terça-feira, 24 de março de 2009

Graciliano Ramos (Primeira Aventura de Alexandre)



Naquela noite de lua cheia estavam acocorados os vizinhos na sala pequena de Alexandre: seu Libório, cantador de emboladas, o cego preto Firmino e Mestre Gaudêncio curandeiro, que rezava contra mordedura de cobras. Das Dores benzedeira de quebranto e afilhada do casal, agachava-se na esteira cochichando com Cesária.

— Vou contar aos senhores... principiou Alexandre amarrando o cigarro de palha.

Os amigos abriram os ouvidos e Das Dores interrompeu o cochicho:

— Conte, meu padrinho.

Alexandre acendeu o cigarro ao candeeiro de folha, escanchou-se .na rede e perguntou:

— Os senhores já sabem porque é que eu tenho um olho torto?

Mestre Gaudêncio respondeu que não sabia e acomodou-se num cepo que servia de cadeira.

— Pois eu digo, continuou Alexandre. Mas talvez nem possa escorrer tudo hoje, porque essa história nasce de outra, e é preciso encaixar as coisas direito. Querem ouvir? Se não querem, sejam francos: não gosto de cacetear ninguém.

Seu Libório cantador e o cego preto Firmino juraram que estavam atentos. E Alexandre abriu a torneira:

— Meu pai, homem de boa família, possuía fortuna grossa, como não ignoram. A nossa fazenda ia de ribeira a ribeira, o gado não tinha conta e dinheiro lá em casa era cama de gato. Não era, Cesária?

— Era, Alexandre, concordou Cesária. Quando os escravos se forraram, foi um desmantelo, mas ainda sobraram alguns baús com moedas de ouro. Sumiu-se tudo.

Suspirou e apontou desgostosa a mala de couro cru onde seu Libório se sentava:

— Hoje é isto. Você se lembra do nosso casamento, Alexandre?

— Sem dúvida, gritou o marido. Uma festa que durou sete dias. Agora não se faz festa como aquela. Mas o casamento foi depois. É bom não atrapalhar.

— Está certo, resmungou mestre Gaudêncio curandeiro. É bom não atrapalhar.

— Então escutem, prosseguiu Alexandre. Um domingo eu estava no copiar, esgaravatando unhas com a faca de ponta, quando meu pai chegou e disse:

— "Xandu, você nos seus passeios não achou roteiro da égua pampa?" E eu respondi: — "Não achei, nhor não." — "Pois dê umas voltas por aí, tornou meu pai Veja se encontra a égua." — "Nhor sim." Peguei um cabresto e saí de casa antes do almoço, andei, virei, mexi, procurando rastos nos caminhos e nas veredas. A égua pampa era um animal que não tinha agüentado ferro no quarto nem sela no lombo. Devia estar braba, metida nas brenhas, com medo de gente. Difícil topar na catinga um bicho assim". Entretido, esqueci o almoço e à tardinha descansei no bebedouro, vendo o gado enterrar os pés na lama. Apareceram bois, cavalos e miunça, mas da égua pampa nem sinal. Anoiteceu, um pedaço de lua branqueou os xiquexiques e os mandacarus, e eu. me estirei na ribanceira do rio, de papo para. o ar, olhando o céu, fui-me amadornando devagarinho, peguei no sono, com o pensamento em Cesária. Não sei quanto tempo dormi, sonhando com Cesária. Acordei numa escuridão medonha. Nem pedaço de lua nem estrelas, só se via o carreiro de Sant'lago. E tudo calado, tão calado que se ouvia perfeitamente uma formiga mexer nos garranchos e uma folha cair. Bacuraus doidos faziam às vezes um barulho grande, e os olhos deles brilhavam como brasas. Vinha de novo a escuridão, os talos secos buliam,as folhinhas das catingueiras voavam. Tive desejo de. voltar para casa, mas o corpo morrinhento não me ajudou. Continuei deitado, de barriga para cima, espiando o carreiro de Sant'lago. e prestando atenção ao trabalho das formigas. De repente. conheci que bebiam água ali perto. Virei-me, estirei o pescoço e avistei lá embaixo dois vultos malhados, um grande e um pequeno, junto da cerca do bebedouro. A princípio não pude vê-los direito, mas firmando a vista consegui distingui-las por causa das malhas brancas. — "Vão ver que é a égua pampa, foi o que eu disse. Não é senão ela. Deu cria no mato e só vem ao bebedouro de noite." Muito ruim o animal aparecer .àquela hora. Se fosse de dia e eu tivesse uma corda, podia laçá-lo num instante. Mas desprevenido, no escuro, levantei-me azuretado, com o cabresto na mão, procurando meio de sair daquela dificuldade. A égua ia escapar, na certa. Foi aí que a idéia me chegou.

— Que foi que o senhor fez? perguntou Das Dores curiosa.

Alexandre chupou o cigarro, o olho torto arregalado, fixo na parede. Voltou para Das Dores o olho bom e explicou-se:

— Fiz tenção de saltar no lombo do bicho e largar-me com ele na catinga. Era o jeito. Se não saltasse, adeus égua pampa. E que história ia contar a meu pai? Hem? Que história ia contar a meu pai, Das Dores?

A benzedeira de quebranto não deu palpite, e Alexandre mentalmente pulou nas costas do animal:

— Foi o que eu fiz. Ainda bem não me tinha resolvido, já estava escanchado. Um desespero, seu Libório, carreira como aquela só se vendo. Nunca houve outra igual. O vento zumbia nas minhas orelhas, zumbia como corda de viola. E eu então... Eu então pensava, na tropelia desembestada: — "A cria, miúda, naturalmente ficou atrás e se perde, que não pode acompanhar a mãe, mas esta amanhã está ferrada e arreada." Passei o cabresto no focinho da bicha e, os calcanhares presos nos vazios, deitei-me, grudei-me com ela, mas antes levei muita pancada de galho e muito arranhão de espinho rasga-beiço. Fui cair numa touceira cheia de espetos, um deles esfolou-me a cara, e nem senti a ferida: num aperto tão grande não ia ocupar-me com semelhante ninharia. Botei-me para fora dali, a custo, bem maltratado. Não sabia a natureza do estrago, mas pareceu-me que devia estar com a roupa em tiras e o rosto lanhado. Foi o que me pareceu. Escapulindo-se do espinheiro, a diaba ganhou de novo a catinga, saltando bancos de macambira e derrubando paus, como se tivesse azougue nas veias. Fazia um barulhão com as ventas, eu estava espantado, porque nunca tinha ouvido égua soprar daquele jeito. Afinal subjuguei-a, quebrei-lhe as forças e, com puxavantes de cabresto, murros na cabeça e pancadas nos queixos, levei-a. para a estrada. Ai ela compreendeu que não valia a pena teimar e entregou os pontos. Acreditam vossemecês que era um vivente de bom coração? Pois era. Com tão pouco ensino, deu para esquipar. E eu, notando que a infeliz estava disposta a aprender, puxei por ela, que acabou na pisada baixa e num galopezinho macio em cima da mão. Saibam os amigos que .nunca me desoriento. Depois de termos comido um bando de léguas naquele pretume de meter o dedo no olho, andando para aqui e para acolá, num rolo do inferno, percebi que estávamos perto do bebedouro. Sim senhores. Zoada tão grande, um despotismo de quem quer derrubar o mundo — e agora a pobre se arrastava quase no lugar da saída, num chouto cansado. Tomei o caminho de casa. O céu se desenferrujou, o sol estava com vontade de aparecer. Um galo cantou, houve nos ramos um rebuliço de penas. Quando entrei no pátio .da fazenda, meu pai e os negros iam começando o ofício de Nossa Senhora. Apeei-me, fui ao curral, amarrei o animal no mourão, cheguei-me à casa, sentei-me no copiar. A reza acabou lá dentro, e ouvi a fala de meu pai: — "Vocês não viram por aí o Xandu?" — "Estou aqui, nhor sim, respondi cá de fora" — "Homem, você me dá cabelos brancos, disse meu pai abrindo a porta. Desde ontem sumido!" — "Vossemecê não me mandou procurar a égua pampa?" —"Mandei, tornou o velho. Mas não mandei que você dormisse no mato, criatura dos meus pecados. E achou roteiro dela?" — "Roteiro não achei, mas vim montado num bicho. Talvez seja a égua pampa., porque tem malhas. Não sei, nhor não, só se vendo. O que sei é que é bom de verdade: com umas voltas que deu ficou pisando baixo, meio a galope. E parece que deu cria: estava com outro pequeno." Aí a barra apareceu, o dia clareou. Meu pai, minha mãe, os escravos e meu irmão mais novo, que depois vestiu farda e chegou a tenente de polícia, foram ver a égua pampa. Foram, mas não entraram no curral: ficaram na porteira, olhando uns para os outros, lesos, de boca aberta. E eu também me admirei, pois não.

Alexandre levantou-se, deu uns passos e esfregou as mãos, parou em frente de mestre Gaudêncio, falando alto, gesticulando:

— Tive medo, vi que tinha feito uma doidice. Vossemecês adivinham o que estava amarrado no mourão? Uma onça-pintada, enorme, da altura de um cavalo. Foi por causa das pintas brancas que eu, no escuro, tomei aquela desgraçada pela égua pampa.

Fonte:
RAMOS, Graciliano. Alexandre e outros heróis. 44.ed. RJ: Record, 2003.

Graciliano Ramos (Um amigo em talas)



O meu antigo companheiro de pensão Amadeu Amaral Júnior, um homem louro e fornido, tinha costumes singulares que espantavam os outros hóspedes.

Para falar com propriedade, aquilo não era exatamente pensão, mas isto não tem importância: com um pouco de esforço podíamos admitir que estávamos numa pensão de gente bem comportada. Bocejávamos em demasia, contávamos as pessoas que subiam ou desciam um morro próximo, dormíamos cedo e recebíamos com regularidade a visita do gerente do estabelecimento, o major Nunes, ótima criatura que deixou o cargo por lhe faltar o espírito do negócio.

Amadeu Amaral Júnior vestia-se com sobriedade: usava uma cueca preta e calçava medonhos tamancos barulhentos. Fora isso, o que tinha em cima do corpo era a barba, economicamente desenvolvida, uma barba enorme. Parecia um troglodita. Alimentava-se mal, espichava-se na cama, roncava o dia inteiro e passava as noites acordado, passeando, agitando o soalho, o que provocava a indignação dos outros pensionistas. Quando se cansava, sentava-se a uma grande mesa ao fundo da sala e escrevia o resto da noite. Leu um tratado de psicologia e trocou-o em miúdo, isto é, reduziu-o a artigos, uns quarenta ou cinqüenta, que projetou meter nas revistas e nos jornais e com o produto vestir-se, habitar uma casa diferente daquela e pagar ao barbeiro.

Mudamo-nos, separamo-nos, perdemo-nos de vista. Creio que os artigos de psicologia não foram publicados, pois há tempo li este anúncio num semanário: "Intelectual desempregado. Amadeu Amaral Júnior, em estado de desemprego, aceita esmolas, donativos, roupa velha, pão dormido. Também aceita trabalho”.

O anúncio não produziu nenhum efeito, é o que meses depois, nos declara Amadeu Amaral Júnior: "Minha situação continua preta. Reitero o apelo às almas bem formadas: dêem de comer a quem tem fome, uma fome atávica, milenária. Dêem-me trabalho." E, catalogando as suas habilidades: "Escrevo poesias, crônicas, contos (policiais, psicológicos, de aventura, de terror, de mistério), novelas, discursos, conferências. Sei inglês, francês, italiano, espanhol e um bocado de alemão. Dêem-me trabalho pelo amor de Deus ou do diabo."

De literato brasileiro não conheço página mais sincera e razoável que essa. Ao ler o pedido de roupa velha e pão duro, fiquei meio escandalizado, mas refletindo, confessei publicamente que o meu velho companheiro procedia com acerto. E agora, completamente solidário com ele, admiro a exposição que nos faz das suas aptidões e lamento que não as utilizem.

É evidente que Amadeu Amaral Júnior conhece bem o nosso mercado literário e apregoa as mercadorias mais próprias para o consumo: discursos, contos policiais, de aventura, de terror e de mistério. Julgo que vive sem ocupação por não haver falado antes nisso.

O meio cento de artigos redigidos naquelas noites de insônia encalhou certamente na redação, preterido pelas novelas de arrepiar cabelos. Indignado, Amadeu Amaral Júnior oferece de novo os seus préstimos ao editor, afirmando que também sabe compor histórias policiais, de aventura, de terror e de mistério, que arrancam lágrimas e se vendem regularmente.

A maneira como pede trabalho, pelo amor de Deus ou do diabo, revela que o escritor está impaciente e talvez não escrupulize em pôr a sua pena a serviço de qualquer dessas duas entidades, o que não admira, pois Amadeu é jornalista.

Muita gente se espanta com o procedimento desse amigo. Não sei por quê. Os fabricantes anunciam os seus produtos e os sujeitos desempregados costumam, desde que há jornais, dizer neles para que servem. Por que apenas o articulista, precisamente o indivíduo capaz de arrumar umas linhas com decência, deve calar-se e roer chifres?

Eu por mim acho que Amadeu Amaral Júnior andou muito bem. Todos os jornalistas necessitados deviam seguir o exemplo dele. O anúncio, pois não. E, em duros casos, a propaganda oral, numa esquina, aos gritos. Exatamente como quem vende pomada para calos.

Fonte:
RAMOS, Graciliano. Linhas tortas. 21. ed. RJ: Record, 2005.
Capa do livro = Sebo do Messias

Lino Vitti (Castelo de Poesias)



VELEIRO DO AMOR

Coração - débil barco aventureiro -
pelo oceano do amor, toma cautela.
Pode surgir um vendaval traiçoeiro
que te arrebate e te estrçalhe a vela.

Perscruta o rumo. Sobre o mar inteiro
se prepare talvez árdua procela.
Busca horizontes claros, meu veleiro,
onde o sol brilha e o mar não se encapela.

Não te faças ao largo em demasia
que vem a noite horrenda e a treva zas
queira roubar-te a luz que te alumia.

E então sem rumo, sem farol, sem paz
quiçá não possas mais voltar um dia
à mensa praia que deixaste atrás.

FLORINDO CORAÇÕES

Veja o belo jardim como anda florescido
tanta roseira em flor sonhando com perfumes!
Um verdadeiro céu de estelíferos lumes
estilhaçado em chão de vidro derretido.

Em flores transformou-se a montanha de estrumes
dado vida ao odor tristonho e ressequido.
Convidados da noite a um banquete subido
são insetos que vêm e luzem vagalumes.

Veja as rosas que estão clamando por olhares,
por sorrisos de quem bem perto delas passa,
por beijos de manhãs e céus crepusculares.

Deixemos repousar a vista generosa
nesse encanto floral da roseira que é graça
fundindo em coração cada botão de rosa.

SER MONTANHA

Anseio do infinito, oh! cósmica montanha,
que buscas nesse afã silente, e pétreo, e vão?
Queres talves deter, numa invasão estranha,
esse pálio estelar luzindo em profusão?

Vais abraçar o sol? Impossível façanha!
Beijar, quem sabe,a lua em toques de emoção?
E quando o temporal em chuva e vento banha
o mundo, não te faz bater o coração?

Quando vejo surgir, no horizonte , o teu porte
qual vontade do pó de se elevar à altura
fugindo desta terra onde comanda a morte,

um profundo desejo a erguer-se me acompanha:
quero ser como tu, fugir desta clausura
e não ser nada mais que uma simples montanha.

MINHA ESCOLA

Eu não sou o poeta dos salões
de ondeante, basta e negra cabeleira.
Não me hás de ver, nos olhos, alusões
de vigílias, de dor e de canseiras.

Não trago o pensamento em convulsões,
de candentes imagens, a fogueira.
Não sou o gênio que talvez supões
e nem levo acadêmica bandeira.

Distribuo os meus versos quais moedas
que pouco a pouco na tua alma hospedas,
raras, como as esmolas de quem passa.

Vou porém me sentir feliz um dia
se acaso alguém vier render-me a graça
de o ter feito ricaço de poesia.

TAPERA

Torce o caminho manso e entre pedras percorre
agarrando-se, ansioso, à encosta da colina.
sobe-se um pouco e olhar curioso descortina
a paisagem feral da tapera que morre.

Reina a desolação e a tristeza domina
tudo, restos mortais. A luz do sol socorre
piedosmente, a flux,como um bálsamo, e escorre
sobre a ferida em flor dessa bela ruína.

Tetos a desabar, muros em derrocada,
ascercas pelo chão, porteiras vacilantes,
pompeando os ervaçais na casa abandonada.

Cadáveres, e só, da rica habitação
onde floriu, feliz, o grande senhor d´antes,
dos tempos memoriais da negra escravidão.

AO PASSAR DO VENTO

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuves no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.

FLOR SEM NOME

É uma flor, nada mais que uma flor que se abre
da carícia solar à glória luminosa.
Rubra, sangrando em luz, balouçando radiosa
- coraçãozinho triste espetado num sabre .

À noite, na penumbra, em suste se entreabre
para do orvalho ter lágrima silenciosa.
E quando o dia vem, vestido de cinabre,
entrega-lhe, a sorrir, a essência vaporosa.

Flor humilde do campo, orfãozinha ajoelhada,
de mãos postas em prece , à beira dos caminhos,
vestidinho vermelho a esmolar, a esmolar...

Ela pede somente, escondida e enjeitada,
o afago de quem passa, um pouco de carinho,
o beijo imaculado e longo do luar.

POETA À ANTIGA

Quando o enxergam passar - passos pequenos,
a face magra, quieto, entristecido -
lançando às vezes , no ar, mudos acenos
em gestos de abraçar o indefinido;

Quando o enxergam passar(e o seu ouvido
não atende aos insultos dos terrenos)
todos, num quase acento comovido,
dizem:"deve ser louco, mais ou menos..."

Um dia (nem eu sei como se deu)
conversamos...Contou-me todo o seu
viver, cheio de angústias e revezes...

É poeta!...Arrependo-me dizê-lo
pois eu sei que dirão, agora, ao vê-lo:
-"Poeta?... Então é louco duas vezes!"

NOITE CAMPESTRE

Noite de estio. Na fazenda.Espicho,
cansadíssimo, o corpo langue ao longo
do leito,e, levemente, sem capricho,
por qualquer devaneio a mente alongo.

Insônia.Beliscões de carrapicho,
businadas sutís de pernilongo...
Trissam grilose inquieto camundongo
rói aqui, fuça ali, rasgando lixo.

O quarto, uma fornalha. Estalam vigas;
pelo telhado rufla uma asa tonta.
descem guinchos diabólicos de briga...

Fora, no pez da noite,andam fantasmas;
súa estrelas o céu, de ponta a ponta,
piam corujas nas distâncias pasmas!

VELHO CASARÃO

Casarão - mausoléu glorificado-
a entesourar recordações mediúnicas.
Rotas paredes - testemunhas únicas -
da história milenar do seu passado.

Solitário solar de horror povoado,
de duendes e fantasmas de alvas túnicas.
O chão ressuma ainda ondas budúnicas
e há um cavo estalar de ossos no assoalhado.

No silêncio da noite o casarão
revive pelos velhos aposentos
os dramalhões brutais da escravidão.

E quando entre os desvãos do amplo telhado
ganem soturnamente, os longos ventos
são gemidos de um negro chicoteado.
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Fotomontagem por José Feldman, em cima de imagem (Castelo) de http://www.pititi.com

Entrevista com o Príncipe dos Poetas de Piracicaba, Lino Vitti



A Academia Piracicabana de Letras outorgou a este nobre escritor da terra o título honorífico de "Príncipe dos Poetas de Piracicaba". Sua obra contempla mais de quatro décadas dedicadas à poesia, especialmente os sonetos. Bafejado pelos ensinamentos de sábios sacerdotes em colégio de formação religiosa, recebeu extraordinária formação literária que lhe propiciou enveredar pelo caminho da poesia, da crônica, dos contos, do jornalismo, havendo editado de 1959 até 2001 sete livros de poesia.

Aos 86 anos, Lino Vitti tem orgulho do título. Saudosista assumido, vive num amplo sobrado com Doratirtes, companheira de 57 anos que lhe deu sete filhos. Mas não despreza as novas tecnologias e usa o computador. Nessa entrevista, ele abre o coração e conta o que o emociona e o que o choca no mundo de hoje.

A PROVINCIA - Vale a pena ser poeta?

Lino Vitti - Penso que vale a pena, e muito. A prova são os sete livros de minha lavra. O prim eiro, "Abre-te Sésamo", publiquei quando ainda era moço. Depois vieram "Alma Desnuda", "Sinfonia Poética", "Piracicaba, minha terra", "Sonetos mais amados", "Plantando contos e colhendo rimas" e "Antes que as estrelas brilhem", esse último de 2001.

O que representa o título "Príncipe dos poetas piracicabanos"?

Ah, isso é uma coisa que me dá o maior orgulho! Recebi da Academia Piracicabana de Letras, em 1978, e para mim representa uma compensação aos meus longos anos dedicados à poesia.

Quando o senhor começou com a poesia?

Aos 15 anos, quando era seminarista, no Seminário Santa Cruz, em Rio Claro. Lá era proibido praticar poesia, redigir ou pensar tudo o que estivesse relacionado a ela. Mas em certa ocasião apareceu um clérigo de outra congregação, chamado Antonio dos Santos, e que era poeta. Ficou para mim essa divisão entre teologia e poesia. Escondido de outros padres, aprendi todas as técnicas da poesia.

Por isso o senhor desistiu do seminário?

Na verdade eles me mandaram embora. No pátio havia uma fiquiera e uma folha despencou do alto. Comentei com meu colega que estava me sentindo assim. Mas na hora passou um padre que tomava conta da gente e foi o que bastou para chamar meu pai. Ele pediu para que eu saísse pois não tinha certeza da minha vocação.

O senhor se arrepende de ter desistido ou de ter passado um tempo lá?

Nem uma coisa nem outra. Eu realmente não tinha vocação para sacerdote, mas devo aos padres tudo o que aprendi, tudo relacionado à cultura. Eles formam homens.

Como era a formação de um jovem naquele tempo?

Era a mais ampla possível. Eu aprendi latim, francês, italiano, e tive noções de grego.

E a disciplina, como era?

Era rígida a ponto de um seminarista não pode tocar outro colega com as mãos.

Tanta rigidez tem um lado positivo e um negativo?

De forma nenhuma. A rigidez só tem lado positivo, você tem de ser rígido em tudo.

Essa rigidez estaria em falta na educação de hoje?

Penso que sim. Acho que a educação está muito liberada, acho que no fundo os jovens sentem falta de mais rigidez.

O que o senhor acha da Igreja Católica atual?

Ela acompanhou muita coisa, mas em algumas se manteve, o que tem de ser. As pessoas que se dizem mais liberais não querem aceitar que existem certas coisas que são imutáveis na alma humana. A Igreja não pode aceitar o pecado, o divórcio, o homossexualismo.

Mas a Igreja não precisa se modernizar?

Pra que? Ela não tem obrigação de fazer isso. Sua obrigação é com a crença, com o sagrado. Quem tem de se adaaptar a ela é o fiel, ele é quem tem de seguir o que a Igreja determina.

Mas a Igreja não está perdendo fiéis por ser imutável?

A Igreja não visa coisas materiais, ela visa o lado espiritual. Ela não tem de aceitar o divórcio, ela tem de manter o casamento.

Há quantos anos o senhor mantém seu casamento?

Estou casado com Dorairtes, que é professora aposentada, há 57 anos. Temos sete filhos, seis moças e um rapaz, 15 netos e uma bisneta. Realmente é um vínculo indissolúvel.

O que é preciso para ser um bom poeta?

Em princípio, a poesia é um dom natural. Mas eu penso que escrever poesia não é só fazer quadrinhas ou estrofes que tenham métrica, rimadas ou em versos livres. A poesia é uma maneira de transmitir o que está dentro da pessoa de uma maneira elevada, de uma forma incomum. O bom poeta deve ser, acima de tudo, um observador profundo da natureza humana.

O que a modernidade trouxe de bom para o homem?

Trouxe coisas ótimas como as inovações científicas, as novas manifestações culturais. Esse é seu lado bom. Por outro lado, tem seu lado negativo quando se entrega ao abuso do sexo, do crime, da moral, da justiça, e até do abuso do amor.

O que choca o senhor hoje em dia?

Essas coisas que acabei de falar me entristecem. O que me choca é a política. Porque, em vez de cumprir aquilo para o qual foram eleitos, os ilustres representantes da política nacional aproveitam-se de seu mandato para abusar do povo.

O que Piracicaba representa para o senhor?

É meu berço e berço a gente não discute, a gente ama. sei que hoje a cidade tem muitos problemas como violência e falta de policiamento, mas isso existe em todo o lugar.

Santana deve ter um lugar reservado nesse ano, não é?

Claro. Nasci em Santana em 16 de janeiro de 1920 e lá aprendi tudo o que sei. Vivi uma vida campestre, no meio da mata virgem, no meio das lavouras de milho e dos cafezais. Aramva arapuca para passarinho, pegava peixe na beira do rio, colhia maracujá na capoeira. Tudo isso desapareceu e em seu lugar colocaram canaviais que acabaram com a mata, os pássaros, os bichos, as frutas, os peixes. É triste para mim, que sou poeta, ver como santana perdeu a poesia!

Fonte:
A Província.

Carlos Moraes Junior (Caldeirão Poético de Piracicaba)


VIOLÕES

Como são tristes os acordes
dos violões em serenata,
que atravessam as madrugadas,
na tentativa de responder
os enigmas da tristeza,
que a simples vivência não pode,
nem em sonho, resolver.
Como são nostálgicas
as mensagens dos violões,
que ensinam os amantes
a enfrentarem com galhardia
o desespero e o sofrimento
de um amor que já acabou...
Como são doces as cantigas
de amor dos violões,
estas que ensinam os jovens
a prudentemente esperar,
do amor estranhas mazelas,
ao invés de tolas venturas
e de sonhos de realização...

A RIMA BOA

Quero encontrar a rima boa
para poder, enfim, terminar
com chave de ouro esta loa
que um dia irá me consagrar...
Quero a rima que o povo entoa,
no dia a dia do seu falar,
para compor um versinho a toa,
que um dia irá me consagrar...
Quero ver como é que soa
esta rima que encontrar,
para que ela seja a coroa
que um dia irá me consagrar...
Quero a rima que apregoa
a mercadoria a se liquidar,
ou então, aquela que povoa
o sonho que irá me consagrar...

A SORTE NAS CARTAS

A sorte nas cartas,
a sorte lançada,
o futuro,
o passado
a vida e o nada...
A verdade das cartas,
a mistificação do poder,
a vidência,
a eficiência,
os estertores da Ciência!
Combinações nas cartas,
naipes e números,
figuras, segredos,
o impossível de ocorrer!
A morte nas cartas,
a morte marcada,
o destino, o carma,
a volta à vida passada,
correndo contra o relógio
para dizer coisas escondidas
e ditar regras, direções,
leis e idiossincrasias,
impossíveis de aceitar...

AOS ABRAÇOS COM A VIDA

Na tela amarela
está quem por mim vela,
aos abraços com a vida insurgida.
E a cela, a trela
em mim esculpidas,
não eram belas
nem sinceras como ela.
Aos abraços com a vida
a bela é dela,
e é também dela
a vela amarela construída
de macela e tela,
de cor pálida e singela.
Aos abraços com a vida
ela é a tela
onde se pintam
as histórias de amor,
que abraçadas
com a vida se entretecem...
E dela a vida zomba,
como aquela vela,
pois não é feliz
quem sofre
por causa das tramas
da vida que acontecem.

CANSAÇO

Sentir o tempo passar
sem ter nada para fazer,
é o mesmo que tomar veneno
e deitar-se para morrer...
Ver a vida sem alegria,
sentir o cansaço de vivê-la,
é o mesmo que querer felicidade
sem nunca ser capaz de tê-la.
Sentir o cansaço de ser
na vida apenas uma imagem,
é o mesmo que estar no retrato,
é o mesmo que mandar mensagem
algures para as estrelas,
na esperança de encontrar alguém
onde, há milênios se sabe,
não pode existir ninguém!

CRIANÇAS

Fecha os olhos!
Deixa que te beije,
deixa que te olhe bem...

Talvez a noite
que te impede de ver
seja a mesma noite
que trago dentro de mim.

Querida...
Talvez sejamos jovens para amar,
mas o nosso amor,
esse amor não é criança!

Fechemos os olhos...
Somos crianças
sonhando com um amor
que talvez termine
quando voltares a ver...

FLOR DO CLÃ

Ai! Quão vão és, má dor que não faz bem
E não me dás só vez de sol e paz.
Ai! Quão chã és, tal dor que só me vem
Pra ser tão rés, e ser a que me faz

O fã do fim, do fel dum só que tem
Na cruz o mal, o sal, o pó, o gás,
Da luz sem par, sem lar, que é o zen
Da flor do clã, que só a dor me traz.

Ai! Flor do clã, que a fé não quer me dar,
Nem quer ser gen do dom que é a foz
Da mãe da luz sem fim, que é um lar.

Ai! Flor do clã, que a rir vem ter a nós
Bem cá na mão, pra ter a lei de par
E ser o fim da luz, que não tem voz...
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Carlos Moraes Junior (1948)


Carlos Moraes Júnior, nascido em Tatui/SP em 16/12/48, aposentado da Prefeitura Municipal, onde exerceu, de forma efetiva, o cargo de Agente Fiscal de Rendas, jornalista e contabilista, Presidente do Clube dos Escritores Piracicaba, entidade sem fins lucrativos. declarada de Utilidade Pública, pela Lei 4265/97.

Casado com a empresária Maria Clarice Alves da Silva Moraes, proprietária da firma Coopia Datilografia e Serviços Editoriais, que mantém a revista Clube dos Escritores , publicação mensal por assinatura.

Manteve no ar durante cinco anos o programa radiofônico Clube dos Escritores pela Rádio FM Municipal, e durante um ano, no jornal O Diário , a página literária Clube dos Escritores .

Ministra cursos de Redação, de Técnicas de Redação, de Poética Contemporânea e de Criatividade em Prosa e Verso, desde 1992, em convênio com a Delegacia de Ensino de Piracicaba e com a Prefeitura Municipal.

Realizou oficinas de literatura alternativa, e uma Exposição de Literatura Alternativa na Casa do Povoador, sendo o pioneiro neste tipo de literatura na cidade.

Durante mais de 30 anos dedicou-se à crítica literária, sendo que assinou nos jornais locais e de algumas cidades do interior colunas literárias como Literatura e Livros .

Como jornalista profissional assinou durante mais de cinco anos a coluna diária Temática e a coluna semanal Mobral em Revista no Jornal de Piracicaba.

Foi ainda repórter, colunista e revisor de todos os jornais da cidade.

Como gerente de promoção da Eletroradiobraz S/A, criou a mensagem de encerramento do expediente de todas as lojas da rede.

Como Relações Públicas da Comissão Municipal do Mobral, criou a frase-tema da Campanha de Alfabetização do Mobral de 1975.

Escreve para o Jornal de Piracicaba na página 2 e assina, junto com o filho, desde 1989, diariamente, as Palavras Cruzadas daquele matutino.

Participou da Bienal Internacional do Livro de 1988

Nos últimos dez anos é responsável e editor do Informativo do Clube dos Escritores. Atualmente é Editor Chefe do jornal “Gazeta Regional”, que circula em Piracicaba e região, e articulista de vários sites na Internet e nos jornais “Jornal de Piracicaba” e “Tribuna Piracicabana”.

Prêmios:
- I Festival de Poesias do JUBA [1969], “Poesia em p minúsculo”,
- Semana Cultural da Sociedade Prudente de Morais, “A Nova Vida”, poesia e “Impressionismo”, conto, [1969],
- II Festival de Poesias do Interact Clube de Piracicaba, “Tema Caótico”, poesia, [1970],
- I Happening de Literatura da Escola de Música de Piracicaba, 1º. Prêmio, contos “A estória da praça estranha”, [1975],
- II Happening de Literatura da Escola de Música de Piracicaba, lº. Prêmio, contos “A saga do beco dos seis outeiros”, [1976],
- II Concurso de Poesias da Ação Cultural da Prefeitura Municipal de Piracicaba, poesia, “Vietnã”, [1979]
- III Happening de Literatura da Escola de Música de Piracicaba, 2º. Prêmio, contos “Irmã Helga vai à guerra”, [1982],
- Medalha de Mérito Cultural 'José Bonifácio de Andrada e Silva',

Participação:
Membro fundador da Academia Piracicabana de Letras,
Membro da Ordem Nacional dos Escritores,
Membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes,
Membro da Academia Paulistana da História,
Membro da União Brasileira de Trovadores,
Membro da União Brasileira de Escritores,
Membro da Academia Brasileira de Ciências Mentais e
Membro do Sindicato dos Escritores Profissionais do Estado de São Paulo.

Publicações:
Temática , crônicas (1974/1976/1978),
Nem tambores, nem clarins , crônicas e poesias (1975/1976).
De literatura alternativa
Coleção Jubileu (1986), Série Ouro e Série Prata (1987), Série Vermelha (1988), Série Branca (1989), Série Amarela (1990/91), Série Verde (1992), Série Azul (1993), e Serie Marrom (1994),
Coletâneas
Coletânea Clube dos Escritores (1992), organizador,
Coletânea Força Motriz (1993), organizador e
Poetas Piracicabanos 1900-1970 , pesquisa histórica.

Fontes:
http://www.geocities.com/SoHo/Lofts/1418/carlosmjr.htm
http://www.poetasdelmundo.com/

segunda-feira, 23 de março de 2009

Maria Antônia Canavezi Scarpa (Um lugar comum)


Há um tempo ainda, antes do sol se por
e fico diante do mar, vigiando o rumo das ondas,
o lado escuro da tarde,o fogo brando que queima
por uma pequena distância..
onde os olhos podem encontrar, o seu lugar comum

Tenho a impressão, que a suavidade da brisa,
provoca em mim uma sonolência,
dissipando a angústia, do meu coração
deixando-a partir para o alto mar
lúcida e transparente
ao sabor do sopro constante, dos ventos eólios

Guardo meu riso de alegria tensa,
numa garrafa dourada e jogo-a ao mar...
desejando, que ela se vá até os próximos rochedos
que desmaiam nas ilhas solitárias
e se aloje ali, entre os arrecifes

De vez em quando, sento na areia morna
acompanhando as estrelas que chegam,
para brilhar no meu pequeno mundo
rastreando cada segundo,
cada minuto do meu sonhar

Quando anoitecer e os pássaros marinhos
se esconderem junto as pedras, vou ter com eles
isolada... meio trêmula de medo, pelas tempestades
que hoje não irão acontecer.
Solitária aqui ou ali, percebo que sou pouco inteligente,
às alternativas que busco,de ir até você

São sempre as mesmas...o pensamento...os sonhos...
já que estamos, tão longe um do outro...
só me resta, deitar o meu cansaço teimoso,
fechar os olhos e chegar no seu lugar comum,
sem encontrar o que estava procurando
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domingo, 22 de março de 2009

Gesson Álvares de Magalhães (Caldeirão Literário: Rondônia)

"FIM...É A VIDA?"

Andando a passos trôpegos, moroso,
cambaleando até, olhar sem brilho.
Figura venerável de um idoso
cansado de seguir um longo trilho.

Foi menino, foi jovem vitorioso,
as forças consumiu sem empecilho
E agora espera receber ditoso
o amor e o carinho de seu filho.

Quando, porém, os louros da vitória
Deseja desfrutar entre crianças
que agora poderiam diverti-lo
Nem mesmo vai contar-lhe uma histótia,
pois anda triste, só, sem esperanças
nos frios corredores de um asilo."
PORTO VELHO ONTEM E HOJE

1.
Se Amizael cantou-te como infante,
Se o Bolívar cantou teu tempo antigo,
Se Cândido cantou-te como amante,
Deixa que eu fale apenas como amigo.

2.
És, Porto Velho, muito diferente
Daqueles dias que já vão distantes,
Quando morava aqui bem pouca gente
E não tinhas em ti, tantos migrantes.

6.
É muita gente e carros circulando
Numa loucura insana e infernal.
O progresso chegou, modificando
Tua estrutura e teu potencial.

7.
As tuas ruas não são mais aquelas !
E se a alma do Cândido, animada,
Tentar, à noite, passear por elas,
Corre o perigo de ser assaltada.

9.
Hoje, teus bairros somam-se às dezenas,
E com eles, os grandes desafios
De controlar, lutando a duras penas,
A poluição de igarapés e rios.

10.
Até o velho Madeira está em perigo!
O Candeias, o Garça, o Jamari,
Que te viram nascer e que contigo,
Viveram o progresso até aqui.

13.
Queremos, Porto Velho, que tu cresças,
Que sejas linda, que tenhas futuro,
Mas tememos que logo te pareças
Com um montão de lixo ou um monturo.

14.
Que teus filhos e aqueles que aqui vêm,
Pensem menos no ouro e mais em ti.
Que te tratem melhor do que ninguém
E façam sempre o melhor aqui.

16.
Que voltes logo a ser bonita e humana.
Que o Bolívar, o Cândido e o Misa
Possam de novo, após a luta insana,
Dormir tranquilos sob atua brisa.

17.
E eu, que também por ti fui adotado,
Possa ver-te crescer com galhardia,
E meus filhos e netos, sem cuidado,
Vivam em ti, na paz e na harmonia.
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Fonte:
Academia de Letras de Rondônia. http://acler.josevaldir.com/

Gesson Álvares de Magalhães (1934)



Cadeira n.2 da Academia de Letras de Rondônia, cujo patrono é Ary Macedo.

Gesson nasceu na cidade baiana de Santana dos Brejos, no dia 12 de outubro de 1934, o último dos nove filhos do casal Propércio Álvares Pereira e Francisca Flora de Magalhães. Aprendeu a ler aos quatro anos de idade, com sua cunhada, que era professora.

Sempre curtiu verdadeira paixão pelas letras, tendo feito seu primeiro poema aos onze anos de idade, quando estava na quarta série, em Goiânia, estado de Goiás, para onde a família se mudou no ano de 1946.

Iniciou o curso primário na Bahia, tendo ainda de esperar alguns anos, pois era muito novo quando chegou o momento de ir para a escola oficial, tendo concluído em 1946, em Goiânia, na Escola Adventista, cuja professora chamava-se Edy Souza.

Depois de concluir o primário, parou por alguns anos, tendo voltado a estudar no Ginásio Adventista Campineiro, (hoje Unasp III), localizado em Hortolândia, Estado de São Paulo. Fez ali, o curso de Admissão ao Ginásio, iniciando a primeira série ginasial no ano de 1950. Em 1953, concluiu o curso ginasial, ocasião em que foi orador da turma de formandos.

É Adventista do Sétimo Dia de berço, tendo sido batizado no dia 3 de dezembro de 1949, no Ginásio Adventista Campineiro, aos 15 anos de idade.

Em 8 de dezembro de 1955, casou-se com a senhorita Ivete Gomes, natural de Arapongas, Estado do Paraná, depois de um namoro que se iniciou no Ginásio Adventista Campineiro. Desse consórcio, nasceram três filhos: Íverson, que vive hoje em Porto Velho, Sonete, que é cantora gospel e mora em Washington, nos Estados Unidos e Soníver, que também reside nesta capital. Tem oito netos, três bisnetos e uma filha adotiva, Joice.

Iniciou o Curso Médio em Goiânia, no Instituto de Educação de Goiás, tendo sido, naquele ano, o único aluno do sexo masculino. Isso o fez desistir de fazer o curso Normal, (hoje Magistério).

Residiu em 1956 em Araguari, Minas Gerais, onde nasceu seu primogênito, Íverson.

Em 1957, reiniciou o Curso Médio de Contabilidade no Colégio Adventista Brasileiro, (hoje Unasp I), localizado na capital paulista, tendo concluído no Colégio Doze de Outubro, em Santo Amaro, também na capital paulista.

Residiu e trabalhou em São José dos Campos e em Registro, no Estado de São Paulo e na Capital, São Paulo, onde nasceram sua filha e seu filho caçula.

Em 1967, mudou-se para o Paraná, tendo residido na cidade de Goioerê por um ano e depois na cidade de Mariluz, onde residiu por treze anos.

Nesse ínterim, fez faculdade de Letras em Jandaia do Sul, no Estado do Paraná, tendo concluído no ano de 1972.

Em 1980, exatamente no dia 31 de julho, chegou a Porto Velho, onde vive até hoje.

Aqui, iniciou sua vida profissional como Vice-Diretor do Colégio Estudo e Trabalho, tendo sido depois nomeado como diretor da Escola Carmela Dutra, que foi transformada em Instituto de Educação no ano de sua gestão. Foi Chefe de Gabinete da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo, quando era secretário o Dr. Vitor Ugo. Quando se iniciaram os trabalhos da Assembléia Legislativa, foi assessor do Deputado Amizael Silva, que foi relator da Constituição do Estado, tendo sido presidente da Comissão de Sistematização da Constituinte, tanto da primeira como da segunda.

Foi também presidente da comissão que revisou as duas versões da Constituição do Estado, (1982 e 1989). Atuou como assessor na elaboração da lei orgânica dos seguintes municípios: Guajará-Mirim, Cerejeiras, Pimenta Bueno e Nova Brasilândia do Oeste, tendo participado da revisão da lei orgânica de Porto Velho. Em 1991, saiu da Assembléia Legislativa e retornou à Secretaria de Estado da Educação, onde exerceu os cargos de Revisor, Assessor e Chefe de Gabinete.

Membro do Conselho Estadual de Educação, tendo exercido os cargos de Vice-Presidente e Presidente daquele órgão. Professor de Língua Portuguesa na Escola Estudo e Trabalho, na Unir e na Faculdade de Tecnologia e Ciências – Fatec, onde ministrou a aula inaugural, em 1995. Enquanto lecionava na Unir, fez pós-graduação em Língua Portuguesa na Pontifícia Universidade Católica em Belo Horizonte - MG. e em Metodologia do Ensino Superior, na própria UNIR, em Porto Velho.

Membro da União Brasileira de Escritores, seção de Rondônia, da Academia Rondoniense de Educação e fundador da Academia de Letras de Rondônia, onde exerceu o cargo de Secretário-Geral.

Eleito como Conselheiro do Conselho Fiscal da Academia de Letras de Rondônia, cujo mandato expirou em janeiro de 2009.

Obras publicadas:
- Adejos de minh’alma – livro de poesias, publicado em Rondônia.
- Alguma Cousa – ganhador do Concurso realizado por ocasião do centenário de nascimento de Vespasiano Ramos, 1º lugar dentre 49 obras concorrentes.
Publicou ainda diversos artigos e crônicas em jornais e revistas e colaborou em antologias, tais como: Porto Velho em Prosa e Verso e outras.

Títulos

Membro Efetivo da Casa do Poeta – São Paulo
Membro da União Brasileira de Escritores-Seção de Rondônia
Membro da Academia Rondoniense de Educação
Cidadão Constituinte de Guajará-Mirim
Amigo da Educação, concedido pelo Conselho Estadual de Educação de Rondônia.
Constituinte Emérito, concedido pela Assembléia Constituinte de Rondônia.

Fonte:
Academia de Letras de Rondônia. http://acler.josevaldir.com/

Sylvia Plath (Teia de Poesias)



OVELHAS NO NEVOEIRO

As colinas descem sobre a brancura.
Pessoas ou estrelas
Olham-me tristemente, desaponto-as.

O comboio deixa o traço da sua respiração.
Oh lento
Cavalo cor da ferrugem,

Cascos, guizos de dor —
Toda a manhã a
Manhã tem vindo a escurecer,

Uma flor posta de lado.
Os meus ossos ganham imobilidade. Campos
Distantes suavizam o meu coração.

Ameaçam
Deixar-me entrar para um paraíso
Onde não há estrelas, não há pais, secreta água.
In “Ariel”
Tradução de Fernanda Borges

EU QUERO, EU QUERO

De boca aberta, o deus recém-nascido
imenso, calvo, embora com cabeça de criança,
gritou pela teta da mãe.
Os vulcões secos estalaram e cuspiram,

a areia esfolou o lábio sem leite.
Gritou então pelo sangue paterno
que agitou a vespa, o tubarão e o lobo
e veio engendrar o bico do ganso.

De olhos secos, o inveterado patriarca
ergueu seus homens de pele e osso:
farpas sobre a coroa de fio dourado,
espinhos nas hastes sangrentas da rosa.

(In “Pela Água” - Assírio & Alvim)
(Tradução de Maria de Lourdes Guimarães)

PELA ÁGUA

Um lago negro, um barco negro, duas pessoas negras em papel recortado.
Para onde vão as árvores negras que bebem aqui?
As suas sombras devem cobrir o Canadá.

Das flores aquáticas sai filtrada uma luz tênue.
As suas folhas não querem que nos apressemos:
São circulares e sem relevo, cheias de conselhos obscuros.

Mundos frios agitam se com os remos.
O espírito da escuridão está em nós, está nos peixes.
Um ramo submerso ergue uma mão pálida em despedida;

as estrelas abrem se entre os lírios.
Não ficas cego com a mudez de tais sereias?
Este é o silêncio das almas já perturbadas.

CONTUSÃO

A cor aflui ao local, púrpura e baça.
O resto do corpo está sem cor,
a cor da pérola.

Numa cavidade da rocha
o mar sorve obsessivamente,
uma concavidade, o centro de todo o mar.

Do tamanho de uma mosca,
a marca do destino
rasteja pela parede.

O coração fecha se,
o mar retira se,
os espelhos estão velados.

PAPOULAS EM JULHO

Pequenas papoulas, pequenas chamas do inferno,
Vocês não fazem mal?

E tremeluzem. Não posso tocar vos.
Ponho as minhas mãos entre as chamas. Nada queima.

E fico exausta ao olhar vos
A tremeluzir assim, pregueadas e de um vermelho vivo, como a pele de uma
boca

Uma boca que acabou de sangrar.
Pequenas bainhas ensaguentadas!

Há fumos que não posso tocar.
Onde está o vosso ópio, essas cápsulas que dão náuseas?

Se eu pudesse esvair me em sangue, ou dormir –
Se a minha boca pudesse casar com uma ferida assim!

Ou se os vossos venenos pudessem penetrar em mim, nesta cápsula de vidro,
Para me entorpecerem e aquietarem.

Mas sem cor. Sem cor nenhuma.

NÓDOA NEGRA

A cor converge para esse sítio, de um arroxeado mortiço.
O resto do corpo fica todo descolorido,
De cor pérola.

Numa gruta cavada na rocha
O mar suga obsessivamente
Uma cavidade, o ponto central de todo o mar.

Do tamanho de uma mosca
A marca do destino
Arrasta se pela parede abaixo.

O coração fecha se,
O mar recua,
Os espelhos são tapados.

PALAVRAS
Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.
A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha
Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro
Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.
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