casa e encontra a velha, tristonha, com a inútil concha de retalhos na mão. Em pouco tempo morreria...

A vingança da peroba
Sentindo inveja da prosperidade dos vizinhos, João Nunes resolve deixar de lado sua preguiça e construir um monjolo (engenho de milho). Contrata um deficiente, Teixeirinha, para fazer a tal obra. Em falta de madeira boa para a construção, a solução é cortar a bela e frondosa peroba na divisa das suas terras (o que causa uma tremenda encrenca com os vizinhos). Teixeirinha, enquanto trabalha, conta a João Nunes sobre a vingança dos espíritos das árvores contra os homens que as cortam. Coincidência ou não, o monjolo não funciona direito (para a gozação dos vizinhos) e João Nunes perde um filho, esmagado pela engenhoca.

Um suplício moderno
Ajudando o coronel Fidencio a ganhar a eleição em Itaoca, Izé Biriba recebe o cargo de estafeta (entregador de correspondências e outras cargas). Obrigado a andar sete léguas todos os dias, Biriba perde aos poucos a saúde. Resolve pedir demissão, o que lhe é negada. Sabendo da próxima eleição, continua no cargo com a intenção de vingança. Encarregado de levar um "papel" que garantiria novamente a vitória de seu coronel, deixa de cumprir a missão. Coronel Fidencio perde a eleição e a saúde, enquanto o coronel eleito resolve manter Biriba no cargo. Este, então, vai embora durante a noite...

Meu conto de Maupassant
Dois homens conversam num trem. Um deles é ex-delegado e conta sobre a morte de uma velha. O primeiro suspeito era um italiano, dono de venda, que é preso. Solto por falta de provas, vem morar em São Paulo. Passado algum tempo, novas provas incriminam o mesmo e, preso em São Paulo e conduzido de trem ao vilarejo, se joga da janela. Morte instantânea e inútil: tempo depois, o filho da velha confessa o crime.

"Pollice Verso"
O filho do coronel Inácio da Gama, o Inacinho, forma-se em Medicina no Rio de Janeiro e volta para exercer a profissão. Pensando em arrecadar dinheiro para ir a Paris reencontrar a namorada francesa, Inacinho começa a cuidar de um coronel rico. Como a conta seria mais alta se o velho morresse, a morte não tarda a acontecer. O caso vai parar na justiça, onde dois outros médicos velhacos dão razão a Inacinho. O moço vai para Paris morar em Paris com a namorada, levando uma vida boêmia. No Brasil, o orgulhoso coronel Inácio da Gama fala aos ventos sobre o filho que andava aprofundando os estudos com os melhores médicos da Europa.

Bucólica
Andando pelos pequenos vilarejos e sítios interioranos, o narrador fica sabendo da trágica história da morte da filha de Pedro Suã, que morreu de sede. Aleijada e odiada pela mãe, a filha adoeceu e, ardendo em febre numa noite, gritava por água. A mãe não lhe atendeu, e a filha foi encontrada morta na cozinha, perto do pote de água, para onde se arrastou.

O mata-pau
Dois homens conversam na mata sobre uma planta chamada mata-pau, que cresce e mata todas as outras árvores ao seu redor. O assunto termina no trágico caso de um próspero casal, Elesbão e Rosinha, que encontram um bebê em suas terras e resolvem adotá-lo. Crescido o menino, se envolve com a mãe e mata o pai. Com os negócios paternos em ruína, resolve vendê-los, o que vai contra os gostos da mãe-esposa. Esta quase acaba vítima do rapaz, e vai parar num hospital, enlouquecida.

Bocatorta
Na fazenda do Atoleiro, vivia a família do major Zé Lucas. Nas matas da fazenda, havia um negro com a cara defeituosa com fama de monstro: Bocatorta. Cristina, filha do major, morre justamente alguns dias depois de ter ido com o pai ver a tal criatura. Seu noivo, Eduardo, não agüenta a tristeza e vai até o cemitério chorar a morte da amada. Encontra Bocatorta desenterrando a moça. Volta correndo e, junto a um grupo de homens da fazenda, sai em perseguição a Bocatorta. Esse, em fuga, morre ao passar num atoleiro, depois de ter dado o seu único beijo na vida.

O comprador de fazendas
Pensando em se livrar logo da fazenda Espigão (verdadeira ruína para quem a possui), Moreira recebe com entusiasmo um bem-apessoado comprador: Pedro Trancoso. O rapaz se encanta com a fazenda e com a filha de Moreira e, prometendo voltar na semana seguinte para fechar o negócio, nunca mais dá notícias. Moreira vem a descobrir mais tarde que Pedro Trancoso é um tremendo safado, sem dinheiro nem para comprar pão. Pedro, no entanto, ganha na loteria e resolve comprar mesmo a fazenda, mas é expulso por Moreira, que perdeu assim a única chance que teve na vida de se livrar das dívidas.

O estigma
Bruno resolve visitar o amigo Fausto em sua fazenda. Lá conhece a bela menina Laura, prima órfã de Fausto, e sua fria esposa. Fausto convivia com o tormento de um casamento concebido por interesse e uma forte paixão pela prima. Passado vinte anos, os amigos se reencontram no Rio de Janeiro, onde Bruno fica sabendo da tragédia que envolveu as duas mulheres da vida de Fausto: Laura sumiu durante um passeio, e foi encontrada morta com um revólver ao lado da mão direita. Suicídio misterioso e inexplicável. A fria esposa de Fausto estava grávida e deu a luz a um menino que tinha um sinalzinho semelhante ao ferimento de bala no corpo da menina. Fausto vê o sinalzinho e percebe tudo: a mulher havia matado Laura. Mostra o sinal do recém-nascido para ela que, horrorizada, padece até a morte.

Velha Praga
Artigo onde Monteiro Lobato denuncia as queimadas da Serra da Mantiqueira por caboclos nômades, além de descrever e denunciar a vida dos mesmos.

Urupês
A jóia do livro. Aqui, Monteiro Lobato personifica a figura do caboclo, criando o famoso personagem "Jeca Tatu", apelidado de urupê (uma espécie de fungo parasita). Vive "e vegeta de cócoras", à base da lei do menor esforço, alimentando-se e curando-se daquilo que a natureza lhe dá, alheio a tudo o que se passa no mundo, menos do ato de votar. Representa a ignorância e o atraso do homem do campo.

Fontes:
http://www.vestibular1.com.br
Capa do livro: http://www.monteirolobato.tur.br

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Marina Colasanti (Luz de lanterna, sopro de vento)

Tendo o marido partido para a guerra, na primeira noite da sua ausência a mulher acendeu uma lanterna e pendurou-a do lado de fora da casa. "Para trazê-lo de volta," murmurou. E foi dormir.
Mas, ao abrir a porta na manhã seguinte, deparou-se com a lanterna apagada. "Foi o vento da madrugada," pensou olhando para o alto como se pudesse vê-lo soprar.

À noite, antes de deitar, novamente acendeu a lanterna que, a distância deveria indicar ao seu homem o caminho de casa.

Ventou de madrugada. Mas era tão tarde e ela estava tão cansada que nada ouviu, nem o farfalhar das árvores, nem o gemido das frestas, nem o ranger das argolas da lanterna. E de manhã surpreendeu-se ao encontrar a luz apagada.

Naquela noite, antes de acender a lanterna, demorou-se estudando o céu límpido, as claras estrelas. "Na certa não ventará," disse em voz alta, quase dando uma ordem. E encostou a chama do fósforo no pavio.

Se ventou ou não, ela não saberia dizer. Mas antes que o dia raiasse não havia mais nenhuma luz, a casa desaparecia nas trevas.

Assim foi durante muitos e muitos dias, a mulher sem nunca desistir acendendo a lanterna que o vento, com igual constância apagava.

Talvez meses tivessem passado quando num entardecer, ao acender a lanterna, a mulher viu ao longe recortada contra a luz que lanhava em sangue o horizonte, a silhueta escura de um homem a cavalo. Um homem a cavalo que galopava na sua direção.

Aos poucos, apertando os olhos para ver melhor, distinguiu a lança erguida ao lado da sela, os duros contornos da couraça. Era um soldado que vinha. Seu coração hesitou entre o medo e a esperança. O fôlego se reteve por instantes entre lábios abertos. E já podia ouvir os cascos batendo sobre a terra, quando começou a sorrir. Era seu marido que vinha.

Apeou o marido. Mas só com um braço rodeou-lhe os ombros. A outra mão pousou na empunhadura da espada. Nem fez menção de encaminhar-se para a casa.

Que não se iludisse. A guerra não havia acabado. Sequer havia acabado a batalha que deixara pela manhã. Coberto de poeira e sangue, ainda assim não havia vindo para ficar. "Vim porque a luz que você acende à noite não me deixa dormir," disse-lhe quase ríspido. "Brilha por trás das minhas pálpebras fechadas, como se me chamasse. "Só de madrugada depois que o vento sopra posso adormecer."

A mulher nada disse. Nada pediu. Encostou a mão no peito do marido, mas o coração dele parecia distante, protegido pelo couro da couraça.

"Deixe-me fazer o que tem de ser feito, mulher," disse sem beijá-la. De um sopro apagou a lanterna. Montou a cavalo, partiu. Adensavam-se as sombras, e ela não pode sequer vê-lo afastar-se contra o céu.

A partir daquela noite, a mulher não acendeu mais nenhuma luz. Nem mesmo a vela dentro de casa, não fosse a chama acender-se por trás das pálpebras do marido.

No escuro, as noites se consumiam rápidas. E com elas carregavam os dias, que a mulher nem contava. Sem saber ao certo quanto tempo havia passado, ela sabia porém, que era tanto.

E, passado, num final de tarde em que a soleira da porta despedia-se da última luz no horizonte, viu desenhar-se lá longe a silhueta de um homem. Um homem a pé que caminhava na sua direção. Protegeu os olhos com a mão para ver melhor e aos poucos, porque o homem avançava devagar, começou a distinguir a cabeça baixa, o contorno dos ombros cansados. Contorno doce, sem couraça, retendo o sorriso nos lábios - tantos homens haviam passado sem que nenhum fosse o que ela esperava. Ainda não podia ver-lhe o rosto, oculto entre a barba e o chapéu, quando deu o primeiro passo e correu ao seu encontro, liberando o coração. Era seu marido que voltava da guerra.

Não precisou perguntar-lhe se havia vindo para ficar. Caminharam até a casa. Já iam entrar. Quando ele se reteve. Sem pressa voltou-se, e, embora a noite ainda não tivesse chegado, acendeu a lanterna. Só entrou com a mulher. E fechou a porta.

Fonte:
COLASANTI, Marina."Luz de lanterna, sopro de vento ". IN: Um Espinho de Marfim e outras histórias. Porto Alegre: L&PM. Disponível em http://www.beatrix.pro.br/

Luiz Antonio Cardoso (Lygia...)

Lygia Fagundes Telles... lindo nome! Lygia Fagundes Telles! Lygia...

Uma das nossas maiores escritoras. Membro da Academia Paulista de Letras! Membro da Academia Brasileira de Letras! Premiadíssima... o Prêmio Jabuti, por exemplo! Formada em Direito pela tradicional e conceituada Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Vários livros publicados... vários sucessos... sucessos como "As Meninas", "Ciranda de Pedra "... foi elogiada pelos maiores entendidos em literatura... Carlos Drummond de Andrade, Antonio Cândido e Otto Maria Carpeaux são apenas alguns dos que recomendaram a leitura de seus livros.

Foi uma moça linda e, hoje, com toda a experiência, na plenitude de sua maturidade, continua bela. Uma bela senhora!

Mas de que importa todos os títulos de Lygia? De que me importa se ela foi bela ou se ainda o é? De que me importa o Largo de São Francisco? O Prêmio Jabuti? Os grandiosos que a recomendaram? De que me importa, se tudo isso passa? Se tudo passará? Qual o motivo de todo este glamour? E eu respondo a mim mesmo: nenhum! Tudo que fora relatado não significa nada, isto quando comparado ao sentimento do mundo que Lygia possui... este sentimento tão bem definido pelo nosso poeta maior, encontra um canal perfeito de manifestação na literatura e na vivência de Lygia Fagundes Telles.

Ouvia falar muito da notável escritora paulista, mas nunca tinha lido seus livros... era como muitos, que diziam se tratar de uma grande escritora sem ter experimentado a maravilha de ler seus verdadeiros ensinamentos de vida... como tantos, se me pedissem uma lista com nomes de escritores a serem estudados, passaria, dentre outros, o de Lygia, sem ao menos ter profundo conhecimento do motivo de tal indicação.

Mais eis que um dia chegou as minhas mãos de leitor, um exemplar de "As Meninas", e ao iniciar a viagem pelo mundo ficcional desta obra-prima, fui a cada página me surpreendendo... a cada linha que trilhavam, meus olhos curiosos e repletos de admiração, eram inundados por uma crescente sensação, ainda mais real, no meio da ficção que me envolvia...

- Eu conheço alguém muito parecido com Lorena! Eu conheço a Lião! Eu juro que conheço a Ana Clara! Ah, a Ana Clara... fui me apaixonando a cada vocábulo por Ana Clara. Ao entrelaçar das palavras de Lygia, seguia espargindo as minhas e tentando de todas as formas ajudar minha Ana... mas nem Ana nem Lygia me ouviram... jurei amor eterno... ajoelhei-me (mesmo com o problema que possuo nos joelhos!)... rezei tanto, tanto, como há muito tempo não fazia... quis deixar de ser real e entrar na história para mostrar a Ana Clara que havia sentido maior para vida... mas nem mesmo minha renúncia da condição de real foi suficiente para Ana... Lorena me ouvia, mas não deu a atenção devida, pois estava preocupada com M.N. Lia também me ouviu, deu-me até alguns conselhos, mas falou que o mais importante era a luta contra a ditadura... mas, naqueles exatos momentos, nem M.N. tampouco a ditadura me afligiam... importava-me, tão somente, o olhar de Ana Clara... a riqueza psicológica desta fenomenal personagem... Lygia Fagundes Telles fez com que eu me apaixonasse e depois aniquilou o motivo de meu amor-fantasia-real... e ao término, restou uma paixão imortal pela literatura de Lygia!

O amor foi tanto, que se pela manhã estava terminando a leitura de "As Meninas", ao cair da noite já me enveredava pelos caminhos de "Ciranda de Pedra". E surgiu outra paixão, chamada Virgínia... ela veio sem muito alarde, sem muito falar, andando nas pontas dos pés... ainda criança me cativou... seu jeito de enxergar o mundo... um mundo todo dela, impenetrável como o mundo de seu pai-não-pai... confuso como o de sua mãe e ao mesmo tempo sublime como o de seu padrasto-que-era-pai. E conforme ela crescia, minha paixão também foi tomando proporções maiores... Virgínia foi conhecendo o mundo... vendo que não era o que pensava que fosse... viu que, o que era denominado de cruel, de detestável, era na verdade amor... um amor tão sublime, tão extraordinário, capaz de adentrar num mundo enfermo, fantasioso, irreal... um sentimento tão belo, que todos os que não alcançavam tamanha grandeza, o denominavam de ruim, de loucura... e desse amor surgiu Virgínia, para tornar-se um dos personagens mais grandiosos de nossa literatura!

E terminado o romance, ficou minha admiração pela escritora... minha gratidão pela sua arte criativa que me fez apaixonar duas vezes... sentir dor, rancor, frio, fome, alegria e tristeza...
E se não bastasse tudo que me havia ofertado, com seus romances, contos e entrevistas, que afoito, li e reli, ainda fui premiado - eu e cerca de cem pessoas - a ouvi-la num debate no Prédio da FIESP, na bela Avenida Paulista...

Lá estava eu, naquela noite de quarta-feira, que tinha tudo para ser uma noite como as outras, mas que acabou sendo uma noite demasiadamente especial! Estava em meio à platéia ansiosa... a maioria conformada apenas em esperar... alguns conversando com os colegas circundantes... mas eu, que até parecia querer ser diferente dos outros, estava a ler... não lia Lygia Fagundes Telles naqueles preciosos momentos de angústia salutar, mas lia, sim, Drummond, uma paixão que tenho em comum com a escritora que estava por chegar.

Foi então que notei a platéia se mexendo para cá e para lá... levantei minha cabeça e avistei, caminhando, Lygia, que andava calmamente ao nosso encontro... fiquei super emocionado só com sua presença... estremeci e pequenas lágrimas romperam minha estranha resistência. E ela começou a falar... falar... falar...

Sonhar.... sonhar.... sonhar...

Foi uma aula sem precedentes em minha existência turbulenta e sequiosa de paz... ela falou sobre inúmeros assuntos... disse da importância da esperança; da necessidade de termos mais escolas e creches, para evitarmos no futuro, os hospitais, as prisões e a violência; da literatura nacional como sendo da melhor qualidade; do exemplo de Machado de Assis, que era feio, pobre, mulato, gago e epilético e tornou-se o maior nome da literatura brasileira; dos políticos que roubam em demasia; da nossa importância; da qualidade da educação para as crianças; da boçalidade atual da televisão; do importante contato com a natureza, com os bichos; de sua infância e adolescência; de seus pais; de sua vida; da Faculdade de Direito; dos gatos e cachorros que teve; da composição literária e da comparação com a aranha e sua teia; do conhecimento da natureza humana... e eu estava já extasiado com tantas informações... com tanta vida que brotava das palavras de Lygia... e ela continuava... falou sobre Carlos Drummond da Andrade; da missão do escritor; das desigualdades sociais; do poder da palavra; de Jesus Cristo; das drogas, do álcool e da promiscuidade; da necessidade de fazermos o melhor em nossas profissões; da vocação; do preconceito no Brasil; do atender ao chamado; da origem da personagem Ana Clara... neste ponto fiquei ainda mais emotivo do que já estava... Ana Clara... mas Lygia falou que as personagens, assim como as pessoas, voltam, e isto me trouxe certa esperança... será então que Ana Clara voltaria e eu teria, finalmente, a chance de auxiliá-la e mostrar toda a intensidade de meu amor?

E a Lygia continuou... falou sobre a permanência do escritor através da palavra; da fantasia; do amor ao povo; da arte como negação da morte; da música de Bach; da mudança do ser humano; do artesanato literário; da paciência do escritor; da busca incessante da perfeição; das miniaturas no livro "Disciplina do Amor"; da palavra a desviar um jovem do estúpido suicídio; da criança e do incentivo à criatividade; da natureza como motivo de inspiração e amor; de Santo Agostinho; da lupa que o avô lhe dera; da urgência de criarmos ao redor de nós, nossas próprias reservas florestais; das suas idéias futuras; dos contos escritos em cadernos de escola; do custeio dos próprios livros; das participações em concursos literários... e ao fim, citou Camões: "eu estou em paz com a minha guerra...".

Lygia... oh grande escritora! Bela mulher! Grandioso ser humano! Como você me fez feliz sem ao menos saber que existo! É por causa de pessoas como você, como Drummond, Manuel Bandeira, Charles Chaplin, Monteiro Lobato, dentre outros tantos divinos anjos da cultura que vieram ao triste mundo trazer um pouco de esperança, que eu vivo... que eu resisto... que eu luto... que eu sobrevivo... que eu amo!

Muito obrigado, Lygia, muitíssimo obrigado... até, quem sabe, um dia... lembranças para todos... para as meninas, para o contemplador Conrado, para a especial Virgínia e para a Ana Clara! Ah, a Ana Clara... estou em paz, querida Ana Clara, mas desta guerra não desistirei!
São Paulo-SP, 2001

Fonte:
E-mail enviado por Luiz Antonio Cardoso, de Crônica Publicada no Site Diário LAC. http://www.diariolac.com.br/