sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Guy de Maupassant (1850 – 1893)



“O beijo fulmina-nos como o relâmpago, o amor passa como um temporal, depois a vida, novamente, acalma-se como o céu, e tudo volta a ser como dantes. Quem se lembra de uma nuvem?”

Henry René Albert Guy de Maupassant (5 de Agosto de 1850, Fécamp - 6 de Julho de 1893, Paris) foi escritor, poeta e um dos maiores contistas de todos os tempos. Sua obra é conhecida por retratar situações psicológicas e fazer crítica social com técnica naturalista.

Maupassant teve uma infância e uma juventude aparentemente felizes no campo, em companhia da mãe, uma mulher culta e depressiva, que foi abandonada pelo marido.

Na década de 1870, ele se dirigiu a Paris, onde se firmou como contista e teve contato com os grandes escritores realistas e naturalistas da época: Zola, Flaubert e o russo Turguêniev.

Entre 1875 e 1885, produziu a maior parte de seus romances e contos. Escreveu pelo menos 300 histórias curtas, muitas das quais algumas se tornaram mundialmente conhecidas, como Bola de Sebo, O Colar, Uma Aventura Parisiense, Mademoiselle Fifi, Miss Harriett e O Horla.

Maupassant talvez tenha sido, nos últimos anos do século XIX, o escritor mais lido no mundo.

Rico e famoso, ele teve muitos casos amorosos, mas a sífilis o atormentou por mais de uma década, ocasionando-lhe pesadelos, angústia e de alucinações.

A riqueza e a fama bateram à sua porta, e ele teve uma profusão de casos amorosos. No entanto, a partir de 1884 a sífilis manifestou-se em seu organismo, ocasionando-lhe uma doença nervosa feita de angústias inexplicáveis, de estremecimentos e de alucinações. Algumas dessas sensações estranhas e opressivas foram registradas em contos tão célebres quanto assustadores, como O Horla e É ele. Em 1882, após terríveis sofrimentos, tentou o suicídio. Hospitalizado, veio a morrer no ano seguinte, em estado de semidemência, com apenas 43 anos de idade. Foi enterrado no cemitério de Montparnasse, em Paris.
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A Obra de Maupassant

O primeiro aspecto que chama atenção na obra de Maupassant é a sua variedade temática. Poucos escritores conseguem dar esta impressão de registro de totalidade da existência, de criação de um universo fecundo, múltiplo e quase inesgotável. Escreve sobre Paris, então capital do Ocidente, enfocando várias classes: burgueses, operários, prostitutas, boêmios, intelectuais, funcionários. Escreve também sobre a vida rural, fixando a avareza, a selvageria e a capacidade de resistência dos camponeses. Algumas de suas obras-primas referem-se à Guerra Franco-Prussiana, de 1870. No fim da vida, atormentado por pesadelos, cria histórias cheias de personagens paranóicas.

Há contos para todos os gostos: dos cômicos aos dramáticos, dos pitorescos aos trágicos. Alguns mostram a dor da passagem do tempo; outros, a alegria do presente. Há os que celebram o amor ideal e há os que cantam a brevidade do amor erótico. Muitos registram o cotidiano, alguns enveredam pelo caminho da assombração. Como um pintor impressionista, Maupassant pinta as luzes de Paris: as que reverberam no Sena, as que cintilam nos parques e as que brilham à noite nos boulevards. Luzes que envolvem as personagens nos dramas essenciais da condição humana: a paixão, o prazer, a solidão, o tédio, a morte. É o cronista da vida européia do fim dos Oitocentos, mas também um escritor de dimensão universal.

Quanto à estrutura do gênero, Maupassant fundamenta e dá prestígio a um tipo de narrativa breve, hoje chamada de conto tradicional ou conto anedótico. Caracteriza-se por uma reviravolta surpreendente, quase sempre no desfecho da história. Ou seja, o final do relato deve apresentar algo de inesperado e de impactante ao leitor. Para que esse efeito de surpresa se realize, o contista francês confere a seus textos um teor objetivo mediante a máxima economia de detalhes, da linguagem seca e direta e do diálogo coloquial. Além disso, entre suas virtudes principais situa-se a capacidade de, em poucos traços, definir caracteres e revelar a classe social dos protagonistas.

Há quem julgue Maupassant um artista de superfície, por tentar reproduzir apenas a realidade exterior, sem maior aprofundamento psicológico. Alguns de seus contos, de fato, são crônicas de época; outros, meras anedotas. Contudo, como observou um crítico, “o escritor é profundo na aparente superficialidade porque reconhece o vazio da vida de suas personagens, que buscam o prazer, mas que encontram apenas a destruição fatal”.

05/08/ 1850, Tourville-sur-Arques, França
06/07/1893, Paris, França

Fontes:
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u759.jhtm
http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/10/07/004.htm
http://www.pensador.info/p/obras_guy_de_maupassant/1/

A A de Assis (Concurso é Concurso)



Sempre é válido insistir: quem participa de concursos precisa estar preparado para o que der e vier. O resultado é imprevisível e há necessidade de muito espírito esportivo. Você faz a trova com máximo carinho, toma todos os cuidados para evitar cochilos, e só envia quando acredita haver boas chances de ser premiado. O problema é que os demais concorrentes fazem a mesma coisa... e eles são tão bons quanto você.

A grande aventura começa no momento em que o envelope é colocado no correio. Chegará ou não ao seu destino? Como a norma é o remetente usar o mesmo endereço do destinatário, nunca se está seguro do que acontecerá no percurso.

Dando tudo certinho, a trova entrará na “briga”. Três, cinco, dez julgadores, todos dignos da maior confiança e geralmente mestres no ofício. Mas, claro, cada qual com seu jeito de gostar e sua maneira de avaliar.

E aí é que entra aquela velha história de que em um concurso você joga com 70 por cento de competência e 30 por cento de sorte. A sorte vai por conta de sua trova cair ou não no gosto da maioria dos julgadores. Há trovas que recebem nota 10 de um julgador e nota 01 de outro, ou às vezes nem isso. Há também o risco de um belo achado passar despercebido, como há o risco de um grave defeito não ser notado, etc. Quer dizer: a intenção dos julgadores é sempre a melhor possível, porém ninguém é perfeito.

Cabe então a cada concorrente entender que concurso é assim mesmo... e o jeito é bater palmas para os irmãos premiados e esperar pela próxima oportunidade. Mesmo porque, na grande maioria dos casos, se a trova da gente não ganha é porque outras havia realmente melhores...

Fonte:
Editorial Trovia Junho / 2003

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Reforma Ortográfica 4

Fonte:
Imagem = Quar4o Mundo: coletivo de quadrinistas independentes

Kavera (O Amigo Esquisito)



Detestava conversa. Foi sozinho, como sempre ia, a um bar alemão onde havia o péssimo costume de se dividir a mesa com estranhos, caso estivesse lotado.

Foi logo se estressando...

— Pô, não está vendo que a mesa tá ocupada?

— Estou, mas, e daí?

— Como, e daí?

— Mas essa cadeira está vazia!

— Mas a mesa não!

— Mas eu não me sentarei na mesa e, sim, na cadeira.

— Mas essa cadeira está na minha mesa, não tá vendo?

— A cadeira ou a mesa?

— Vem cá, você é louco, é?

— Bem, se eu for, a minha resposta não terá nenhum valor técnico, apenas nominal.

— Ah, confirma?

— Essa sua pergunta descende de uma indagação minha, estando, portanto, atrelada a ela.

— Como assim? Que papo é esse?

— Bem, se você estiver correto e eu for louco, as minhas respostas serão meros devaneios. Logo, se estamos conversando, o nosso diálogo é insano.

— Insano é você, louco! Sai fora!

— Não posso. Estamos conversando.

— Eu não! Não tô conversando nada com você, ô maluco! Doido!

— Claro que está! Acabou de dizer “doido” pra mim. Não vê? Estamos dialogando.

— Que droga, meu Deus! O cara é doido de tudo! Que azar!

— Não acho! Acho até sorte sua!

— Sorte? Chama isso de sorte? Tô numa conversa franca aqui com o meu amigo, você chega e me interrompe assim? Isso é sorte, é?

— Você não iria aguentar muito tempo com esse seu amigo esquisito aí! Os algoritmos dele estão ó...!

— Algoritmos? Esquisito? Por acaso está chamando o meu amigo aqui de esquisito?

— Sim, estou. Mal consigo vê-lo! Tampouco ouvi-lo!

— Ele é discreto. Bem diferente de você, né?

— De fato, eu sou visível e falo, portanto somos significativamente diferentes.

— Hum...

— Mas podemos ter algo em comum.

— Ah é? O quê, por exemplo?

— Você! Você seria a nossa interface.

— Interface? Que papo doido é esse?

— A nossa ponte, o nosso elo. Você nos conecta um ao outro. Quando ele falar alguma coisa, você traduz para mim. Simples, não? Porque, olha, sinceramente, não consigo entender absolutamente nada desse seu amigo aí.

— É, pra entender tem que ter inteligência, sabia? Não é pra qualquer um não.

— O meu cérebro é bastante limitado, tenho que admitir. O meu sistema ocular insiste em não vê-lo.

— Ver quem?

— Ora, o seu amigo aí.

— O meu amigo? Escuta aqui ó, vou sair fora, tá legal? Você é piradão mesmo! Fique aí com ele, já que devem ter muito em comum. Tchau pra vocês dois.

— Tchau. E obrigado, hein? Estava mesmo procurando uma mesa só pra mim.

Fonte:
- Kavera. Bazófias peristálticas: cronicas de botequim. SP: Marco Zero, 2005.
- Imagem = http://www.flickr.com

José Valdir Pereira (Lançamento do Livro "Semeador de Emoções")



C O N V I T E

29 de agosto, sábado, às 17h, no Teatro Cacilda Becker, em Cacoal

O escritor e poeta José Valdir Pereira, a Academia de Letras de Rondônia, a Academia de Letras de Cacoal e a Fundação Cultural de Cacoal convidam para o lançamento do livro

"Semeador de Emoções",
de José Valdir Pereira,
dia 29 de agosto, sábado, às 17h,
no Teatro Cacilda Becker,
no município de Cacoal, Rodnônia.

Ficha técnica:

Gênero: Poesia
Autor: José Valdir Pereira
Editora: Scortecci
Capa e ilustrações: Viriato Moura
Ano: 2009

Sinopse:
"Semeador de Emoções" traz lições das quais emanam advertências, sugestões e exemplos de dignidade humana, convincentes e oportunas que encerram e nos transmitem verdadeiras lições de sabedoria e proficiência de vida.

Informações:

(69) 3441 1192 (Cacoal)
(69) 8451 3424 (Porto Velho)
E-mail acler@acler.org

Fonte:
Academia de Letras de Rondônia

Pedro Albino de Aguiar (Acadêmicos da Academia de Letras de Rondônia em Trovas)



A vida dos Acadêmicos
Eu vou contar em trovinhas,
Se alguém de mim discorda,
Pode me dar uns “tapinhas”.

Capitão Esron Menezes,
“Retalhos da Nossa História”,
Só falta ser Marechal,
Pra ser maior a vitória.

A Yêdda Borzacov,
Historiadora da boa,
Não guarda papas na língua,
Mas nunca falou à toa.

Tem a Eunice Bueno,
Poetisa requintada,
Já morou até na índia;
Precisa dizer mais nada.

Tem o Viriato Moura,
É médico tão renomado,
Que eternizou Porto Velho,
Bastou mandar um recado.

Temos o Matias Mendes,
Escritor de Guajará
E também do Guaporé;
Vive pra lá e pra cá.

Tem o confrade Jakobi,
Telemedicina, meu!
Daí eu tenho certeza,
Entende mais do que eu.

E tem o Átila Ibañez,
Que mora ali em Vilhena,
É o portão de entrada
Desta terra brazileña.

Conheço o Joaquim Cercino,
Do tempo da fundação,
Pelo que tenho lembrança,
Entramos pelo portão.

Antônio Cândido da Silva,
“Enganos da Nossa História”,
Por causa desses enganos,
Merece uma palmatória.

O Bolívar Marcelino,
Sonetista de primeira,
Escreve tudo certinho,
Só na língua brasileira.

Já o Gesson Magalhães,
Que também é sonetista,
Escreve que nem Camões,
Parece ser mais letrista.

Zelite Andrade Carneiro,
Nossa Desembargadora,
Além de ser poetisa,
É uma ótima escritora.

Tem o Édson Jorge Badra,
Que nasceu em Guajará,
Ele é crítico literário;
Escritor melhor não há.

Temos o Abnael,
Exemplo de educação,
Que além de Historiador,
É nosso fiel irmão.

Temos o Cláudio Feitosa,
O Diretor Financeiro,
Que além de Historiador,
Cuida do nosso dinheiro.

O Aparício Carvalho,
Que é autor de “Candelária”,
Além de Ex-Presidente,
Vem curando até malária.

Temos o Hélio Fonseca,
Nosso membro fundador,
O primeiro Presidente;
Ele é ótimo escritor.

Dimas Ribeiro Fonseca,
Outro Desembargador,
Além de escrever bem,
É um ótimo Orador.

Emmanuel Pontes Pinto,
Ele é um dos pioneiros;
Fundador da Academia,
Junto a outros companheiros.

Também temos o Raymundo,
Que é Nonato de Castro,
Pois, além de fundador,
Sempre deixou o seu rastro.

E temos o João Teixeira,
Para engrossar a lista,
Escreve diariamente,
É um ótimo Jornalista.

Temos o Dante Fonseca,
Marco Domingues Teixeira;
Escrevem juntos a História
Desta terra alvissareira.

Temos os que já se foram:
O Dr. Ary Pinheiro,
O Paulo Nunes Leal,
Outro fiel companheiro.

Tivemos Paulo Saldanha,
Vitor Hugo, Amizael,
Irmão Calixto Medeiros,
Cada qual o mais fiel.

E tem o Valdir Pereira,
josevaldir.com,
Que além de Presidente,
Tem um Site muito bom!

O último é Pedro Albino,
Que além de Trovador,
Escreveu Sessenta e Nove
Poemas com muito humor,
E ainda tem no prelo
Novos Poemas de Amor.
---

Pedro Albino de Aguiar (1944)



Nasceu em 03-03-1944, no antigo distrito de Ibicuitinga, hoje município, onde fez o Primário. Registrou-se em Morada Nova – Ce, para onde se mudou em 1964 para continuar os estudos. Filho de Raimundo Castelo de Aguiar e Maria Francisca de Jesus. Sempre contando com a ajuda dos pais, transferiu-se para Fortaleza - Ce em 1967, objetivando trabalhar para poder continuar estudando.

Em Fortaleza concluiu o 2º Grau no Colégio Estadual Liceu do Ceará e o curso superior de Administração de Empresas, na Escola de Administração da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Juntamente com outros intelectuais cearenses, entre eles Carneiro Portela, Antônio Girão Barroso, Jader de Carvalho, Rembrandt de Matos Esmeraldo e outros, fundou o Clube dos Poetas Cearenses – CLUPCE, onde se reuniam semanalmente na Casa de Juvenal Galeno, objetivando discutir e expandir a poesia e a cultura regional.

Através do CLUPCE participou da I e III Antologia “Os Novos Poetas do Ceará’, Editora Henriqueta Galeno, 1971/73. Escreveu vários artigos no jornal Tribuna do Ceará, como correspondente do interior. Trabalhou de 1968 a 1977 na Cia. de Eletricidade do Ceará – COELCE (antiga CONEFOR)

Quando concluiu o curso superior, em dezembro de 1977, foi selecionado para trabalhar no Governo do Ex-Território Federal de Rondônia, onde prestou serviços como Administrador e exerceu várias funções públicas no período de 17-02-1978 a 19-08-2002, quando se aposentou.

Mestre em Engenharia da Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Professor da UNIR, da UNIRON e da FATEC.

Publicou os seguintes livros:
Poemas, Sonetos & Trovas, 1989;
Versos Soltos X Rimados & Pensamentos, 1992;
69 Poemas de Amor, 1995,

Participou de várias antologias editadas pela Secretaria de Cultura do Estado de Rondônia.

Cadeira numero 18 da Academia de Letras de Rondônia, tendo por patrono Humberto de Campos.

Secretário Geral da Academia de Letras de Rondônia – ACLER, eleito no dia 04 de janeiro de 2008, para um mandato de dois anos - 2008/2009.

Fonte:

Artur de Azevedo (A Filosofia do Mendes)



Decididamente o Fulgêncio não nascera para cavalarias altas: não havia rapaz de trinta anos mais tímido nem mais pacato vivendo só, na sua casinha de solteiro, independente e feliz.

Aconteceu, porém, que um dia o Fulgêncio foi tão provocado pelos bonitos olhos de uma senhora, que se sentara ao seu lado num bondinho da Carris Urbanos, que se deixou arrastar numa aventura de amor.

Quando, depois da primeira entrevista, na casa dele, Bárbara - ela chamava-se Bárbara - lhe confessou que era casada com um sujeito chamado Mendes, o pobre rapaz, que a supunha solteira ou pelo menos viúva, ficou horrorizado de si mesmo. Ficou horrorizado, mas era tarde: gostava dela, e não teve forças para fugir-lhe.

As entrevistas amiudaram-se. Quando Bárbara não ia ter pessoalmente com o Fulgêncio escrevia-lhe cartas inflamadas, e nenhuma ficava sem resposta.

Essa imprudência teve mau resultado: um dia Bárbara Mendes entrou em casa do amante acompanhada de duas malas, uma trouxa e um baú.

- Que é isto?

- Alegra-te! Meu marido, que é muito abelhudo, encontrou debaixo do meu travesseiro a tua última carta e expulsou-me de casa.

- Hein?

- Foi melhor assim: agora sou tua, só tua, e por toda a vida!... Não estás contente?

- Muito...

- Estou te achando assim a modo que...

- É a surpresa... a comoção... a alegria...

- Como vamos ser felizes! Mas olha, peço-te que não te exponhas nestes primeiros tempos... O Mendes é ciumento e brutal e, mesmo antes de ter certeza de que eu o enganava, andava armado de revólver!

O Fulgêncio, que não tinha sangue de herói, viveu dali por diante em transes terríveis. Saía de casa o menos possível, e nas ruas só andava de tilburi, recomendando aos cocheiros que fossem depressa. Quando via ao longe um sujeito qualquer parecido com o Mendes, punha-se a tremer que nem varas verdes.

Um dia, tendo descido de um tílburi no Largo da Carioca, para comprar cigarros, encontrou na charutaria o Mendes, que comprava charutos. Ficou de repente muito pálido e trêmulo e quis fugir, mas o outro agarrou-o por um braço, dizendo-lhe com muita brandura:

- Faça favor... venha cá... não se assuste... não trema... não lhe quero mal... ouça-me... é para o seu bem...

O Fulgêncio caiu das nuvens. O marido continuou:

- Eu sei que o sr. tem medo de mim que se péla: receia que eu o mate, ou que lhe bata... Tranqüilize-se: não lhe farei o menor mal. Pelo contrário!

O pobre Fulgêncio não conseguiu articular um monossílabo.

As maxilas batiam uma na outra.

- Matá-lo? Bater-lhe? Seria uma ingratidão! O Sr. Prestou-me um relevante serviço: livrou-me de Bárbara! E não era meu amigo, sim, porque em geral são os amigos que têm a especialidade desses obséquios...

O Fulgêncio continuava a tremer.

- Não esteja assim nervoso! Depois que o Sr. me libertou daquela peste, sou outro homem, vivo mais satisfeito, como com mais apetite, tudo me sabe melhor e durmo que é um regalo... Aqui entre nós, se o amigo quiser uma indenização em dinheiro, uma espécie de luvas, não faça cerimônia; estou pronto a pagar - não há nada mais justo... Ande desassombradamente por toda a parte... não receie uma vingança que seria absurda... e se, algum dia, eu lhe puder servir para alguma coisa, disponha de mim. Não sou nenhum ingrato.

Daí por diante, o Fulgêncio nunca mais teve receio de estar na rua, mas em pouco tempo se convenceu de que não podia estar em casa, porque Bárbara era definitivamente insuportável. O Mendes foi o mais feliz dos três.

Fonte:
- Domínio Público
- Imagem = http://wellcorp.blogspot.com

Antonio Hohlfeldt (O Conto de Atmosfera)



(...) Em Autran Dourado (...) o escritor está sempre a reescrever seus textos, e mais do que isso, a combiná-los em conjuntos diversos. Isso ocorreu tanto em relação às obras de estréia quanto a outras que se seguiram, na aparente busca de uma obra ampla e contínua, que permita ao leitor grandes relações ou que, ao contrário, as esconda. Estreando em 1947, com uma novela, Teia, a que se seguiria outra, "Sombra e Exílio" (1950), narrativas de dimensões médias que bem poderiam caber na classificação com que se preocupa este volume, Autran Dourado viria porém a preocupar-se com a questão dos "gêneros ao longo do tempo. criando em outro momento obra congênere, sobre a qual os críticos discutiram, e discutiram, sem que se chegasse a qualquer conclusão. Refiro-me a O Risco do Bordado — (1970), para uns, romance, como no caso do critico Hélio Pólvora, para outros, contos, talvez enquadrados na melhor tradição clássica, como parece decidir Temístocles Linhares, que termina por considerá-las representantes de qualquer gênero; uma vez que "todas as suas estórias autônomas. Podem ser lidas cada uma de per si, sem necessidade de imbricá-las uma na outra. Depois, cada uma delas conserva o seu tom peculiar".

O que importa, porém, neste caso, é que, como anotava Hélio Pólvora, a obra de Autran Dourado "é uma das mais felizes combinações, em nossa prosa, de regionalismo e psicologismo", com o que viria a concordar depois o crítico norte-americano Malcolm Silverman, ao falar de uma "introspecção regionalista, mostrando que” através de uma cuidadosa e calculada manipulação desse influxo regionalista ou ambiental (isto é, o material), Dourado canaliza e desdobra a psique de suas criaturas (isto é, o espiritual) para levá-las a revelar-se num crescendo geralmente orientado para um “clímax”.

É o mesmo crítico quem, citando ao romancista, lembra não se ter nem ele mesmo decidido a respeito do gênero desta obra, embora tenha-se preocupado com outras questões que envolvam seu trabalho. Em depoimento a Edla van Steen, por exemplo, Dourado afirma: "eu fui um dos primeiros a usar a técnica do fluxo de consciência, o que espantou, escandalizou um pouco. O diálogo incluso, o diálogo dentro da própria narrativa, o sujeito vendo, falando e pensando ao mesmo tempo, criou alguma dificuldade de leitura."

A troca de pessoas durante a narrativa, apontada em relação a Clarice Lispector, também é prática comum em Autran Dourado, que sobre isso assim se refere: “venho usando desses recursos conscientemente. Em certos casos (. .. ) passo uma história escrita originalmente na terceira pessoa para a primeira, e o efeito é sempre surpreendente, quando não desconcertante, mesmo para mim ( ... ). Na mudança da pessoa ou do tempo do verbo, é espantoso como somos obrigados a ser bons artesãos; senão nos perdemos, e o recurso não funciona". Também à semelhança de outro mineiro, Guimarães Rosa, enfocado neste volume no capítulo dedicado ao conto rural, Autran Dourado preocupa-se com a etimologia dos nomes de suas personagens, criando-as e estudando-as cuidadosamente.

Nem sempre, porém, houve esta consciência tão forte no escritor, o que leva Silverman a dizer que a primeira grande modificação em direção ao que depois se tornaria o Autran Dourado que todos admiramos, dar-se-ia com Tempo de Amor, em que "um personagem-tipo persistentemente perseguido pelo autor torna-se de repente tridimensional e refinado. Não é mais mostrado: ele próprio mostra o que é, passando de títere atormentado a atormentado ator". O próprio escritor, aliás, concorda que todo seu aprendizado se deu justamente a partir deste livro, que ante as dificuldades de editoração, ele reescreveu diversas vezes. Dai nasceria a experiência dos blocos narrativos entremeados que reutilizaria em O Risco do Bordado, principalmente, tornando-o uma espécie de "esfinge" enigmática, pronta a devorar todo e qualquer leitor — inclusive o crítico — que dela se aproxime.
Graças a todo o seu artesanato, cuidadosamente elaborado e exercitado (todo o livro de Autran Dourado leva alguns anos para construir-se, seja um romance ou uma coletânea de narrativas curtas), chegou ele a um "sistema expressivo altamente eficaz. Autran Dourado, aperfeiçoando cada vez mais a sua linguagem narrativa, pousa entre o realismo e o simbolismo, interpondo uma cortina de valores poéticos entre o leitor e a descrição dos cenários, dos caracteres e dos vertiginosos acontecimentos", no dizer de Fábio Lucas.

Tematicamente, poder-se-ia referir à obra de Autran Dourado na base da síntese que Hélio Pólvora dela realizou: "a decadência senhorial, o desajuste entre o tempo histórico e o tempo social", mas isso não basta. Silverman observou, corretamente, haver "similaridades" que entrelaçam todas as obras, como um continuum — "uma por vezes densa 'cor local' em ,que ou frente à qual as personagens de ordinário atormentadas de Dourado lutam consigo (e em si) mesmas, ora com sucesso, o mais das vezes não, para tornar as suas vidas suportáveis".

O tom da maioria destas narrativas, segundo ainda o mesmo crítico, "tende a ser de modo geral soturno, em harmonia com o arquétipo sistematicamente conturbado do escritor; os finais quase sempre acomodam-se ao caráter predominante; e o estilo mostra-se tão agudamente analítico quanto no caso das composições mais largas, em que pesem as limitações estruturais".

Quem melhor apreendeu, em sua globalidade, a obra de Autran Dourado, alcançando ver a totalidade dos imbricamentos que todos os elementos até aqui levantados pelos diversos críticos, realizam, foi Maria Lúcia Lepecki. Em obra fundamental para a compreensão do escritor, a crítica mostra que "todas as narrativas de Autran Dourado organizam-se em torno de um núcleo ideológico mínimo e totalizante como significação-significado: a morte. Problema fundamental com que se debatem, consciente ou inconscientemente, seus personagens, agentes da narrativa, amor te caracteriza-os e torna-se presença inarredável em nível de conflitos, de ambiente físico, de objetos, de animais e até de matéria". A morte confere sentido ao mundo e à própria vida, pois, como ela demonstra em seguida, "entendendo a morte como passagem, esta ficção no-la mostra qual prova (que até pode ser, mas nunca, apenas, provação) inevitável, cujo cumprimento integra o ciclo vital e não o interrompe. Os mortos de toda a obra de Autran Dourado ( ... ) continuam a viver, tornando-se até agentes provocadores de conflitos no protagonista e/ou outras personagens".

É sob esta perspectiva que surge a dimensão mítica da literatura de Autran Dourado, estruturada sobre a oposição entre espaços e, consequentemente, entre tempos" (. .. ) As oposições de tempos e espaços vinculam-se, por sua vez, à problemática da busca — integrante da vivência do homo religiosus, sempre e necessariamente à procura do absoluto, do transcendente ou do 'real' suscetível de conferir sentido ao 'mundo de baixo'. Através da correlação tempo-espaço-vida, chega-se à viagem como submotivo desta ficção" .

Maria Lúcia Lepecki mostra haver um tempo narrativo primordial, o imperfeito do indicativo, em todas as narrativas de Autran Dourado, o que a) veicula a persistência de valores arcaicos, dentro de um tempo histórico subtextual; e b) cria o conteúdo mítico (que não só existiu como ainda existe em processo de criação): o passado é a fonte de sabedoria, tanto mais valiosa e digna de crédito, quanto mais remotamente se localize em relação aos agentes. Mas também a imaginação cumpre importante papel, pois preenche as lacunas possíveis.

O próprio escritor concorda plenamente com a tese da crítica, ao afirmar que sempre utiliza "uma pessoa real filtrada pelas lentes da memória e da imaginação (a pessoa real pode morrer que continuará viva na memória do autor)", seja para inspirar-se, seja para conduzir sua narrativa .

Para Silverman, este tempo, "em si, é não mais que incidental na obra de Dourado, mais uma parte da mente deformada e deformante dos protagonistas que uma medida para a evolução da trama. A intemporalidade significa em si mesma universalidade, e é precisamente o talento de Autran Dourado em projetar padrões universais de comportamento humano ao focalizar introspecções individuais que fez dele um dos mais destacados ficcionistas brasileiros". AIiás, o aspecto acima citado é especialmente verificável nos recentes Novelário de Donga Novais e sobretudo no livro de contos As Imaginações Pecaminosas (1981), em que, a todo o momento, o narrador está a interrogar-se sobre se tal fato terá mesmo ocorrido ou terá sido mera imaginação sua e dos demais agentes que com ele repartem o conhecimento do(s) fato(s) pretenso(s).

Esta mesma ambigüidade, já anotada em Salim Miguel e essencial em Autran Dourado, ocorre também episodicamente nos contos do crítico literário e ficcionista baiano Hélio Pólvora. Estreando na ficção curta com Os Galos da Aurora (1958), a que se seguiria A Mulher na Janela (1961) — projetando-se aqui mais uma vez uma questão de gênero, pois o volume pretende mesclar crônicas e contos — sua obra viria a afirmar-se com Noites Vivas, (1972), que cheguei a aproximar das narrativas das mil e uma noites, em plena área mítica, através da introdução ambígua de um constante "talvez", onde a memória suportava a ponte de transição do universo rural para o urbano. Seguir-se-ia Estanhos e Assustados (1966), que Flávio Loureiro Chaves vincularia ao regionalismo, em aparência, para mostrar, ferem, que seu texto "esconde camadas mais profundas sob a superfície do cenário exótico e particularizado", embora ocorra neste livro, como no anterior e no que se seguiria, e que se constitui até o momento na obra mais recente do autor, Massacre no Km. 13 (1980), um condicionante da paisagem à existência das personagens, provavelmente devido às "raízes evidentemente naturalistas do escritor, traduzias, desde o primeiro conto, no telurismo, no animalismo que marca suas personagens, num quase fatalismo". A propósito deste último livro, numa observação extensiva a todos os seus demais trabalhos, Lygia Fagundes Telles afirma que "sua emoção é trabalhada por um estilo vigoroso, implacável, e é esse estilo que imprime às idéias uma força selvagem, um vigor original, impregnado às vezes de alto sopro lírico. Temos assim um texto raro, arrebatador, que nos comove e nos provoca a lúcida admiração que só as verdadeiras obras de arte conseguem nos provocar".
Na verdade, os enredos de Hélio Pólvora, como registrei justamente a respeito deste livro mais recente, são apenas razões aparentes para que ele possa ampliar o estudo dos climas que muito gosta de desenvolver: pairam sobre suas personagens e as narrativas que delas emanam ou sobre elas se constroem, uma tensão provocada pela indagação constante sobre o que irá lhes suceder. Mas o narrador, longe de cair na armadilha do simples conto de ação, dilata o enredo, suspende a trama, tece longos circunlóquios a respeito de uma série de outros elementos para, então, num repente, reunir a tudo num único parágrafo, geralmente curto, que não é aquele "clímax" do conto clássico de um Maupassant, porque na verdade não resolve nada, mas, ao contrário, apenas permite uma ampliação do que o narrador vinha realizando: é como se, dado o "motivo", o escritor dissesse ao leitor: suspendo aqui a narrativa. Complete-a você. O leitor, evidentemente, pensará em Machado de Assis. O que terá ocorrido exatamente com o filho de Capitu? E com o estudante do conto sempre citado, "Missa do Galo"? E o casal inspirador da tão ansiada canção? Pois o mesmo ocorre no caso de Hélio Pólvora: como irá o adolescente situar-se na cidade? O que esperar da mulher louca (será ela a débil mental ou realmente o marido e padastro, um perverso?), presa junto à casa? Escapará o assassino que usa a gilete contra indefesas donzelas? E assim por diante.

Eminentemente interrogativo é o texto do carioca mineiro Sérgio Sant'Anna. Com apenas dois livros de contos, O Sobrevivente (1969) com que estreava na literatura, e Notas sobre Manfredo Rangel, Repórter (1973). Sérgio goza de imenso renome, possuindo mais dois largos romances e tendo publicado recentemente duas narrativas de dimensões menores. No entanto, não há gênero fixo para o escritor, se bem que vários críticos, já à época de sua estréia, prognosticassem sua maior dedicação ao romance, a partir do conto, como ocorreu com Assis Brasil e Fausto Cunha . (Assis Brasil, em A nova literatura, já assinalava: "é outro escritor que tende também para o romance, daí a sua predileção por enredos" (op. cit., p. 136). enquanto Fausto Cunha escrevia. "Sérgio Sant'Anna incorpora ao seu conto - que em alguns casos já aspira a ser novela e dirige-se visivelmente para a marca do romance - alguns elementos do jornal, do cinema e da publicidade" A leitura aberta.)

Seja como for, todos os contos de Sérgio Sant' Anna, como aliás, seus romances, mantêm constantes, que, sinteticamente estudadas por Malcolm Silverman, mostram que, "salvo poucas exceções, Sérgio Sant' Anna baseia seus enredos ou no ramerrão da vida diária (urbana). ou, inversamente, em alguma forma de (romântico) escapismo" .

Para este crítico, há também unidade quanto às perspectivas espaciais, pois os locais, ou seja, o espaço, desempenham um papel capital na ficção de Sérgio Sant' Anna, suprindo, em conjunto com as atmosferas a eles inseparavelmente ligadas, a força externa que enseja o desenvolvimento interno das personagens. Esta atmosfera, em geral, "reduz-se a uma sensação única, dosada em termos ora físicos, ora psíquicos", em que a ironia e a semidemência, ou um estado de "infernização demoníaca" é a melhor imagem que as pode expressar, seja ao nível dos contos mais realistas em sua linguagem, como os encontramos em qualquer um dos dois volumes, seja mesmo em seus romances. Dir-se-ia que as personagens passam a ser possuídas ou manejadas por forças ou elementos externos que as comandam, quase como autômatos, até o final de suas reações possíveis.

O crítico Hélio Pólvora, quando da estréia de Sérgio Sant' Anna, tecia-lhe algumas restrições quanto à inconclusa dos climas que o escritor buscava criar, enquanto Assis Brasil acreditava haver boa situação dos flagrantes escolhidos pelo escritor. Seja como for, e a evolução da obra de Sérgio Santana bem o demonstrou, o escritor enveredou para' um caminho relativamente raro em nossa literatura, identificável a partir de O Alienista de Machado de Assis e que tem boa prática, hoje em dia, num escritor como Marcos Rey, que estudamos em outro capítulo deste volume, dedicado ao conto de costumes. Há qualquer coisa de "pícaro" nas personagens de Santana, até mesmo pela intensa mobilidade que — em especial nos romances — suas personagens experimentam, embora ao nível do enredo os espaços se fixem em diminutas porções, através de figuras arquetípicas, como observa Malcolm Silverman, para quem, ainda, "o autor mostra marcada preferência por uma linguagem espontânea, coloquial e fluente, que, em suas variações, é manejada de modo a refletir realisticamente as diversas índoles dos variados narradores-protagonistas".

Falecido recentemente, o caráter experimental da obra literária de Osman Lins coloca-o como figura excepcional em nossas letras. Ensaísta, dramaturgo, romancista, Osman Lins produziu apenas um livro de contos, com que estreava na literatura, Os Gestos (1957) e posteriormente Nove, Novena (1966), a que classificaria, generalizadamente, apenas como "narrativas".

Quando de sua estréia, Fausto Cunha queixava-se do excesso de "poeticidade" que seus contos apresentavam. Este aspecto seria mais tarde ampliado, o que levaria João Alexandre Barbosa a referir que Osman Lins "não conta: escreve. Mas, por este ato, cria um espaço em que se situa a fabulação. E faz surgir, então, a narrativa como se fora uma imposição inevitável decorrente do enlaçar-se e fundir-se das palavras, refundindo a indagações da sensibilidade ao encontro com a realidade. Daí, possivelmente, o caráter ornamenta da linguagem utilizada ( ... ) e que nos parece responder, por outro lado, a um princípio estrutural de extração de significados a partir da própria organização literária" .

"Um jogo refinado e um jogo em estado bruto a que se entrega o autor", ainda no dizer do mesmo crítico, nada se apresenta de maneira gratuita ou casual nesta literatura, até mesmo os títulos, como em Nove, Novena, em que se faz referência não apenas ao número de narrativas como ao elemento religioso — novena — que integra o ritual em seu contexto: "a todo o instante, Osman Lins procura buscar a gênese do homem, mobiliza as noções acerca da evolução da espécie, escora-se em explicações antropológicas para considerar a natureza mutável e transitiva do gênero humano", afirma Fábio Lucas em extenso estudo sobre o escritor. Para ele, "o autor cria e, ao mesmo tempo, se interroga acerca da linguagem, progride impulsionado por uma asa escondida — o talento, que, no caso, compete com o artesanato. A síntese, vai encontrá-la na velha arte egípcia, aquela de traços breves e dimensões monumentais", porque "enquanto cria tensões, alinha entre elas as indecisões do escritor, põe em questão a própria arte" .

Metatexto, neste sentido, seus contos "ambicionam apresentar um simultaneísmo de eventos, de diálogos, de cenários e de monólogos, tentando a instauração de tensões multipolarizadas. É a sua originalidade. A totalidade de cada conto é menos uma soma de diversos elementos vitais e técnicos do que a compactação de tudo em torno de conflitos que se repetem em níveis, contextos, instâncias e situações diferentes. Daí a multiplicação de recursos tipográficos para situar cada pólo em seu compartimento", ainda no dizer do mesmo crítico, que conclui: "A sucessão de monólogos indica apenas a mudança de ângulo visual pelo qual se filtra a relação humana nos seus diferentes índices de profundidade. ( ... ) Os diálogos perdem muito da função tradicional, pois são mais ilustrativos de situações, prolongamento de um conflito interior ( ... ); o jogo não é de palavras, mas crispação no plano da consciência, onde a linguagem procura inaugurar-se e compreender o destino do homem, investigar as origens humanas, a finalidade da existência".

Em depoimento realizado pouco antes de sua morte, indagado sobre o que entendia por "ficção", Osman Lins respondeu: "Acho ser a fixação, através da palavra escrita. e com ênfase na aparência das coisas, pelo autor decompostas e reorganizadas, de uma visão pessoal de mundo, não raro absurda e quase sempre insólita, que, no entanto. se confunde, sob a pressão do gênio do escritor, com o universo onde todos habitamos".

Por isso mesmo, tem razão Wendel Santos ao dizer que "não é a estória que conta, mas a forma da estória. Não tendo mais uma forma fixa de começo, meio e fim, a narrativa não permite, em momento nenhum, o repouso da percepção: suspensa, ela precisa descobrir o melhor modo de ir até o mundo. Tudo isso divide a consciência leitora, que fica indecisa entre o histórico e o meta-histórico", o que determina o nível de exigência no texto de Osman Lins: o que a narrativa exige é a aprendizagem da leitura aberta; da leitura que não se pretende fechar, pois sabe que a única realidade que se fecha, na existência do homem, é a realidade da morte" , afirmativa contra a qual, quem sabe, posicionar-se-ia Autran Dourado, mas que permite, em todo o caso, a Antonio Houaiss afirmar: "acabados, arredondados, cuidados, que sugerem, que impressionam, que podem, às vezes, ajudar a confiar — todos, aliás, colocando um problema ético ou filosófico de forma vivencial, excluído qualquer aparato técnico Explícito, a não ser aquele atribuído à personagem de que tal aparato possa derivar" (o crítico referia-se, evidentemente, ao primeiro livro do escritor), a verdade é que a obra de Osman Lins poderia ter ido bem mais além. E embora seus textos provoquem certa reação por parte dos leitores ainda presos ao folhetinesco romantizo, nem por isso são efetivamente tão complexos: seu vocabulário não foge ao comum, a psicologia de suas personagem é bastante acessível à nossa compreensão e, enfim, excluído o eventual aparato visual de alguns contos, os demais — mesmo numa primeira complexidade pela múltipla perspectiva das narrativas — amoldam-se à atenção do leitor, desde que este entenda estar a lidar com palavras que, fora do "estado de dicionário" a que se referiu o poeta, estarão sempre amplamente dispostas a ofertar a seu manipulador — escritor ou leitor — amplo chão de interpretações. Se o estilo é a casa do homem, como já se disse, o clima a ser criado pela palavra é o teto da "construção. E sob certa perspectiva, sua motivação.

(Extraído de Conto Brasileiro Contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981, 230 p.)

Fontes:
http://www.jornaldecontos.com/
imagem =
http://botecoliterario.wordpress.com

Almir Câmara (Caldeirão Literário da Bahia)



POUCO, MAS BASTANTE

As coisas boas que não conhecemos,
sabendo até que elas estão em vida,
de faltas suas não padeceremos
se a nossa alma estiver abastecida.

Não vale a pena a elas se ter acesso
se para consegui-las for preciso
sentir nosso conforto agora opresso,
pois tempo futuro é muito impreciso.

Feliz do ser que o pouco for bastante
para levar a vida que ele gosta
sem a riqueza ver muito importante.

Quem reputa o bastante muito pouco
de muita coisa boa se desgosta
e se consome num viver de louco.

(04/07/1989)
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O SABOR DA TRISTEZA

Nada pode ser tanto condolente
quanto ver a chorar um sofredor
que está cativo de uma grande dor
sem ver um só calor que lhe acalente.

Não, não há nada mais comovedor
do que assistir as lágrimas de um ente,
que está a sofrer uma dor ardente,
fluírem sem tirá-lo dessa dor.

Suas lágrimas são sangue incolor,
mas que deixa impressões de alto calor,
fazendo a gente chorar com certeza.

Elas têm o sabor da água do mar,
sabor que não dá para costumar,
pois é também o gosto da tristeza.

(18/07/1990)
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CONFERÊNCIAS AMARGAS

Tenho do meu rincão muita saudade,
mas só do tempo que eu era criança,
pois lá eu só vivi toda essa idade
e tudo ficou fixo na lembrança.

Hoje se vê por lá outra verdade,
tudo se transformou, houve mudança.
Por toda parte tudo é novidade.
Para mim não existe mais pujança.

As árvores antigas não há mais.
O povo mais velho, também jamais.
De amigos que deixei, só referências

Até seu rio não é mais o tal,
está sujo, doentio, não vital.
É triste fazer estas conferências.

(10/10/1990)
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ENDEREÇO DA FELICIDADE

Se é um endereço onde há felicidade
que você está tanto na procura,
não vá onde houver pompa com fartura
nem onde muito houver necessidade.

No primeiro lugar há corredura
para sempre se ter prosperidade,
enquanto no outro, que disparidade,
só manter-se vivo é carreira dura.

Investigue onde o pouco for bastante,
onde não haja inveja assinalada,
onde parar se possa algum instante,

onde valor ninguém dê a adereço
e onde a raiva ninguém veja instalada,
pois, com certeza, é lá esse endereço.

(12/10/1990)
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O HOMEM FELIZ

O homem feliz não é muito exigente.
No geral é de classe média baixa.
Não é considerado diligente,
mas sempre tem algum dinheiro em caixa.

Também não é julgado inteligente,
sua cultura é de pequena faixa,
mas todos o acham uma boa gente
e a amizade de todos, ele encaixa.

Muitas vezes eu fico-lhe observando
viver bem sem haver tanta exigência,
e nesse exame dou-lhe o grau distinto.

E assim, sem ganas, vai se conservando.
Pode não ser de grande inteligência,
porém é um racional de grande instinto.

(14/10/1990)
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CALÚNIA, ARMA DO MAL

Se tua ira algum dia aconselhar-te
fazer acusações falsas a alguém,
contém-te, nada inventes de ninguém,
ainda que se ponha a atrapalhar-te.

Defende-te com as armas só do bem,
usando-as com justiça e com muita arte,
mas a calúnia deixe bem à parte.
Ela atingirá tua alma também.

Se a vomitares, num lance cruel,
pedes logo desculpas da desfeita,
confessando que tu foste infiel.

Faças como o cachorro que retoma
sua vomição logo após a feita
e do mal sanarás seu hematoma.

(03-11-1990)
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Sobre o Autor
Almir Querino Câmara, filho de Antonio Querino Câmara e Maria Madalena Lemos Câmara, nasceu em Faisqueira, vila do Município de Ubaitaba, Bahia, em 16 de outubro de 1932. Reside em Vitória da Conquista, Bahia, desde maio de 1964. É casado com Heleusa Figueira Câmara, tem 4 filhos (Diana, Mônica, Danilo e Verônica) e 6 netos (Matheus, Heleusa, Raquel, Isaque, João Pedro e Leonardo).
Formado em engenharia civil em 11 de dezembro de 1958 pela Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia. Foi engenheiro da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, Bahia de 16/03/1973 a 31/12/2005. É engenheiro credenciado da Caixa Econômica Federal desde maio de 1975.
Vem se dedicando a fazer versos rimados desde maio de 1989. Participou no livro Coletânia de Poesias, Volume I, da Usina de Letras, publicado em 2005

Fonte:
Antonio Miranda