sábado, 26 de dezembro de 2009

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XXV


IV. — Gata Borralheira e Pele de Burro

1. — Motivos

a) Esses dois contos têm grande analogia. Loys Brueyre (Contes populaires de la Grande-Bretagne) observa duas tradições nas quais se confundem. O anel e o chinelo desempenham o mesmo papel e Miss Mariam Roalfe Cox estuda as suas trinta versões (Cinderella, Londres, 1893).

b) Pele de Burro — O rei promete à rainha moribunda só desposar uma mulher mais bela do que ela (Perrault) ou aquela em cujo dedo servisse o anel da rainha (Sicília, 159, 186; Rússia, 171, 172; Noruega, 181; Portugal, 184); ou que pudesse vestir os mesmos vestidos (Grécia, 176; escocês, 151) ou os sapatos (italianos, 134, 150). Ora, só a filha do rei preenche as condições. Para fugir a essa união criminosa, a princesa formula três desejos que o rei consegue satisfazer. Disfarçada, foge e serve miseravelmente em casa de um príncipe que descobre quem é a pretensa serva e esposa-a.

c) Gata Borralheira — Tratada por suas irmãs como uma empregada, Gata Borralheira, por uma ajuda exterior — fada, animais — consegue ir três vezes ao baile onde encontra o príncipe; mas terminando o encantamento numa hora definida, a heroína, na fuga, perde seu sapatinho que permite ao príncipe encontrá-la e esposá-la.

2. — Variantes

a) Pele de Burro — O incesto forma o ponto de partida desse conto. Por esse motivo Deulin pensa em Prajapati, senhor da criação, que violentou sua filha Uchar. Em 1550, com Straparole (primeira noite, conto IV), o príncipe Thibaut quer desposar sua filha Doralice. Na Histoire de Sainte Dipne (História de Santa Dipne) (Ribardeneira, Fleur des vies de saints, 1616) (Flor das vidas de santos), o rei pagão da Irlanda tenta desposar sua filha Dipne e finalmente mata a fugitiva; é Pele de Burro sem seu maravilhoso. Se Luzel (5o. relatório das Missões Científicas), Schleicher (Litaüische Màrchen), relatam lendas semelhantes, Deulin cita outras variantes tais como a Belle Hélène de Constantinople (Bela Helena de Constantinopla), onde o suposto parto de animais lembra o Chevalier au cygne (Cavaleiro do cisne).

Num conto hindu (Le trône enchanté) (O trono encantado), a princesa casa com um burro que se metamorfoseia em príncipe. Pernette, conforme Bonaventure de Perriers (Nouvelles Récréations et Joyeux Devies) veste uma pele de burro para enojar um amigo. Se Pétriosa (O Pentameron) se transforma em ursa, Noel du Fail (1547) e Grimm aproveitam a idéia (La reine dos abeilles) (A rainha das abelhas), La gardeuse d’oies (A guardadora de gansos), La vrai fiancée (A verdadeira noiva). Enfim a extraordinária cozinheira enegrecida com sebo de Peau de toutes les bêtes (Pele de todas as feras) (Grimm), que casa com o príncipe depois de aparições que se assemelham às de Roberto, o Diabo.

b) Gata Borralheira — A sandália da cortesã Rodopis foi levada por uma águia e caiu subitamente diante do faraó admirado; Rodopis descansa agora sob a terceira pirâmide (Estrabão, liv. XVII). Ellen (Histoires diverses, XIII) reproduz essa anedota para glória do rei Psametico. Cosquin regista dois contos anamitas nos quais gralhas levam os sapatos dourados da Gata Borralheira ao palácio real. Mas geralmente a heroína perde os sapatos fugindo. Lembramo-nos de Penélope, de Berta dos pés grandes (Henry Pourrat, Marie Cendron, t. I). Ei-la num conto malgaxe (Ferrand, 1893, n.o 35), mas depois de Finette Cendron, Landes relata contos anamitas (Saigon, 1886) e Leclêre, versões tjame e cambodgeana. Se Miss Cox anotou essas variantes, Cosquin firmou algumas versões cabilas, silesianas, islandesas (Contos Populares, t. II). Realmente esse ensaio do sapatinho constituiria o rito da eleição, a posse de um novo lar. Temos um exemplo em Rute (IV, 7-10) no qual Booz recebe dessa maneira Rute, a Moabita.

3. — Interpretações

a) Para Gubernatis, a aurora, perseguida por seu pai, veste o casaco da noite; para H. Husson, Ch. Ploix, a aurora se oculta sob a bruma a fim de se entregar ao sol levante. Conforme versões nórdicas, Loys Brueyre vê nessas versões, o casamento ritual do ano com o novo sol. Saintyves pensa na evocação do carnaval, liturgia primaveril na qual as duas heroínas vestem os trajes e os atributos de uso.

b) O traje — Esse revestimento de peles de animais consta do Gênese (III, 21). “E Deus fez para o Homem e para a Mulher roupas de peles e com elas os vestiu”; ora, conforme o esoterismo, toda matéria universal é viva. Esse disfarce que muda a personalidade assemelha-se ao fenômeno da reencarnação que encontramos na Índia. Se Gata Borralheira usa vestidos que se assemelham às estações ou ao tempo (Rússia 153; Grécia 176), Miss Frère refere-se a um conto hindu no qual uma jovem disfarça-se em mendiga (retomado no conto toscano 285). No folclore italiano as virgens encerram-se em estátuas de velhas e algumas vezes em sua pele (Cosquin). O sapatinho de veiros denota a pureza e a beleza. Encontramos essa transformação em Riquet à la Houppe. c) O nome de Gata Borralheira — Mine d’Aulnoy e Perrault referem-se às cinzas da lareira e o Pentameron à Gata das Cinzas. Saintyves, ao estudar essas variantes, é de opinião que as cinzas desempenham papel degradante; é a humilhação, a penitência. Ulisses, humilhado por Areté e Alcínoo, senta-se nas cinzas; os hebraicos cobrem a cabeça com cinzas em sinal de luto. Para Loeffler-Delachaux, Gata Borralheira é uma vestal presa ao culto do Sol, da Luz e do Fogo; ora, o fogo é o símbolo da Vida e do Amor.

d) A madrasta — Freqüentemente a madrasta é representada por uma feiticeira (Cox Bulgária 127; Irlanda 9 e 10; anamita 68 e 69); às vezes por uma mágica (Cox Eslováquia 33; Grécia 17; Noruega 67, 110, 70); Luzel (Contes de Basse-Bretagne,- III (Contos da Baixa-Bretanha); Le chat noir (O gato negro) e Saintyves — confundem-na com o ano velho.

e) As ajudas — As ajudas que vêm socorrer são fadas, animais — muitas vezes pássaros — e até a defunta mãe (Cox, Contos dinamarqueses 38, 43, 64; norueguês, 87; Grimm 2); algumas vezes cultuam-se os ossos dos animais protetores (contos tjames 69). Desparmet (Contes populaires) menciona ajudas semelhantes.

f) As carruagens — Passeiam os deuses no Olimpo e conduzem as fadas aos batizados. Os coches são os veículos das forças cósmicas e da alma durante o decorrer. da reencarnação (Arjuma no Bagavad-Gita). — Os animais têm significação alegórica; Loeffler-Delachaux diz que o carro do sol é puxado por cavalos brancos e que as fadas podem ter carruagens de paz ou de cólera (La biche au bois de Perrault). Na Finlândia, a carruagem é substituída pelo trenó; o garanhão representa a energia sexual libertada; esses raptos de mulheres figuram na Calevala, Le joyeux Lemmikaïgen. Os corcéis não podem ser emprestados (Gracieuse et Percinet de Perrault, La gardeuse d’oies de Grimm.; o Pentameron.

g) Objeto denunciador — Gata Borralheira e Pele de Burro são reconhecidos graças a um objeto perdido (sapatinho), ou dado como penhor (anel, colar, alfinete, relógio, chave). O anel sem começo nem fim, liame mágico da vida, talismã, como a pulseira ou o colar, simboliza ritualmente o encadeamento de duas vidas. É encontrado numa iguaria e permite o descobrimento da heroína disfarçada.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Trova XCIII - Osvaldo Reis (Maringá/PR)

Vinicius de Moraes (Poema de Natal)


Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Fernando A. Cavazzoni Junior (O Encontro com o Menino)



Um Conto De Natal Escrito Para Refletir E Meditar

- Olá! Faz tempo que você está aí?

- Faz. Já faz algum tempo sim, por quê?

- Eu estou indo de um dos meus pastos para outro, mas não pude deixar de notar aquela “muvuca” na estalagem ali embaixo, está vendo?

- Aquele “tropé” ali? - apontando com o dedo indicador – Estou, sim. Por coincidência estava olhando para lá também...

- É mesmo? E você sabe o que está acontecendo lá?

- Sei...

- E... você pode me contar?

- Você não sabe de nada, não é?

- Saber o que? Era para eu saber alguma coisa?

- De fato, não era não...

- Então, vou-me embora... você não vai me contar mesmo, vai?

- Não tem muita coisa para ser dita...

- Já sei! Estou te atrapalhando, não é? Vou embora então...

- Oh, não! Sente-se aqui comigo. Não vai me atrapalhar em nada. A propósito, como você se chama?

- Meu nome é Leigo, e você? Quem é?

- Eu sou Lú Scífer.

- Muito prazer – respondeu estendendo a mão para o cumprimento.

- Ah! O prazer é todo meu! Vejo que já se acomodou...

- Sim...

- Então, vou te contar o que vi até agora. Você está vendo aquele casal; ele na porta da estalagem e ela montada no jumento?

- Sim, estou vendo. Ele parece preocupado...

- Ah, não está não!

- Por quê? Como você sabe?

- Veja bem: eles saíram de Nazaré e vieram à Belém para o recenseamento. Você está sabendo, não está?

- Do recenseamento?

- Claro, meu jovem Leigo!

- Oh! Sim estou! Todos estão, na verdade. Esses romanos vivem contando a gente para ver se podem pegar mais dinheiro de nós...

- É verdade, mas sabe, as populações crescem... não é bom que cresçam muito... você sabe... daí vai faltar comida, casa para todos, é uma dificuldade só...

- O senhor trabalha para o governo?

- Trabalhar? Eu? Não, não... só estava pensando alto...

- Então, mas e o casal lá embaixo? Olha só, agora várias pessoas saíram da estalagem e estão indo para o estábulo, me parece.

- É... que será que vão fazer? Eu ia dizendo que eles vieram a Belém por conta do recenseamento, mas a moça, coitada, está grávida!

- É mesmo! Que legal!

- Legal? É sério? Imagina só! Ele a trouxe até aqui grávida! Deviam ter esperado a criança nascer. Seria muito mais humano para com a mulher, não acha?

- Ah... não sei... é... talvez. Viajar nesse estado deve ser difícil para Ela... vai ver... sei lá o que eles têm para fazer aqui? Talvez seja importante, não sei...

- Importante? O que pode justificar um homem pegar sua mulher grávida, e dizem por aí que nem são casados, e partir por estradas sombrias, de dia e de noite... com tantos perigos...

- Eu vivo por aqui e digo que não é tão perigoso assim... O senhor é daqui?

- Eu? Bem, eu diria que... sou do mundo... uma hora aqui, outra ali...

- Olha! Estão ajudando o homem a limpar o estábulo... acho que eles vão ficar instalados ali...

- É! Olha só... o homem trás a família na ultima hora e quer achar lugar na melhor estalagem da região... é o fim da picada mesmo!

- Será que não tem mais lugar por aí?

- Claro que não! Já estão tudo lotado e...

- Acho que vou até lá... a moça está grávida e eu tenho um quarto para hospedes na minha casa... vou levá-los para lá e dar...

- Você está louco, meu jovem?

- Eu? Por quê?

- Ora, você nem os conhece! Vai dar guarida para gente de fora, que você nunca viu antes? Está louco? O que os outros vão pensar?

- Puxa, mas eles parecem tão bons... não vejo nada estranho...

- Deixe que aqueles forasteiros cuidem deles... já estão lá mesmo!

O jovem Leigo interrompe dizendo em voz alta: - Olha só! Veja aquela...

- O que? O que? – responde Lú Scífer apressadamente.

- Aquela senhora saindo da casa grande, com água e panos nas mãos... acho que a Criança vai nascer agora! Vamos lá ver? É tão legal ver uma Criancinha recém nascida...

- Eu até gostaria de ir com você, mas... olha só... Está um nojo ali perto... tem coco de tudo que é tipo no chão... vamos sair de lá fedendo...

- Bem, tem um pouco de coco aqui e ali, mas é uma região de pastoreio, então tem que ter um pouco de coco por aí...

- Meu jovem; vejo que você está ficando empolgado com essa história, não está?

- Bem, eu queria ver o Neném nascer... é legal ver um nascimento... e veja que estrela linda no céu... está quase claro como dia... vai dar para ver tudo direitinho...

- É mesmo, não tinha notado a estrela... talvez se fossemos para o alto da colina pudéssemos ver melhor, que acha?

- Ir para o alto da colina? Mas aí vamos ficar mais longe. Como vamos ver melhor?

- Não, não... de lá de cima podemos ver mais e melhor... dá um ângulo melhor das coisas...

Enquanto Lú Scífer falava, o jovem Leigo não tirava os olhos da cena. Sem se dar conta do que havia sido dito, o jovem irrompe na conversa:

- Puxa! Veja quanta gente por perto, chegando... está juntando cada vez mais pessoas... Esse casal deve ser de gente importante, não acha?

- Importante! Que nada! É só mais um casal de gente pobre, perdida nesse mundo e incomodando as pessoas... E vai incomodar mais quando Aquela Criança nascer! Você vai ver...

- Então eu vou lá ver! Vamos?

- De jeito nenhum!

- Vamos! É só uma Criança nascendo...

Antes do jovem terminar a frase ouve-se o badalar de sinos – de sinos afinados e numa melodia empolgante, alegre, cheia de esperança.

- Você está ouvindo isso? – pergunta o jovem Leigo.

- O que?

- Esse som de sinos...

- Ah, isso? Estou... E daí?

- Bom, para começar, de onde vem?

- Que importa... vai acordar todo mundo...

- Meus amigos pastores devem estar acordados ainda. De certo estão ouvindo e virão para cá...

- Mais gente!

- É! E daí? Você se incomoda!

- Um pouco...

- Acho que vou até lá então...

- Não! Espera aí! Agora que ia te fazer um convite...

- Convite? Para que?

- Você é pastor, não é?

- Sou.

- Você disse que ia de um pasto seu para outro, certo?

- Certo. Muito observador de sua parte...

- Então você deve estar, digamos, bem na vida, não está?

- Como assim?

- Eu digo, deve ter um outro bicho para fazer um churrasco, não tem?

- Tenho, sim, alguns.

- Então meu caro! Eu queria te convidar para fazermos um churrasco! Que tal! Subimos o morro, vamos até seu pasto e eu mato um novilho enquanto você chama seus amigos... Faremos uma festa! Que tal?

- Legal, mas já é meio tarde e... olha só...

- O que?

- Meus amigos já estão lá embaixo!

- É mesmo?

- É! Só nós estamos aqui...

- Ótimo! Aqui nós estamos a salvo!

- A salvo? A salvo do que?

Lú Scífer vira a cara para o lado e diz em voz baixa: - ...é de quem, seu palerma!

- O que? Que foi que você disse?

- Deixa “prá” lá... Vamos fazer o churrasco ou não?

- Seria legal, mas tenho que ir andando...

- Você não vai lá embaixo, vai?

- Acho que sim. Estou vendo todos os meus amigos lá...

- Eu sou seu amigo e não estou lá...

O jovem Leigo pensa consigo: “que sujeito atrevido! Sinto que preciso ir embora mas ele está sempre me convencendo a ficar. Até que ele tem umas idéias boas, mas eu preciso sair...”

Enquanto o jovem pensava, outra pessoa se aproxima e diz:

- Olá vocês aí! Tudo bem?

Lú Scífer toma um susto e permanece calado. O Jovem responde:

- Tudo bem, obrigado. Você está vindo lá de baixo?

- Na verdade estava indo para lá e vi vocês aqui.

Lú Scífer se intromete, dizendo: - Pode ir então. Eu e meu amigo estamos bem aqui.

O jovem pergunta: - Vocês já se conhecem?

Eles respondem simultaneamente: - Já!

Então o jovem leigo pergunta ao que acaba de chegar: - Qual é seu nome, senhor?

- Eu me chamo Miguel.

- Muito prazer – responde o jovem estendendo a mão para cumprimentá-lo e emenda uma pergunta: - você sabe o que está acontecendo lá embaixo?

- Sei sim - responde Miguel, e continua – e ele também sabe.

- Quem? O Lú Scífer?

- Ele mesmo.

- Bem, isso já não importa mais. Preciso ir andando e não sei direito o que fazer.

Miguel toma a frente no dialogo: - O que você tem para fazer?

- Não sei se vou até lá embaixo ver aquela Criança ou procuro meus amigos para fazer um churrasco.

- Seus amigos estão lá embaixo...

- Parece que estão todos tão felizes naquele estábulo... Sinto uma vontade enorme de ir lá. Não sei por que, mas acho que vou para lá...

Lú Scífer solta um grito e sai correndo pelo campo.

- Puxa! Que sujeito estranho, não é Miguel?

- “Deixa ele pra lá”, mas cuidado! Ele volta qualquer hora dessas.

- Espero não vê-lo mais por aqui...

- Se você vai lá para baixo, eu te faço companhia.

- Ahm... eh... está bem, vou sim...

- Ótimo!

- Você disse que estava indo para lá, não é?

- Na verdade estou sim...

- Você conhece aquele casal?

- Conheço. Eles se chamam Maria e José. Maria acaba de dar a luz a um Menino, que se chama Jesus.

- Puxa! Você sabe tudo, heim!

- Sei muito mais! Vamos indo que te conto tudo no caminho.

- Beleza! Vamos nessa!

Fonte:
http://www.mesadoeditor.com.br/

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Parceria Penguin Books e Companhia das Letras


Enquanto se divulga a notícia de que editoras brasileiras correm atrás da digitalização – por força da grande aceitação do Kindle nos Estados Unidos –, a Companhia das Letras se acautela, igualmente, em outra direção: segue apostando nos pocket books.

Reforçando sua entrada nesse mercado, em 2010 a editora de Luiz Schwarcz lança os primeiros volumes em associação com a clássica Penguin Books. Se a britânica se consagrou no mundo todo, por popularizar edições de clássicos a preços convidativos, agora a brasileira poderá desfrutar desse catálogo, brindando o leitor do português brasileiro com grandes traduções. Neste final de ano, a Companhia das Letras distribuiu um teaser do que será o projeto em algumas semanas. Trata-se de uma edição limitada com dois ensaios de Italo Calvino, retirados de Por que ler os clássicos – igualmente um clássico que a própria editora lançou em seu selo Companhia de Bolso. Em capa dura, o volume é todo preto, com exceção de uma bela foto ilustrativa, uma faixa branca, com o tradicional “logotipo do pinguim” e as palavras “Penguim” e “Companhia”, acima de “Clássicos”. O projeto gráfico, que moderniza o original, é do warrakloureiro.

A expectativa, agora, é pelo preço. Se Luiz Schwarcz conseguir argumentar, como Steve Jobs, que adquirir um produto bem acabado é muito mais recompensador do que descolar um “genérico”, através da internet, esta nova iniciativa deve prosperar. O risco, talvez, é a coleção nova, de clássicos, “canibalizar” a coleção, não tão nova, de livros de bolso. Mas os estrategistas da Companhia das Letras devem estar preparados.

O Kindle e a Amazon, por um lado, e o Google (com seu Google Books), por outro, acenam com uma digitalização sem limites, de obras clássicas na história da humanidade. A primeira disponibilizando o acervo da maior livraria do mundo e o segundo, os acervos das principais bibliotecas dos Estados Unidos. Vai chegar o dia em que teremos tudo o que já caiu em domínio público no alcance da mão, a Companhia das Letras e a Penguim, contudo, apostam que esse dia está mais longe de chegar do que parece – ou mesmo, se chegar, que o futuro permitirá a coexistência de edições de papel e eletrônicas.

Fonte:
Companhia das Letras

Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte V



4. OS GRANDES POETAS

Apesar da livre opção e vontade própria de incluir um capítulo sobre os grandes poetas que surgiram desde a antigüidade até os dias de hoje, seria prematuro e arriscado de minha parte afirmar que a humanidade teve um ou outro de maior importância que os demais.

O envolvimento com a poesia durante a execução da monografia já me permite afirmar que os poetas, mesmo citados em enciclopédias e livros de história como Grandes para um ou outro autor, foram para seu tempo e sua época e, portanto, devem ser avaliados sob diferentes pontos de vista, a começar pela obra de cada um em particular.

Píndaro, Sófocles e Temístocles foram importantíssimos para o povo da Grécia antiga assim com Virgílo, Alighieri, Petrarca e Ovídio foram para os italianos. Se perguntarmos aos americanos qual o poeta mais importante da humanidade é muito provável que elejam Ezra Pound ou Emerson, os alemães dirão Goethe e os britânicos não hesitarão em apontar Shakespeare como o maior de todos os tempos.

Verdade pura, todos tiveram sua importância no desenvolvimento da história e da literatura universal. Não pretendo, na minha humilde capacidade de analogia dos poemas estudados, fazer juízo de qualquer autor que seja, pelo simples fato de saber que a humanidade conhece a todos e a eles dedica todo o respeito que lhes cabe.

A bem da verdade, o mais importante é saber que todos os nomes atualmente registrados na história, por acaso ou pela influência exercida em cada época, se perpetuaram por uma razão única : ter se distinguido da filosofia e dos costumes tradicionais.

Na maioria dos poetas pesquisados, todos os casos encontrados sobressaíram-se no seu tempo por algum motivo contrário à ordem ou tradição, aos costumes ou à lei, por rebeldia, melancolia, utopia ou mesmo por um romantismo mais acentuado. Sob o ponto de vista didático e em razão do farto material disponível nas bibliotecas, concentrei minha pesquisa nos autores de maior conhecimento do público, quer pelo amplo número de livros publicados, quer pela influência exercida pela mídia sobre determinados autores, quer também pela propaganda cultural de determinadas classes literárias que estabelecem uma espécie de cânone da literatura mundial, a exemplo do que fez o crítico e estudioso norteamericano Harold Bloom.

Meu objetivo no capítulo não se restringe a eleger os melhores e sim demonstrar a importância da obra de cada um dos escolhidos sob o nosso cânone, a fim de enriquecer o trabalho e defender meu ponto de vista sobre a importância da poesia no decorrer da história. Conforme discorrido anteriormente, Homero foi um dos mais importantes poetas da antiga literatura grega, não somente pelo fato de ter produzido toda sua obra mesmo cego, mas também pelo fato de ter relatado acontecimentos de caráter histórico e informativo de sua época, através dos seus dois maiores poemas, considerados por muitos historiadores os maiores épicos da antigüidade: Ilíada e Odisséia.

Homero é para a Grécia o que Shakespeare é para a Inglaterra. Não se pode ignorar a importância do poeta hoje, decorridos quase 3.000 anos do seu tempo, pois permanece objeto de estudo em universidades, escolas poéticas e causa o mesmo fascínio de antes. Livros são escritos sobre a sua obra e as interpretações são mais diferentes possíveis. As obras do poeta, como conhecemos atualmente, apresentam uma unidade impressionante, apesar de serem muito longas. Do ponto de vista histórico, Ilíada e Odisséia são de extrema importância pela simples razão de ajudarem a reconstruir a antiga história da Grécia.

Mais adiante, Horácio, Virgílio e Ovídio exerceram influência suficiente para registro de seus nomes nos anais da história da literatura universal.

Horácio, que viveu de 65 a 8 a.C., tinha uma personalidade áspera e autodepreciativa, comprovada através de seus poemas Sátiras e Epístolas. Seus quatro volume de Odes são ainda mais notáveis, escritos em versos que mostram da melhor maneira a concisão latina, abrangendo grande variedade de assuntos, com predomínio do amor, da política, da filosofia, da poesia e da amizade.

Filho de um esclarecido escravo liberto, nasceu na região de Venosa e contou sempre com o apoio do pai em todos os momentos de sua formação. Estudou em Roma e Atenas. Republicano convicto, tomou o partido de Bruto e não hesitou em confessar, candidamente, que abandonara as armas no campo de batalha de Filipos, onde Otávio derrotara as forças de Brutus e Cássius. Juntamente com Virgílio e Catulo, Horácio forma a tríade maior da poesia latina clássica. Seus mestres foram os poetas gregos - não os mais próximos, os alexandrinos, mas os recuados, os fundadores da lírica helênica : Arquíloco, Safo e Alceu.

Sua obra chegou-nos praticamente completa; são sátiras, epodos, epístolas e, principalmente, odes (em quatro livros), estudadas, esmiuçadas e traduzidas em inumeráveis línguas, tanto no Ocidente como no Oriente, ao longo desses dois milênios, como o pequeno fragmento que transcrevemos a seguir :

Pobre vida a da moça que não pode
namorar (vigilância)
nem se permite um gole
para afogar as mágoas (e as más línguas?)

Admirado, traduzido e imitado há dois milênios, Caio Valério Catulo (82-52 a.C.), pode ser considerado o maior lírico da poesia latina. Segundo Décio Pignatari em seu 31 Poetas 214 Poemas (1996 : 118),

“ . . . sua lírica, não raro atravessada por laivos epigramáticos irônicos, jocosos ou satíricos, é louvada pela sua inovadora simplicidade direta - escorada, porém, por uma sábia estrutura que não se exibe - e pela inflamada crispação interna que a paixão amorosa provoca ”.

Nascido em Verona, de pais abastados e muito bem relacionados, viveu na Roma de Júlio César e Cícero; o primeiro era hóspede freqüente de seu pai (que não impediu algumas farpas do filho); o segundo está ligado a ele pelos dois pont os que mais poderiam tocá-lo : sua poesia e sua amada-amante. Quanto ao primeiro, o orador criticava em Catulo e seus jovens amigos poetas as liberdades métricas, a irreverência, os coloquialismos familiares e populares e o pouco apreço que tinham pelos severos mestres do passado, Ênio em especial; chamava-os neoteroi , inovadores, em grego, de propósito, pelo que tinham de imitar poesia grega, tanto a lírica arcaica e pioneira de Arquíloco e Safo como a mais recente, a alexandrina. Segundo ponto : Chegou a referir-se a Clódia, esposa de um cônsul romano, como “meretriz barata”, em pleno fórum, além de insinuar que ela mantinha relações incestuosas com o irmão. Contudo, suas odes tornaram-se famosas e foram traduzidas em diversas línguas nos últimos dois mil anos, como a que podemos ler a seguir :

Tordo, prazer da minha namorada,
brinquedo vivo que ela leva ao seio
e que incita a bicadas doídas,
com a ponta do dedo, quando quer
- Ó, meu bem, minha luz, meu bem-querer -
distrair-se com algo divertido,
para acalmar a dor, quem sabe ? de uma
paixão voraz - pudesse eu brincar
com você, como o faz a sua dona,
pra amortecer as dores do meu peito !

Marco Valério Marcial, nascido no ano 40 d.C. na hoje província de Saragoça, Espanha, foi para Roma em 64, retornando depois de 30 anos à terra natal, onde morreu, no ano de 104, presumivelmente. Viveu a vida típica de um cliente , homem supostamente livre, que vive de badalações e de prestar serviço aos poderosos, a começar pelo bestial Domiciano (Irmão e sucessor de Tito no império romano).

O poeta foi um cronista social obsceno e pornográfico de seu tempo, por isso mesmo criticado, quando não desdenhado e desprezado. Seus epigramas - mais de um milhar -, distribuídos em doze livros, vêm atravessando os séculos, influenciando muitos escritores e poetas, entre os quais Rabelais, Quevedo, Gregório de Matos e Bocage.

Com o poeta Juvenal, também espanhol e seu amigo, formaram a maior dupla satírica latina, descontando-se, logicamente, Horácio, que operou em outro registro. Marcial deixou a marca de seu talento também em muitas passagens como a do “ plátano de César “ e a do “ rol das coisas boas da vida “ . Muito censurado, só encontrou as primeiras traduções sem travas nos anos 60 e 70, especialmente graças ao trabalho pioneiro do historiador Guido Ceronetti, do qual muito os historiadores atuais se valem, descontando suas excessivas liberdades formais. Sua obra, porém, continha poemas mais suaves, a despeito de toda sua fama de satírico e pornográfico, embora recheada de metáforas picantes :

Para embrulhar atuns não faltem capas,
Não fiquem sem cartucho as azeitonas,
E nem padeça a traça a fome vil.
Vá, papiro do Egito, é o que possuo :
O inverno ébrio quer novas piadas.
Eu jogo dados de papel, não dardos,
E tanto faz um crepe como um seis.
Lanço cubos de um copo-pergaminho:
Lucros nem perdas não me traz o acaso.

Entre a elite bem-dotada da China do Século VIII estavam dois dos maiores poetas da história : Li Po e Tu Fu.

Li Po nasceu em 701, em algum lugar da Ásia Central, onde sua gente viveu por mais de um século antes de retornar e se instalar em Sichuan, por volta de 705. A família talvez estivesse envolvida com o comércio, visto como uma ocupação inferior pela corte, o que talvez explique porque a carreira de Li Po no serviço público definhara. Recusou-se a prestar concurso público e assumiu sua nômade pobreza. De qualquer forma, ele era um rebelde e um andarilho por natureza, um romântico, místico e libertino, viciado em vinho, amor e poesia.

Li Po é o grande poeta da China, inventor e mestre. Dizem que tinha muito de não-chinês, que era da Ásia Central e que aprendeu muito com as apreciadas dançarinas e cantoras do Turquestão, nos cabarés de suas andanças. Bêbado iluminado (Tu Fu o considerava um mago), crêem os espíritos taoístas, em lenda célebre, que Li Po morreu afogado ao se debruçar de um barco para beijar o reflexo da lua na água; os confucianos, dizem que de pneumonia. Seu poema “ Bebendo sozinho com a lua “ demonstra a notabilidade, audácia e o lirismo dos principais poetas Tang :

De um cântaro de vinho entre flores
eu bebia sozinho. Ninguém comigo -
E então, erguendo minha taça, pedi à clara lua
que trouxesse minha sombra e fizesse de nós, três.
E minha sombra pendeu de mim ociosamente.
Ainda assim, por momentos tive amigos
para me animar no fim da primavera ( . . . )
Cantei. A Lua me estimulou.
Dancei. Minha sombra cambaleou atrás.
Tanto quanto soube, fomos joviais companheiros.
Depois fiquei bêbado, e nos perdemos.

Tu Fu, amigo do Li Po, nascido em 712, era um homem sério, estudioso, profundamente comprometido com o humanismo confucionista e com o serviço público, muito valorizado na China. Tendo prestado concurso, Tu Fu foi reprovado e contentou-se com posições subalternas de extranumerário. Com freqüência, usava a poesia como protesto político, atacando a injustiça social, assumindo a voz de um soldado camponês e colocando-se em algum passado distante. No final da vida, Tu Fu testemunhou a rebelião contra o imperador Hsuan-tsung e escreveu sobre a fome e desordem que tomaram conta da China e seus poemas era tão apreciados quanto os de Li Po. Vejamos um pedaço de sua obra através da Canção do Mar do Sul :

Vindo do mar do Sul,
Disse o Hóspede-Enigma :
“ É de sereia. Aceite
Esta pequena lágrima” .
Era uma estranha pérola
com laivos e sinais,
que tentei decifrar
com leituras banais.
Mas, quando abri o escrínio,
que mudança funesta :
um coágulo de sangue
- É tudo o que me resta !

Homens como esses participaram de uma explosão gloriosa da literatura e das artes e não podem ser ignorados jamais, pois somente o fato de hoje termos uma pequena mostra de sua obra, 1300 anos depois, revela a importância e o impacto forte de sua poesia no período em que viveram. Dante Alighieri, poeta italiano do século XIII, nasceu e passou metade da vida em Florença até que os acontecimentos políticos o obrigaram ao exílio, procurando refúgio em uma corte após outra.

Os anos de Florença foram marcados por sua paixão por Beatriz Portinari, que morreu em 1290, com menos de 20 anos, e que permaneceu fonte de inspiração e devoção para o poeta até o fim de sua vida. Este amor trágico inspirou belos poemas líricos em Vida Nova, no ano de 1293. No exílio, escreveu dois tratados latinos : Sobre a Língua do Povo, da maior relevância ao colocar o italiano como idioma literário, e No Governo do Mundo, que apoiava o Sacro Império Romano contra as reivindicações do papa.

A Divina Comédia, sua obra mais conhecida, foi iniciada em 1308, mas concluída somente ao final da vida. Trata-se de um poema em três partes, Inferno, Purgatório e Paraíso, que descreve a jornada de Dante para encontrar Deus, acompanhado de Virgílio, até o ponto em que Beatriz (a graça divina) deve guiá-lo.

A obra é uma cosmografia (Descrição astronômica do mundo) completa do conhecimento medieval e uma profunda recapitulação da doutrina cristã da queda e da redenção, colocada em versos de sublime e majestosa beleza, especialmente na criação de imagens. Representa o pináculo da poesia italiana.

Não menos importante, Luís Vaz de Camões, poeta português do XVI, por volta de 1542, já com pendores literários, frequentava a nobreza, mas suas posições políticas levaram-no ao exílio em Ribatejo.

Nada talvez seja mais obscuro do que a biografia de Camões. A maioria dos fatos relevantes e importantes ligados a sua trajetória pessoal estão envolvidos numa névoa espessa que a passagem do tempo não consegue dissipar ”.

Com essas palavras, o pesquisador José Emílio de Major Neto (1993 : 6) expõe a vida conturbada de Camões. Quase tudo que sabemos são informações truncadas, incompletas e muitas vezes contraditórias, a maioria não passível de informação documental. Sabe-se que desde antes do fim da adolescência o poeta já se encontrava em Lisboa, e neste ano prestou serviços militares na África, onde perdeu um dos olhos, numa batalha ou acidente.

Apesar da precariedade dos dados históricos de sua vida e obra, a vida de Camões foi turbulenta e instável, repleta de vicissitudes, marcada por enormes dificuldades, pela pobreza e pela miséria, e com certeza pela inimizade e perseguição por parte de forças poderosas suas contemporâneas. Contudo, Camões é uma das figuras de maior relevo da tradição literária em língua portuguesa e, sem dúvida alguma, um dos maiores poetas do seu tempo. Sua obra é a base para a compreensão do complexo cultural que envolve o século XVI e o fenômeno histórico e estético chamado Renascimento. Os ecos de seus temas, procedimentos formais e estilísticos são facilmente detectáveis ao longo dos últimos quatro séculos de cultura literária, quer em Portugal, quer no Brasil.

Camões ocupa assim um lugar de destaque, quer entre os mais prestigiados autores de seu tempo, quer como o mais ilustre representante de toda uma cultura e tradição literária no seio das modernas literaturas européias. Sua obra mais famosa, Os Lusíadas, foi escrito quase integralmente no exílio e, atualmente, é objeto de estudo e qualquer lugar do mundo. O centro temático mais relevante da obra de Camões é o amor e suas implicações profundas em relação à condição humana, tal como no soneto
LXXIII apresentado a seguir :

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente,
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer,
é solitário andar por entre a gente,
é não contentar-se de contente,
é cuidar que se ganha em se perder.
É um estar-se preso por vontade,
é servir, a quem vence, o vencedor,
é um ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode o seu favor
nos mortais corações conformidade,
sendo a si tão contrário o mesmo amor ?

Miguel de Cervantes, romancista, dramaturgo e poeta espanhol do século XVI, criou personagens universalmente conhecidos, como D. Quixote, o cavaleiro errante, e seu criado Sancho Pancho. Escreveu principalmente nos doze últimos anos de vida, depois de uma carreira como soldado, quando foi até prisioneiro de piratas e preso na Espanha sob acusação de mal uso do dinheiro público.

O longo poema Viagem a Parnaso (1614) obteve pouco sucesso, mas seu fracasso relativo foi seguido pela aclamação da sua paródia do romance de cavalaria As Aventuras de Quixote (1605-15), motivo pelo qual Cervantes é admirado e estudado até os dias de hoje.

Minha pesquisa não teria valido a pena se não tivesse esperado ansiosamente pelo estudo e inclusão da vida e obra do dramaturgo e maior poeta inglês de todos os tempos : Wiliam Shakespeare.

Para a grande maioria, artistas, jovens, velhos, poetas, escritores ou não, Shakespeare é considerado o maior poeta de todos os tempos. Seus versos são declamados repetitivamente nos teatros cênicos, nos principais meios de comunicação, em novelas, peças teatrais e nas escolas. Suas obras, traduzidas e apresentadas em todas as partes do mundo, tornaram-no o mais célebre dos escritores. Sabe-se que já trabalhava no teatro londrino em torno de 1592, porém nada se conhece a respeito de sua educação ou profissão anteriores.

Como autor e ator, trabalhou para a Companhia de Lord Chamberlain, conhecida a partir de 1603 como Companhia Real, o grupo mais importante a ocupar, desde 1599, o Globe Theatre, do qual era sócio. Shakespeare é autor de 38 peças conhecidas, que dividem sua carreira em aproximadamente quatro períodos. No primeiro, compreendido até 1594, escreveu diferentes tipos de comédia, tais como O Esforço do Amor Perdido, a Comédia dos Erros e A Megera Domada.

A abordagem da história da Inglaterra, por ele elaborada em suas obras, teve início com primeira tetralogia, que compreende Henrique IV e Ricardo III. A sangrenta Titus Andronicus é sua primeira tragédia. Entre 1594 e 1599, permaneceu concentrando-se em comédias e peças históricas. As comédias deste período - Sonho de Uma Noite de Verão, As Alegres Comadres de Windsor, O Mercador de Veneza - são produto de sua melhor inspiração romântica, enquanto o domínio completo da Narrativa aparece na segunda tetralogia : Ricardo III, Henrique IV e Henrique V. Na terceira fase, entre 1599 e 1608, o poeta abandonou a comédia romântica e a história inglesa, passando a produzir tragédias, peças de humor negro ou episódicas, como Medida por Medida, Tudo Está Bem quando Acaba Bem e Troilus e Criseida.

De um modo geral, Rei Lear, Macbeth, Hamlet e Otelo são consideradas suas quatro maiores tragédias, embora um segundo grupo de peças romanas se caracterize por presenças igualmente notáveis, como Antonio e Cleópatra, Júlio César e Coriolano. A esta fase também pertence Timon de Atenas, possivelmente escrita em parceria com Thomas Middleton 1.

A fase final da produção shakespeariana corresponde ao período entre 1608 e 1613 e é dominada por um novo estilo de comédia, que aborda temas como a perda e a reconciliação : Péricles, Cimbelina, Conto de Inverno e A Tempestade, conhecidas como seus últimos trabalhos românticos.

A consagração de Shakespeare deve-se a seus notáveis e complexos personagens, à dinâmica de suas peças, obtida através de alternância de cenas curtas e rápidas e, acima de tudo, à sutil e extraordinária riqueza de seus versos brancos, que apresentam metáfora profunda e retórica elaborada.

A juventude de Shakespeare se deu num tempo em que o povo inglês era persistente com relação aos entretenimentos dramáticos. A corte se ofendia facilmente com as alusões políticas e tentava suprimi-los. Os puritanos, um grupo crescente e enérgico, sendo os religiosos em meio ao da Igreja Anglicana, teriam suprimido os entretenimentos, mas o povo os desejava, certamente.

O poeta levava a sua poderosa execução aos mínimos detalhes, até a perfeição. Ele tinha o poder de criar uma pintura. O seu poder lírico está no gênio da peça escrita. Os sonetos, são tão inimitáveis quanto os últimos.

Shakespeare é o único biógrafo de Shakespeare; e até mesmo ele nada pode dizer, exceto para o Shakespeare em nós; a saber, em nosso momento mais perceptivo e simpático” (Ralph Waldo Emerson)

É fácil perceber que o que é melhor escrito ou feito pelo gênio no mundo não foi trabalho de um homem, mas surgiu de uma ampla obra social, quando mil pessoas produziam como uma, compartilhando o mesmo impulso. Shakespeare era um homem do povo e com eles teve uma perfeita relação de amor e respeito, dando ao povo o que o povo queria : emoção. Seus poemas, sonetos, peças ou tragédias são a expressão da consciência humana, no seu grau mais profundo de reflexão e martírio. Talvez por este motivo, Shakespeare está tão perto de nós, a tilintar nossos cérebros e tenha condenado toda humanidade a conviver com sua obra e jogar-se a seus pés, involuntariamente.

No poema A Graça do Perdão, inserido na peça O Mercador de Veneza, que transcrevemos a seguir, Shakespeare coloca-nos em choque conosco mesmo, forçando-nos à reflexão pura e simples, desprovida de um esforço maior, pela simples leitura de suas linhas :

A graça do perdão não é forçada;
Desce dos céus como uma chuva fina
Sobre o solo: abençoada duplamente,
Abençoa a quem dá e a quem recebe;
É mais forte que a força: ele guarnece
O monarca melhor que uma coroa;
O cetro mostra a força temporal,
atributo de orgulho e majestade,
onde assenta o temor devido aos reis;
Mas o perdão supera essa imponência :
É um atributo que pertence a Deus,
E o terreno poder se faz divino
Quando, à piedade, curva-se à justiça.

Sobre Shakespeare não cabe mais nada. Difícil interpretá-lo, fácil admirá-lo. Os artistas sabem do que estamos falando, ao suarem e permaneceram noites acordados tentando a incorporação e a melhor interpretação de seus personagens e do espírito shakespeareano. Para fazer Shakespeare é preciso estudá-lo, conhecer sua obra como a palma da mão, colocar-se no seu tempo e pensar como ele, sob pena de admirá-lo em vão, sem qualquer efeito. Talvez seja esse o motivo que nos leve a carregá-lo na memória, na alma e por toda eternidade, sem sombra de dúvida. Charles Baudelaire , poeta francês do início do século XIX, foi pouco apreciado enquanto viveu, mas é hoje considerado um dos expoentes da literatura francesa. A coletânea de poemas As Flores do Mal, quando publicada em 1857, provocou um processo no qual o poeta foi acusado de atentar contra a moral pública.

Em As Flores do Mal, Baudelaire apresenta os contrastes entre as aspirações ideais de um homem e a desilusão experimentada na sua existência cotidiana. Buscando a beleza não em abstrações, mas na sórdida realidade da vida parisiense, especialmente em Quadros Parisienses, o poeta descobre reflexos do além em toda a criação.

No entanto, vencido pelo desgosto, se rebela contra Deus e busca a liberdade oferecida pela morte, que lhe permitirá observar o mundo atrás da fachada da existência. Os poemas nos quais exibe mestria no controle da rima e do ritmo apresentam um colorido exótico herdado do romantismo, ainda que baseados em observação da vida real e executados numa forma perfeita que antecipa as características dos parnasianos.

Ao longo dos séculos, dois alemães se destacaram pela importância de sua obra poética, coincidentemente, ambos nascidos no século XVIII. Johann Wolfgang von Goethe , poeta, dramaturgo, novelista e filósofo alemão, é considerado um dos maiores poetas de língua alemã. Nascido no ano de 1809, Goethe produziu uma obra que abrange desde o subjetivismo do movimento Sturm and Drang ( Tempestade e Ímpeto) até a consciência harmônica do classicismo. Sua obra inclui poesia lírica, épica e baladas, romances, contos e obras autobiográficas. A publicação de Götz von Berlichingen (1771), uma peça no estilo da tradição de Shakespeare, retratando um herói destruído pela degeneração da idade, firmou seu conceito no meio literário. No ano seguinte, o poeta apareceu com Os Sofrimentos do jovem Werher, romance epistolar sobre um forasteiro muito sensível sem lugar no mundo.

Sua obra-prima é Fausto, um drama em duas partes, do qual se ocupou de 1770 até 1831. O trabalho reflete o desenvolvimento das observações colhidas ao longo de toda uma vida marcada por sofrimento, tragédia, humor e ironia.

Goethe, um homem com um centena de braços, olhos de Argus, capaz e feliz de poder, com essa giratória miscelânea de fatos e ciências e, por sua própria versatilidade, capas de delas dispor facilmente; uma mente masculina, desembaraçada pela variedade de casacos da convenção com que a visa se incrustou, facilmente capaz, por sua sutileza, de penetrá-la e retirar a sua força da natureza, com a qual ele vivia em perfeita comunhão". (Ralph W. Emerson)

Faz um grande diferença para a força de qualquer sentença saber se há um homem atrás dela ou não. Goethe é o tipo da cultura, o amador de todas as artes, ciências e acontecimentos ; artístico, mas não artista; espiritual, mas não espiritualista. O que também é estranho e nos chamou atenção durante a pesquisa sobre sua vida, é que ele vivia numa cidadezinha , num estado insignificante, num estado derrotado, num tempo em que a Alemanha não representava um país tão importante nos negócios do mundo a ponto de inchar o peito de seus filhos com qualquer orgulho metropolitano, como o que devia alegrar um gênio francês, inglês ou, antes, um romano ou ático. No entanto, não há traço algum de limitação provinciana em sua musa. Ele não é um devedor de sua posição, mas nasceu com um gênio livre e controlador.

Helena, ou a segunda parte de seu poema Fausto , é uma filosofia da literatura em poesia. A maravilha do poema está na inteligência superior do poeta. Assim, ele é um poeta de um laurel mais orgulhoso do que qualquer um dos contemporâneos.

O que distingue Goethe dos leitores franceses e ingleses é uma propriedade que ele compartilha com a sua nação - uma referência habitual à verdade interior. Na Inglaterra e na América há respeito pelo seu talento e em todos os países em que sua obra foi traduzida, os homens de talento escrevem com o talento.

Talento apenas não faz um escritor. Deve haver algum homem por trás do livro; uma personalidade que, pelo nascimento e por suas qualidades, está empenhada nas doutrinas ali descritas e que existe para ver e declarar coisas assim e não de outro modo ” (Ralph W. Emerson)

Goethe, a cabeça e o corpo da nação alemão, segundo seus biógrafos e estudiosos, não fala do talento, mas a verdade brilha através dele. Ele é bastante sábio, embora seu talento freqüentemente cubra a sabedoria. Ele é o tipo da cultura, o amador de todas as artes, ciências e acontecimentos, motivo pelo qual permanece vivo no coração da classe literária mundial, incapaz de não consultar os seus escritos para encher-se de sabedoria e conhecimento da filosofia.

A sua autobiografia, sob o título de Poesia e Verdade da Minha Vida, é a expressão da idéia, agora familiar ao mundo através da mente alemã, mas uma novidade para outros países quando o livro apareceu, a de que um homem existe para cultura , não para aquilo que ele pode executar, mas pelo que pode ser executado nele. A reação das coisas sobre o homem é o único resultado digno de nota.

Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Trova XCII - Cristiane Borges Brotto (Curitiba/PR)

Montagem da trova sobre desenho criado por Rico. http://www.ricostudios.com.br

Claudia Lage (Porque é)

Andou com pressa sem hora marcada para nada. Virou as esquinas pensando em como era bom virar alguma coisa. Tropeçou num treco qualquer no meio do caminho e só depois viu não se tratar de uma pedra. Os jornais que embrulhavam a pessoa deitada anunciavam uma liquidação imperdível. Ótimo. Tinha mesmo que comprar presentes. Corra, corra, não perca! Imediatamente, correu, embora não soubesse o endereço. Passou por uma mulher linda, um homem lindo, uma criança linda. Pensou: o mundo é bom. E a cidade cintilava com as luzes extras sem nenhuma beleza nem economia.

No meio da multidão, esbarrou em alguém que conhecia. Rapidamente, não se cumprimentaram. Na esquina, desejou felicidades à mocinha que lhe vendeu um sanduíche. Depois, sentiu, de repente, uma alegria. Mal podia esperar a noite. Gostava da comilança, da família reunida. Nessa hora, cresceu um buraco em seu peito que o fez logo pensar em doenças. Em seguida, imaginou curas. É o susto do tempo. De tudo parecer a mesma coisa. E é também a dor desse susto. São as horas corridas que se adiantam tanto, e para quê? Para todos os anos caírem sempre no mesmo dia. Era o que pensava. Só esperava que, se alguma vez morresse, fosse quando estivesse muito, mas muito doente, pois achava morrer saudável um verdadeiro desperdício. Calculava, no futuro, que seria capaz de saborear cada instante. Em pequenas ambições, vislumbrava roçar a carne vida.

Olhando assim, é uma pessoa como outra qualquer. Carregando um desejo como qualquer outro. Arrastando e alimentando o desejo. Deixando ele crescer. Invadir o peito, arrepiar os pêlos, subir à cabeça, desfiar os cabelos. É um perigo querer tanto assim. Talvez seja a época do ano. Você sabe. Aquela que nos faz gastar o dobro do dinheiro que temos. Aquela que nos faz pensar neles. No homem que morreu na cruz e no que anda pelo mundo inteiro, por incrível que pareça, de trenó. Um teve, no peso de sua dor, a dor de todos. O outro, velhinho, vive até hoje num lugar muito longe e frio. Coitados. E ainda têm que aguentar os teus pedidos. Esses desejos que vocês carregam, arrastam, alimentam. Vejam só:

Carregar - Ato de levar ou conduzir uma carga. Tornar sombrio, triste. Tornar mais intenso, mais forte. Exercer pressão sobre.
Arrastar - Ato de levar à força. Mover com dificuldade. Rastejar. Falar morosamente. Atrair, trazer atrás de si.
Alimentar - Dar alimento a. Nutrir, sustentar, conservar. Incitar, incrementar. Manter, prover.

Então o homem carregou os presentes até em casa, a mulher deixou mais forte o tempero da comida, o avô moveu com dificuldade a própria perna, a avó alimentou as crianças, e a menina comeu tudo, nutrindo a expectativa de enfim, naquele dia, ganhar um presente impossível porque era Natal.

Então o avô conseguiu sustentar com o próprio corpo o peso dos anos, a mulher falou morosamente com o marido, o homem exerceu pressão sobre a esposa, trazendo-a atrás de si até o quarto, a avó rastejou a história mais comprida para as crianças, e o menino deu alimento a cada palavra, achando que naquele dia tudo em casa estava mais calmo e bonito porque era Natal.

Então a menina sustentou que Papai Noel não existia, o menino incrementou achando que aquela barba de algodão era mesmo patética e ridícula, o avô tornou-se sombrio porque perguntava e ninguém respondia, a avó incitou a filha a cuidar dos filhos e da cozinha, a mulher entristeceu, pois ela e o marido às vezes não se entendiam, o homem carregou o medo de perder tudo aquilo que nem tinha tanta certeza assim de que tinha, e todos prometeram evitar discussões naquele dia porque era Natal.

A pele brilhava. Perfeita. Se a levantasse apenas um pouquinho, encontraria a carne branca e macia. Igualmente perfeita. Nesse momento, a boca certamente já estaria transbordando de água. Água de fome e vontade. Uma faca grande e bem afiada faria o corte preciso. Com muita calma, penetraria nela o garfo de enormes dentes e a deitaria languidamente no prato. Ao seu lado, para breve companhia, um pouco de arroz, farofa e maionese. Pronto, perfeito. Agora, a boca aberta já estaria à espera, assim como todas as glândulas e todos os dentes. Se houver sorte e dinheiro, 32 inteiros ou consertados. Mas, antes, outro corte. Menor, mais delicado, mais sensível. Enfim, o garfo, o pequeno, espetaria a sua pressa na carne. E a boca ávida, como em nenhum outro dia, engoliria tudo. Ao seu lado, em silêncio, a sua mulher fazia o mesmo. Ao lado dela, fazia o mesmo a sua filha. E o filho. Na outra ponta, o seu pai, mãe, e pai e mãe dela. Na casa vizinha, dava para ouvir o mesmo. E o mesmo, o mesmo. Alguém riu, todos riram. Alguém disse Feliz Natal, todos repetiram. Alguém estendeu um presente, todos estenderam. Alguém anunciou que ia dormir, dormiram. E o céu deste mundo brilhava, sem reluzir nenhuma estrela.
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Sobre a Autora

Claudia Lage é carioca, se formou em Literatura e dedicou muito tempo ao teatro, como autora e atriz. Mas sua verdadeira vocação se manifestou repentinamente, num domingo, quando em apenas um dia ela escreveu o conto A hora do galo que ganhou o concurso Stanislaw Ponte Preta de contos, da Rio Arte, em 1996. Este e outros doze contos formam seu livro de estreia, que publicou em 2000, pela Editora Record – A pequena morte e outras naturezas.

Claudia também tem contos em algumas antologias:
- Recontando Machado (Editora Record)
- 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira (Editora Record), organizado por Luiz Ruffato
- Todos os sentidos – contos eróticos de mulheres (CL Edições Autorais), organizado por Cyana Leahy
- Ficções Fraternas (Editora Record), organizado por Livia Garcia-Roza

Em 2009, a autora se lança como romancista, trabalhando ficcionalmente a biografia de Eufrásia Teixeira Leite, com o livro Mundos de Eufrásia.

Claudia Lage mantém o blog A pequena morte e é colunista do Jornal Rascunho.


Fontes:
http://www.paralerepensar.com.br/
http://sobrecapa.wordpress.com/autores/claudia-lage/
Imagem = http://oescunchador.wordpress.com/

Flavio Pinto (Os Olhos nos sonetos de Camões)


A comunicação entre os homens tem grande importância pelo poder de aproximação que exerce entre as pessoas e comumente se faz uso da palavra, do diálogo, para a transmissão de idéias e expressão de sentimentos.

Entendemos que no processo amoroso a comunicação assume um valor especial e, como recurso aproximativo, o olhar favorece a comunicação de pensamentos e emoções e também motiva prazer ou, noutro extremo, causa tormento e angústia. A linguagem do olhar como meio de comunicação, substitui as palavras ou as supera, quando expressa o que não é possível se colocar verbalmente.

Em determinadas situações o olhar adquire um papel de destaque devido a sua extraordinária expressividade. Em outros tempos, a obediência às convenções era uma norma a qual não se podia escapar e conseqüentemente as diferenças entre amante frustrado e Amada inacessível tornava o amor, por princípio, irrealizável. Julga-se então, que esta seja a explicação para a origem da tônica dos olhos, do ver, do olhar e contemplar na poesia lírica de Camões. Entende-se perfeitamente esta explicação, considerando que o "amador" é ciente de que não poderá desejar do amor mais do que a linguagem do olhar permitir.

A análise do papel e do sentido do elemento "olhos" nos Sonetos de Camões será o objeto deste estudo.

Na lírica camoniana é constante e evidente o desencadeamento do amor, a sua continuidade, os conflitos resultantes dele ou o fenecimento deste sentimento serem decorrentes de processos relacionados ao fenômeno da visão, portanto, analisar este elemento é de grande importância para a caracterização do processo amoroso em si ou para o desvendar do estado de espírito e dos sentimentos do amante diante de sua Amada.

I – Os olhos como elemento ornamental da beleza da Mulher

Observamos, logo de início, que na poesia camoniana o Poeta se refere insistentemente aos olhos da Amada, falando de sua beleza, inspirando-se e atribuindo-lhes um valor ornamental, conseqüentemente, estético:

"Fermosos olhos (...)" p. 30, v.1.
"Olhos fermosos (...)" p. 31, v.1.
"O lindo ser de vossos olhos" p. 21, v.2.

Há uma freqüência no que se refere à utilização do termo "claros olhos":

"Aqueles claros olhos (...)".p. 144, v.1 e p. 146, v. 4.

Segundo os cânones tradicionais, os olhos verdes eram os mais belos, assim pode-se achar que a designação "claros olhos" supõe também a beleza dos olhos, resultando a referência num elogio. Há também nos Sonetos, uma exceção a essa norma quando o Poeta faz um elogio aos olhos negros, menosprezando os verdes que, segundo ele, se turvam por inveja da beleza superior daqueles:

"Olhos onde tem feito tal mistura
Em cristal branco e preto marchetado
Que vemos já no verde delicado
Não esperança, mas inveja escura" p. 61, vv. 5-8.

Justifica-se isto pelo fato de que a Musa Inspiradora deste Soneto parecer ter sido uma escrava de olhos escuros. Esta variação acidental do conceito de beleza ocorreu por ser uma característica própria da Dama que foi objeto dos amores do Poeta.

Na Renascença era comum valorizar os olhos de acordo com seu brilho: Petrarca faz referência aos "begli occhi lucenti" de sua Musa, e Camões não fugiu a regra quando, expressivamente, evidenciou os olhos da Amada através de metáforas, imagens e comparações:

"Quem pode livre ser, gentil senhora,
Se por entre esta luz a vista passa
Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estão no peito traspassado
Assi(m) como um cristal o Sol traspassa." p. 29, vv. 1, 11-14

"Dos vosso olhos essa luz febéia" p.78, v. 5.

O brilho dos olhos da Amada assume proporções que podem ser comparados ao sol ou até mesmo superá-lo:

"Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia" p. 79, vv. 9-11

E noutro Soneto vai além do estético e passa a ser uma qualidade moral, um indício de inocência e candura:

"Movei dos lindos rostos a luz pura
De vossos olhos belos (...)" p. 72, vv. 9 e 10.

É interessante notar que estas figuras têm a característica de hipérbole por enfatizarem o brilho dos olhos relacionando-os com outros brilhos mais intensos, dando-lhes, portanto, um alto valor.

II – A função de revelar as características da Dama.

O poeta se impressiona ainda mais pelo fato dos olhos possuírem não só um valor estético, mas por deixarem transparecer características espirituais das suas musas inspiradoras. Assim, os olhos nos são apresentados revelando diferentes aspectos da dama, como uma criatura meiga e afável que se compadece do amante sofredor:

"Um mover dos olhos brando e piedoso" p. 77, v. 1.

Ou outra que, ciente de sua condição superior, mesmo expressando rigor não esconde sua meiguice:

"De vossa vista branda e rigorosa" p. 15, v. 10.

Encontramos também, verso que revela nobreza:

"Aqueles reais olhos(...)" p. 241, v. 4.

E outro que transmite superioridade social:

"(...)uns olhos de que eu não era digno" p. 50, v. 7.

E ainda temos aquela dama que cativa e destrói corações:

"(...) olhos(...) que triunfando

Derrubam corações (...)" p. 71, vv. 7 e 8.

Nessa poesia o elemento "olhos" freqüentemente revela-nos Damas de grande perfeição e quase sempre idealizadas.

III – O efeito dos olhos da Dama sobre o Poeta.

Analisando agora a atuação do elemento em estudo, temos a influência dos olhos da mulher sobre quem a ama.

Olhos que expressam ora meiguice, ora altivez, desencadeiam no "Amador" sentimentos contraditórios:

"Os olhos(...) (que o conquistaram)
(...) foram causa do mal que vou passando." p. 32, vv 9 e 10:

Ele procura fuga, mas não encontra firmeza e acaba vencido:

"Vossos olhos, Senhora(...)
Meus sentidos vencidos se so(b)metem
Assi(m) cegos a tanta divindade" p.28, vv. 1, 5, 6.

Rendendo todo seu ser:

"Os olhos com que todo nos roubaste" p. 32, v. 9.

Chegando a torna-se uma obra resultante do poder desses olhos.

"Olhos fermosos (...)
Se quiserdes saber quanto possais
vede-me a mi(m) que sou vossa feitura" p. 31, vv. 1, 3, 4.

Apesar de todo sofrimento pelo qual o Amador passa, ele demonstra uma atitude pacífica, não se revoltando contra a Dama , atribuindo a culpa não a ela, mas a beleza de seus olhos:

"Ditoso seja o dia e hora, quando
Tão delicados olhos me feriam" (p.186, vv. 5 e 6)

Ou ao Amor que causa desventuras:

"(...) quando o Amor virou
a roda à esperança que corria
tão ligeira que quase era invisível
converteu-se-me em noite o claro dia" (p. vv. 9 a 12)

E noutras vezes o destino é o grande culpado de tudo:

"Fortuna (...)
Em verde derrubou minha alegria" (p. 198, vv. 1 e 2)

Em dois Sonetos encontramos uma rebelação a atitude da Amada. No primeiro ele reage, armando-se de força:

e, no segundo, diante da não correspondência amorosa o Poeta faz-lhe um ultimato para que ela permita-o desfrutar do seu amor.

IV – Os olhos do Amador

Passando ao estudo do valor dos olhos do amante, notamos que esse elemento aparece como veículo revelador do que vai na alma do Poeta no processo amoroso, expressando ora alegria, ora revelando sentimentos de amor, manifestações essas sempre de cunho positivo. Contudo, freqüentemente há também passagens nas quais os olhos do amante nos comunicam, em oposição, sentimentos de tristeza, mágoa, tormento e cansaço, e há momentos até que os seus olhos exprimem sentimentos paradoxais como, por exemplo, alegria pela dor que experimentam.

Fonte:
http://www.coladaweb.com/

I Encontro Nacional de Poesias de São Fidélis (Poesias Vencedoras)



1º LUGAR

Luiz Poeta - Luiz Gilberto de Barros (Rio de Janeiro)
AO MAIS ANTIGO CIDADÃO DE SÃO FIDÉLIS

Sem que o relevo desta terra te proíba,
Com sedutora imponência…e mansidão…
Tu atravessas nossa história, Paraíba,
Abençoando muito mais que um coração.

Tua corrente é poesia em movimento
E por cruzares nossa Cidade Poema,
Quem te navega com o olhar, vê num momento,
Que és o verso…São Fidélis é o tema.

Numa das ruas que te abraçam, da matriz
Duzentos anos te miram…o campanário
Geme estridências solidárias e te diz
Que o teu matiz é sempre um novo itinerário.

Se retornasses há alguns tempos passados,
As tuas margens…de tão líricos caminhos,
Enlaçariam teus Puris e Coroados
E reveriam teus sublimes capuchinhos.

Quando anoitece, a cidade se emoldura…
E na ternura dos olhares solidários,
A luz da Lua se mistura…com brandura,
À escultura dos seus prédios centenários.

Das luminárias do presente fidelense…
Às lamparinas dos casebres ribeirinhos,
A poesia se dilui…sublimemente
Na agitação dos teus eternos torvelinhos.

E quando o sol, pela manhã, te ilumina,
Cada retina comovida que te chora
Reflete em tua solidão mais…mais cristalina…
A repentina emoção de quem te adora.

Os flamboiants fazem a corte quando passas,
Porque eles sabem que sempre reverencias
Cada poeta que passeia pelas praças
De São Fidélis, respirando fantasia.

Na solidão das tuas águas mais douradas,
Quando teu ímpeto…perene…nos completa,
Teu coração, em pulsações cadenciadas
Fala de amor com a ternura de um poeta.

Nós te louvamos, porque és o nosso irmão,
E quem visita nossa lírica cidade,
Sempre te vê, atravessando um coração
E desaguando em nossa sensibilidade.

2º LUGAR

José Antonio Jacob (Muriaé/MG)
POEMA DE SÃO FIDÉLIS "CIDADE POEMA”

Oração Inicial

São Fidélis de Sigmaringa…

Rogai por nós fidelenses,
pelos índios brasilienses,
Coroados e Puris…
Dai-nos Paz e Liberdade
para o bem desta cidade
protegei nossa Matriz!

O desbravamento

Rumo ao sítio da Gamboa,
há de ser em terra boa!
Quis o destino feliz
que dois frades capuchinhos,
encontrando bons caminhos
fundassem nobre Matriz.

Trabalho ao sabor do vento,
sem vestígio de cimento,
só pedra, tijolo e areia,
tudo em oleo de baleia
e outros meios de improviso:
-sangue, suor e sorriso…

A proteção da Cruz

Ainda estudando um modelo
os frades tiveram zelo
e devoção a Jesus,
e aos "Anjos do Artesanato"
deram à Igreja o formato
de uma esperançosa cruz.

Nosso enredo diz assim:
-A mata virou jardim
e o jardim floriu cidade,
porque onde há paz e harmonia
também tem felicidade
e junto delas poesia!

Nas margens do Paraíba
a História subiu em riba
e desfraldou nosso emblema:

-Somos um povo feliz,
temos a "Cidade Poema",
A praça verde e a Matriz!

3º LUGAR

Benedito José Almeida Falcão (Baurú/SP)
SÃO FIDÉLIS (…o Tempo e o Vento…)

No princípio destas terras,
bem antes do povoado,
viviam Puris, Coroados
entre seus rios e serras.

…e entre eles, o tempo...

...e vêm pelas águas os freis,
O Imperador, pelas serras,
nas bagagens, fé e leis,
vem progresso, em via férrea…

Vem, da Matriz, som de sino;
dos poetas, vêm os versos,
na toada dos destinos,
nossos sonhos mais dispersos…

…e entre o tempo, o vento…

Ah, história de nossa gente,
unidas pelas estruturas
das pontes e das culturas
que unem passado e presente.

…e entre eles, o tempo…
...e entre o tempo, o vento…

No recriar desta cena,
hoje, São Fidélis é
uma Cidade Poema
de esperança, força e fé…

…aldeia, povoado, vila…
…e entre tudo o tempo…
…e entre o tempo, o vento…
… entre eles, nossas vidas…

MENÇÃO HONROSA

Ronaldo de Souza Barcelos (São Fidélis/RJ)
HISTÓRIA DO MEU LUGAR

No princípio era o rio.
Manso, denso, caudaloso, deslizando cuidadoso
entre as serras, para o mar.
Molhando o chão de mansinho
Era mesmo a natureza contemplando a própria beleza
que em versos não sei contar.

Rio acima de canoa
num lugar chamado Gamboa
aportaram-se os capuchinhos
que sem medo do perigo
dos índios tornaram-se amigos.

Em capela de pau e palha rezaram a primeira missa
Igreja de pedra e cal
para formar a Aldeia.

Os índios já estavam aqui, coroados e puris
os negros vieram depois
juntando-se aos freis pioneiros
puseram-se a construir
Um templo tão majestoso que encantou o Imperador.

Pedaço de chão singular
Foi Curato, Freguesia, Foi desenho de Debret.
E de tanta poesia em Vila se transformou.

Ganhou Câmara e Barão
Imprensa, bandeira e brasão.
Ganhou ponte e solar.
Ruas de traços perfeitos
Cidade Poema é um feito do poeta em devaneio,
São Fidélis - também santo da Ordem dos Franciscanos
que está a rogar por nós
há mais de 200 anos.

Hoje o rio, a ponte, a Matriz,
traduzem um lugar feliz
Cidade de São Fidélis
minha terra natal
bom lugar para viver
Cidade dos meus amores
Assim como seus fundadores
Hei de amar-te até morrer.

Antonio Augusto de Assis (Maringá/PR)
ERA UMA VEZ...

Era uma vez um lugar
que se chamava Gamboa.
Tinha um rio que passava
juntando as águas da serra para levá-las ao mar.
E os índios - os coroados, os garulhos e puris.

Um dia a canoa trouxe, trazendo as bênçãos de Deus,
dois fradinhos de capucho, um Ângelo, outro Victório,
e a cruz ali se fincou.

Fez-se a capela primeira, de pau-a-pique e sapé.
Depois, belíssima, a igreja
dedicada a São Fidélis, o mártir de Sigmaringa,
padroeiro e protetor.

Em volta se fez a aldeia, da aldeia se fez a vila,
e a vila se fez cidade, que de tão florida e bela
de Poema se chamou.

São Fidélis, Cidade Poema
Do morro do Sapateiro,
das lendas e das laranjas que vêm da Bela Joana,
do leite vindo da Ipuca, de Colônia e Cambiasca,
da cachacinha gostosa moída no Grumarim,
do açúcar branquinho da Usina Pureza,
das barraquinhas na praça em volta da maxambombas.

São Fidélis do Bar América e do Bar Orion,
e do Jaime Coelho na porta do Cine Império.
Do banacaxi, do requeijão, do pão tatu
e das rosquinhas amanteigadas.
São Fidélis das serestas e dos grandes bailes,
dos banhos de rio e da bola de meia.
E das festas da lagosta do Aloísio Abreu.

São Fidélis das bandas tocando dobrado
que hoje escuto redobrados na retreta da saudade.

Diamantino Ferreira (Campos dos Goytacazes)
MINHA TERRA, MINHA SÃO FIDÉLIS

São tantas as coisas belas
desta Cidade Natal!
Uma pena - tantas delas
vivi tão pouco...afinal!

As imagens, de passagem,
rolavam - mas nunca as via!
Eram parte da paisagem
Num mundo que prosseguia!

Tantos anos, e eu daqui
cuidei da vida lá fora;
fiquei moço, envelheci...
Mas estou voltando agora!

Que minha terra me aceite,
pois nunca a deixei de amar!
Fidelense, como azeite...
estive sempre a boiar!

Se voltei, velho e alquebrado,
pela família lutando,
-de volta ao rincão amado,
minha terra! Estou voltando!!!

Por tanto amigo perdido
de que até perdi a conta!
E por tantos esquecido...
Haja bem...que sem afronta!

Aqui, "Cidade Poema",
"São Fidélis" - aportei;
vi meu filme num cinema
que jamais esquecerei.

Havia só uma ponte!
-Ao chegar, já vejo duas!
Que o progresso mais desponte...
Saudades de minhas ruas!

Edmar Japiassú Maia (Rio de Janeiro)
MURAL DIVINO

Recanto de imponentes casarios
que dão requinte à sua nobre história,
São Fidélis enfrenta os desafios
de incólume manter sua memória...

Na austeridade que se faz presente
num presente que é espelho do passado,
Cidade Poema, orgulhas tanta gente
a quem acolhe, sempre, de bom grado...

Para cantar-se não se impõe prefácio,
porque, no rol de tuas tradições,
irmanas a soberba de um palácio
e o amor de fidelenses corações...

Imponentes palmeiras...hamamélis...
assemelham-se a austeras sentinelas,
que emprestam ao perfil de São Fidélis
a paisagem mais bela, entre as mais belas.

As bicicletas trafegam ao largo,
o culto de poesias e amizades,
tornam suave o dia-a-dia amargo,
na doçura das tuas "brevidades"...

Em claras noites o estrelado manto
vem enfeitar o luar que te ilumina...
Por isso, São Fidélis, tens o encanto
de um divino mural...que Deus assina!

Sebastião José Moreira de Queiroz (Vitória/ES)
PRENDA DE SÃO FIDÉLIS

Quando ao longe um assovio
Faz no corpo um arrepio
Eu me lembro das histórias
Que contava meu avô...

...E lá ia o trem de ferro
Saindo da estação.
E na sua janela um branco terno
Balançando uma das mãos

Sua alma ia serena
Lá pro interior do Rio
Lá pra "Cidade Poema"
Conquistar o seu quinhão.

Passava cana, passava boi, cabana.
Passava milho, arroz e banana.
Passava melro, goiaba, tomate algodão.

Só não lhe passava o desejo
Que lhe pedia o coração
Em fervente oração.

"São Fidélis me atenda
Ouça a minha petição
Quero para mim uma prenda
Na festa de São João"

Ir à Matriz, rodar a praça
Passear de mão-na-mão
Namorando a minha moça
No ardor de uma paixão.

E da janela a vida lhe acontecia
Do trem de ferro que o conduzia
E o coração que lhe sentia
Reluzir tal qual rojão.

Passava canavial, passava boiada, casebre
Passava milharal, pasto e herdade.
Céu de antenas coroado, cidade

E lá se foi o trem de ferro...
...E da "Cidade Poema"
Ele roubou a sua prenda
Que São Fidélis lhe defenda
Para nunca mais ele andar só.
E assim a prenda fez-se minha avó.

Rosana Dalle Leme Celidônio (Pindamonhangaba/SP)
JARDIM DE DEUS

Todos me chama de Deus,
O céu é minha morada,
Mas na Terra houve quem quis copiar.
Pois conheço uma cidade que não deixa a desejar...

Se há paraíso terreno, deve ter Nome de Santo.
E lá por aquelas bandas, também bandas deve haver,
Pois sem música não tem graça
E na Praça do Poeta... tem quem queira festejar.

Com cheiro de poesia passeando pelo ar,
Todas as noites adormecem,
Os filhos de "São Fidélis";
Ninados por ricos versos se fazendo rimar.

Berço de grandes nome, merecedores de aplauso,
Fazem jus! Filhos de terra sagrada;
Onde os anjos - Se eu deixasse!
Faria dali sua morada.

Paraíso que se preze tem rio que corta a paisagem,
Desfilando Bela Joana...E o desfiladeiro ao seu redor,
Tal qual Peito de Moça com Pai bravo a lhe guardar.
Tem o Parque do Desengano,
Mas também os Franciscanos (esses não por engano)
Instalaram-se por lá.

E as pessoas de passagem não podem passar sem olhar
O orgulho do seu povo:
- Eis a "Cidade Poema",
Que abriga gente feliz!
Eu falo de "São Fidélis",
Nascida aos pés da Matriz, já bicentenária agora,
Um sinal da cruz eu fiz...

Se sou Eu o Criador,
Deve ser minha culpa,
Por hoje estar com inveja, dos moradores dali,
Só Eu posso fazer isso: Aponto o lugar e digo:
-Faço deste o meu jardim!

"Cidade Poema" é seu tema:
Intelectualidade o seu lema.
Orgulho de seu estado;
Recanto desse país,
Estando em "São Fidélis"
Graças a Deus sou feliz!
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Vanessa Campos Rocha (Catarata de Poesias)


PRESENTE

Em cima da mesa
de forma oval
suspira cansado
sem tempo para nada
transparente
O depósito de cinzas
de horas passadas
recém desconhecido
presente de gratidão
O cinzeiro
de vidro (bonito)
que meu amigo
me deu.

EU DUVIDO DE TUDO:

ponta da mesa
alça da bolsa
papel de chiclete
meia sem elástico
rua sem saída
avesso da roupa
trilha sonora
noite sem lua
molho de chaves
dois pontos

Eu duvido da escuridão
E também
do
não

“TAROT”

O tempo estreito
cabe no bolso direito
da calça xadrez
No outro bolso:
O louco
uma pequena página
arrancada
e que não era do fim
“A vida”


a manhã já tarde, entrou pelas beiradas do quarto
e foi se encostando nas pontas dos pés de Ana,
para que ela se lembrasse que estava viva.
ou então assim:
(o sol na ponta do dedo de ana
a ana na ponta dos pés da vida)
--------------

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XXIV


III. — A Bela Adormecida no bosque

1. — Tradição mitológica

Depois de Hyacinthe Husson que assimila a heroína à luz celeste invadida pela noite ou pelo inverno — sendo a noite, neste caso, representada pela floresta — Charles Ploix (Le surnaturel dans les contes) (O sobrenatural nos contos) nele descobre o despertar matinal. Mas, a primavera livre das correntes do inverno tem numerosos adeptos: Husson (La châine traditionelle) (A cadela tradicional), Max Muller (Essais de mythologie comparde) (Ensaios de mitologia comparada), Bachelin (Sept contes roumains) (Sete contos Rumenos). A versão siciliana (Suli, Perna et Anna, G. Pitre, 1875), ou a versão hindu compilada por Frère no Deccan Days, 1868 (La laitiére et la griff e du Rakshasa (A leiteira e a garra do Rakshasa) se aparentam a essa origem primaveril que reencontramos em Pentamérone (V, 5) ou ao conto alemão Rosa de espinho.

Para Gédéon Huet (Les contes populaires) é o sono mágico, de aspecto extático que reencontramos no Sept Dormants.
2. — A presença da fada má

As Parcas, perto dos berços, prediziam o futuro das crianças. André Lefevre compara a fada má à “Fatumantique” enquanto que Sébillot, Husson e Dillaye pensam numa bruxa (Légendes locales de la Haute-Bretagne, t. II) (Lendas locais da Alta Bretanha). A lenda egípcia apresenta no nascimento de Montemonia em Louqsor, de Ahmasi em Deir e de Cleópatra em Erment, sete fadas madrinhas. Isto faz lembrar os sete Lipikis hindus que anotavam durante a vida dos homens seus procedimentos nos sete planos de suas consciências (sensação, emotividade, inteligência, intuição, espiritualidade, vontade e presciência do divino). Desta forma era determinado o destino do indivíduo na ocasião de sua reencarnação. Suas boas ações anteriores tornavam-se dons inatos. As fadas que assistiram ao nascimento de Ogier, o Dinamarquês, são apresentadas nas Croniques du Roy. Perceforest (século XIII), por ocasião do parto da rainha Zelandina ou na Heurcuse peine (Mme. Murat, 1698). No La biche au bois (A corça do bosque) e Le serpentin vert (A serpentina verde) encontramos duas fadas que foram esquecidas. As vezes, as fadas, ao invés de adormecer, petrificam-se (La reine des abeilles (A rainha das abelhas) de Grimm, (L’arbe qui chante) (A árvore cantante), L’oiseau qui dort, (O pássaro que dorme), Le fidèle Jean (O fiel João) de Carnoy. Em A bela e a Fera as duas más irmãs tornam-se estátuas.

3. — Simbolismo do fuso

Na maioria desses contos, a virgem adormece depois de uma picada, quase sempre, de um fuso. Loeffler-Delachaux, notando que nas tribos primitivas e atualmente na África equatorial, a educação das crianças é confiada a pessoas idosas, geralmente estranhas à família acha que a fiandeira inicia a adolescente perturbada com a sua metamorfose. A teoria freudiana interpreta o fuso como um emblema fálico.

Loeffler-Delachaux (Symbolisme des contes de fées, 1949), observa as prostitutas sagradas doa templos de Afrodite que se apresentavam com a cabeça cingida por um fio; esse penteado foi adotado por Ariadne cujo nome significaria fuso, e depois baseando-se na palavra fenícia Khr, demonstra que a palavra cruz (de onde provém cruzamento) relaciona-se à atividade sexual; e em inglês arcaico Rod significa ao mesmo tempo, cruz ou pênis. Depois de sua curiosa demonstração, o autor conclui que o fio representa a perpetuação da espécie.

É exato que em L’adroite princesse (A hábil princesa), as rocas de fiar das duas princesas Nonchalante e Babillarde se quebraram quando elas foram seduzidas e que o rei soube que só “a roca de Finette permanecera intacta”. Laideronnette, instruída pela sua boa fada, acalma sua repugnância pelo Serpentin vert. Brynbild mergulha num sono letárgico com a picada de um , espinho. (Beauvois, Histoire légendaire des francs, V) (História lendária dos francos).

Loeffler-Delachaux dá também uma significação cósmica ao fuso que simbolizaria “o começo do dia ou a origem de um mundo no momento em que os átomos que o constituem são polarizados pelo magnetismo cósmico”.

4. — As interdições

Para Saintyves essas interdições eram no princípio do ano, pois fiar é ligar e o bobinamento podia frear o movimento do renovamento. É um ritual mágico que muito se aproxima da superstição.

5. — As Belas adormecidas

Além da Valkyrie Brynhild adormecida por Odin, lembramos também o sono de Adônis e Osiris, a inatividade da virgem Perséfone.

O conto dinamarquês da compilação de Svend-Grundvjg (H. Husson) menciona o sono de uma jovem mulher que durou sete anos; Loys Brueyre (Contes populaires de la Grande-Bretagne), cita La princesse grecque et le jeune jardinier (A princesa grega e o jovem jardineiro); Vieillesse d’Oisin (Velhice de Orsin); L’Enchantement du comte Gérald (O encantamento do conde Geraldo), Musique du ciel (Música do céu); Les escaliers du géant Mac Mahon (As escadas do gigante Mac Mahon). Uma jovem camponesa adormece assim na floresta e desposa o terceiro cavaleiro (Bujeaud, Chanson populaire de l’Ouest, 1866). 0 filho do pescador desperta a princesa Tournesol (Luzel, quinto relatório dos Arquivos das missões científicas). A história de Suria Bai (Frère, Old Beccan Days) é mais completa. Filha de uma leiteira, raptada pelas águias, é arranhada pelo filho de uma bruxa e adormece. O rajá desperta-a e a esposa; a primeira esposa do rajá afoga-a e Sourya se transforma então em várias plantas para enfim encontrar sua mãe e o amor do rajá.

Branca de Neve (Grimm) assemelha-se com Suria Bai; as águias são substituídas pelos sete anões, a unha venenosa por um pente venenoso. Branca de Neve não se transforma em flores mas deitada no seu esquife de vidro recebe os lamentos dos animais. Bidasari, poema malaio (Backer, Plon, 1875), retoma esse tema. Grimm com Rosa dos bosques se aproxima de Perrault, bem como o conto siciliano Bull, Perna et Anna Pitré, 1875.

Le coffret volant (O cofrinho voador) de Andersen é de influência asiática.

No Roman de Perceforest, Zelandina acordada, se desespera por ser mãe; ela se casará finalmente com Troylus seu amante, mas à brutalidade desse conto segue-se a suavidade do jovem que se ajoelha diante da princesa ou dá-lhe um casto beijo.

Com o Pentameron (o sol, a lua, e Tália), o príncipe é casado; a jovem que se torna mãe sofre a cólera da esposa que quer mandar matar os filhos de sua rival. No conto francês tudo se ameniza e idealiza. O sono letárgico aparece no Tapete mágico, Le bonnet invisible (O barrete invisível) (Glinski, Hachette, 1864), no qual um país inteiro é adormecido por castigo celeste como em Mil e uma noites (História do cavalo encantado).

João, o Urso, liberta Pomme d’Or (Conto de Provença) e o cavalo encantado nos Contes français de Carnoy, 1885).

O poeta cretense Epiméride, menciona, seiscentos anos antes de Jesus Cristo, o sono de um jovem que penetrou numa caverna, onde dorme durante cinqüenta e sete anos.

A caverna dos sete adormecidos é célebre no Oriente; murada por ordem do imperador Décio em 251, os irmãos mártires lá dormiram cento e cinqüenta e sete anos. Finalmente o imperador Frederico Barba-Roxa dorme ainda debaixo da montanha de Kyffhoeuser na região de Turíngia.

As princesas dormem “como as lembranças no fundo de nosso inconsciente” e o príncipe encantado que as desperta é “nosso consciente chamando as imagens ancestrais necessárias à sua ação“ (Loeffler-Delachaux). Algumas dessas princesas são apenas encerradas numa torre, um poço “postas à margem da ação”. É o caso do conto tártaro Ac-Beiaz, filha de Abdala Yusuf (edição Lehoucq, 1783).

Esses fatos sugerem as cerimônias iniciáticas — sala de reflexos, esquife — onde o neófito se recolhe fora de todo o contacto humano. Essa forma de lenda se assemelha talvez aos misteriosos poços das igrejas onde os penitentes deviam ser mergulhados antes da absolvição (Gosselin); diz-se ainda “a Verdade vem do poço”. Este gesto é tão simbólico quanto a água, é purificadora.

Quanto aos despertares, corresponderiam à lei cíclica de periodicidade.

6. — A floresta

Nos hinos védicos o oficiante deve ser isolado e garantido. As portas desse local, rodeadas por uma paliçada, só se abrem nas horas de festividade (Abri-vos, portas eternas, cantava o ritual). A proteção e o isolamento do taumaturgo são feitos ainda por um traçado intransponível para os poderes ocultos nocivos. Nesse caso a floresta forma esse isolamento ritual. Sigurd substitui essa floresta por um círculo de chamas. Saintyves nela descobre a árvore de Suria Bai, a árvore sagrada aos pés da qual Buda foi iniciado. Realmente é na Índia que se encontra esse símbolo de uma vegetação que é preciso afastar a fim de poder penetrar a nova civilização. Loeffler-Delachaux observa (Symbolisme des Contes de fées) que o sono coletivo da corte marcaria o tempo de repouso entre duas encarnações e que essa inextricável vegetação substitui o gigante enterrado, no corpo do qual é preciso se introduzir para penetrar no segredo (lenda finense, o-Kalevala). Mas encontramos mais certamente nessa narrativa um aspecto do quarto interdito. Para esse autor, a penetração no corpo da pessoa adormecida representa, num sentido profano, a cópula, num sentido sagrado, a imagem da invasão do consciente no inconsciente, num sentido iniciático, a descoberta de arcanos de uma civilização desaparecida.
-------------
continua...
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Fonte: BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Trova XCI - Élton Carvalho (Rio de Janeiro)

Trova sobre "Barbicha", criação de Rico. site http://www.ricostudio.com.br/

Élton Carvalho (O Lenço)


Quando os que amam, soluçam de ansiedade
no instante da fatal separação,
o lenço é uma bandeira de saudade,
que traduz o amargor do coração.

Quando a sombra da noite a Terra invade,
cumpre o lenço, também, doce missão :
enxuga o suor daquele que, em verdade,
faz do trabalho a própria devoção.

Quando a Mãe de Jesus chorava tanto,
sem ter com que secar o triste pranto,
Deus, percebendo o seu valor imenso,

para enxugar a lágrima que corre
dos olhos dos que choram por quem morre,
deu luz a um poeta, e o poeta fez o lenço !
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Élton Carvalho (1916 – 1994)



Élton Carvalho nasceu em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, no dia 29 de agosto de 1916 e faleceu na mesma Cidade, no dia 03 de março de 1994. É um nome nacionalmente conhecido, admirado e respeitado, seja como o Poeta que compunha poemas, sonetos, trovas etc., seja como Professor Militar (General do Exército Brasileiro), Conferencista, seja como chefe de família, amigo etc. em síntese, um grande brasileiro que nasceu para brilhar no campo das Armas, na Poesia, no Magistério , no seio da família.

Élton Carvalho, que fazia Trovas de todos os gêneros, apesar de produzir muitas trovas humorísticas brincando com as sogras, as coroas, era um grande admirador das mulheres e um genro excepcional, que demonstrava em cada palavra, em cada gesto, o carinho e o respeito que devotava à sua sogra, à sogra de seus amigos, às pessoas idosas, aos humildes.

Élton publicou vários livros: “Instantâneos”, 1973 (200 Trovas líricas e filosóficas); “Sogra, Coroa, Bebida e Outras Bombas”, 1974 (200 trovas humorísticas); “Ciranda de Sonhos”, 1979, (200 trovas líricas e filosóficas); “Aquarelas”, 1981 (500 trovas líricas e filosóficas);

“Rosas na Pedra” 1984 , (com 40 poemas e 25 sonetos) e “Sogra... & Outras Piadas” 1993, ( com 250 trovas humorísticas).

Foi o único autor a produzir dois livros exclusivamente com trovas humorísticas.

Deixou inéditos os livros : Oásis; Ferro Velho; Rosas na Pedra; A Vida em Quatro Versos; Feira de Humor; Piadas sem Sal; Sucata; (todos de trovas) A História do mau Sapateiro; (contos) Miragens; (sonetos) etc.

Fonte:
http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=33191

Mauro José de Morais (Album de Poesias Poetas del Mundo)


CÁ DENTRO DE MIM

Cá dentro de mim
Existe uma música bonita
Uma paisagem colorida
Um riacho límpido
A sombra de uma árvore
Inúmeros verdes
e um sol brilhante.

Cá dentro de mim
Existe uma noite estrelada
Muitos livros de poesia
Um mar de alegria
Um brilho na alma
E uma canção de ninar!

Cá dentro de mim
Existe um amor bonito pelas artes
Por muitos seres humanos
Uma paixão pela vida
E muito respeito
Por tudo que Deus criou.

Cá dentro de mim
Existe uma esperança viva
Uma busca de felicidade
Cujo colorido
É você!

CARÍCIAS

Vejo a aurora
Na menina dos seus olhos
Tomo o orvalho da manhã
Num copo de cristal
Aqueço suas mãos
Em painas de capim.

Enxugo seu corpo
Em uma toalha de cetim
Beijo seus lábios
E oferto-lhe o meu amor
Percebo que seus olhos
São como vales
Que me deixam
Sereno.

Sinto
Que a beleza da vida
está no ar...

Nos nossos olhos
E no nosso jeito
Lindo de amar.

ENCANTAMENTO

O ipê amarelo encantou-me
Naquela tarde azul
Percebendo-o
Presenciei toda sua beleza
Que me refez
Do cansaço da vida.

O amarelo contagiou-me
O belo penetrou em minhas entranhas
Minha mente multiplicou-se em cores
De uma tonalidade de amor.

No esplendor do encanto
A natureza sorriu
E ofertou-me
A essência da razão de ser
Na magistral primavera que veio
Embelezar a minha vida.

E o poeta encantado amou
Os raios de sol
As flores do ipê
Que entraram em minha memória
E em meu substancial coração.

Ipê amarelo
Razão de se compreender
Que um dos segredos da vida
Seja a singeleza
A beleza
E todo este encantamento.

–––––––––––––––––––

Sobre o Escritor

Mauro José de Morais
Filho de Dona Márcia e Antenor. Professor de Português, Bacharel em Turismo, Poeta, contista, trovador.
– Presidente da Academia Nevense de Letras, Ciências e Artes - ANELCA desde 1.999, cadeira n.1, em Ribeirão das Neves (MG).
– membro da IWA (International Writer's Association),
– Sócio Honorário do Clube Brasileiro da Língua Portuguesa,
– Membro da organização Poetas del Mundo,
– Autor de seis obras literárias, tendo lançado em 2.008 os livros: O Colecionador de Lápis e Alma Nevense. Mineiro, nascido em Ilicínea[MG].

Possui cerca de 1650 Poemas, 80 Crônicas, e outros cem Contos, setenta Trovas.

Fontes:
http://recantodasletras.uol.com.br/acrosticos/75036
http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_america.asp?ID=6117