domingo, 20 de dezembro de 2009

Delasnieve Daspet (1950)


Delasnieve Miranda Daspet de Souza (Porto Murtinho, 12 de setembro de 1950) é advogada, poetisa brasileira. É ativista das causas da Paz, sociais, humanas, ambientais e culturais

Casada e mãe de dois filhos, Delasnieve Daspet, é poeta, Ativista da Biopoesia, cronista, ensaísta, palestrante, professora, educadora, atuante em várias lutas sociais, principalmente nos trabalhos que desenvolve com menores carentes.

Premiadíssima, Daspet também é representante atuante de várias associações e academias literárias e culturais, nos ambitos nacionais e internacionais, tais como:

– Peace Ambassador in Universal Ambassador Peace Circle - Genebra – Suíça;
– Sub-Secretária Geral para as Américas e Embaixadora para o Brasil de Poetas del Mundo, Santiago – Chile;
– Ambassador for Peace – Universal Peace Federation on the International Federation for Word Peace – 2007;
– World Poets Society (W.P.S.);
– Comissão de Direitos Humanos da OAB/MS (presidente)
- Conselheira Estadual de Cultura/MS
- Conselheira Municipal de Cultura Campo Grande/MS

Premios:
– Unesco Prizes World Poetry;
– Médaille D'Argent 2008 - Arts, Sciences, Lettres - pela Société Académique d´Éducation et d´Encouragement, como Poeta e Escritora, Paris-França;
- Premio da Business Professional Women International BPW – Campo Grande - MS: Troféu BPW Mulher-2007;
– Super Cap de Ouro - 2008;

Já publicou e participou de 41 ( quarenta e um ) livros e coletâneas, nacionais e internacionais.

Mantém há oito anos, um grupo de Poetas e Poesias com 180 (cento e oitenta) associados (poetas/escritores de todo o Brasil), e, em outros países da América do Sul e da Europa, tendo como final objetivo, procurar, estimular, estudar e desenvolver as várias vertentes da Poesia.

Idealizadora do tão conhecido e prestigiado festival de poesias "Tertúlia Poética Luna& Amigos", que realiza todos os anos.

Frequentemente requisitada, desenvolve palestras pelo Brasil e assiduamente no Mato Grosso do Sul, onde aborda temas referentes a Cultura da Paz, dos Direitos Humanos e Poesia - Biopoesia – e a integração pela Palavra.

No teatro, Delasnieve Daspet, teve poesias suas adaptadas para as peças teatrais "Romeu e Julieta" e "Sonho de uma noite de verão" (ambas de Shakespeare) em Cabo Verde - África, pela Cena Aberta Companhia de Teatro

Na BIOPOESIA – Poesia da Vida, emprega a poesia nas importantes questões que põem em perigo a vida de cada ser vivo, como o aquecimento global da Terra, as guerras expansionistas, a poluição ambiental.

Conceituada pela expressão peculiar, tornou-se renomada internacionalmente, oportunidade em destacarmos seu extenso prestígio, onde já fora traduzida para o ingles, alemão, espanhol e frances.

Como ativista da Paz, celebra com a união de todas as raças, credos, gênero, a proposta da criação de uma Escola de Paz – onde se ensinem aos homens que o desenvolvimento não se realiza nem no vazio nem no abstrato. Inscreve-se num determinado contexto social e responde a condições sociais especificas.

Publicações

Solo

* Por um minuto ou para sempre;
* Em Preto e Branco;
* Pazeando.

Livros que organizou

* Tertúlia na primavera;
* Tertúlia na Era de Aquário;
* Poetas del Mundo Volume I;
* Poetas del Mundo Volume II.

Coletâneas

* Poesia só poesia;
* Tempo de poesia;
* Seleção de poetas notívagos 2001;
* Nas Asas da Paz;
* Poesias do Brasil;
* Paternon Século XXI;
* Casa do Poeta Brasileiro em Salvador;
* Gigantes;
* Bento;
* Poesia em América;
* Poetas na Bienal do RJ;
* Primavera dos Ipès;
* 10 Rostos da Poesia Lusófona na Bienal do RJ;
* 10 Rostos da Poesia Lusófona na Bienal de SP;
* O Poeta Fala - 2;
* Casa do Poeta Rio-Grandense;
* REVIJUR;
* Conceição do Almeida.

E-Books

* Luna&Amigos - Volume I; Volume II; Volume III; Volume IV; Voilume V, Volume VI.
* Coletâneas de Poesias de Natal
* Delasnieve Daspet - Poesias
* In Limine
* Um Novo Amanhecer
* Buque de Poesias
* Estão Voltando as Flores
* Antologia Arquitetura Literária
* Participação Especial na Antologia Natal 2008 dos Poetas em Foco e Poetas Del Mundo, editada pela EUNANET

Fontes:
Revista Zap, de Elizabeth Misciaci. http://www.eunanet.net/beth/delasnieve_daspet_2.php
http://pt.wikipedia.org/wiki/Delasnieve_Daspet
http://www.poetasdelmundo.com/verInfo.asp?ID=600

Eduardo Maretti (O Condenado )

Pintura digital de João Werner
é, de algum modo, eterno, o punhal que na noite passada matou um homem em Tacuarembó, e os punhais que mataram César.
Jorge Luis Borges

Há cinco anos marquei um encontro com Ana no bar. Ana não veio. O bar transformou-se. No outono do encontro, lembro, na tarde precedente à noite que não veio (que veio, mas veio opaca, não obstante
o vídeo, a vodka e o sal), na tarde precedente clarões súbitos rosa-ciano-amarelo-spleen, tudo se movia, era vento, e silêncio entre as nuvens nas esferas do outono.

Hoje primavera plúmbea, ainda há no tempo uma fresta por onde o sol inaugura o tempo escuro que pressinto. Mas pressinto o júbilo também, essa espécie de alegria silenciosa e melancólica em que antigamente mergulhava-se, os bosques ao crepúsculo, bosques contemplados pelos pássaros que se recolhem, habitados pelos morcegos invisíveis, a noite de asas. Oh metal resplandecente! Teu reflexo assassino brilha hoje a luz tumultuosa do crepúsculo e do neon e dos faróis, caos que vejo através da cerveja que bebo por pura nostalgia sem prazer algum – gole ou outro provocando uma náusea inevitável de prazer sufocado.

Mas a rotina da espera – mesmo uma espera inútil – não é talvez mais cruel do que a que vi muitas vezes no sonho em que Ana se penteava em frente ao espelho (o vestido vermelho, o sorriso negro), a rotina que amei porque não tive. Há, apenas, como borboletas voando sobre o asfalto entre arranha-céus, essa saudade do nada, fendas entre os céus, quanta chuva, inundação, manchas na memória e no
lençol.

– Por favor, empresta o fogo.
– Como?
– O fogo.

Acendo o cigarro do jovem decrépito, bonito e sinistro, com os cabelos loiros rasos cortados à máquina. Ele agradece com um gesto largo e lento, quase sem movimento. Tem olhos amendoados e tristes. As sobrancelhas grossas acentuam a expressividade luciferiana: a impressão do olhar situado atrás do rosto, mesmo dos olhos azuis fundos – mas não uma profundidade física, que também existe marcada nas olheiras escuras, e sim como se olhassem de uma dimensão distante, através das noites. O rapaz,
conhecido por todos no bairro por alcunha de Tamêga (não se sabe por quê), ficara louco de tanto cheirar cola, dizem, e, dependendo do seu humor ou talvez da lua, é visto na madrugada falando sozinho e rindo uma gargalhada sem sentido, demente.

Dá alguns passos, visivelmente bêbado (orgulhoso, se esforça para demonstrar uma dignidade que, entretanto, possui), e pára. Fica assim, olhando para o chão, de costas para mim, como se quisesse recordar algo, e, mesmo sem vê-la, entendo que sua expressão é de extrema concentração.

Vira-se, chega novamente perto, e pergunta:

– Você gosta de metal?
– Como?

Com um sorriso de escárnio (como sugerindo a minha ignorância), repete, fazendo com as mãos o gesto de tocar guitarra:

– Metal.

Seu falar é manso, quase sussurrante. Exprime cansaço diante de alguém incapaz de entender a espiritualidade de um gosto que se deve, mais do que entender, sentir.

– Já ouviu falar de Iron Maiden, Guns N’Roses...? – explica, como se revelasse uma verdade sagrada, mas, ao mesmo tempo, com uma expressão que agora misturava a tristeza e uma estranha consciência de verdades obscuras muito além do poder verbal, verdades a que, como a uma alma, o tipo de música de que falava servia de corpo.

– Claro, mas não gosto.
– Adeus, Deus. Deus... – ele murmurou, como se não me ouvisse e com expressão entre a tristeza e o desprezo. Fica imóvel, me olhando. Exprime de repente, como se acordasse, a sua indignação com movimentos quase imperceptíveis do olhar, embora os olhos se mantenham fixos. Repete os movimentos anteriores, lentos, graves. Dá novamente as costas, pára, fica um tempo mirando o chão.
Volta-se, olha-me nos olhos e diz:

– A escuridão.

Sua expressão, agora, é a de quem se esforça tremendamente para se fazer entender, consciente de que não o pode.

– A escuridão – repete.

Depois de um longo silêncio de cerca de um minuto, diz, com ar desanimado:

– Você não entende a escuridão.

Vira-se, agora mais rapidamente, e vai embora. Mas, surpreso comigo mesmo, digo compulsivamente:

– Aceita uma cerveja?

O rapaz pára mais uma vez, volta-se, caminha em minha direção cabisbaixo.

– Você não entende o que eu falo, não entende o que eu falo, não entende a escuridão, mas me entende – diz com expressão aflitiva –, mas não, não quero tomar cerveja. Eu só tomo o que não pode. O proibido. Obrigado, meu amigo.

– Qual é o seu nome? – pergunto.

E o Tamêga:
– César. César, o rei de Roma apunhalado.
Disse.

Deu meia-volta e saiu decidido bar afora.

A poucos metros de mim, no canto do balcão, cinco ou seis pessoas discutem política. Chamam-se de “companheiros”. Um destes, o mais exaltado, diz ao balconista:

– Aí, a saideira!
– Não posso não, tá fechando.
– A saideira, companheiro, como pode não ter a saideira?
– Não dá não – diz o balconista, com a irritação silenciosa, mas enfática, ameaçadora, do sertanejo. O olhar cabisbaixo, dissimulado, junto ao tom de voz expressando uma vontade definitiva e incontrariável, desarmou o barbudo “companheiro”.
– Chama o patrão – disse o militante, procurando diluir com um sorriso forçado a antipatia que sua postura provocava num botequim onde o futebol e a mulher eram os assuntos universais.

O gerente do bar é um pernambucano de Garanhuns. O patrão português lhe confia o estabelecimento. Adérson, decidido como sempre (aprendi a respeitá-lo nesses cinco anos de espera), passa por trás do balcão olhando para mim sem sorrir (um nordestino sorri geralmente com os olhos) com cumplicidade.

– Ô companheiro, a gente quer a saideira – diz o barbudo.
– Não tem mais cerveja – diz Adérson.

O grupo reclama muito e pede a conta. A conta vem.

– Nossa! A cerveja aumentou! Você tá louco – diz o barbudo, que se comporta como uma espécie de chefe do grupo. – Mas ontem ...!
– Ontem era ontem – diz Adérson.

Apesar da intimidade com Adérson, que me seduzia a ficar ali para talvez, depois de eu bêbado, me convencer a ir domingo ao estádio ver nosso time na semifinal (quantas vezes ele não fechou o bar comigo lá dentro, para abrir as cervejas que tinham “acabado”, para conversarmos sobre futebol – e era quando ele se permitia tomar um trago), me lembrei de que, não obstante o desejo de ficar mais uma noite bebendo inutilmente, eu alugara a fita, como há cinco anos, para ver O fundo do coração.

Que ridículo!

Esperando Ana no bar há cinco anos, cinco anos acompanhando a evolução do preço da cerveja e acendendo cigarros para vagabundos e trabalhadores bem-sucedidos no bar transformado. É necessário que haja (é necessário que haja) uma história não cumprida, uma chuva impertinente, veredas, rios a atravessar, é preciso Ana não ter vindo e também a transformação do bar para que se realize o destino.
Pago a conta no bar e saio porta afora. Chove um pouco.

Na primeira encruzilhada, encontro o tal César, o Tamêga, parado, mirando o vazio da noite. Sequer o cumprimento, mas sinto com terror que ele me olha pelas costas até eu dobrar, por medo, a primeira esquina, em vez de seguir o caminho cotidiano e mais rápido, em frente, para casa. Tive uma sensação – não existencial ou psicológica, mas física – de alívio ao me ver livre de seu olhar. Eu duelei com o medo. Por um momento achei que, com um ato covarde, pois fugia, eu o tinha vencido.

Súbito, um mulato alto, de bigode, que eu nunca havia visto no bairro, me intercepta no quarteirão seguinte.

– Um cigarro aí, bacana – ele diz.
– Como? – digo, incomodado com a idéia da morte. Não sei por que lembrei de coisas que havia esquecido há muito: um tiro com a espingardinha de chumbo num pardal à beira de um jardim, um gol decisivo que fiz num jogo de futebol de rua, um soco que levei passivamente no rosto de um moleque mais fraco na saída da escola.
– Ora, meu chapa, um cigarro!

O homem, ébrio, mas sóbrio (como eu, não ainda bêbado), ficou irritado com o meu sapato.

– Não tenho cigarro.
– Ora, meu chapa, um cigarro! Claro que tu tem. Olha aí.
– Não tenho cigarro.

Olhei nos olhos dele, só porque os olhos eram frios e refletiam um brilho estranho de punhal adormecido.

Choveu mais. Chovia.

Fiquei valente à toa. Tinha medo, mas fiquei valente. Acendi um cigarro, para mim. O homem, parado à minha frente, entendeu a agressão.

– E aí, bacana, e o cigarro?

Eu tinha motivos para ouvir Roberto Carlos na indefectível emissora tocada no bar, enquanto Adérson defenderia a grandeza da história do Santos Futebol Clube e explicaria detalhadamente o porquê de o time ter sido desclassificado do campeonato, enquanto no bar transformado (as baratas já sobem pelas paredes) as portas baixadas continuariam a denunciar (como há cinco anos) a impotência da espera.

É verdade: depois de cinco anos, cansei de esperar que Ana viesse sensual num vestido de seda me livrar do passado, da soma dos lances de dados do destino de um ébrio irritado com os meus primeiros sapatos novos em cinco anos. Por isso saí do bar para sempre hoje.

Mas o homem foi atrás e queria o cigarro. Queria porque queria um cigarro meu na noite escura. Pensei que no mundo há seis bilhões de seres humanos, pensei na mulher desse homem que, embriagado, me acossava num beco da metrópole, pensei na metrópole e nos seus milhões de olhos obscenos, nos filhos desse homem (haveria filhos?), em César, e na grandeza de Roma, olhei para os olhos apagados do malandro que me acossava e vi a lua cheia sobre sua cabeça, pensei em Deus e não pude entender como Ele poderia me condenar ao inferno por um ato tão espontâneo, tão infantil (pensei também na guerra de mamona nas ruas desertas), tão sincero; finalmente pensei em mim mesmo e achei tudo muito monótono e opressivo, cinco anos esperando Ana no bar e reconhecer que as baratas já subiam pelas paredes.

– Me dá o cigarro, bacana, me dá o cigarro, bacana! – falava o homem, ameaçador.

O bar fechara. Um empurrão e ele teria ficado no chão. Mas escolhi sacar o revólver (foi tão calmo, tão bonito) e dar-lhe dois tiros, um no olho direito (que errei, pois pretendia acertar a boca) e outro no meio da testa. Eu apenas ouvia as risadas frenéticas daquele César decaído em alguma esquina perto. Acho que ninguém viu, nem mesmo o César-Tamêga. A culpa é de Ana. E um pouco também, pensei – enquanto assistia ao filme no vídeo –, de todos os césares.

Fontes:
Revista Cult . Radar Cult. Junho 2001.
Imagem = http://www.joaowerner.com.br

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XXIII


II — Barba-Azul

1 — Teses históricas

a) Alain Bouchard (Les grandes chroniques, 1531) e Alberto Magno (La vie de saint Gildas, 1680), registram que o rei bretão Comorre, tendo um oráculo lhe predito que seria assassinado pelo próprio filho, teria matado suas sete esposas. Influência da lenda grega, sem dúvida mas sua última esposa, Santa Triphime, é ressuscitada por Santo Gildas. O tema aparece nos afrescos da capela de Saint-Nicolas (Bieuzy, Morbihan);

b) Collin de Plancy, Ch. Giraud, Michelet crêem que Gilles de Rais, marechal de França, fiel companheiro de Joana d’Arc, inspirou a lenda. Entretanto, desposou uma única mulher, Catherine de Thouars, que a ele sobreviveu. Este homem letrado que atemorizava seus herdeiros com suas despesas fastosas, foi condenado e executado em Nantes (26 de outubro de 1440) com a idade de trinta e seis anos por haver degolado trezentas crianças em sessões de magia. Esse processo parece suspeito e S. Reinach e F. Fleuret tentaram reabilitá-lo. Tal como a imaginação popular censurava aos primeiros cristãos sacrifícios humanos, parece que Gilles de Rais tenha sido vítima de sua fortuna e de seus ataques políticos.

c) Pensou-se em Henrique VIII da Inglaterra que esposou seis mulheres e fez com que duas morressem no cadafalso. Maspero e Gaston Paris fazem dele um vampiro que bebe sangue humano. Doente, neurótico, Barba-Azul é comparado aos grandes criminosos como Landru ou John Christie;

d) A cor extraordinária de sua barba assemelha-o a Indra, a Bés, o Egípcio, ou a Júpiter. Tem uma barba azul quase preta, ou azul-celeste (Oh!) e Sébillot menciona uma barba vermelha. No simbolismo das cores é preciso ver o símbolo do iniciador, o condutor de almas que faz transpor as portas da morte espiritual.

2 — Tema da curiosidade. Iniciação

O tema da curiosidade é comum a todos os países e visa principalmente a mulher. Na. Bíblia achamos Loth, Eva e Sodoma. As Mil e uma noites fazem da curiosidade uma ampla interpretação. Esse segredo conjugal está presente em Parsifal onde a duquesa de Brabante perde seu esposo por lhe haver perguntado quem era ele. Essa curiosidade visa um ritual que nos escapa; talvez o da preparação para o casamento. A jovem é sujeita a uma prova difícil: a tentação do local secreto. Em seguida vem a última prova, o simulacro da morte; ritual de morte e de ressurreição na qual o neófito, despojando o velho, desperta num mundo novo, o do conhecimento. É o caso da religiosa colocada no seu ataúde. Para essa cerimônia de iniciação a mulher pode vestir seus mais belos adornos, ou se impor a nudez ritual do batismo dos primeiros cristãos (forma nivernesa da lenda). A magnificência da morada de Barba-Azul lembra os castelos encantados e esse grande senhor, cortês e feio, não dá a razão dos seus crimes.

3 — O quarto secreto

Esse local secreto parece ser o lugar do saber por excelência. É a loja. Um conto de Carnoy L’homme de fer (O homem de ferro), mostra que a criança desobediente não pode conhecer o derradeiro segredo. A forma original do Conte du magicien et son apprenti (Conto do mago e seu aprendiz) parece ser a Histoire du radja Madama Kdma na qual um príncipe instruído por um feiticeiro tenta e consegue escapar-lhe; Cosquin (Études folkloriques) e W. Crooke (North Indian Notes and queries, 1894) narram contos semelhantes.

Porém o quarto secreto aparece mais claramente na introdução do livro mongol Siddhi-Kûr, no qual o caçula descobre a “chave da magia” espiando pela fresta de uma porta. A curiosidade é pois recompensada. Os contos de Velay (Cosquin), da ilha de Zanzibar, de Bosnia permitem, ao iniciado triunfar depois de haver transgredido um regulamento de interdição. Este último conto, recolhido por Desparmet, assemelha-se ao de Aladin (As mil e uma noites): um jovem sem fortuna quer desposar a filha do rei.

Contudo, quase sempre, essa curiosidade é nociva.

O homem é expulso do paraíso pelo seu gesto da desobediência (conto hindu de Somadeva Rhatta; história do Terceiro calendário de mil e uma noites). Sem se instruir nos três estágios impostos (purificação, saber, poder), o neófito quis penetrar no santuário secreto: da mesma forma é enxotado dessa confraria (Roman des sept vizirs (Romance dos sete vizirs), enquanto que o príncipe do Fidèle serviteur (Fiel servidor) (Carnoy) enamora-se de um retrato conservado num quarto interdito.

L’enfant de la Vierge Marie (O filho da Virgem Maria) (Grimm), Le bénitier d’or (Cosquin), Maria Morewna (Ralston e depois Marnier) e numerosas variantes mencionadas por Saintyves, referem-se ao tema da interdição do Quarto Secreto. Doze quartos corresponderiam aos doze apóstolos, o décimo-terceiro quarto sendo o do Santo dos Santos.

Carrouges estende esse simbolismo aos romances policiais para interpretar o mistério dos quartos fechados.

4 — O objeto denunciador

Um objeto mágico denuncia o culpado que tentou penetrar no local, secreto. É o caso do conto de Perrault, do Oisel emplumé (Pássaro emplumado) de Grimm, de La veuve et ses filles (A viúva e suas filhas) de Loys Brueyre. O objeto pode ser uma chave, um ovo, um pequeno cofre, um retrato e até uma região.

Depois o próprio objeto mágico tornou-se a representação do quarto iniciativo. Essa “casa dos homens”, esse centro de reunião de iniciados transforma-se num cofre que encerra o saber. Andrew Lang vê nisso tudo a sobrevivência do culto primitivo e acrescenta o anel jogado ao mar e encontrado depois no corpo de um peixe. Mas a chave, símbolo axial, pode ser considerada pelo seu poder de ligar e desligar; seu conhecimento tem então o mesmo poder que a palavra de Ali Babá ou a do Pequeno Polegar. Às vezes o objeto desaparece: um sinal aponta o culpado; são os cabelos de ouro do Homme de fer (Carnoy) ou o dedo dourado de uma criança desobediente (Steele Swahili, Tales, 1870; Contes Cambodgiens, 1868; Conte Chao Gnoh); o ouro é então o emblema das energias solares.

5 — Auxílios

Essa luta entre o iniciado e o iniciador implica auxílios exteriores. Esses auxílios provém dos pais, de um religioso, de um sábio, de um jovem (W. Crooke observa o caso de um herói aconselhado pela filha de seu inimigo). Os mortos que aconselham são numerosos (Cosquin, Steele, L’oiseau de vérité (Pássaro de verdade), Les trente-deux récits do Trône (As trinta e duas narrativas do trono) ou Vicramaditia, La légende de la mort (A lenda da morte) (de Le Braz); D. Juan também recebeu os conselhos do comendador. Os animais, aliados do homem, sob a influência da Índia, previnem contra o perigo. Com Perrault essa parte é abreviada e os irmãos chegam inopinadamente.

6 — Conclusão

Parece que o conto de Barba-Azul visa a iniciação de um ser; sua curiosidade impede-o de beneficiar do ensinamento desta arte mágica. Os elementos interiores desse tema, conhecido em todos os países, se encontram num ritual que parece reservado aos iniciados.
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continua...
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Fonte: BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

sábado, 19 de dezembro de 2009

Trova LXXXIX - Izo Goldman (São Paulo)

Isnelda Weise (Album de Poesias de Poetas del Mundo)


ÁguAlento

Translúcida, fria, morna, ou ardente
mas sempre presente,
em alguma estação.
Água, deságua
em bocas sedentas,
em corpos ferventes,
que do flagelo fogem em busca de alento,
tal qual grande rede.
Estação sede.
Água deságua
em rostos suados,
em ruas seminuas,
em becos escuros sem cor nem horizonte.
Estação fonte.
Água deságua
com modéstia imensa
em qualquer lugar.
Brota, sorrateira, e abastece, indolente
o solo estéril,
em tempo de estio.
Estação rio.
Água deságua
Em noite brejeira,
eis que sua audácia em forma de chuva,
esconde o luar.
Para, aguaceira, na aurora do dia
encher de jasmim toda jardineira,
e fazer-se primavera.
Estação mar!

Córrego I

Escorre com cautela entre os pedregulhos,
E tomba no mar de utopia que te aguarda
Sem pressa.
Qual prova irrefutável da esperança,
De vida que não cansa
De insistir.
E prossegue....

****

Espreguiça-te languidamente:
Entre realidade e palco,
Entre afeição e desencanto,
Entre existência e extinção,
Rumo ao infindável
E terno sonho meu.

*****
Água de Março

Quando em cascata se solta
Água é qual salto sem rede
Vida que nem sempre volta
Queda a fartar quem tem sede.

Água é anistia de pecado
Córrego a irrigar nossa alma
Quando o coração extenuado
Pede o frescor de água calma.

Água de março é cacimba
Riacho cantante na forma
De oásis a sonhar fonte infinda.

E acima da fugaz sobrevida
Prossegue entre pedras, contorna
Lavando a mão que a trucida.
====================

SER POETA

Ser poeta é caminhar por trilhas rasas
Contra vento mais ameno ou chuva forte
É saber que muito além de todo norte
No infinito da beleza pairam asas.

É cantar o ausente lar à luz do agora
O advento de outro sonho feito espera
Deleitar-se com a imagem da quimera
Ao ver todas as certezas indo embora.

Ser poeta é brindar o universo
Com a canção e alforria de um só poema
É aninhar-se no conforto da anistia.

Para então beber da taça de seu verso
Ante o encanto que desfaz qualquer dilema
O imortal e doce néctar da poesia!

Fontes:
http://www.poetasdelmundo.com
http://www.seblumenau.org
Imagem = montagem por José Feldman

Rossyr Berny (Navegando ao Sabor das Ondas)

Pintura por computador de Celito Medeiros
EM QUE MARES E EM QUE MARGENS?

Sempre que passas
estou isolado na outra margem do rio
Isolado no caminho oposto ao teu

Qualquer modo que uso
para transpor rios calmos
ou mares profundos
não mais te encontro na outra margem

Se passas pelo outro lado da rua
é tanta gente e trânsito entre nós
que só encontro teu perfume

Mesmo apressada
teu olhar em mim repousa,
Ousa, se apossa

Em que margens de que dias
estaremos sós para nós dois
ancorados no mesmo porto?

Em que rios ou mares sem margens
nos aportaremos
para armazenagem e troca de frutos?

NOS TRILHOS DO TREM QUE TANTO TARDA

Dos mil sentidos da vida
o que ouço gritar na madrugada
é o silêncio bocejante de Deus

Os quatro elementos da natureza
sãos trilhos sobre dormentes
onde a sobrevivência agora repousa
desamparada

O planeta dorme nos trilhos dos trens
sem preocupar-se com a advertência:
pare ouça escute afaste-se

II
A noite
mastiga o dia descarrilado
Por isso não amanheceu por aqui

Mas a hora é ativa mundo afora,
onde é língua mortífera e arrasa países
É terremoto na Nicarágua Índia
Deitam o Japão em escombros

III
Aqui nos dormentes dos trilhos
só ouço meu próprio respirar taquicárdico
Rumino celeiros de solidão

IV
E o trem
por que tanto tarda?

SER MENINO

Quando menino era fácil reter nas mãos
o céu tombando em chuvas
ensaiando maremotos nas sarjetas

Quando exausto de peraltices
arrombava represas de barro
e ia construir outras em sono

Era certo que na enxurrada vindoura
soltaria seus sonhos navegando
arquitetados com folhas de sabatinas

Tudo só terminava
quando queria que terminasse
Buscava o poente apagando as estradas
e acendia o luzeiro do céu e das praças

Era tão fácil ser herói quando se era menino
porque não era bélico ser herói
Por certo na enxurrada vindoura
soltaria meus sonhos navegando
sem que generaizinhos-de-ouro ou chumbo
pusessem a pique a esquadra de barquinhos


POETA FORÇA-TAREFA

os dias e as dores dos dias
cobram à exaustão o meu oficio:
vim aos mundos ser poetas
ainda que em passos recentes
tenha sido fungo ou bactéria
árvore lodo água montanha ou gramínea
sou a poeira cósmica do big-bang
manhãs e adormeceres rebentam-me os ouvidos
pulsos e pulsares do peito me anunciam guerreiro
a lutar pela salvação do homem
impuro ou purificado
tenho texto na testa em letra escarlate:
venho às vidas e aos mundos ser poetas

II

é por fúria de justiça que amo o ser humano
poeta de oficio
zelo para que acordes em paz
ao teu digno dia de trabalho e amor
acaso me descuide de tanto zelo
acordarás sem a honra do teu labor
nem a amada no leito a acolher-te
por isso a permanente vigília
o verso e a voz em riste
para iguais conquistas de todos
compartilho do teu largo riso por estares feliz
mas culpo-me acaso a felicidade não te venha

III

guilhotina estas mãos escrevinhadoras
se elas não forem os poemas
que te libertarão da miséria e das desigualdades/'
animal furioso ou homem bom
defendo com adagas de luz
e força-tarefa
a segurança da tua vida de justo

IV

os tempos e as vozes dos tempos
rebentam-me os ouvidos
cobrando os afazeres de meu oficio
o cristo e os cães do peito
gritam gritam para que eu te guarde:
venho às vidas e aos mundos
ser os teus poetas-de-guarda

Extraído de Letras en Movimiento aBrace. Montevideo: Bianchi editores; Edições Pilar, 2006. 63 p. Em cooperación con el Movimiento Cultural aBrace.

CONSTRUTORES DE PRECIPÍCIOS

(seleção)

É um canto patético este canto de Rossyr Berny. A sua realidade poética e existencial esplende pela fraturas e interrupções sucessivas, por um permanente processo de coagulação verbal e sintática. Em Rossyr Berny o expediente quase remoto ganha uma força nova e até agressiva”. (LÊDO IVO, da Academia Brasileira de Letras)

PORTO IMPROVÁVEL

Perdido de ti
sou metade de mim

Em meio a oceanos revoltos
minúsculo barco
o melhor porto que busco
é o milagre do teu abraço

Isso se deixares rastros
aos meus digitais, faro, olhos
Te buscam enlouquecidos

Isso se deixares indícios
nos faróis céus cios
madrugadas indormidas

Isso se nos ventos de tua passagem
deixares resquícios na paisagem

Talvez te denuncie algum flagrante
de meu nome em tua lembrança
E a saudade te surpreenda em pranto

Perdido de ti
sou pedaço de mim

Serei inteiro contigo inteira
quando teu peito reabrir-se ao meu
no porto fantasma do teu retomo

DESMEMÓRIA

Se demorares um pouco mais
talvez me encontre fera
louco
Apenas pó

Descobrirás
que na primeira crise por tua ausência
comecei a gritar
grunhir
mugir
berrar

Lobo a acuar estrelas
mijei postes
escarvei
pastei

Elegi estrebarias para meu sono
e carniças para meu sustento

A última crise por tua ausência
trouxe o sossego dos desmemoriados

LUZ TORTA

A luz vem torta
apagando a frouxa penumbra

Vem cega
pelas mãos dos caminhos descalços

Quebrada
desce escadas
Tropeça em correntes
de sobressaltados fantasmas

A luz vem tonta
Desenhada pelos aposentos
afoga-se nas rugas do cariado casario

Dos poros humanos
a luz nasce morta

Vem tonta
a trôpega energia
Filha dos olhos vazados do cotidiano
--------
Fontes:
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/rossyrberny/
http://www.antoniomiranda.com.br

Rossyr Berny


Rossyr Berny nasceu em São Gabriel/RS e reside em Porto Alegre desde 1973. É jornalista formado pela PUCRS e Professor pela “Faculdade de Formação de Professores São Judas Tadeu. Também pela PUCRS é mestrado em Teoria da Literatura.

Associado à Federação Nacional de Jornalistas, International Federation of Journalists, Associação Riograndense de Imprensa, Casa do Poeta Riograndense, Associação Gaúcha de Escritores.

De 1976 a 2002 publicou 15 livros de poemas e o romance-histórico “Entreguem o matador à família do morto – Brasil 500 D’anos”. Neste 2006 comemorará 30 anos de Literatura com a publicação de sua antologia poética “Construtores de precipícios”, traduzida ao Francês e ao Espanhol, com lançamentos na Europa e Mercosul, além dos novos “Amor tsunami” e “Vê-las à luz de velas – e alguns cantos escuros”.

Traduziu do Espanhol ao Português livros de poemas e contos de Carlos Pereira Higgie (2), Rubinstein Moreira e Néllida Marina H. Manfrú, todos uruguaios.

Como Editor, criou há 20 anos a Editora Alcance Ltda e há dois anos adquiriu a Editora Tchê!. Ambas somam dois mil títulos editados.

Divorciado, é pai do Rossano, Schariza e Dênis.

Neste mês de maio foi homenageado por seus 30 anos de Literatura pela "Associação de Escritores do Uruguai", em Montevidéu; e pela "Academia Portenha de Lunfardo" e "Sociedade de Escritores Argentinos", em Buenos Aires. Igualmente proferiu palestras e recitais nas entidades citadas.

Profissionalmente é Editor e proprietário das Editoras Alcance e Tchê!, ambas do Rio Grande do Sul. Atualmente edita vários livros de autores do Brasil e Mercosul para a Feira do Livro de Porto Alegre.

E com muita dedicação organiza com sua equipe o projeto CALENDÁRIO POÉTICO DE MESA para 2007, promovendo poetas de todo Mercosul. Informações de como participar em www.editoraalcance.com.br

Realizando Sonhos
(Gabriela Barquett)

"Rossyr Berny aporta em Porto Alegre no dia 13 de abril de 1973, vindo de São Gabriel/RS. Nada na bagagem, mas o coração abarrotado de sonhos.

As barreiras foram muitas, porém, menores que sua força interior. Passadas pouco mais de duas décadas e um rápido olhar para trás, o balanço positivo: três cursos superiores (Jornalismo, Mestrado em Literatura e Formação de Professores); 13 livros editados; cinco traduziu do Espanhol para o Português; sua obra traduzida e reunida Señales vitales , a ser publicada proximamente em Montevidéu, traduzida por Rubinstein Moreira

Seu primeiro livro Homem-autômato foi lançado m 24 de setembro de 1976, em Porto Alegre. A obra causa furor r revolta, por sua ousadia sendo acusado de comunista e subversivo. Não fora para menos. Na época da ferrenha ditadura militar, seus pares resguardavam-se nos poemas melosos e na boca calada. O livro foi proibido em sua própria terra natal. Daí para frente, mais uma dúzia de livros vieram enriquecer sua bibliografia, tornando-o conhecido poeta pelo arrojo, mas também com espaços para o canto da mulher amada. (Ten três filhos, e há uma década o amor definitivo: Nádia)

Abdicou da profissão de jornalista, bancário e professor para cuidar exclusivamente de sua editora, a Alcance, a qual tem sido porta e janela para autores de valor, mas que têm chance nenhuma no mundo das grandes editoras.

Tantas lutas, alguns esfolamentos e muitas conquistas. Lema? Uma batalha perdida é uma batalha a menos a perder. Uma convicção? Renascer é mais irreversível que parecer.

Agora está publicado mais do que um novo livro: sua antologia poética com aproveitamento para a agenda permanente. Por quê? Acredita que sua poesia (como a de tantos poetas de valor) deve ser consumida permanentemente. É um grande achado, uma descoberta genial. Livro/Agenda/Livro/Agenda. Só poderia ser idéia do Rossyr."

... A respeito de Rossyr Berny

Eu tenho medo que dia desses
o Rossyr Berny desapareça.
Que um disco voador, imenso, luminoso
desça devagarinho dos céus
e arrebate o Rossyr e leve de novo
para o lugar de onde ele veio.

Porque somente um tempo-nauta, um extra-terrestre
é capaz de fazer com a apalavra, a simples palavra
que nós usamos todo dia
o que o Rossyr faz;
primeiro adula, beija, acaricia
brinca, desnorteia,
joga para o alto, depois puxa, coloca bem embaixo
no meio da lama, do esgoto, suja,
para depois fazer com que apareça cristalina
e pura no murmúrio doce de um riacho.
chicoteia, usa, abusa dilacera
transforma em pomba da paz, depois em fera
rosnando e avançando contra o poder abusado
contra a face hipócrita dos que pensam
que a PALAVRA é coisa para ser ignorada
o Rossyr usa a palavra e faz dela uma arma
e são tantas e tão perigosas
que é quase um arsenal.

Então ele lapida, lubrifica e de repente
já não são mais perigosas
mas tão lindas, tão intensamente líricas,
enluaradas, românticas
uma declaração de amor
para quem quer ler, ou ouvir ou sentir na pele
como um arrepio.

Quanto mais eu leio o que o Rossyr escreve
mais eu tenho certeza
que toda essa beleza
selvagem
não pode ser daqui, do nosso planetinha
Tem que ter vindo de outras galáxias
de outras paragens mais iluminadas.

Sua Antologia Poética
Percursos do Feroz Cotidiano
Está sempre perto de mim, na cabeceira
E, se eu fosse a mulher aquela do BILHETE (janeiro/28)
eu choraria tanto ao ler a poesia
e seria tão pungente esse meu pranto
tão humilde meu pedido de perdão,
que ele de certo me perdoaria...

Ah! o giante que é
o homem que diz ser muitos homens
na agonia de multiplicidade
dos homens que ele é... (fevereiro/03)

Se vocês não acreditam em mim
verifiquem a agenda poética
exatamente em setembro 16 e leiam:

“Eu não nasci neste mundo
estou sempre surpreso com meus cotovelos
e as conquistas alheias (...)

cheguei à vida e galáxias erradas
vou embora pra casa
no próximo cometa que passar”

Viram?... eu estou avisando vocês
Eu tenho muito medo
que dia desses o Rossyr Berny desapareça
...e nos esqueça.

Livros publicados:

1. Homem-Autômato - Poesia - 1976
2. Desuniverso - Poesia - 1978
3. Exercício da lágrima - Poesia - 1979
4. Cativez de pólvora - Poesia - 1980
5. Não se suicidar é preciso - Poesia - 1980
6. Poemas de Veraneio - Poesia - 1980
7. Invernia - Poesia - 1982
8. Somos todos munição - Poesia - 1983
9. Antologia poética - Poesia - 1984 - (Obras de 1976 a 1983)
10. Carlinhos Hartlieb - Biografia - 1986
11. PaZtores de mísseis - Poesia - 1987
12. Revelação das sombras - Poesia - 1992
13. Percursos do feroz cotidiano - Poesia - 1997 - (Nova antologia, com obras de 1976 a 1997 e aproveitamento de agenda permanente)
14. Estações do Homem - Poesia - 2000
15. Entreguem o matador à família do morto - Brasil 500 Danos - Romance-histórico - 2000
16. Armas Amores - 25 anos de Poesia. Acompanha CD de poemas, com declamação do autor.

Fontes:
http://www.editoraalcance.net/rossyr/livros/rossir_livros_4.htm
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/rossyrberny/

Lygia Bojunga Nunes (1932)


Lygia Bojunga Nunes (Pelotas, RS, 26 de agosto de 1932), ou simplesmente Lygia Bojunga, é uma escritora brasileira.

Iniciou a sua vida profissional como atriz, tendo-se dedicado ao rádio e ao teatro, até voltar-se para a literatura. Com a obra Os colegas (1972) conquistou um público que se solidificou com Angélica (1975), A casa da madrinha (1978), Corda bamba (1979), O sofá estampado (1980) e A bolsa amarela (1981). Por estes livros recebeu, em 1982, recebeu o Prêmio Hans Christian Andersen, o mais importante prêmio literário infantil, uma espécie de Prêmio Nobel da literatura infantil. O prêmio foi concedido pela International Board on Books for Young People, filiada à UNESCO. Os colegas já antes havia conquistado o primeiro lugar no Concurso de Literatura Infantil do Instituto Nacional do Livro (INL), em 1971, com ilustrações do desenhista Gian Calvi.

Ao completar 8 anos, sua família se mudou para o Rio de Janeiro, "... ao nos mudarmos para o Rio, fomos morar em Copacabana e eu logo me entreguei ao mar, à praia e à vida do bairro de tal maneira que parecia até que o planeta Terra tinha um só nome: Copacabana".

Logo após ser escolhida para estrelar a peça inicial do Teatro Duse, criado por Paschoal Carlos Magno (o fundador do Teatro do Estudante no Brasil), Lygia foi contratada para a companhia profissional Os Artistas Unidos.

Após abandonar sua carreira de atriz, Lygia passou 10 anos escrevendo para rádio e televisão. "... naquele tempo escrever/criar personagens era, pra mim, uma forma de sobreviver e de poder construir a casa que eu queria pra morar (a Boa Liga); só depois, quando eu abracei a literatura, é que eu me dei conta que escrever/criar personagens era muito mais que um jeito de sobreviver: era – e agora sim! – o jeito de viver que eu, realmente, queria pra mim.

Aos 33 anos Lygia foi morar "lá no fim de um vale, nas montanhas do Estado do Rio: tinha chegado a hora de viver agarrada com a natureza".

Tempos depois ela fundava, junto com seu segundo marido, "um inglês ótimo que o acaso fez bater naqueles verdes", uma pequena escola rural chamada TOCA, que os dois mantiveram durante 5 anos.

Em 1982 Lygia se mudou para a Inglaterra; "foi lá que eu compreendi por inteiro que o escritor é cidadão da sua língua; comecei então a alternar o meu tempo de Londres com o meu tempo de Rio; mas não ouvir a minha língua foi ficando uma penalidade cada vez maior, então fui esticando cada vez mais o meu tempo de Rio, e agora, com a casa que eu criei pros meus personagens, quer dizer, com a editora, o meu tempo lá em Londres ainda se reduziu muito mais.”

"Em 1988 eu tive uma coisa que, disseram, era uma recaída teatral": Lygia escreveu e apresentou o monólogo Livro em palcos de bibliotecas, universidades e espaços culturais do Brasil afora e também no exterior, iniciando então uma nova etapa de seu trabalho e uma nova maneira de aprofundar sua relação com o livro - um projeto que ela chamou de As Mambembadas.

Ao longo da década de 90 Lygia desenvolveu mais três trabalhos dentro do projeto d’As Mambembadas, onde buscou juntar seus dois eus: a atriz e a escritora. Levou para o palco o livro de sua autoria Fazendo Ana Paz, representando os sete personagens da história; depois, escreveu e encenou De cara com a Lygia e Depoimento, ambos voltados para a teatralização do fazer literário. E de novo mambembou com essas apresentações intermitentes – feitas da maneira mais artesanal possível – pelo Brasil afora.

Em junho de 2002, na ocasião do lançamento de Retratos de Carolina – o livro de estréia da editora Casa Lygia Bojunga – a autora apresentou para o público o seu mais recente trabalho teatral: A entrevista, onde, durante mais de um hora, "dialoga" com um entrevistador invisível. Mais um solo da autora, "... minha trilha no palco é tão solitária quanto o ato da escrita...”

Quando a Casa iniciou a produção de Retratos de Carolina, a câmera de Peter registrou Lygia junto ao mar – exatamente no local onde, no livro, Lygia se despede de Carolina.

Também em junho de 2002 a CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) convidou Lygia para a representação teatral de Os colegas, comemorando os 30 anos de publicação daquele primeiro livro da autora. A câmera de Silvana Marques captou Lygia na platéia, com as flores comemorativas que a autora levou para sua casa acobertada por um livro: símbolo de uma pequena editora que se propõe guardiã dos personagens de Lygia Bojunga.

Em 26 de maio de 2004, Lygia Bojunga recebeu da Princesa Victoria, da Suécia, o prêmio ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award), o maior prêmio internacional jamais instituído em prol da literatura para crianças e jovens.

Também em 2004 Lygia recebeu o prêmio FAZ DIFERENÇA (Personalidade Literária do ano)

A escritora e o estilo

Lygia Bojunga Nunes tem recebido reiterados elogios da crítica especializada, quer brasileira, quer estrangeira. No cenário brasileiro, com freqüência tem sido reportada como a herdeira ou sucessora de Monteiro Lobato, por estabelecer um espaço em que a criança tem — através da liberdade da imaginação — uma chave para a resolução de conflitos, o que Monteiro Lobato mostrou saber fazer com maestria. Algumas vezes, no cenário internacional, costuma-se compará-la a Saint-Exupéry e a Maurice Druon, pela notável sensibilização infantil destes através de O pequeno príncipe e O menino do dedo verde, respectivamente. Com efeito, misturando com habilidade o real e a fantasia, Lygia alcança, num estilo fluente, entre o coloquial e o monólogo interior, perfeita comunicação com seu leitor.

Consciente de que literatura é comunicação, a autora não recusa tratar de temas considerados problemáticos como suicídio, em 7 cartas e 2 sonhos (1983) e O meu amigo pintor (1987); assassinato, em Nós três (1987) e abandono dos filhos pela mãe, no conto Xau, no volume do mesmo nome (1985).

Com o livro Um encontro com Lygia Bojunga Nunes (1988), reuniu textos sobre sua relação com a literatura, apresentando, de forma dramatizada, o resultado de seu trabalho.

Esse é também o início de uma reflexão metaliterária, que se estende por Paisagem e Fazendo Ana Paz, ambos de 1992, onde refletiu sobre o que é fazer literatura, fazendo literatura, linha que tem em Feito à mão (1996), uma realização radical, pois o livro foi feito com papel reciclado e fotocopiado — uma alternativa à produção industrial.

Com Seis vezes Lucas e O abraço, também de 1996, retoma um tema instigante deste final de século: uma literatura dirigida a qualquer leitor, estando no objeto-livro a maneira de adequá-la às diversas etapas da vida humana.

É um dos maiores nomes da literatura infanto-juvenil brasileira e mundial, assim consagrada pela qualidade de sua obra e caracterização da problemática da criança, acuada dentro do núcleo familiar.

Sua obra já foi publicada em alemão, francês, espanhol, sueco, norueguês, islandês, holandês, dinamarquês, japonês, catalão, húngaro, búlgaro e finlandês.

Seus livros têm sido altamente recomendados pela crítica européia e estão sendo radiofonizados em vários países, sendo que um deles, Corda bamba, foi filmado na Suécia.

Casada com um inglês, vive parte de seu tempo em Londres e parte no Rio de Janeiro. A autora prepara uma transposição para o teatro de 7 cartas e 2 sonhos.

Prêmios

1971
Prêmio INL (Instituto Nacional do Livro) – Os colegas – Ed. José Olympio;

1973
Prêmio Jabuti – Os colegas – Ed. José Olympio;

1974
Lista de Honra – International Board on Books for Young People (IBBY) – Os colegas – Ed. José Olympio;

1975
O Melhor para a Criança – FNLIJ – Angélica – Ed. AGIR;

1976
O Melhor para a Criança – FNLIJ – Os colegas – Ed. AGIR;

1978
O Melhor para o Jovem – FNLIJ – A casa da madrinha – Ed. AGIR;

1978
Lista de Honra – IBBY – Os colegas – Ed. AGIR;

1980
Grande Prêmio APCA (Críticos Autorais) – O sofá estampado – Ed. José Olympio;

1980
O Melhor para o Jovem – FNLIJ – O sofá estampado – Ed. José Olympio;

1982
Prêmio HANS CHRISTIAN ANDERSEN – IBBY (pelo conjunto de sua obra) – o mais tradicional prêmio internacional de literatura para crianças e jovens;

1982
Prêmio Bienal Banco Noroeste de Literatura Infantil e Juvenil – O sofá estampado – Ed. José Olympio;

1985
Prêmio literário O Flautista de Hamelin – A casa da madrinha – Ed. AGIR – outorgado pela cidade de Hamelin, Alemanha;

1985
Prêmio Os Melhores para a Juventude – A casa da madrinha – Ed. AGIR – concedido pelo Senado de Berlim;

1985
Prêmio Molière (Teatro) – O Pintor – Ed. AGIR;

1985
O Melhor para o Jovem – FNLIJ – Tchau – Ed. AGIR;

1986
Prêmio Mambembe de Teatro: O Pintor – Ed. AGIR;

1987
Seleção dos melhores livros da Biblioteca Internacional da Juventude de Munique – Tchau – Ed. AGIR;

1993
Prêmio Jabuti – Câmara Brasileira do Livro (CBL) – Fazendo Ana Paz – Ed. AGIR;

1993
Prêmio White Ravens – Fazendo Ana Paz – Ed. AGIR;

1996
– Prêmio Orígenes Lessa – Hors Concours – FNLIJ – O abraço – Ed. AGIR;
– Prêmio Orígenes Lessa – Hors Concours – FNLIJ – Seis vezes Lucas – Ed. AGIR;

1997
– Prêmio Jabuti – Câmara Brasileira do Livro (CBL) – Seis vezes Lucas – Ed. AGIR;
– UBE (União Brasileira de Escritores) – Prêmio Adolfo Aizen – O abraço – Ed. AGIR;

1999
Prêmio Orígenes Lessa – Hors Concours – O Melhor para o Jovem – FNLIJ – A cama – Ed. AGIR;

2000
Prêmio Júlia Lopes de Almeida – Hors Concours – União Brasileira de Escritores – UBE – A cama – Ed. AGIR;

2004
– ALMA – Astrid Lindgren Memorial Award (pelo conjunto de sua obra) – o maior prêmio internacional jamais instituído em prol da literatura para crianças e jovens, criado pelo governo da Suécia;
– Prêmio FAZ DIFERENÇA ( personalidade literária do ano ) - O GLOBO

Obras

* Os Colegas - 1972
* Angélica - 1975
* A Bolsa Amarela - 1976
* A Casa da Madrinha - 1978
* Corda Bamba - 1979
* O Sofá Estampado - 1980
* Tchau - 1984
* O Meu Amigo Pintor - 1987
* Nós Três - 1987
* Livro, um Encontro - 1988
* Fazendo Ana Paz - 1991
* Paisagem - 1992
* Seis Vezes Lucas - 1995
* O Abraço - 1995
* Feito à Mão - 1996
* A Cama - 1999
* O Rio e Eu - 1999
* Retratos de Carolina - 2002
* A Bolsa Amarela - 2005
* Aula de Inglês - 2006
* Sapato de Salto - 2006
* Dos Vinte 1 - 2007

Fontes:
http://pt.wikipedia.org
http://www.casalygiabojunga.com.br/

Carlos Drummond de Andrade (Viúva Loura)


- "Viúva, 21 anos..."
- Tadinha. A vida é isso.
- "Loura..."
- Melhorou.
- "Fazendeira, rica..."
- Epa, muda completamente de figura.
- "Pertencente a tradicional família mineira..."
- Corta essa!
- "Recém-chegada do interior..."
- Então, não custa sondar a barra.
- "Procura companhia masculina..."
- Ainda bem que é masculina. Tou às ordens.
- "Que seja jovem..."
- Você acha que 38 anos está na pauta?
- "Bem intencionado..."
- Nunca fui outra coisa na vida.
- "De fino trato..."
- Não é por me gabar, mas...
- "Conhecedor dos pontos pitorescos do Rio..."
- Que é que ela entende por pontos pitorescos? Eu prefiro pontos estratégicos.
- "Para passeios e ..."
- Etc., lógico.
- "Futuro compromisso matrimonial..."
- Corta! Corta!
- É mesmo.
- Aliás, eu não tenho mais de 38. Tinha, semana passada.
- E rica... Rica de que? Talvez de predicados apenas.
- Poxa, até parece que você está querendo a viúva pro seu bico. Pera aí, mau- caráter.
- Eu? Vê lá se eu vou nessa onda de anúncio. Tou prevenindo pra você não se grilar. Viúva, mineira, loura... Se é mineira, não deve ser loura. Se é loura. É artificial. Se é artificial...
- Deixa a viuvinha ser loura e mineira, deixa.
- Olha, eu conheci uma loura que, além de outros negativos, era careca.
- Ora, peruca resolve.
- Sei não, mas tudo isso junto- mineira, viúva, loura, 21 anos, rica...
- Que é que tem?
- É exagero. Não precisava Ter tantas qualidades.
- Foi uma graça de Deus.
- Você não merece tanto.
- Será outra graça de Deus.
- Deus não deve ser assim tão desperdiçado com suas graças.
- Lá vem você querendo dar instruções ao Altíssimo. Perde essa mania.
- Bom, mas você não sabe que mineiro esconde milho até de monjolo?
- Continua.
- "Cartas com sigilo absoluto..."
- Evidente.
- "Indicações pessoais..."
- Minha ficha é mais limpa do que caixa d'água de edifício quanto o síndico vai ao terraço.
- "E fotos..."
- Arrgh! Só tenho 3x4, muito fajuta. Mas tiro de calção, frente, perfil e fundos.
- "Para a portaria desse jornal, sob n° 019 834."
- Pera aí. Tou anotando. 019?
- 834.
- Legal. 834 é o número de meu edifício, 19 é pavão, que tem a perna dourada. Lê mais.
- Já li tudo, ué.
- Lê outra vez. Repete.
- Vai decorar?
- Vou gravar melhor na nuca, vou raciocinar em bloco, vou...
- Se habilitar, né?
- Correto.
- Calma, rapaz. Sabe lá que espécie de viúva é essa?
- Vou ver pra conferir.
- Pode nem ser viúva.
- E daí?
- Diz que tem 21 anos, mas quem garante que não é modéstia? Às vezes tem três vezes 21.
- Então você admite que ela é mineira.
- E que cria galinha sem ração, na base da parapsicologia?
- Também sou mineiro, uai.
- E nunca me confessou. Eu jurava que você fosse capixaba.
- Fui. Questão de limites, minha terra passou pra banda de cá. Não espalha, sim?
- Me tapeou esse tempo todo.
- Esquece.
- Vai ser dura a parada: mineira loura versus mineiro mascarado.
- Fica em família, né?
- A tradicional?
- As duas. Eu na minha, ela na dela.
- Agora sou eu que digo: tadinha.
- Por quê? Se ela botou anúncio, quer transar. Eu transo. No figurino.
- É verdade que tem muito carioca por aí, muito paulista, muito nortista, espiando maré. Talvez você chegue tarde.
- Duvido. Você sabe que nessas coisas sou meio Fittipaldi. Comigo é Fórmula-1.
- Mineiro contando prosa? Nunca vi isso.
- Bem, mineiro é capaz de contar prosa só pra esconder que é mineiro...
- Chega, amizade, você já ganhou a viuvinha com fazenda e tudo, podes crer!

Nilto Maciel (A Paisagem e o Homem Cearense em Tigipió, de Herman Lima)


O primeiro livro de Herman Lima, Tigipió, é de 1924. Escreveu ainda o romance Garimpos, as histórias curtas de A Mãe-da-Água, impressões de viagens, memórias, uma História da Caricatura no Brasil e livros sobre a técnica do conto, como Variações Sobre o Conto. Para alguns críticos, depois de Gustavo Barroso, é o nome mais importante do conto cearense no início do século XX.

Nas 14 narrativas de Tigipió o leitor encontra um narrador voltado para a geografia que vai do litoral ao sertão cearense. Os dramas se desenrolam quase sempre em lugares abertos, amplos, devastados por secas. Aqui e ali aparece uma sala, um quarto. No mais das vezes, o leitor se vê diante de imensos espaços rurais, estradas, caminhos e praias. Os personagens são sertanejos endurecidos pela vida áspera, mulheres lindas, sensuais, sedutoras, pescadores igualmente embrutecidos. Vivem intrigas violentas, envoltas em amores frustrados, mistérios, vinganças, loucuras, traições, que terminam em tragédias pessoais ou familiares.

No entanto, a linguagem das narrativas é pomposa, recheada de vocábulos em desuso, mesmo na literatura escrita do século XX. Alguns não se encontram em dicionários: “Bandos de urubus, de vinte a trinta, frufrulejam (grifo nosso) as asas” (...). É até possível imaginar-se Herman Lima jovem diante dos livros de Coelho Neto, atento, maravilhado, a anotar esta e aquela frase: “O rancho negro desenvolveu-se em hemiciclo com os músicos ao centro zangarreando, as mulheres aos guinchos” (Coelho Neto, Rei Negro, p. 110, apud Novo Dicionário Aurélio). “E, aos primeiros compassos de um baião fogoso e estonteador zangarreado pelo vaqueiro” (...) (Herman Lima, “Sereias”).

Entretanto, numa história em primeira pessoa, “Coração”, cujo narrador é um caboclo, João, a linguagem é naturalmente simples. O uso de vocábulos como “sufragante”, “maginando”, pass’os (pássaros) e relamp’os (relâmpagos) não tornam ininteligível a leitura.

Permeiam as narrações, quase sempre espichadas, longos períodos de descrições de ambientes e aspectos físicos de personagens. Assim, muitas vezes os personagens desaparecem para dar lugar ao ambiente, isto é, o leitor se vê diante de largos murais, pinturas do espaço onde vivem os personagens.

No conto “Tigipió”, o mais longo do livro, há referências a diversas cidades e localidades do Ceará, em tempo de seca, “uma só terra devastada e morta, savanas nuas, ermos escalvos”. Os personagens principais são o velho Cesário, sua filha Matilde e Heitor. Viviam os dois primeiros do “fabrico de chapéus de palha”, numa casinha de “tacaniça sem reboco”, no sertão, proximidades do Rio Jaguaribe. O cenário sertanejo reaparece em “Choça Vazia”, embora a narrativa se aproxime mais do gênero crônica: “À margem da estrada, entre a mata reinante, fica, num claro, vazia e silente, uma choça antiga.

Em “Ventura Alheia” vê-se um “tabuleiro ermo”, onde os personagens “viviam do cultivo das terras, lindas vazantes que se estendiam ao fundo das casas, à beira do riacho de Russas.”

Um dos contos mais famosos de Herman Lima é “O Arrieiro”. O narrador, o engenheiro Norberto Sales, conta uma história vivida durante a seca de 1919, entre Aracati e Quixadá. Narra uma viagem do sertão a Fortaleza, assim como a volta. “Léguas e léguas sem fim,” (...) “o calor da fogueira universal esbraseando a paisagem de redor, o horizonte refervendo, e o céu e a terra, tudo envolto no mesmo turbilhão de labaredas invisíveis.” Como o título indica, em “Sertanejos” o drama se desenvolve também no sertão: a “várzea larga”, a “mata quieta”, estradas, veredas, cavalos, cangaceiros. No sertão de Quixeramobim vivia Juventina, de “Coração”. Que termina seus dias em Fortaleza, a mendigar. O início de “Os Caboclos” é uma descrição longa de um pedaço do sertão: várzeas imensas, cortadas de carnaubais.

A última história do livro, “A Mãe-d’água”, quase tão longa quanto a primeira, encerra esse ciclo sertanejo. Hugo, o protagonista, viaja de Fortaleza para Aracati e, em seguida, para o sertão, nas proximidades de Limoeiro, para viver uma história de amor.

O espaço praiano e marinho do Ceará está presente nos demais contos de Tigipió. O primeiro deles é “Sereias”, como não poderia deixar de ser. O drama se inicia na praia de Meireles, em Fortaleza. O pescador Bento Caiçara vai ao mar, para pescar. Termina diante de sereias: “O pobre alçou-se em desvario, bracejou, ofegante, exausto, os membros chumbados, impotentes, os ouvidos zoando, ele todo numa luta surda e titânica, a reagir contra o assombro.”

Em “Alma Bárbara” o drama se inicia num lugarejo praiano, próximo à cidade de Aracati, num “lagamar confronte”, e termina no mar. Em outra ação, no rio Salgado. Em “As Guabirabas” vêem-se dunas, coqueirais, a praia e “ondas abrindo mansamente, em leque, esfroladas de espumas, morros alvíssimos, onde passavam pescadores, mais ao fim o farol” (...). Fortaleza reaparece em “As Mulheres”. O velho Rufino, lenhador e camaroeiro, vivia “à margem do rio Cocó”. Em “Gata Borralheira” a protagonista Genoveva vivia com uma tia viúva e suas duas filhas, sempre a correr a praia, “sozinha, à cata de mariscos”. Mais tarde, já mocinha, enamorou-se de um desconhecido, com quem se encontrava “sob as árvores”, “entre os cajueiros”. Mais adiante se dá o afogamento do namorado. A moça enlouquece: “Quando era noite de lua, a louquinha abalava para a praia, e ficava sobre um penedo rasteiro às vagas, atenta ao marulhar constante da onda.” E finalmente, ao “avistar” o iate branco do seu príncipe, nada em busca dele. “A onda erguia-a, repuxava-a, trepava-lhe pelos ombros.” No desfecho, a moça “ainda pôde jogar-lhe um beijo, antes de afundar.

Outra tragédia marinha se mostra em “Ressaca”. O velho pescador Manuel Lucas vivia, com a filha Rosa, “num casebre abandonado, além de Mucuripe, quase ao pé do farol.” Certo dia, ao voltar para casa, não encontra a moça. Desesperado, sai em busca da filha, pela praia. “Mas, de repente, um vagalhão estupendo, alto e negro como a muralha de um forte, ergueu-se-lhe em frente, a poucos passos.” E dá-se a tragédia.

Os personagens dos contos de Herman Lima são sertanejos embrutecidos pela seca e pela violência, pescadores afeitos à solidão do mar, às vezes aventureiros fora de seu habitat. As personagens são mulheres lindas, voltadas exclusivamente para o amor. O sertanejo Cesário, de “Tigipió”, se vinga da vida, ao provocar a própria morte, assim como a da filha e seu namorado Heitor. Matilde, a filha de Cesário, era “uma cabocla linda e viva, de tentadores encantos”. O desfecho de “Alma Bárbara” é outra tragédia. Pedro e o irmão da “mulatinha” que o primeiro tentara possuir num rio se matam, a golpes de faca. Ritinha, da mesma narrativa, “era mesmo um mimozinho deveras”. A outra, a mulatinha, apresentava um “ocorpinho novo, macio e cheiroso, que nem uma fruta do mato”.

O engenheiro de “O Arrieiro” não é um sertanejo e vive momentos de angústia, ao se imaginar refém de perigoso assassino, Mariano, “feitor lombrosiano”. Viúvo, Rufino, de “As mulheres”, propõe casamento a Joana. Casados, conhece a mulher outro homem, João Vicente, o “paroara”. Inicia-se, então, a trama propriamente dita. Após uma briga, Vicente decide eliminar o rival e o mata. A mulher, no entanto, foge de casa só. Genoveva, de “Gata Borralheira”, ao se fazer púbere, é “trigueirinha e linda a valer”. Justino, de “Sertanejos”, é vingativo. Quando “rapazelho tímido”, a serviço do tio Zé Balaio, sofre deste duro castigo, ao “permitir” que uma égua se alarmasse “frente a um garrancho negro” e disso resultasse um rasgão num saco de farinha. Feito homem, se transforma em bandoleiro e ataca a tropa do tio. Juventina, de “Coração”, é pintada como a mais linda das mulheres: “Os olhos dela brilhavam, que nem duas estrelas Papaceia”. (...) “Os beiços eram duas fatias da fruta do mandacaru.

O apreço pelos naturalistas se pode perceber numa referência a Aluísio Azevedo no conto “Tigipió”. Como eles, Herman Lima também cultua a descrição de traços fisionômicos, físicos e psicológicos dos personagens. Justino, de “Ventura Alheia”, “era um caboclo airoso e vivo, muito fornido de corpo, de cara bonita e franca, de uma alegria sem par.” Damião, “pequenino, raquítico, o tronco abaulado, os ombros para cima, só tinha em proporção a cabeça, uma cabeçorra horrível, de olhos esbugalhados, vítreos e mansos, como olhos de peixe ou de sapo.” A beleza física estaria relacionada à beleza espiritual, assim como a feiúra corporal à deformação do caráter, da personalidade. Mariano, de “O Arrieiro”, tem “cara fosca e modos torvos, olhos injetados, trunfa caída sobre a testa, a dentuça vasta à mostra no prognatismo feroz, o corpanzil ereto e longo, com a musculatura enxuta do mestiço do Norte” (...).

Herman Lima não é apenas um dos melhores contistas cearenses do início do século XX. É também um dos mais autênticos narradores/descritores da paisagem e do homem cearenses.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: d’a Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza: Imprence, 2008.

Alex Giostri (Sobre as Palavras e suas Inflexões)

Imagem do filme A Hora do Rush
(Jackie Chan e Chris Tucker)

Um carro possui um motor. O motor é movido a combustível. Sem o combustível, o carro não anda. Ao ator é interessante pensar que o seu corpo físico é o motor e que a palavra é o alimento de seu corpo, isto é, o combustível. O indivíduo traz consigo sua identidade emocional e suas características psíquicas que o definem como um ser singular. Para que possa comunicar-se com alguém demonstrando parte do que é como pessoa, esse indivíduo utiliza-se das palavras, que são o seu combustível, que, por sua vez, é o que transforma as suas sensações abstratas em linguagem.

Pensando assim, ao ator não basta apenas utiliza-se dessa linguagem, das palavras, se não souber manejá-las, compreendê-las. Essa compreensão, esse manejo, é, ao ator, o que se classifica como inflexão. Como a boa maneira de expor a palavra ao seu espectador. É quando o ator, além de trabalhar a respiração no momento exato, dando as pausas necessárias na hora exata, dá à palavra, às letras, às sílabas, todo um tratamento minucioso no ato da fala, possibilitando assim que quem o assiste sinta-se impressionado com o que ouve. Impressionado no sentido de impressão.

A inflexão é a impostação da voz, é o conhecimento das palavras e de seu poder de alcance, é da relação íntima que o ator tem com o seu combustível. E essa relação entre o ator e a palavra se faz através da leitura, do entendimento das palavras (de seus significados) e dos exercícios que faz dia-a-dia. Há muitas maneiras de dizer a mesma palavra. E aí entra a respiração, o olhar, o tom da voz, a agilidade da fala, o trabalho corporal. É apenas mais um dos ingredientes para a construção do ator, mas é um dos fundamentais, pois é, a palavra, a via de acesso mais direta e rápida na maioria das vezes.

A falta de boa inflexão e, automaticamente, da boa fala, está ligada à falta de leitura e de intimidade com as palavras, mas também está ligada à ansiedade, que é capaz, se não for bem resolvida, de complicar a vida do ator. É na ansiedade que os batimentos cardíacos se desestabilizam (para mais ou para menos); é a ansiedade que aumenta a insegurança do ator, seja ela o tipo que for (tipo de insegurança – causa).

É válido lembrar que o espectador está na platéia para assistir ao que se oferece. Isso significa que o espectador está disposto a ouvir o que os atores têm a dizer. E sendo essa uma afirmação óbvia, ao ator cabe a compreensão de que a sua única obrigação é a de transmitir a mensagem daquilo que está em jogo na cena. E tal mensagem só chega ao entendimento do outro, que é o espectador, se for bem transmitido, de maneira delicada (mesmo que intensa). Um ótimo exercício é sempre o ator colocar-se na posição de quem ouve. É o trabalho do distanciamento.

A inflexão está ligada à técnica. Mesmo o ator visceral, aquele que age com o impulso, com a emoção à flor da pele, mesmo esse ator deve ter dentro de si um espaço racional para controlar o que sai de sua boca. E esse espaço se dá naturalmente. Não há técnica para alcançá-lo. O que o ator pode fazer é mergulhar dentro de si e aguardar que algo toque o coração. É ouvir as suas limitações e jogar com elas em prol de seu trabalho e de sua platéia.

O bom resultado é conseguido também através da leitura incansável do mesmo texto e do entendimento de cada pontuação do autor, de cada palavra posta no texto. O ator deve compreender que tudo que há no texto foi posto por alguém que pensou muito sobre aquele universo. E que cada palavra, ou falta de palavra, que cada pontuação, ou falta de pontuação, que cada concordância verbal, ou falta de concordância verbal, que todas elas foram postas propositalmente pelo autor (na maioria dos casos, mas pode haver um erro ortográfico) e que tudo isso passa a ser o seu guia de trabalho, o guia do ator.

Essa busca pela palavra, pelo aprimoramento técnico daquilo que sai da boca do ator, dessa busca pelo silêncio, pelo tom mais adequado, pelas pausas precisas, são e sempre serão a busca pela própria profissão, pela própria vida. O estar em cena sob os refletores, sob os aplausos, deve ser entendido como uma conseqüência e não como objetivo.

Fonte:
http://www.alexgiostri.com.br/artigos.html

Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte III


2. A PROFISSÃO DE POETA

Os registros históricos consultados durante a evolução do trabalho não descartam o fato de a poesia ter sido a única fonte de ocupação e, possivelmente, de renda de muitos poetas ao longo da história humana. Na Grécia antiga, os poetas alcançavam fama e fortuna nas disputas promovidas em festivais religiosos, patrocinados freqüentemente pelo governo da época, principalmente em períodos de agitação política ou ameaça externa para distrair a população, conforme pude verificar.

Embora a poesia tenha sido mais valorizada como arte pelos primeiros literatos, nota-se que os grandes poetas da antigüidade - sem menosprezar os talentos de cada poeta em particular - buscavam a independência financeira e aliavam-na ao gosto pela literatura e dramaticidade interpretadas através do teatro, o que poderia servir, inclusive, como forma de entreter grande parte da população sempre descontente com os seus governantes, motivo pelo qual os próprios faziam questão de estimular a constante realização dos eventos e premiar os vencedores dos concursos.

Apesar da importância na antigüidade, a poesia nunca pôde ser reconhecida oficialmente em qualquer civilização ou cultura como profissão propriamente dita e sempre ficou rotulada por muitos como literatura, por outros como arte e por tantos outros como poesia mesmo, sendo esta última nem sempre classificada como arte.

Diferente dos primeiros tempos, a história registra que muitos poetas obrigaram-se a viver clandestinamente ou na solidão por conta de suas poesias ditas infames, impróprias ou mesmo como ato puro de rebeldia e afronta aos governantes, e assim acabaram por merecer o repúdio incondicional ao invés do reconhecimento.

Consta que o imperador romano Augusto foi um dos grandes incentivadores e patrocinadores oficiais aos escritores e poetas do seu tempo. Para assessorá-lo, recorria ao rico Caio Mecenas, um de seus amigos mais velhos e íntimos, que exercia o papel de caçador de talentos. Mecenas trouxe para o círculo imperial homens brilhantes de vários níveis da sociedade romana. Os poetas Ovídio e Propércio eram cavaleiros, o historiador Tito Lívio vinha de uma família da Gália Cisalpina, o grande poeta Virgílio era filho de um pequeno agricultor e Horácio nascera de uma família de libertos e todos eles gozavam de boa reputação e segurança financeira.

Para esses homens, o patrocínio do imperador significava status social e conforto, à custa de alguma liberdade intelectual. Augusto certamente gostava quando um de seus protegidos produzia um poema épico para maior glorificação de Roma. Virgílio estava trabalhando numa obra desse tipo quando morreu, em 19 a.C. O poeta deixara ordens para que queimassem o poema, caso não conseguisse completá-lo. O imperador discordou – e o mundo ganhou Eneida.

Os chineses presumiam que um cavalheiro seria capaz de se expressar em verso em qualquer ocasião. A composição poética fazia parte dos concursos para o serviço público no governo Tang e todos os burocratas utilizavam suas habilidade poéticas na celebração de excursões imperiais, eventos auspiciosos ou na partida de autoridades.

Tais ocasiões não encorajavam a originalidade : os chineses admiravam mais o equilíbrio e a capacidade técnica. Até os grandes poetas usavam o verso como outras culturas poderiam usar um diário para registrar as minúcias do dia-a-dia, bem como as epifanias de grande significado. E isso só tornou mais notável a audácia e o lirismo dos principais poetas Tang.

Vladimir Maiakovski foi um dos maiores poetas que a literatura já produziu. Foi membro do partido Socialista e, acusado de escrever manifestos, foi preso por várias vezes, julgado e condenado. Quando saiu da prisão, em 1910, julgava-se incapaz de escrever versos.

Maiakovski pertencia a um grupo denominado futurista. Depois da Revolução de Outubro sua atividade literária tornou-se muito mais intensa, abrangendo quer a poesia, quer o teatro, embora nunca tivesse ganho muito dinheiro com isso, mas sustentava-lhe o ego e a sobrevivência mais moral do que física.

Um dos aspectos mais interessantes desta nova fase na vida do escritor foram os inúmeros recitais de poesia feitos através de toda União Soviética.

Posteriormente, tendo retomado a opção pela literatura, mais precisa mente a poesia, declara :

Vou falar do meu ofício não como mestre, mas como aquele que faz versos. O meu artigo não tem nenhum significado teórico. Falo do meu trabalho, que, no fundo, segundo minhas observações e minha convicção, pouco se distingue do trabalho de outros poetas profissionais ” .

Aliada ao exemplo acima, por muito tempo e ainda hoje a poesia carrega o estigma de ter sido associada ao prazer da bebida, da solidão, das doenças e do sofrimento geral em razão de que muitos poetas desafogavam toda sua mágoa e tristeza nos poemas, o que poder ser comprovado nas mais diferentes correntes e escolas poéticas surgidas a partir da Antigüidade, Idade Média e Contemporânea.

Apesar da dificuldade do reconhecimento da profissão, encontramos muitos autores que se declararam verdadeiros poetas profissionais. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, mesmo tendo ganhado a vida como funcionário público e jornalista, e alegando ter se dedicado à literatura por prazer, não hesitou em afirmar no prefácio de sua Antologia Poética (1962) :

Hoje estou aposentado nas duas atividades que exerci a vida toda, mas posso considerar-me escritor profissional, pois a fonte do meu principal sustento resulta do fato de escrever e publicar livros, que o público tem recebido com simpatia

Contudo, amargando algumas derrotas na carreira literária que influíram profundamente no estilo de compor sua poesia, desabafa toda sua dificuldade em lidar com as palavras e talvez delas prover o seu sustento, facilmente identificado em parte do poema descrito abaixo (1962 : 182 ) :

O LUTADOR

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
. . .
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não tem carne e sangue
Entretanto, luto.
. . .
Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.

Apesar de muito criticado e ridicularizado quando jovem, por conta do seu poema No meio do caminho, julgado escandaloso pela crítica da época, Drummond conseguiu recuperar-se do trauma e seu poema acabou traduzido para 17 idiomas pelo mundo afora.

Para aqueles que rotularam-no idiota, o tempo foi o único capaz de corrigir a injustiça que pesou sobre seus ombros e suas retinas fatigadas porque, a despeito de todas as descomposturas praticadas contra ele, houveram também os elogios mais entusiásticos, segundo a antologia organizada de sua obra e por estímulos de companheiros de geração e pessoas mais velhas nas quais o poeta depositava inteira confiança.

Ainda no prefácio de sua Antologia Poética (1962), o poeta consolida toda sua intelectualidade e gosto pelo exercício da profissão: “Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade de sua condição” .

A maioria dos grandes poetas, embora movidos pela paixão da arte de escrever, sempre estiveram divididos, haja vista que a profissão de poeta nunca foi capaz de se manter como meio de sustento e alimentar a esperança de ninguém, ao contrário do que ocorreu nos primeiros tempos.

Um exemplo infeliz da tentativa de sobrevivência por meio da poesia foi o caso de Augusto dos Anjos, um dos maiores poetas brasileiros do início do século XX. Apesar de ter morrido à míngua, o poeta foi reconhecido postumamente após um árduo trabalho de seus amigos e irmão para divulgar sua obra.

Em vida, Augusto dos Anjos amargou todas as incertezas que a profissão de poeta e o desprezo pela sua arte acabaram lhe proporcionando – poesia muito diferente das demais que ganhavam o início do século com o fim do Simbolismo, Parnasianismo e o advento do Modernismo em 1922.

Até os 24 anos, o poeta viveu no Engenho do Pau-d´Arco na Paraíba do Norte, de onde se afastava periodicamente para breves estadas na Paraíba ou no Recife, mas sonhava com a fama e o reconhecimento literário, o que, por conseqüência, poderiam elevar o seu padrão de vida e amenizar os prejuízos financeiros da família.

O Poeta Raquítico ou Doutor Tristeza, como era julgado e conhecido na Paraíba por conta de seus versos fúnebres e amargos, sempre almejou o sucesso através da poesia, embora sustentasse o casamento pelo exercício da profissão paralela de professor. Era advogado também, mas optou pelas letras. Insatisfeito com os proventos ganhos como professor do Liceu Paraibano e pouco valorizado pela imprensa, Augusto dos Anjos resolveu deixar a Paraíba rumo ao Rio de Janeiro onde, supostamente, gozaria de todo prestígio e compensação financeira pelo seu reconhecido mérito, como ele próprio pensou :

No Rio de Janeiro as coisas seriam diferentes. Publicaria, logo à chegada, o seu livro, afirmação de sua personalidade independente, o Eu. Levava algum dinheiro. Não precisaria do auxílio de ninguém nem dependeria de parentes. Faria relações com poetas, escritores e jornalistas, que lhe reconheceriam o talento, e tudo facilitariam ao novo companheiro de letras. Conquistaria, em suma, pelo próprio mérito, todas as posições que almejasse, na imprensa e no magistério”.

Decorrido quase um ano, pouco se havia alterado na vida de Augusto dos Anjos. Conseguiu, apenas, a nomeação de professor substituto de Geografia, Cosmografia e Corografia do Brasil no Ginásio Nacional. A situação do poeta era mais do que precária e os vencimentos insuficientes para cobrir as despesas da família. Perdera o primeiro filho e o parto prematuro indicava todas as dificuldades por que passou. A esperança de sobreviver pela poesia foi morrendo aos poucos e junto com ela o ímpeto do poeta em prosseguir com seus objetivos.

Em carta datada de 11 de setembro de 1991, declara à irmã na Paraíba :

Desempregado, com responsabilidades pesadas a me abarrotarem a alma, vítima de uma desilusão de minha própria terra, tudo isto, como um amálgama negro, engendrou esse silêncio malsinado, que não corresponde absolutamente a uma depressão quantitativa dos afetos à família, tanto por mim estimada. Agora, a nomeação que acabo de receber veio sanear um pouco o meu abalado território cerebral ” .

Para completar a receita do orçamento doméstico, tinha de desdobrar-se em aulas particulares, em bairros diferentes e tornou-se posteriormente agente de companhia de seguros, sem êxito, porém. Era total e absoluta sua incapacidade para ganhar dinheiro.
Teve que se resignar ao ganha-pão de professor. Nenhum editor quisera publicar seus manuscritos poéticos. Acabou por financiar a edição, de parceria com o seu irmão, Odilon.

Um outro poderia acreditar na obra, como um negócio capaz de proporcionar lucros, pelo menos é o que transparece nas cláusulas do contrato firmado por ambos, em reprodução ipisis litteris conforme abaixo :

Cláusula II - “ Fica considerada como despesa de impressão a quantia de cinqüenta mil contos de réis, dispendida com a fotografia de Augusto dos Anjos, a fim da mesma figurar no livro”, e ainda, “Fica considerada como despesa à parte tudo que for gasto com a venda e colocação do livro, cabendo a quem houver feito dita despesa reavê-la, oportunamente ” .

A grande verdade é que, apesar de todo seu talento, cultura e excepcionalidade, Augusto dos Anjos morreu frustrado, pobre e não pôde ver seu grande sonho realizado, a arte da sobrevivência pelo suor da sua poesia. O poeta voou alto, tinha asas possantes, mas era frágil e impotente, sem forças para vencer a realidade da vida, o que lhe causou profundo desânimo com o Rio de Janeiro, ao contrário do que almejava ao sair da Paraíba.

Em 1914 mudou-se para Leopoldina, em Minas Gerais, tendo aceito o cargo de Diretor do Grupo Escolar da cidade com a ajuda de seu cunhado Rômulo Pacheco, ligado à política local. Agarrou-se ao cargo como um náufrago à espera da salvação.

Para sua escrita, porém, o poeta se utilizou de toda sua paixão e obedeceu exclusivamente ao temperamento que lhe coube por dádiva divina. Tal como inúmeros poetas de sua época e de outras, não conseguiu plena realização como poeta de profissão, mas nunca será esquecido, por toda grandeza de sua obra, reconhecida tardiamente nos meios literários. Morreu no mesmo ano em que se mudou para tentar a sorte em Leopoldina, acometido de uma congestão pulmonar, mas deixo aqui nossa homenagem ao grande Poeta Raquítico transcrevendo um de seus formidáveis sonetos, grande pela idéia predominante, pela verdade científica, pelo sentimento doloroso e pela estrutura 1 2 , como diria Órris Soares, amigo do poeta, em elogio feito no ano de 1919 :

LAMENTO DAS COISAS

Triste a escutar, pancada por pancada,
a sucessividade dos segundos,
ouço, em sons subterrâneos, do orbe oriundos,
o choro da Energia abandonada.
É a dor da força desaproveitada
- O cantochão dos dínamos profundos,
que, podendo mover milhões de mundos,
jazem ainda na estática do nada !
É o soluço da forma ainda imprecisa . . .
Da transcendência que não se realiza . . .
Da luz que não chegou a ser lampejo . . .
E é, em suma, o subconsciente aí formidando
da Natureza que parou chorando
no rudimentarismo do desejo !

Diferente do que poderia ser, nenhum poeta conseguiu manter-se financeiramente pela própria poesia. Ao exercício da arte de poetar, por necessidade desenfreada da sobrevivência, a grande maioria obrigou-se a associá-la a uma atividade paralela, incondicionalmente, o que não deixa de causar indignação e espanto, uma vez que a poesia sempre esteve presente na cultura de todos os povos e todos sempre fizeram questão de enaltecer seus poetas.

À exceção dos primeiros e de alguns da atualidade, dificilmente encontramos algum registro de poetas que tenham enriquecido ou simplesmente vivido bem por simples exercício de sua poesia.

Sófocles, Horácio, Píndaro, Shakespeare, Auden, João Cabral de Mello Neto, Manuel Bandeira ou mesmo Drummond, a despeito de toda a fama e herança cultural acumulada para o bem da humanidade, nunca puderam orgulhar-se da poesia como meio de sobrevivência.

Aos poetas sempre estiveram ligados as demais profissões como embaixador, general, professor, escritor ou mesmo cantor, motivo pelo qual podemos insinuar que a poesia não serve como referência profissional. Atualmente, poucos poetas se dizem felizes e contentes com o tímido reconhecimento do público, traduzido em números.

O exemplo de Augusto dos Anjos no início do século e Mário Quintana falecido há pouco tempo não deixam dúvidas de quanto a poesia é ingrata, mesmo sendo objeto de estudo e avaliação em qualquer escola ou universidade de renome.

Mário Quintana, poeta gaúcho, viveu os últimos dias de sua vida vivendo de favores alheios apesar de sua vasta produção poética. Orides Fontela, poetisa paulista reconhecida pelos críticos como uma das maiores da atualidade brasileira, sofre para pagar as despesas de aluguel e manutenção de um apartamento no centro de São Paulo.

Auden na Inglaterra, Eliot e Emerson nos Estados Unidos, Trakl na Polônia, Petrarca na Itália, Maiakovski na Rússia, Baudelaire e Rimbaud na França, todos eles foram vítimas do mesmo mal e em razão de toda indiferença em vida, gozam hoje de reconhecimento, respeito e consideração da crítica literária, dos estudiosos conscientes que acabaram concluindo a importância da poesia no mundo antigo, medieval e contemporâneo.

O objetivo principal no capítulo ao fazer uma analogia e tentar associar a atividade do poeta à profissão foi demonstrar a contradição que existe no fato do público louvar a poesia em todos os tempos e ao mesmo tempo não possuir o discernimento e a crítica necessária para reverter toda injustiça que os poetas conseguem, na maioria dos casos, postumamente. Assim sucedeu com Augusto dos Anjos, Gregório de Matos Guerra, Shakespeare, Cecília Meireles e Mário Quintana, e os textos consultados não indicam que haja tendência de reversão, para tristeza dos amantes da boa poesia.

Tudo o que constatei durante a execução deste capítulo levou-me a acreditar que a poesia não reconhecida como profissão é uma grande injustiça, difícil de ser corrigida, embora seja obrigação de todos reconhecê-la como arte pura e legítima, confiada somente aos iluminados que ousaram cultivá-la por gosto, paixão e até por necessidade de expor tudo aquilo que os mortais comuns não conseguem.

Talvez seja da natureza do poeta produzir palavras difíceis e dificultar o entendimento, guardar para si mesmo aquilo que apenas ele entende num primeiro piscar de olhos, razão pela qual sua obra seja motivo de estudo e não de riquezas materiais.

Emerson, em Ensaios (1994 : 228) sobre o intelecto, resume o trabalho do poeta e sua perfeita relação com a natureza :

O intelecto precisa ter a mesma perfeição naquilo que apreende e naquilo que produz. Por essa razão, um índice de mercúrio da eficiência intelectual é a percepção da identidade. Falamos com pessoas cultivadas que parecem ser estranhos na natureza. O poeta, cujos versos devem ser esféricos e completos, é alguém que não pode ser enganado pela natureza, não importa qual a máscara de estranheza que ela possa vestir . . . Hermes, Heráclito, Empédocles, Platão, Plotino, Olimpiodoro e o resto têm algo de tão vasto em sua lógica, tão primário em seu pensamento, que parece anteceder a todas as distinções ordinárias da retórica e da literatura, e ser ao mesmo tempo poesia, música, dança, astronomia e matemática ”.
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continua...
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Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Trova LXXXVIII - Tainara Chiossi Martins (Caixas do Sul – RS)


Fonte:
Escola Municipal Fermino Ferronatto – 5a. Série do Ensino Fundamental

Trova vencedora do Concurso da União Brasileira de Trovadores de Caxias do Sul, 2007.