sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Eloisy Oliveira Batista (Graciliano Ramos: escritor, narrador, autor e herói. Uma leitura do “eu” na obra Memórias do Cárcere)


Resumo: Esse artigo discute o modo como a escrita autobiográfica revela a construção do “eu” de Graciliano Ramos, que em Memórias do Cárcere assume os papéis de escritor (profissional), narrador (voz que encena a história), autor (que garante a unidade do texto) e herói (personagem). A obra é um relato das experiências vividas por Ramos quando ele esteve preso durante a Ditadura de Getúlio Vargas, no ano de 1936. Para tanto, algumas questões são centrais: a primeira delas é a relação entre tempo e espaço que se apresenta de modo constitutivo na própria estrutura do texto, “o tempo deixara de existir” (RAMOS, 1953); a segunda é o uso dos pronomes que revelam a construção do gênero autobiográfico e da identidade dos participantes do discurso, “desgosta-me usar a primeira pessoa” (RAMOS, 1953); e a terceira é a discussão do “estilo” da autobiografia, "Quem dormiu no chão deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas” (RAMOS, 1953).

Palavras-chave: memória, autobiografia, tempo, narrativa

A obra Memórias do Cárcere foi escrita por Graciliano Ramos a partir de sua vivência quando preso durante a Ditadura Vargas, em 1936, e o título dessa narrativa apresenta o seu propósito mais evidente: relatar as lembranças dessa experiência Nosso objetivo é fazer uma reflexão sobre como a escrita autobiográfica revela a construção do “eu” de Graciliano Ramos nesse relato, revelando que esse “eu” assume os papéis de escritor, narrador, autor e herói.

Ramos permaneceu em poder da polícia por dez meses, embora tenha sido condenado sem processo jurídico; por isso, não se sabe oficialmente qual a causa de sua prisão, mas tudo faz crer que ele foi vítima de vingança política por suas decisões quando diretor da Instrução Pública de Alagoas. Ao longo das memórias, ele não insiste na tentativa de desvendar esse mistério, ou seja, mostra-se mais interessado em relatar a experiência do que em buscar respostas.

Enquanto presidiário, Ramos transitou por diferentes lugares que são recuperados por fases em sua narrativa da memória, ou seja, a ordem cronológica dos acontecimentos é submetida à ordem de lugares em que ele vivenciou as experiências: primeiro no 20º Batalhão, em Maceió; em seguida em um quartel, no Recife; depois no porão do navio Manaus; mais tarde na Casa de Detenção no Rio de Janeiro, onde ficou no Pavilhão dos Primários; houve ainda o período em que permaneceu no Pavilhão dos Militares; também a Colônia Correcional, em Ilha Grande; na Polícia Central, novamente no Rio de Janeiro e, por último, na Casa de Correção. O espaço é, portanto, o eixo organizador da experiência traumática; uma escolha totalmente coerente a partir da constatação de que “o tempo deixara de existir” (RAMOS, 1953, vol. 4, p. 7)

. Nesse caso, a questão temporal é de extrema importância, pois o narrador faz diversas considerações a esse respeito ao longo da obra; mas, além disso, Márcio Seligmann-Silva afirma tratar-se de uma constante em narrativas que abordam experiências de presídio ou perseguições políticas:

Uma das características mais marcantes da experiência em instituições totais (ou sob regimes de exceção), onde a qualquer momento e por qualquer motivo absurdo pode-se perder a vida, é a temporalidade marcada pela ditadura do agora. (SELIGMANN–SILVA, 2006, p. 55)

A opção de utilizar o espaço como substituto da referência temporal é muito significativa, pois, do ponto de vista da linguagem, a relação entre tempo e espaço é intrínseca, o que se comprova nas metáforas que utilizamos para falar do tempo. Metáforas como: passar do tempo, anos atrás, daqui para frente, pertencem a princípio ao universo semântico do topos, pois só podemos pensar sobre o abstrato passando pelo sensível. Em outras palavras, não somos capazes de falar do tempo sem nos referirmos ao espaço (como metáfora), mesmo que esse vocabulário espacial não seja suficiente para tratar da atividade espiritual. Nesse sentido, observa Gagnebin (1997):

Não basta, pois, passar de uma noção espacial exterior do tempo a uma noção espacial interior, mesmo que houvesse aí um progresso em direção a uma descrição mais específica de como agimos ‘no’ tempo, com o tempo, ‘sobre’ o tempo. Ramos, portanto, no que se refere ao tempo, abre mão do processo metafórico e utiliza a linguagem de modo mais concreto. Trata-se de sua linguagem seca e direta tantas vezes comentada pelos crítico s, mas também da escrita de um "eu" que quer ser o mais autêntico e verossímil possível.

Foi mantida a grafia original em todas as citações.

Graciliano, portanto, dialoga com o questionamento sobre a (im)possibilidade da divisão do tempo primeiramente proposto por Santo Agostinho. Esse filósofo fundamental para se entender o pensamento acerca do tempo afirma que o passado e o futuro somente existem no presente. Além disso, ele reflete sobre a “veracidade” da memória, uma outra questão cara para Graciliano Ramos:

Ainda que se narrassem os acontecimentos verídicos já passados, a memória relata, não os próprios acontecimentos que já decorreram, mas sim as palavras concebidas pelas imagens daqueles fatos, os quais, ao passarem pelos sentidos, gravaram no espírito uma espécie de vestígios. (Santo Agostinho, 1973, livro XI, 18\23, p. 246)

A relação entre memória e imagem mencionada na citação é fundamental também para Ricoeur (2007), para quem a memória é uma possibilidade da imaginação, com a diferença de que ela exige uma associação entre a imagem do presente e a do passado.

É na contracorrente dessa tradição de desvalorização da memória, nas margens de uma crítica da imaginação, que se deve proceder a uma dissociação da imaginação e da memória, levando essa operação tão longe quanto possível. Sua idéia diretriz é a diferença, que podemos chamar de eidética, entre dois objetivos, duas intencionalidades: uma, a da imaginação, voltada para o fantástico, a ficção, o irreal, o possível, o utópico; a outra, a da memória, voltada para a realidade anterior, a anterioridade que constitui a marca temporal por excelência da 'coisa lembrada', do 'lembrado' como tal. (RICOEUR, 2007, pp. 25-26)

Ricoeur observa também que o fenômeno da memória só existe porque há passagem do tempo, ou seja, é preciso uma situação de anterioridade. A obra aqui estudada tem um caráter bastante específico em relação ao tempo nessa concepção. Ela começou a ser escrita em 1946 e foi publicada em 1953, sendo que os acontecimentos narrados datam de 1936. Portanto, há uma gr ande distância temporal entre os acontecimentos e a imagem, os "vestígios" e a palavra; o que evidencia a diferença entre o escritor (profissional), o autor (aquele que garante a unidade literária do texto), o narrador (voz que encena a história) e o herói (personagem); elementos distintos, mas que possuem uma identidade comum a fim de garantir a realização dessa autobiografia.

Sobre a imaginação, Memórias do Cárcere também suscita reflexões, pois trata-se da obra de um romancista, ou seja, de um hábil manipulador de palavras, que sabe criar, ainda que respeite o referencial. A desconfiança da veracidade de seu testemunho é legítima, até porque suas obras ficcionais trazem também elementos da sua realidade vivida, filtrados de outra maneira, evidentemente, mas que sinalizam o quanto é rico esse enfrentamento de escritor no que diz respeito a delimitação de um gênero. Ele se utiliza dessa desconfiança e interage com ela, por isso, ele assume a sua parcialidade e se permite narrar o esquecimento:

Foi ali com certeza que achei meio de renovar a minha provisão de fósforos e cigarros. Não me recordo. Também não sei como nos forneciam água. Lembro-me de que ela se achava à entrada, perto do camarote do padeiro, mas esqueci completamente se estava em balde ou ancoreta, se vinha de encanamento. Afasto a última suposição, estou quási certo de que não existia nenhuma torneira. Esta lacuna me revela o desarranjo interno, pois a sêde era grande, estávamos sempre a beber. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 160)

Starobinski (1970) afirma que a autobiografia não é um gênero “regrado”, mas que possui como condição indispensável uma identificação entre o narrador e o herói, assim como é necessário que seja uma narração e não uma descrição. Notadamente, exige-se que a narração aborde uma experiência pessoal que interesse a outras pessoas, pressuposição que legitima o uso de uma experiência passada como tema do discurso.

Starobinski afirma ainda que o “eu” é confirmado em sua função de sujeito permanente pela presença do “tu”, que aparece como motivação da escrita. Memórias do Cárcere corresponde à definição de Starobinski, no entanto, apresenta especificidades, especialmente com relação ao uso dos pronomes.

Vamos nos concentrar principalmente no primeiro capítulo da obra, quando há uma apresentação dos motivos que a provocaram. Esse é um capítulo que se distingue dos demais, pois apresenta de modo mais evidente a voz do autor. Embora seja apresentado como um capítulo qualquer – recebe numeração como os outros, ou seja, não aparece intitulado como introdução – nota-se uma distinção da voz narrativa: "Resolvo-me a contar, depois de muita hesitação, casos passados há dez anos – e, antes de começar, digo os motivos por que silenciei e por que me decido". (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 5)

Esse tom “justificatório”, que pode ser recorrente em muitas outras autobiografias, não volta a aparecer no texto de Memórias do Cárcere, no qual possui apenas o papel de definir - "antes de começar" - qual o tipo de texto apresentado, ou seja, funciona muito mais como uma necessidade do “gênero” (Gênero, nesse caso, aparece entre aspas pelo fato de ser uma categoria não discutida nesse momento.) do que como um elemento da narrativa propriamente dita, que começa, de fato, a partir do segundo capítulo:

No começo de 1936, funcionário na instrução pública de Alagoas, tive a notícia de que misteriosos telefonemas, com veladas ameaças, me procuravam o endereço. Desprezei as ameaças: ordinariamente o indivíduo que tenciona ofender o outro não o avisa. Mas os telefonemas continuaram. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 12)

Observa-se, portanto, que a partir do segundo capítulo a narração assume um tom muito mais romanesco. O primeiro funciona como um pacto inicial, um “pacto autobiográfico” (Conceito amplamente difundido por Philippe Lejeune em Le pacte autobiog raphique, 1975), no qual o autor oferece os parâmetros para a leitura de sua obra:

Nesta reconstituição de factos velhos, neste emiuçamento, exponho o que notei, o que julgo ter notado. Outros devem possuir lembranças diversas. Não as contesto, mas espero que não recusem as minhas: conjugam-se, completam-se e não dão hoje impressão de realidade. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 10)

Nota-se uma apresentação daquilo que, para o autor, classifica a sua obra como memorialista. O próprio termo memórias que aparece no título é significativo. Paul Ricoeur (1997, p. 41) nomeia aquilo de que nos lembramos como lembranças, o que exige de nós um esforço de retomada do passado; para ele, o termo memória é singular, pois seria o ato de se voltar para o passado. Esse termo, que aparece no título no plural, conjuga a experiência do lembrar e a lembrança em si, ou seja, enfoca não apenas o ocorrido, mas também o processo de rememoração.

O termo lembrança é também instigante, visto que, pertence ao campo conceitual de Walter Benjamin (Benjamin escreveu no mesmo período que Graciliano Ramos, por isso, é quase certo que um não conheceu a obra do outro. Mesmo assim, Walter Benjamin é um teórico importante no sentido de pensar questões e conceitos muito relacionados com o período histórico em que o autor escreveu; portanto, esse presente histórico vivenciado pelos dois autores têm sentido em suas respectivas obras. Assim, é possível aproximá-los, apesar da distância espacial, buscando coerências discursivas esclarecedoras.) em diferente par de opostos. Em "O narrador" (1980), Benjamin propõe uma comparação entre lembrança (do domínio da narrativa) e recordação (do domínio do romance) nos seguintes termos: a lembrança é uma retomada do passado o mais próximo possível do acontecido, nela há o compromisso com a verdade; já a recordação refere-se a muitos acontecimentos dispersos, escolhidos em função do presente.

Pode-se considerar que o uso de memórias para Ramos é a conjugação também dessas duas possibilidades, pois há justamente uma tentativa de recuperação do passado com um certo respeito pelo acontecido, mas há também a consciência da impossibilidade de se obter sucesso nessa tentativa. Graciliano Ramos lida, portanto, com um material riquíssimo: dados de uma vivência que contam uma outra versão da história do país, não a versão oficial; e a sua própria visão de mundo após essa experiência, após Segunda Guerra Mundial e após o seu reconhecimento como escritor.

O comprometimento com o passado centra-se em um elemento fundamental também mencionado no capítulo inicial: o uso da primeira pessoa. Desgosta-me usar a primeira pessoa. Se se tratasse de ficção, bem: fala um sujeito mais ou menos imaginário; fora daí é desagradável adoptar o pronomezinho irritante, embora se façam malabarismos por evitá-lo. Desculpo-me alegando que êle me facilita a narração. Além disso não desejo ultrapassar o meu tamanho ordinário. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 5)

O “tamanho ordinário”, a “insignificância”, essa modéstia que contrasta com a noção de que alguém considera a sua experiência digna de ser relatada também está presente no texto de forma abundante e participa do pro cesso de definição do “eu”. Essa visão de si próprio é uma maneira de Ramos transformar em valor estético o uso da primeira pessoa "necessário" à autobiografia, ou seja, acaba definindo também o que Starobinski denomina “estilo”.

Starobinski (1970) observa que a autobiografia oferece um quadro muito amplo de possibilidades, que permite a manifestação de uma grande variedade de estilos particulares. O estilo de Graciliano Ramos revela não apenas o seu talento como escritor, mas também a imagem que ele constrói do “eu” em sua narrativa, que funciona como uma chave de leitura da obra. O próprio autor apresenta no primeiro capítulo três aspectos que nortearão o estilo que predominará em sua escrita. Em primeiro lugar, com relação ao “tom” da narrativa: "Quem dormiu no chão deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze." (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 7)

Em segundo, com relação ao conteúdo dela: "Omitirei acontecimentos essenciais ou mencioná-los-ei de relance, como se os enxergasse pelos vidros pequenos de um binóculo; ampliarei insignificâncias, repetí-las-ei até cansar, se isto me parecer conveniente." (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 9)

E, também, de acordo com o seu direcionamento político: "Esgueirar-me-ei para os cantos obscuros, fugirei às discussões, esconder-me-ei prudente por detrás dos que merecem patentear-se." (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 11)

Starobinski (1970) afirma que o estilo é o índice da relação entre o escritor e o seu próprio passado. Portanto, ao observarmos as citações anteriores, o estilo de Graciliano Ramos nos revela que seu sentimento para com o passado é áspero, não totalmente compreendido e destituído de um posicionamento político.

Graciliano Ramos vai privilegiar em sua narrativa os episódios vivenciados ao lado de seus companheiros de prisão. Ricoeur afirma que, entre todas as coisas de que nos lembramos, privilegiamos os acontecimentos: "No plano fenomenológico, no qual nos situamos aqui, dizemos que nos lembramos daquilo que fizemos, experimentamos ou aprendemos em determinada circunstância particular". (2007, p. 42) Portanto, no estudo de um texto memorialista é imprescindível atentar para o "quem" se lembra, pois é o centro da circunstância. O acionamento da lembrança é particular não só pela parcialidade da vivência, mas também por aquilo que Ricouer chama de "fundo memorial":

Sob esse aspecto, as lembranças podem ser tratadas como formas discretas com margens mais ou menos precisas, que se destacam contra aquilo que poderíamos chamar de um fundo memorial, com o qual podemos nos deleitar em estados de devaneio vago. (RICOEUR, 2007, p. 41)

O fundo memorial é, portanto, o que nos constitui como indivíduos, ou seja, uma espécie de indefinível conjugação de todas as nossas experiências. Dessa forma, percebemos que o uso do "eu " não é uma escolha indiferente.

Benveniste, em Problémes de linguistique générale (1966), discute o sentido dos pronomes pessoais na estrutura das relações entre as pessoas verbais. Esse teórico faz a diferenciação entre a primeira, a segunda e a terceira pessoa a partir da distinção proposta pelos gramáticos árabes, segundo os quais: a primeira pessoa é aquela que fala, a segunda é aquela com quem se fala e a terceira é a que está ausente. Essa distinção demonstra que a primeira pessoa se impõe à necessidade de Graciliano Ramos porque a sua verdade está dita por todas as “vozes” possíveis no texto (escritor, autor, narrador e herói), portanto, a terceira pessoa não estaria de acordo com o seu projeto de escrita.

A primeira pessoa de Memórias do Cárcere não se dirige diretamente ao seu interlocutor, embora a sua presença seja constituinte do discurso; comprovando a afirmação de Benveniste de que a primeira e a segunda pessoa somente existem uma em função da outra. Ele defende também que as duas primeiras pessoas não se colocam no mesmo plano da terceira, que não é tratada como uma verdadeira “pessoa” verbal. No entanto, a terceira pessoa tem posição privilegiada nas Memórias, pois é a partir da relação com o outro (que no passado exerceu o papel de segunda pessoa) que o “eu” vai aos poucos compreendendo a si próprio. Portanto, a relação discursiva entre o narrador e o leitor é muito mais de apresentação da experiência do que de diálogo; em outras palavras, há uma espécie de encenação do passado.

De fato, Graciliano Ramos não escreve as memórias com o intuito de servir de exemplo, como Santo Agostinho em suas Confissões; também não precisa se justificar, como o faz Rousseau nas suas; e nem faz uma escrita de denúncia, como se poderia supor pelo cenário político apresentado. Ramos não diz claramente qual é o seu objetivo, mas insinua querer registrar sua “ressurreição”.

Aqui findo o resumo dos empecilhos até hoje apresentados à narração que inicio. Terão eles desaparecido? Alguns se atenuaram, outros se modificaram, determinam o que impediam, converteram-se em razões contrárias. Estarei próximo dos homens gordos do primado espiritual? Não, felizmente. Se me achasse assim, iria roncar, pensar na eternidade. (...) Contudo é indispensável um mínimo de tranqüilidade, é necessário afastar as miseriazinhas que nos envenenam. Fìsicamente estamos em repouso. Engano.

O pensamento foge da folha meio rabiscada. Que desgraças inomináveis e vergonhosas nos chegarão amanhã? Terei desviado esses espectros? Ignoro. Sei é que, se obtenho sossego bastante para trabalhar um mês, provavelmente conseguirei meio de trabalhar outro mês. Estamos livres das colaborações de jornais e das encomendas odiosas? Bem. Demais já podemos enxergar luz a distância, emergimos lentamente daquele mundo horrível de treva e morte. Na verdade estávamos mortos, vamos ressuscitando. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 7)

O termo ressurreição aproxima Graciliano Ramos do Walter Benjamin ( LÖWY, 2005) das "Teses sobre o conceito de história", que atribui ao passado grande importância na busca pela redenção e pela felicidade. Benjamin, assim como Ramos, não tem entusiasmo pelo futuro. A intenção de ambos é observar o passado e acertar as dívidas para transformar o presente. Trata-se, possivelmente, de uma necessidade de reagir contra o esquecimento:

Buscamos aquilo que tememos ter esquecido, provisoriamente ou para sempre, com base na experiência ordinária da recordação, sem que possamos decidir entre duas hipóteses a respeito da origem do esquecimento: trata-se de um apagamento definitivo dos rastros do que foi aprendido anteriormente, ou de um impedimento provisório, este mesmo eventualmente superável, oposto à sua reanimação? Essa incerteza quanto à natureza profunda do esquecimento dá à busca o seu colorido inquieto. (...) A recordação bem-sucedida é uma das figuras daquilo a que chamaremos de memória 'feliz'. (RICOEUR, 2007, p. 46)

Assim, por mais que as recordações sejam doloridas, a recuperação delas pode gerar uma espécie de bem-estar, devido a sensação de tarefa cumprida, talvez. Ramos participa ao leitor a informação de que os outros exigem dele essa narrativa do passado e que ele considera a exigência justa: “Acho que estão certos: a exigência se fixa, domina-me” (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 7). É evidente também a auto-exigência a que o escritor se submete, pois ele fez diversas anotações durante o período em que esteve preso, mas elas se perderam. Nota-se que Ramos, como autor, considera seu o papel de registrar uma experiência que deve ser narrada.

O narrador das memórias, nesse caso, é um narrador apto e comprometido, mas que na realização da escrita goza de liberdade. Ele não promete relatar a verdade, quer apenas oferecer ao leitor a sua percepção a respeito do passado. Ao se referir às tentativas frustradas de registrar os fatos no momento presente das experiências, comenta:

Quási me inclino a supor que foi bom privar-me dêsse material. Se êle existisse, ver-me–ia propenso a consultá-lo a cada instante, mortificar-me-ia por dizer com rigor a hora exacta de uma partida, quantas demoradas tristezas se aqueciam ao sol pálido, em manhã de bruma, a côr das fôlhas que tombavam das árvores, num pátio branco, as formas dos montes verdes, tintos de luz, frases autênticas, gestos, gritos, gemidos. Mas que significa isso? Essas coisas verdadeiras podem não ser verossímeis. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 9)

Sabe-se que não é possível recuperar no presente um acontecimento tal qual ele ocorreu pela própria definição de passado; no entanto, Paul Ricoeur (2007) defende a memória como sendo a única e mais eficiente maneira de acessarmos uma experiência anterior. Ele enfatiza o saldo positivo da memória:

A meu ver, importa abordar a descrição dos fenômenos mnemônicos do ponto de vista das capacidades das quais eles constituem a efetuação 'bem sucedida'. (...) o que justifica essa preferência pela memória 'certa' é a convicção de não termos outro recurso a respeito da referência ao passado, senão a própria memória (...). (RICOEUR, 2007, p. 40)

Dessa forma, fica evidente a importância do testemunho, que, para Ricoeur, é o elemento de transição entre a memória e a história; e a "verdade" é resultado do confronto de diversos testemunhos, sendo definidos quais são confiáveis e quais não o são; ou quais são convenientes e quais não o são.

Ramos conta uma história paralela à historiografia oficial e constrói sua relação com o “outro” (leitor) segundo a noção de Benveniste (1966, p. 232) do “tu” como sendo a pessoa “não-eu ”, no sentido de não-identificação. Ao contrário de muitos narradores de autobiografias, seu narrador não demonstra interesse nem no reconhecimento de sua escrita como documento histórico, nem na aproximação com o leitor.

Em certo sentido, a sua narrativa pode ser considerada mais “realista”, pelo seu principal propósito: o de encenar alguns episódios. Realista entre aspas, pois, como já foi dito, a memória não retoma um fato em si, que não pode nunca ser dito de maneira justa pela inevitável interferência da subjetividade de quem narra.

Graciliano Ramos esclarece ao seu leitor o que parece óbvio: afirma que não vai escrever um romance, entendido como ficção, pois os personagens existiram; mas avisa que os acontecimentos narrados podem ser frutos de sua imaginação. O escritor dá vazão a sua memória, mas o autor disciplina as imagens que surgem em sua lembrança a fim de alcançar a verossimilhança.

Em Memórias do Cárcere é evidente o distanciamento entre o narrador e o herói. O narrador está no presente da narração e o herói está no passado, porém, é especialmente a relação entre ambos que nos dá a noção do “eu” que perseguimos. A distância temporal e o ato da escrita os diferenciam a ponto de o narrador perceber e comentar com estranhamento algumas atitudes e alguns pensamentos do herói. “Na atrapalhação da partida, esquecera-me de um aviso importante. De facto não havia importância, mas ali, ausentando-me do mundo, começava a dar às coisas valores novos. Sucedia um desmoronamento”. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 41)

Essa citação exemplifica um outro elemento q ue coloca Memórias do Cárcere nos poucos parâmetros com que Starobinski define a autobiografia, trata-se da transformação:
Ajoutons encore cette remarque: Il n’y aurait pas eu de motif suffisant pour une autobiographie, s’il n’était intervenu, dans l’existence antérieure, une modification, une transformation radicale: conversion, entrée dans une nouvelle vie, opération de la Grâce. (STAROBINSKI, 1970, p. 261 ) – Tradução “caseira”: Acrescentamos ainda esta observação: não haveria motivo suficiente para uma autobiografia, se não houvesse intervindo, em uma existência anterior, u ma modificação , uma transformação radical: conversão, entrada em uma nova vida, operação da Graça.

A transformação do “eu” de Memórias do Cárcere acontece sempre a partir da convivência com seus companheiros. De forma que se retoma aqui a importância da terceira pessoa. São os outros, aqueles que estão ausentes na interação discursiva entre narrador e leitor que motivaram a escrita do autor. Não é contingente o fato de que quando o narrador utiliza a primeira pessoa no plural está sempre retomando a si e aos seus companheiros de prisão. Benveniste (1966, p. 233) observa que a passagem do singular para o plural no caso dos pronomes pessoais não apresenta apenas uma pluralização, mas que em muitas línguas há uma diferenciação da forma verbal da primeira pessoa do plural sobre aspectos inclusivos e exclusivos que apresentam uma complexidade particular. Observe a seguinte passagem: Formámos um grupo muito complexo, que se desagregou. De repente nos surge a necessidade urgente de recompô-lo. Define-se o ambiente, as figuras se delineiam, vacilantes, ganham relevo, a acção começa. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 10)

O narrador exclui o leitor, na medida em que une “eu” a “eles”. A primeira pessoa do plural é sempre enunciada por um “eu” que predomina em relação aos outros, por isso, quando Ramos utiliza essa forma pronominal não abandona o seu projeto autobiográfico, apenas marca a constituição de seu herói junto daqueles que lhe acompanharam e a muitos dos quais ele atendeu a exigência da escrita. Ao leitor cabe o papel de espectador ou de testemunha, conforme o envolvimento a que se disponha.

Assim se percebe de que maneira Graciliano Ramos articula as palavras a fim de se apresentar como escritor, autor, narrador e herói. Seu trabalho é tão exato que ele conseguiu coerência inclusive em um quesito que Starobinski não menciona como exigência da autobiografia: “Estou a descer para a cova, este novelo de casos em muitos pontos vai emaranhar-se, escrevo com lentidão – e provavelmente isto será publicação póstuma, como convém a um livro de memórias”. (RAMOS, 1953, vol. 1, p. 8)

A “publicação póstuma” de fato ocorreu. Graciliano Ramos deixou o livro incompleto com um único capítulo faltante que, segundo relato de seu filho Ricardo Ramos, traria as “sensações de liberdade” (RAMOS, 1953, vol. 4, pp. 162-164). O que nos interessa nesse estudo é perceber que a obra Memórias do Cárcere independe do fim e da finalidade, mas que se constitui nessa construção sempre incompleta do “eu”. E, assim, essas reflexões se encerram, aproveitando a possibilidade que o próprio Graciliano Ramos nos oferece de manter em aberto as possibilidades de leitura, sem a responsabilidade da “verdade”.

Fonte:
Revista Espaço Acadêmico. N. 100. Maringá: UEM. Setembro de 2009.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Olga Agulhon (O Dito e o não dito)


As palavras são cruéis e desobedientes;
não são humildes servas.
Fazem-nos cócegas
e depois que saem da boca,
não tornam a ela,
por mais que imploremos;
mas também não vão embora;
ficam ressoando no ar
e nos perseguem para sempre.
Por isso, busco o silêncio;
só ele nos deixa em paz.
As palavras...
prefiro prendê-las no papel.
Se viro a página
ou fecho o livro,
as silencio.
Vingo-me.
Venço.
Torno-me rei.
-----------------

Fontes:
Colaboração da poetisa.

Cláudio Bazzoni (Trabalho integrado para ensinar a ler)


Numa escola que põe a leitura em primeiro plano, o coordenador e o professor de Língua Portuguesa são centrais

CLAUDIO BAZZONI "Para formar leitores ativos, é preciso combinar e desenvolver procedimentos comuns em todas as áreas do saber."

Para você que leu este especial de cabo a rabo, partes dele ou mesmo se apenas passou os olhos na capa, no índice e nas reportagens, talvez o que eu vá dizer agora não seja novidade, mas não custa repetir: o desenvolvimento da competência leitora e escritora é imprescindível para a aprendizagem dos conteúdos de Arte, Ciências, Educação Física, Geografia, História, Língua Estrangeira, Língua Portuguesa e Matemática. Essa constatação deveria ser suficiente para que coordenadores e professores passassem a encarar a leitura e a escrita como o foco do trabalho. Para concretizar essa prática de forma eficiente, é preciso combinar, aplicar e exercitar procedimentos comuns, que façam os alunos interagir com ideias alheias, estudá-las e apreendê-las – e que os tornem leitores ativos, capazes de usufruir de diferentes modos de ler.

Que procedimentos devem fazer parte desses combinados? Uma opção são os de estudo: resumos, fichamentos, resenhas, paráfrases, esquemas e respostas a questionários – enfim, gêneros escritos de apoio à leitura, que funcionam bem para a recuperação de ideias significativas ou para uma compreensão mais aprofundada. Pode-se definir, por exemplo, que nenhum docente proponha grifar sem explicitar a razão por que essa atividade foi proposta, discutir critérios para sublinhar ou não as passagens do texto e monitorar a tarefa. Além disso, cada professor deve ser modelo: é condição de aprendizagem que os alunos vejam e entendam como um leitor competente faz para grifar um texto.

Para que essa articulação funcione, o coordenador pedagógico tem um papel fundamental a cumprir. Cabe a ele conduzir as discussões, propor pautas e investigações dos referenciais e materiais de orientação pedagógica que trazem sugestões de procedimentos de estudo. Também é sua função fazer um levantamento dos gêneros mais frequentes nas disciplinas e definir, juntamente com os professores, os procedimentos a adotar nas aulas e nos projetos de pesquisa. Por fim, deve garantir que todos se inteirem das combinações para colocá-las em prática. Seguindo caminhos como esses, as reuniões pedagógicas tornam-se espaço de troca, em que os professores das diferentes disciplinas debatem as práticas de linguagem mais apropriadas para ensinar a ler e a escrever textos.

Outro profissional essencial para fazer o trabalho avançar é o professor de Língua Portuguesa. Por desenvolver mais costumeiramente as habilidades leitoras dos alunos, ele ajuda a analisar os dispositivos composicionais que envolvem textos dos gêneros específicos das outras disciplinas. Ao colocar a serviço da escola sua formação e atuação, se coloca como um parceiro mais experiente quando a leitura entra em cena.

Planejar um trabalho integrado que efetivamente desenvolva habilidades de leitura e de produção de texto e que proporcione diferentes modos de ler é ainda um desafio. Mas ele pode ser superado com o empenho de coordenadores e de professores de todas as áreas do conhecimento que considerem, no ensino de leitura, o papel fundamental das estratégias de abordagem e de construção de sentidos dos textos.
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Claudio Bazzoni é assessor de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e selecionador do PrêmioVictor Civita – Educador Nota 10.

Fontes:
Colaboração Revista Nova Escola. Edição Especial. Janeiro de 2010.

Programação das Livrarias Saraiva Megastore


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19h30 – Rio Sul Shopping (Rio de Janeiro)
Lançamento dos livros dos Blogs: Aventuras Gastronômicas, Bichinhos de Jardim, Dinheirama, Kibe Loco, Guanabara, Papo de Homem, Pergunte ao Urso, Planejando Meu Casamento, Poltrona.tv, Sallete Ferreira, Sexto Sexo e Vi o Mundo, Editora Blogbooks
O livro reúne os melhores posts dos blogs mais populares do país, destaques em 2008/09 nas categorias artes e cultura, comunicação e negócios, entretenimento, gastronomia, humor, política, quadrinhos, religião, sexo, tecnologia, universo feminino e masculino.

19h30 – Moinhos Shopping (Porto Alegre)
Papos & Ideias Leitura: Janelas para o Mundo, com Luiz-Olyntho Telles da Silva
O programa Leituras: Janelas para o Mundo abordará livros surpreendentes, valorizando escritores de todos os tempos que nos ajudam a compreender o mundo em que vivemos. No primeiro encontro o tema será o livro O silêncio da chuva, de Luiz Alfredo Garcia-Roza

23/1, sábado

15h – Shopping Iguatemi (Campinas)
Hora da Criança Era uma vez: Conto de Fadas, com Cia Galhofas e Dramas
Com a utilização de objetos que fazem parte da história, as crianças precisam adivinhar que conto será contado. Depois, elas confeccionam gorros mágicos. Adivinha que conto é esse?!

16h – Praia de Belas Shopping (Porto Alegre)
Hora da Criança Contação de Histórias, com Rosane Castro

16h – Shopping Iguatemi (Porto Alegre)
Hora da Criança Contação de História e Oficina Temática, com Leonor Pereira
Conheça a história Quando o dia engoliu a noite, de Sônia Rosa, Editora Paulinas. Através dos olhos da protagonista desta poética história, podemos observar um dos maiores espetáculos da Terra: a chegada de um novo dia! A criançada ficará encantada

16h – Morumbi Shopping (São Paulo)
Hora da Criança Os Bichos... Brincadeira entre amigos, com a Cia Teatral La Mariquita
Conheça Passaquelo e Jacaronçalinha, mistura de vários bichos do Brasil. Com orelha de coelho e pé de pato, eles não sabem quem são seus pais e se aventuram a descobrir. No meio da confusão, ouça a história do Macaco e da Cotia e as canções especiais.

16h – Saraiva Pátio Paulista (São Paulo)
Hora da Criança Muito Rei Para Pouco Reino, com Deny Montserrat e Affif Neto
Dois reis, um reino e muita confusão. Um lugar onde os súditos existem somente nas histórias antigas, contadas por dois nobres com verdade e autoridade. Se o fato é real ou não, não nos cabe julgar, e sim ouvir e guardar as conclusões para nós mesmos.

16 às 17h – Manaura Shopping (Manaus)
Hora da Criança com Artcena Produções
Os atores da Artcena contarão histórias baseadas nas lendas amazônicas.

19h – Shopping Iguatemi (Fortaleza)
Lançamento dos livros Santa Terezinha: O Morro de uma Cidade, de Fernanda Oliveira; Carnaúba - A Árvore que Arranha, de Sheila Oliveira; Quem Somos Nós, de Celso Oliveira; e O Livro das Horas da Praça do Ferreira, de Jarbas Oliveira; todos pela Editora Tempo D´imagem
Os fotógrafos chamados Oliveiras, integrantes do Ifoto, reúnem-se para apresentar seus trabalhos publicados neste coquetel de lançamento.

24/1, domingo

16 às 17h – Manaura Shopping (Manaus)
Hora da Criança com Artcena Produções
Os atores da Artcena contarão histórias baseadas nas lendas amazônicas. Não perca!

16h – Morumbi Shopping (São Paulo)
Hora da Criança Muito Rei Para Pouco Reino, com Deny Montserrat e Affif Neto
Dois reis, um reino e muita confusão. Um lugar onde os súditos existem somente nas histórias antigas, contadas por dois nobres com verdade e autoridade. Se o fato é real ou não, não nos cabe julgar, e sim ouvir e guardar as conclusões para nós mesmos.

17h – Shopping Ibirapuera (São Paulo)
Hora da Criança Contação de História especial Editora Globo, com Zenaide Paludo.
Olivia é uma porquinha bem sapeca, que agita sem parar, sonha alto e topa todos os desafios. É uma menina hiperbólica: prova todas as roupas do armário, canta a plenos pulmões, constrói castelos de areia iguais ao Chrysler Building, pinta a parede do seu quarto imitando Jackson Pollock (para desespero de sua mãe). O que ela detesta mesmo é tirar uma soneca. Mesmo na hora de dormir, continua firme e forte, barganhando com sua mãe o número de livros a serem lidos na cama. Ao terminar a leitura, sua mãe dá-lhe um beijo e diz: “Sabe, você me cansa de verdade. Mas, de todo jeito, eu te amo.” E antes de adormecer e sonhar que é Maria Callas, Olivia responde: “Eu também te amo.”

25/1, segunda-feira

19h – Praia de Belas Shopping (Porto Alegre)
Segundas Literárias Porto Verão Alegre 2010 apresenta: Claudia Tajes e Paula Taitelbaum
O público encontra os autores e suas obras, pulbicadas pela L&PM, em um agradavél bata-papo onde a literatura é a grande atração

30/1, sábado

15h – Rio Sul Shopping (Rio de Janeiro)
6º Encontro do Clube do Livro Saraiva
Para os amantes da boa leitura, nada melhor do que um encontro para trocar ideias e dicas de livro. Participe da sexta edição do Clube do Livro Saraiva.

15h – Moinhos Shopping (Porto Alegre)
Hora da Criança A Bruxinha que virou fada, com Elza Machado
Conheça a história A Bruxinha que virou fada com a arte-educadora Elza Machado.

16h – Shopping Iguatemi (Porto Alegre)
Hora da Criança Contação de Histórias, com Rosane Castro

16h – Barra Shopping Sul (Porto Alegre)
Hora da Criança Contação de História e Oficina Temática, com Leonor Pereira
Conheça a história Quando o dia engoliu a noite, de Sônia Rosa, Editora Paulinas. Através dos olhos da protagonista desta poética história, podemos observar um dos maiores espetáculos da Terra: a chegada de um novo dia! A criançada ficará encantada!

17h – Shopping Ibirapuera (São Paulo)
Hora da Criança Oficina Palavra Cruzada, com Paulo Netho
O recitador comanda o cruzamento dos gêneros textuais preparando o meio de campo para que todos se divirtam com a alegria de poder dizer, com as próprias palavras, qualquer texto que tenham vontade de falar.

19h30 – Morumbi Shopping (São Paulo)
Sala Especial Loaded recebe a banda Continental Combo, gravadora independente
O programa de rádio Loaded foi transportado para a Saraiva para apresentar música de qualidade, garimpagem, informação sobre a cena independente e muita descontração. Convidamos você a conhecer a banda Continental Combo nesta primeira edição.

31/1, domingo

16h – Shopping Recife (Recife)
Hora da Criança Contação de História, com tia Érica
Viaje pelo mundo do faz de conta com as histórias que pulam do Baú Mágico da Tia Érica! Vamos cantar, dançar e interagir com muitos personagens divertidos e engraçados!

17h – Morumbi Shopping (São Paulo)
Hora da Criança Contação de História especial Editora Globo, com Zenaide Paludo.
Olivia é uma porquinha bem sapeca, que agita sem parar, sonha alto e topa todos os desafios. É uma menina hiperbólica: prova todas as roupas do armário, canta a plenos pulmões, constrói castelos de areia iguais ao Chrysler Building, pinta a parede do seu quarto imitando Jackson Pollock (para desespero de sua mãe). O que ela detesta mesmo é tirar uma soneca. Mesmo na hora de dormir, continua firme e forte, barganhando com sua mãe o número de livros a serem lidos na cama. Ao terminar a leitura, sua mãe dá-lhe um beijo e diz: “Sabe, você me cansa de verdade. Mas, de todo jeito, eu te amo.” E antes de adormecer e sonhar que é Maria Callas, Olivia responde: “Eu também te amo.”

Fonte:
Livraria Saraiva Megastore

Carlos Leite Ribeiro (Esta Juventude ...)


(lamentos dos mais velhos...)

Mais velhos, não direi, talvez os mais antigos – de acordo?

No nosso tempo não se via disto – uma frase que se ouve com certa frequência aos mais antigos. Agora, vimos os jovens sempre agarradinhos e aos beijinhos por todo o lado.

No nosso tempo, não se via “esta vergonha” não; tínhamos uma enorme ingenuidade quase a roçar a santidade. Nós quase não olhávamos para as jovens pois tínhamos grande pudor e éramos demasiadamente envergonhados e tímidos. No meu tempo nem tínhamos tentação de saber se as carnes da nossa moça eram rijas ou moles; se ela sabia beijar bem; nem sequer um encosto mais apertado. Nada disso. Éramos uma perfeição. Nos bailes, dançávamos afastados das moças pelo menos um palmo; no escurinho do cinema, ficávamos sempre com as mãos em posição de oração e nunca por nunca a fazer pesquisas por sítios proibidos; para mais, tínhamos sempre a mamã sentada a nosso lado. Nenhuma parte de nosso corpo reagia à aproximação ou quando estamos junto da nossa amada. Nos dias de chuva, nunca procurávamos a entrada de um edifício ou mesmo o vão de uma escada; nunca (o pior era quando esses espaços já estavam ocupados por outro casal).

Nunca por nunca invejámos e muito menos desejámos a namorada dos outros ou mulher casada; nunca!

Rapazes como nós, já não existem.

Um certo colega, o Mário, certa vez foi apanhado por uma vizinha a fazer algo que não “devia” com uma moça. A dita (cuja) vizinha, chamou-o a sua casa para lhe dar uma grande lição de moral e, ao mesmo tempo, dar-lhe umas lições de sexologia prática; no dizer desta senhora já viúva há muitos anos, as lições seriam vinte… Mas o Mário contou a situação aos amigos e, quando a vizinha marcou nova lição, aparecemos a sua porta cerca de dez amigos. Resultado: não passou da primeira lição. O que éramos capazes para perder a nossa ingenuidade para nos integrarmos no mundo dos já muito adultos!

Volto a repetir: rapazes como nós, já não existem…

Também é preciso não esquecer que namorávamos com a moça à janela, mesmo que morasse num 5º andar enquanto o rapaz ficava na rua. Não tínhamos hipóteses nenhumas … Embora há quem diga que nós tínhamos uma “engenharia deveras criativa”; mas isso são boatos!

O caso melhorou (só um pouco) quando apareceram as “lambretas” que só tinham dois lugares e a mamã tinha que ficar de fora. O pior era quando a tal mamã marcava que de dez em dez minutos tínhamos que passar à sua porta ou num local pré-combinado.

E quando apareceram os Volkswagens de três mudanças para a frente e uma para trás? Para “conduzir” era precisa certa “habilidade” pois senão saiam dentro do carro que dolorosos torcicolos.

Rapazes como nós, já não existem…

Em 2001, escrevi este apontamento “MOMENTOS MARCAM UMA ÉPOCA ...”

Há nomes que nos marcam para sempre, principalmente, quando se referem à nossa juventude. Para mim, o nome Nan, traz-me recordações da minha meninice.

Teria uns dez anos, morava num rés-do-chão de um prédio da Pascoal de Melo (Estefânia – Lisboa), e no último andar, por sinal o 4º, morava a Nan, uma moça que na altura teria uns 16 ou dezassete anos. A mãe da moça, de nome Sen, viúva de um obscuro subchefe de uma repartição da função pública, era uma figura muito castiça: Muito magra, não muito alta, sempre vestida de preto e, fosse em que estação do ano fosse, andava sempre de sombrinha. Quando aqui em Portugal passou a telenovela “Tieta do Agreste” (que eu parodiei para a radiodifusão), logo me lembrei da D. Sen, que a vi retratada na “Charifú” desta novela. A Nan era filha única e sua mãe a defendia de todos e quaisquer “Moinhos de Vento” (eram como as mamães tratavam os rapazes). Se a moça lhe ia fazer algum recado (compra) perto de casa, logo a mãe se empoleirava na varanda começando logo a berrar assim que ela saía do prédio: “Nan ! não te demores, olha que eu estou aqui à tua espera !” ; ou “Nan ! estás a demorar muito ! Que estás para aí a fazer ?...”. Se nas traseiras da casa, a moça estava a estender a roupa na varanda, lá estava sua mãe ralhando comigo:

- “Olha lá menino, estás a olhar para as pernas da Nan ... etc ...”.

Recordo-me uma vez minha tia dizer em voz alta para ela ouvir bem:

- “Carlitos, não olhes para cima !Podes estar a cobiçar umas pernas que não valem nada ... “.

Claro que a opinião era de minha tia, porque a minha, embora não me recorde bem, talvez fosse uma “bela panorâmica” !

Mas voltando à Nan, andava num colégio de feiras, onde a mamã a ia levar e trazer. Recordo-me de um carnaval no Clube Estefânia, em que a D. Sen quando notava (?) que o par da filha a estava a agarrar “demais”, levantava-se e o ia afastar do corpo da filha. De tantas vezes que repetiu, que se tornou um escândalo hilariante. Nessa altura, um D. Juan da época, virou-se para a D. Sen, perguntando-lhe:

- “Olhe lá minha senhora, é católica ?”. A senhora olhando-o de frente, replicou-lhe:
- “Sou sim, seu desavergonhado !.

Então o “malandreco” respondeu-lhe perante a hilaridade de todos:

- “Então vá com Deus e deixe sossegada a sua filha!”.

Era assim a vida da Nan ...

Meses depois, a pequena, não se sabendo muito bem porquê, apareceu grávida. É verdade !. Já na gravidez avançada, tanto a mãe como ela, juravam a pés juntos que não sabiam com “aquilo tinha acontecido”. Algumas vizinha, (daquelas mais aconselhadas), aconselharam a D. Sen a ir a uma senhora de grande virtude, que morava na Horta das Tripas (Casal de Santa Luzia – Rua D. Estefânia) para que ela expulsasse o “Mafarrico” do corpo da moça, porque tal só podia ter sido “obra do diabo”. Outras menos “cultas” diziam que tinha era sido “obra e graça do Espírito Santo”...

Fosse como fosse nasceu um bebé que teve como nome Francisco (o Chiquinho).

Muito mais tarde, já a D. Sen tinha entregado a alma a Deus e o corpo à terra fria, a Nan confessou que “talvez fosse obra de um ajudante de limpa-chaminés”. Na altura, existiam em Lisboa o “limpa-chaminés” que subiam aos telhados, ponham uma corda muito comprida dentro das chaminés e tiravam a “ferrugem”; pelo menos faziam muito lixo. Normalmente quem tinha a chave da porta que dava para o telhado era o locatário do último andar. Assim, um dia, a Nan foi abrir a porta ao ajudante de limpa-chaminés, enquanto o mestre ficava junto às chaminés das cozinhas, segurando a corda, o ajudante abanava - a no telhado.
Ainda segundo o relato da Nan “foi tudo muito rápido”. Nós podemos acrescentar: Rápido e Eficiente! Ficámos sem saber se teria sido no abrir da porta, ou, ao abanar da corda. Mas isso também não interessa.

Claro que a moça teve depois vários namorados.

Enquanto estes esperavam pela dama, havia sempre um “malandreco” a avisá-lo:

- “Não cuspas para cima que ela pode engravidar ...”.
E assim, o nome de Nan, ficou sempre gravado na minha memória ...

(von Trina - Março 2001)

Fonte:
Colaboração do Autor.

Graciliano Ramos (Vidas Secas)


A obra começa com a fuga de uma família da trágica seca do sertão nordestino: Fabiano, o pai, Sinhá-Vitória, a mãe, os dois filhos e a cachorra Baleia. Fabiano é um vaqueiro, homem bruto que tem enorme dificuldade em articular palavras e pensamentos, que se sente um bicho e muitas vezes age como tal, grunhindo e se portando como um selvagem. Não tem aspirações e nem esperanças, do mesmo modo como não se tolera e não tolera o mundo em que vive. Sinhá-Vitória, sua esposa, se sai melhor em seus pensamentos e diálogos, apesar de restritos. Seu sonho é uma cama de couro, como a de um homem chamado Tomás da bolandeira. Essa personagem, que nunca aparece a não ser na memória das outras personagens, é também uma espécie de herói e modelo para Fabiano: culto, detentor de sabedoria, da arte da palavra e do pensamento, por isso mesmo admirado. O menino mais novo parece não ter nome e nem uma forma comum de se comunicar. Sua única aspiração é ser como Fabiano. Nas mesmas situações está o filho mais velho, que só quer um amigo, conformando-se com a presença da cachorra Baleia. Esta, muitas vezes, parece ter um pensamento mais linear e humano que o resto da família, portando-se não só como um bicho, mas como um ente, uma companheira que ajuda Fabiano e sua gente a suportar as péssimas condições.

A história se desenvolve com o estabelecimento da família numa fazenda e a contratação de Fabiano como vaqueiro. Este, certa ocasião, vai até a venda comprar mantimentos e se põe a beber. Aparece um policial, chamado por Fabiano de Homem Amarelo, que o chama para jogar baralho com outros. O jogo acontece e, numa desavença com o Soldado Amarelo, Fabiano acaba sendo preso, maltratado e humilhado. Aumenta sua insatisfação com o mundo, com sua própria condição de homem bruto e selvagem do campo, e o desprezo de outras pessoas, encarnadas agora na figura do Soldado Amarelo. Solto nosso herói, a vida segue na fazenda. Sinhá-Vitória começa a desconfiar do patrão, que parece roubar nas contas de Fabiano. Este se aborrece, mas não pode fazer nada. Não entende as complicadas contas que o patrão faz, e não sabe dialogar com ele. A festa de natal na cidade só serve para aumentar o descontentamento de Fabiano e sua família com o resto do mundo. Sentem-se diferentes, inferiores, desprezados e humilhados por milhares de "patrões" e "soldados amarelos". Baleia adoece e Fabiano e vê na árdua tarefa de sacrifica-la.

Fere o pobre bicho com um tiro, mas não consegue matá-lo, já que este foge para longe. Baleia vem a falecer durante a noite, perto da casa, sonhando com um mundo cheio de lebres... Sentindo-se cada vez mais lesado pelo patrão, Fabiano resolve argumentar contra esse, mas, sob ameaça de despejo, resolve deixar o assunto quieto, o que lhe causa uma indignação cada vez maior. Sua indignação com o mundo chega ao extremo quando encontra, na volta da venda após ter tomado alguns goles, o Soldado Amarelo, que estava perdido no mato. Fabiano percebe o seu medo e seu corpo franzino em relação ao seu, e tem a idéia de matá-lo, descontar toda a sua raiva e seu descontentamento. Sentindo-se, entretanto, fraco e impossibilitado, resolve deixar pra lá, ensinando o caminho de volta para a cidade ao soldado. Seu sentimento de revolta é agora intensificado pela impotência... Como não bastasse, a seca atinge a fazenda e faz com que toda a família fuja novamente, só que esta vez para o sul, em busca da cidade grande, sem destino e sem esperança de vida.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Os abalos sofridos pelo povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a crise econômica provocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a crise cafeeira, a Revolução de 1930, o acelerado declínio do nordeste condicionaram um novo estilo ficcional, notadamente mais adulto, mais amadurecido, mais moderno que se marcaria pela rudeza, por uma linguagem mais brasileira, por um enfoque direto dos fatos, por uma retomada do naturalismo, principalmente no plano da narrativa documental, temos também o romance nordestino, liberdade temática e rigor estilístico.

Os romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem visão crítica das relações sociais, regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe.

Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrângulo, Alagoas. Estudou em Maceió, mas não cursou nenhuma faculdade. Após breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos jornais "Correio da Manhã e A Tarde", passou a fazer jornalismo e política elegendo-se prefeito em 1927. Foi preso em 1936 sob acusação de comunista e nesta fase escreveu "Memórias do Cárcere", um sério depoimento sobre a realidade brasileira. Depois do cárcere morou no Rio de Janeiro. Em 1945, integrou-se no Partido Comunista Brasileiro. Graciliano estreou em 1933 com "Caetés", mas é São Bernardo, verdadeira obra prima da literatura brasileira. Depois vieram "Angustia" (1936) e Vidas Secas (1938) inspirando-se em Machado de Assis. Podemos justificar isto com passagens do texto:

"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos."

"A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas"

"Resolvera de supetão aproveitá-lo (papagaio) como alimento..."

"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores".

ESTUDO DOS PERSONAGENS

Baleia - cadela da família, tratada como gente, muito querida pelas crianças.

Sinhá Vitória - mulher de Fabiano, sofrida, mãe de 2 filhos, lutadora e inconformada com a miséria em que vivem, trabalha muito na vida.

Fabiano - nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo.

Filhos - crianças pobres sofridas e que não tem noção da própria miséria que vivem.

Patrão - contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto e explorava os empregados.

Outros personagens: o soldado, seu Inácio (dono do bar).

ESTUDO DA LINGUAGEM

Tipo de discurso: indireto livre

Foco narrativo: terceira pessoa

Adjetivos, figuras de linguagem:
Metáfora: " - você é um bicho, Fabiano".

Prosopopéia: compara Baleia como gente

ANÁLISE DAS IDÉIAS

Comentário Crítico: Esse livro retrata fielmente a realidade brasileira não só da época em que o livro foi escrito, mas como nos dias de hoje tais como injustiça social, miséria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idéia de que o homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência.

RESUMO DA OBRA

Mudança

Em meio à paisagem hostil do sertão nordestino, quatro pessoas e uma cachorrinha se arrastam numa peregrinação silenciosa_ . O menino mais velho, exausto da caminhada sem fim, deita-se no chão, incapaz de prosseguir, o que irrita Fabiano, seu pai, que lhe dá estocadas com a faca no intuito de fazê-lo levantar.

Compadecido da situação do pequeno, o pai toma-o nos braços e carrega-o, tornando a viagem ainda mais modorrenta. A cadela Baleia acompanha o grupo de humanos agora sem a companhia do outro animal da família, um papagaio, que fora sacrificado na véspera a fim de aplacar a fome que se abatia sobre aquelas pessoas. Na verdade, era um papagaio estranho, que pouco falava, talvez porque convivesse com gente que também falava pouco_ . Errando por caminhos incertos, Fabiano e família encontram uma fazenda completamente abandonada. Surge a intenção de se fixar por ali. Baleia aparece com um preá entre os dentes, causando grande alegria aos seus donos. Haveria comida. Descendo ao bebedouro dos animais, em meio à lama, Fabiano consegue água. Há uma alegria em seu coração, novos ventos parecem soprar para a sua família. Pensa em Seu Tomás da bolandeira. Pensa na mulher e nos filhos.

A inesperada caça é preparada, o que garante um rápido momento de felicidade ao grupo. No céu, já escuro, uma nuvem – sempre um sinal de esperança. Fabiano deseja estabelecer-se naquela fazenda. Será o dono dela. A vida melhorará para todos.

Fabiano

Em vão Fabiano procura por uma raposa. Apesar do fracasso da empreitada, ele está satisfeito. Pensa na situação da família, errante, passando fome, quando da chegada àquela fazenda. Estavam bem agora . Fabiano se orgulha de vencer as dificuldades tal qual um bicho. Agora ele
era um vaqueiro, apesar de não ter um lugar próprio para morar. A fazenda aparentemente abandonada tinha um dono, que logo aparecera e reclamara a posse do local. A solução foi ficar por ali mesmo, servindo ao patrão, tomando conta do local. Na verdade, era uma situação triste, típica de quem não tem nada e vive errante. Sentiu-se novamente um animal, agora com uma conotação negativa. Pouco falava, admirava e tentava imitar a fala difícil das pessoas da cidade. Era um bicho.

A uma pergunta de um dos filhos, Fabiano irrita-se. Para que perguntar as coisas? Conversaria com Sinhá Vitória sobre isso. Essas coisas de pensamento não levavam a nada. Seu Tomás da bolandeira, apesar de admirado por Fabiano pelas suas palavras difíceis, não acabara como todo
mundo? As palavras, as idéias, seduziam e cansavam Fabiano.

Pensou na brutalidade do patrão, a tratá-lo como um traste. Pensou em Sinhá Vitória e seu desejo de possuir uma cama igual à de Seu Tomás da bolandeira. Eles não poderiam ter esse luxo, cambembes que eram. Sentiu-se confuso. Era um forte ou um fraco, um homem ou um bicho? Sentia, por vezes, ímpeto de lutador e fraqueza de derrotado. Lembrando dos meninos, novamente, achou que, quando as coisas melhorassem, eles poderiam se dar ao luxo daquelas coisas de pensar. Por ora, importante era sobreviver. Enquanto as coisas não melhorassem, falaria com Sinhá Vitória sobre a educação dos pequenos.

Cadeia

Fabiano vai à feira comprar mantimentos, querosene e um corte de chita vermelha. Injuriado com a qualidade do querosene e com o preço da chita, resolve beber um pouco de pinga na bodega de seu Inácio. Nisso, um soldado amarelo convida-o para um jogo de cartas. Os dois acabam perdendo, o que irrita o soldado, que provoca Fabiano quando esse está de partida. A idéia do jogo havia sido desastrosa. Perdera dinheiro, não levaria para casa o prometido. Fabiano, agora, pensava em como enganar Sinhá Vitória, mas a dificuldade de engendrar um plano o atormentava.

O soldado, provocador, encara o vaqueiro e barra-lhe a passagem. Pisa no pé de Fabiano que, tentando contornar a situação à sua maneira, agüenta os insultos até o possível, terminando por xingar a mãe do soldado amarelo. Destacamento à sua volta. Cadeia. Fabiano é empurrado, humilhado publicamente.

No xadrez, pensa por que havia acontecido tudo aquilo com ele. Não fizera nada, se quisesse até bateria no mirrado amarelo, mas ficara quieto. Em meio a rudes indagações, enfureceu-se, acalmou-se, protestou inocência. Amolou-se com o bêbado e com a quenga que estavam em outra cela. Pensou na família. Se não fosse Sinhá Vitória e as crianças, já teria feito uma besteira por ali mesmo. Quando deixaria que um soldadinho daqueles o humilhasse tanto? Arquitetou vinganças, gritou com os outros presos e, no meio de sua incompreensão com os fatos, sentiu a família como um peso a carregar.

Sinhá Vitória

Naquele dia, Sinhá Vitória amanhecera brava. A noite mal dormida na cama de varas era o motivo de sua zanga. Falara pela manhã, mais uma vez, com Fabiano sobre a dificuldade de dormir naquela cama. Queria uma cama de lastro de couro, como a de Seu Tomás da bolandeira, como a de pessoas normais. Havia um ano que discutia com o marido a necessidade de uma cama decente e, em meio a uma briga por causa das "extravagâncias" de cada um, Sinhá Vitória certa vez ouviu Fabiano dizer-lhe que ela ficava ridícula naqueles sapatos de verniz, caminhando como um papagaio, trôpega, manca. A comparação machucou-a.

Agora, ela irritava-se com o ronco de Fabiano ao lembrar-se de suas palavras. Circulando pela casa, fazia suas tarefas em meio a reza e a atenção ao que acontecia lá fora. Por pensar ainda na cama e na comparação maldosa de Fabiano, quase esqueceu de pôr água na comida. Veio-lhe
a lembrança do bebedouro em que só havia lama. Medo da seca. Olhou de novo para seus pés e inevitavelmente achou Fabiano mau. Pensou no papagaio e sentiu pena dele. Lá fora, os meninos brincavam em meio à sujeira. Dentro de casa, Fabiano roncava forte, seguro, o que indicava a Sinha Vitória que não deveria haver perigo algum por ali. A seca deveria estar longe. As coisas, agora, pareciam mais estáveis, apesar de toda a dificuldade. Lembrou-se de como haviam sofrido em suas andanças. Só faltava uma cama. No fundo, até mesmo Fabiano queria uma cama nova.

O Menino mais novo

A imagem altiva do pai foi que lhe fez surgir a idéia. Fabiano, armado como vaqueiro, domava a égua brava com o auxílio de Sinha Vitória. O espetáculo grosseiro excitava o menor dos garotos, impressionado com a façanha do pai e disposto a fazer algo que também impressionasse o irmão mais velho e a cachorra Baleia. No dia seguinte, acordou disposto a imitar a façanha do pai. Para tanto, quis comunicar a intenção ao mano, mas evitou, com medo de ser ridicularizado.

Quando as cabras foram ao bebedouro, levadas pelo menino mais velho e por Baleia, o pequeno tomou o bode como alvo de sua ação. Sentia-se altivo como Fabiano quando montava. No bebedouro, o garoto despencou da ribanceira sobre o animal, que o repeliu. Insistente, tentou se aprumar, mas foi sacudido impiedosamente, praticando um involuntário salto mortal que o deixou, tonto, estatelado ao chão. O irmão mais velho ria sem parar do ridículo espetáculo, Baleia parecia desaprovar toda aquela loucura. Fatalmente seria repreendido pelos pais. Retirou-se humilhado, alimentando a raivosa certeza de que seria grande, usaria roupas de vaqueiro, fumaria cigarros e faria coisas que deixariam Baleia e o irmão admirados.

O Menino mais velho

Aquela palavra tinha chamado a sua atenção: inferno. Perguntou à Sinha Vitória, vaga na resposta. Perguntou a Fabiano, que o ignorou. Na volta à Sinha Vitória, indagou se ela já tinha visto o inferno. Levou um cascudo e fugiu indignado. Baleia fez-lhe companhia tentando alegrá-lo naquela hora difícil. Decidiu contar à cachorrinha uma história, mas o seu vocabulário era muito restrito, quase igual ao do papagaio que morrera na viagem. Só Baleia era sua amiga naquele momento. Por que tanta zanga com uma palavra tão bonita ? A culpa era de Sinha Terta, que usara aquela palavra na véspera, maravilhando o ouvido atento do garoto mais velho.

Olhou para o céu e sentiu-se melancólico. Como poderiam existir estrelas? Pensou novamente no inferno. Deveria ser, sim, um lugar ruim e perigoso, cheio de jararacas e pessoas levando cascudos e pancadas com a bainha da faca. Sempre intrigado, abraçou-se à Baleia como refúgio.

Inverno

Todos estavam reunidos em volta do fogo, procurando aplacar o frio causado pelo vento e pela água que agitava a paisagem fora da casa. Chegara o inverno, e isso reunia a família próxima à fogueira.

Pai e mãe conversavam daquele jeito de sempre, estranho, e os meninos, deitados, ficavam ouvindo as histórias inventadas por Fabiano, de feitos que ele nunca tinha realizado, aventuras nunca vividas. Quando o mais velho levantou-se para buscar mais lenha, foi repreendido severamente pelo pai, aborrecido pela interrupção de sua narrativa. A chuva dava à família a certeza de que a seca não chegaria por enquanto. Isso alegrava Fabiano. Sinha Vitória, porém, temia por uma inundação que os fizesse subir ao morro, novamente errantes. A água, lá fora, ampliava sua invasão.

Fabiano empolgava-se mais ainda em contar suas façanhas. A chuva tinha vindo em boa hora. Após a humilhação na cidade, decidira que, com a chegada da seca, abandonaria a família e partiria para a vingança contra o soldado amarelo e demais autoridades que lhe atravessassem o caminho. A chegada das águas interrompera aqueles planos sinistros. Em meio à narrativa empolgada, Fabiano imaginava que as coisas melhorariam a partir dali; quem sabe, Sinha Vitória até pudesse ter a cama tão desejada. Para o filho mais novo, o escuro e as sombras geradas pela fogueira faziam da imagem do pai algo grotesco, exagerado. Para o mais velho, a alteração feita por Fabiano na história que contava era motivo de desconfiança. Algo não cheirava bem naquele enredo. Sempre pensativo, o menino mais velho dormiu pensando na falha do pai e nos sapos que estariam lá fora, no frio.

Baleia, incomodada com a arenga de Fabiano, procurava sossego naquela paisagem interior. Queria dormir em paz, ouvindo o barulho de fora.

Festa

A família foi à festa de Natal na cidade. Todos vestidos com suas melhores roupas, num traje pouco comum às suas figuras, o que lhes dava um ar ridículo. A caminhada longa tornava-se ainda mais cansativa por causa daquelas roupas e sapatos apertados. O mal-estar era geral, até que Fabiano cansou-se da situação e tirou os sapatos, metendo as meias no bolso, livrando-se ainda do paletó e da gravata que o sufocava. Os demais fizeram o mesmo. Voltaram ao seu natural. Baleia juntou-se ao grupo.

Chegando à cidade, foram todos lavar-se à beira de um riacho antes de se integrarem à festa. Sinha Vitória carregava um guarda-chuva. Fabiano marchava teso. Os meninos maravilham-se, assustados, com tantas luzes e gente. A igreja, com as imagens nos altares, encantou-os mais
ainda. O pai espremia-se no meio da multidão, sentindo-se cercado de inimigos. Sentia-se mangado por aquelas pessoas que o viam em trajes estranhos à sua bruta feição. Ninguém na cidade era bom. Lembrou-se da humilhação imposta pelo soldado amarelo quando estivera pela última vez na cidade.

A família saiu da igreja e foi ver o carrossel e as barracas de jogos. Como Sinha Vitória negou-lhe uma aposta no bozó, Fabiano afastou-se da família e foi beber pinga. Embriagando-se, foi ficando valente. Imaginava, com raiva, por onde andava o soldado amarelo. Queria esganá-lo. No meio da multidão, gritava, provocava um inimigo imaginário. Queria bater em alguém, poderia matar se fosse o caso. Vez ou outra, interrompia suas imprecações para uma confusa reflexão. Cansado do seu próprio teatro, Fabiano deitou no chão, fez das suas roupas um travesseiro e dormiu pesadamente.

Sinha Vitória, aflita, tinha que olhar os meninos, não podia deixar o marido naquele estado. Tomando coragem para realizar o que mais queria naquele momento, discretamente esgueirou-se para uma esquina e ali mesmo urinou. Em seguida, para completar o momento de satisfação, pitou num cachimbo de barro pensando numa cama igual à de seu Tomas da bolandeira . Os meninos também estavam aflitos. Baleia sumira na confusão de pessoas, e o medo de que ela se perdesse e não mais voltasse era grande. Para alívio dos pequenos, a cachorrinha surge de repente e acaba com a tensão. Restava, agora, aos pequenos, o maravilhamento com tudo de novo que viam. O menor perguntou ao mais velho se tudo aquilo tinha sido feito por gente. A dúvida do maior era se todas aquelas coisas teriam nome. Como os homens poderiam guardar tantas palavras para nomear as coisas?

Distante de tudo, Fabiano roncava e sonhava com soldados amarelos.

Baleia

Pêlos caídos, feridas na boca e inchaço nos beiços debilitaram Baleia de tal modo que Fabiano achou que ela estivesse com raiva. Resolveu sacrificá-la. Sinha Vitória recolheu os meninos, desconfiados, a fim de evitar-lhes a cena. Baleia era considerada como um membro da família, por isso os meninos protestaram, tentando sair ao terreiro para impedir a trágica atitude do pai. Sinha Vitória lutava com os pequenos, porque aquilo era necessário, mas aos primeiros movimentos do marido para a execução, lamentou o fato de que ele não tivesse esperado mais para confirmar a doença da cachorrinha.

Ao primeiro tiro, que pegou o traseiro da cachorra e inutilizou-lhe uma perna, as crianças começaram a chorar desesperadamente. Começou, lá fora, o jogo estratégico da caça e do caçador. Baleia sentia o fim próximo, tentava esconder-se e até desejou morder Fabiano. Um nevoeiro turvava a visão da cachorrinha, havia um cheiro bom de preás. Em meio à agonia, tinha raiva de Fabiano, mas também o via como o companheiro de muito tempo. A vigilância às cabras, Fabiano, Sinha Vitória e as crianças surgiam à Baleia em meio a uma inundação de preás que invadiam a cozinha. Dores e arrepios. Sono. A morte estava chegando para Baleia.

Contas

Fabiano retirava para si parte do que rendiam os cabritos e os bezerros. Na hora de fazer o acerto de contas com o patrão, sempre tinha a sensação de que havia sido enganado. Ao longo do tempo, com a produção escassa, não conseguia dinheiro e endividava-se. Naquele dia, mais uma vez Fabiano pedira a Sinha Vitória para que ela fizesse as contas. O patrão, novamente, mostrou-lhe outros números. Os juros causavam a diferença, explicava o outro. Fabiano reclamou, havia engano, sim senhor, e aí foi o patrão quem estrilou. Se ele desconfiava, que fosse procurar outro emprego. Submisso, Fabiano pediu desculpas e saiu arrasado, pensando mesmo que Sinha Vitória era quem errara.

Na rua, voltou-lhe a raiva. Lembrou-se do dia em que fora vender um porco na cidade e o fiscal da prefeitura exigira o pagamento do imposto sobre a venda. Fabiano desconversou e disse que não iria mais vender o animal. Foi a uma outra rua negociar e, pego em flagrante, decidiu nunca mais criar porcos. Pensou na dificuldade de sua vida. Bom seria se pudesse largar aquela exploração. Mas não podia! Seu destino era trabalhar para os outros, assim como fora com seu pai e seu avô.

As notas em sua mão impressionavam-no. "Juros", palavra difícil que os homens usavam quando queriam enganar os outros. Era sempre assim: bastavam palavras difíceis para lograr os menos espertos. Contou e recontou o dinheiro com raiva de todas aquelas pessoas da cidade. Sinha Vitória é que entendia seus pensamentos.

Teve vontade de entrar na bodega de seu Inácio e tomar uma pinga. Lembrou-se da humilhação passada ali mesmo e decidiu ir para casa. o céu, várias estrelas. Deixou de lado a lembrança dos inimigos e pensou na família. Sentiu dó da cachorra Baleia. Ela era um membro da família.

O Soldado Amarelo

Procurando uma égua fugida, Fabiano meteu-se por uma vereda e teve o cabresto embaraçado na vegetação local. Facão em punho, começou a cortar as quipás e palmatórias que impediam o prosseguimento da busca. Nesse momento, depara-se com o soldado amarelo que o humilhara um ano atrás.

O cruzar de olhos e o reconhecimento durou fração de segundos. O suficiente para que Fabiano esfolasse o inimigo. O soldado claramente tremia de medo. Também reconhecera o desafeto antigo e pressentia o perigo. Fabiano irritou-se com a cena. O outro era um nadica. Poderia matá-lo com as mãos, sem armas, se quisesse. A fragilidade do outro aos poucos foi aplacando a raiva de Fabiano. Ponderou que ele mesmo poderia ter evitado a noite na cadeia se não tivesse xingado a mãe do amarelo. No meio daquela paisagem isolada e hostil, só os dois, e se ele pedisse passagem ao soldado? Aproximou-se do outro pensando que já tinha sido mais valente, mais ousado. Na verdade, na fração de segundo interminável Fabiano ia descobrindo-se amedrontado. Se ele era um homem de bem, para que arruinar a sua vida matando uma autoridade? Guardaria forças para inimigo maior. Sentindo o inimigo acovardado, o soldado ganhou força. Avançou firme e perguntou o caminho. Fabiano tirou o chapéu numa reverência e ainda ensinou o caminho ao amarelo.

O Mundo Coberto de Penas

A invasão daquele bando de aves denunciava a chegada da seca. Roubavam a água do gado, matariam bois e cabras. Sinha Vitória inquietou-se. Fabiano quis ignorar, mas não pôde; a mulher tinha razão. Caminhou até o bebedouro, onde as aves confirmavam o anúncio da seca. Eram muitas. Um tiro de espingarda eliminou cinco, seis delas, mas eram muitas. Fabiano tinha certeza, agora, de uma nova peregrinação, uma nova fuga. Era só desgraça atrás de desgraça. Sempre fugido, sempre pequeno. Fabiano não se conformava, pensava com raiva no soldado amarelo, achava-se um covarde, um fraco. Irado, matou mais e mais aves. Serviriam de comida, mas até quando ? Quem sabe a seca não chegasse...Era sempre uma esperança. Mas o céu escuro de arribações só confirmava a triste situação. Elas cobriam o mundo de penas, matando o gado, tocando a ele e à família dali, quem sabe comendo-os. Recolheu os cadáveres das aves e sentiu uma confusão de imagens em sua cabeça. Aquele lugar não era bom de se viver. Lembrou-se de Baleia, tentou se convencer de que não fizera errado em matá-la, pensou de novo na família e no que as arribações representavam. Sim, era necessário ir embora daquele lugar maldito. Sinha Vitória era inteligente, saberia entender a urgência dos fatos.

Fuga

O céu muito azul, as últimas arribações e os animais em estado de miséria indicavam a Fabiano que a permanência naquela fazenda estava esgotada. Chegou um ponto em que, dos animais, só sobrou um bezerro, que foi morto para servir de comida na viagem que se faria no dia seguinte.

Partiram de madrugada, abandonando tudo como encontraram. O caminho era o do sul. O grupo era o mesmo que errava como das outras vezes. Fabiano, no fundo, não queria partir, mas as circunstâncias convenciam-no da necessidade. O vermelhidão do céu, o azul que viria depois assustavam Fabiano. Baleia era uma imagem constante em seus confusos pensamentos. Sinhá Vitória também fraquejava. Queria, precisava falar. Aproximou-se do marido e disse coisas desconexas, que foram respondidas no mesmo nível de atrapalhação. Na verdade, ele gostou que ela tivesse puxado conversa. Ela tentou animar o marido, quem sabe a vida fosse melhor, longe dali, com uma nova ocupação para ele. Marido e mulher elogiam-se mutuamente; ele é forte, agüenta caminhar léguas, ela, tem pernas grossas e nádegas volumosas, agüenta também. A cidade, talvez, fosse melhor. Até uma cama poderiam arranjar. Por que haveriam de viver sempre como bichos fugidos?

Os meninos, longe, despertavam especulações ao casal. O que seriam quando crescessem? Sinhá Vitória não queria que fossem vaqueiros. O cansaço ia chegando à medida que avançava a caminhada, e assim houve uma parada para descanso. Novamente marido e mulher conversavam, fazendo planos, temendo o mau agouro das aves que voavam no céu.

Sinhá Vitória acordou os pequenos, que dormiam, e seguiu-se viagem. Fabiano ainda admirou a vitalidade da mulher. Era forte mesmo! Assim, a cada passo arrastado do grupo um mundo de novas perspectivas ia sendo criado. Sinhá Vitória falava e estimulava Fabiano. Sim, deveria haveria uma nova terra, cheia de oportunidades, distante do sertão a formar homens brutos e fortes como eles.

Fonte:
Prof. Wagner Lemos

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Trova 110 - Alba Christina Campos Netto (São Paulo/SP)

Andrey do Amaral (O Homem atrás do escritor, O Escritor atrás do homem)


Visando um meio de aproximar o público do escritor ou escritora, de modo a que não enxerguem apenas assim, mas o homem ou mulher que existe atrás dos livros, estou iniciando hoje entrevistas selecionadas, enviadas a diversos escritores/as, que mostrará ao público leitor que atrás de seus livros, é um ser humano com sentimentos, opiniões, lutas, vitórias e derrotas.

O homem atrás do escritor, o escritor atrás do homem.
A mulher atrás da escritora, a escritora atrás da mulher.

São perguntas que abrange basicamente a literatura, não havendo envolvimento político, futebolistico, e qualquer outro ico, um pouco mais extensas que as normais, para dar uma visão mais geral do escritor desde sua infância até os projetos futuros, passando por dicas aos novos escritores, questionamentos sobre literatura, etc., divididos em tópicos para uma melhor orientação do leitor.

Nessa primeira série, o Singrando Horizontes entrevista o escritor, professor e agente literário Andrey do Amaral, 33, do Distrito Federal.

Andrey do Amaral (1976) é graduado em Letras, com especialização em Língua Portuguesa e em Gestão Cultural. Teve seus livros publicados pelas editoras Best Seller, Autodidata, Ao Livro Técnico e Ciência Moderna. Dedica-se à pesquisa da vida/obra do poeta paraibano Augusto dos Anjos e ao estudo de direitos autorais. É professor de literatura brasileira e agente literário filiado à Câmara Brasileira do Livro (CBL/SP). Dá consultoria a autores, principalmente aos novos que pretendem entrar no mercado editorial. Entre outros, são seus autores agenciados Moacir C Lopes (A Ostra e o Vento), Marcos Kleine e Roger (Ultraje a Rigor), Carlos Maltz (ex-Engenheiros do Hawaii).

INFÂNCIA E PRIMEIRAS LEITURAS

• Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

Nasci, cresci e vivo na Capital Federal. Como aqui há muito militar e professor, o ensino em Brasília se destaca um pouco em relação aos outros Estados. Mesmo no sistema público, a qualidade era bem parecida com as escolas particulares. Lembro-me que haviam muitos projetos literários na escola. O incentivo à leitura era grande. Assim, os alunos tomavam gosto pelos livros.

• Recebeu estímulo na casa da sua infância?

Meus pais são leitores, e acredito que isso me ajudou. Foi um espelho que tive. Dizem que criança copia. Eu copiei o hábito de leitura dos meus pais.

• Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.

Na sexta série, me lembro de uns livros de contos e crônicas divertidas, dos melhores autores da nossa literatura, com o Drummond e Fernando Sabino. Os alunos gostavam muito. Nossa alegria era fazer teatrinho dos contos. Na oitava série, lemos Memórias Póstumas de Brás Cubas. Quando a professora nos disse que era um morto que escreveu aquelas memórias fiquei bastante curioso. Achei o livro difícil, mas o entendi no todo.

ANDREY DO AMARAL, ESCRITOR

• Fale um pouco sobre sua trajetória literária. Como começou a vida de escritor?

Quando entregava meus textos para os professores de redação, era sempre um problema. Ou eles me elogiavam na frente de todos os outros alunos (e eu morria de vergonha) ou não acreditavam que eu tivesse escrito. Alguns me perguntavam se tinha sido minha mãe que escrevera as redações. Eu negava, mas alguns ainda duvidavam.

• Como foi dar esse salto de leitor pra escritor?

Parece que escrever é uma necessidade para quem lê, independentemente se vai publicar ou não. Como sempre lia as crônicas de humor na escola, escrevi uma proposta de livro para uma editora paulista. Em 1999, publicamos Como Enlouquecer Sua Sogra. O livro foi um sucesso e vende até hoje.

• Tem Home Page própria (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)?

Acho que todo autor tem que se profissionalizar e tratar sua carreira como se fosse uma empresa, e seus livros como produtos comerciais. Quem não tem dinheiro para fazer um site, que faça um blog ou similares, mas o autor deve estar na rede. Minha página é http://www.andreydoamaral.com/

• Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

Poucos são os autores hoje que vivem de literatura. Nosso consumo ainda é baixo se compararmos a autores americanos, por exemplo.

LIVROS E PRÊMIOS

• Quais foram os livros escritos pelo senhor?

Mercado Editorial – Guia para Autores (2009)
Novo (e Divertido) Acordo Ortográfico (2009)
O Máximo e as Máximas de Machado de Assis (2008)
Cuidado eu te amo – Desautoajuda do Amor (2002)
Como Enlouquecer Sua Sogra (1999)

• Dentre os livros escritos pelo senhor, qual te chamou mais atenção? E por quê?

Estou no mercado desde 1999 como autor. Meus livros foram todos publicados por editoras comerciais e todos, graças a Deus, tiveram ótima vendagem. Em 2009, lançamos o livro Mercado Editorial – Guia para Autores, relatando um pouco o nosso trabalho como agente literário e a maneira correta de o escritor enviar seu original para as editoras. Esse trabalho é um agradecimento por tudo aquilo que conquistei com o livro.

• Que acha de sua obra?

Minha obra é eclética. Escrevo humor e ensaio. Também tenho contos e desenvolvo um romance sobre a vida do poeta paraibano Augusto dos Anjos. Na hora certa publicarei ficção.

• Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

• A internet é uma excelente forma de divulgação. Encurta distâncias. Encontramos novos leitores e os leitores nos encontram. Os autores devem aprender a usar mais a internet a favor de suas obras.

• Tem prêmios literários?

Prêmio Biblioteca Nacional (2002) por meu ensaio sobre Augusto dos Anjos e o Pontos de Leitura (2008) pelo Ministério da Cultura, entre outros mais regionais.

CRIAÇÃO LITERÁRIA

• Você projeta os seus livros? Como é que você os concebe?

Seja para mim ou para meus autores agenciados, eu penso no livro como um produto que tem que dar lucro, sem perder a qualidade. E qualidade não é só aquele romance profundo e psicológico. Há qualidade em livros de humor, livros engraçados.

• Você acredita que para ser escritor basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?

Acredito na vocação. Não sou muito fã de escolas para escritores. De qualquer forma, exercício ajuda sim a melhorar o texto.

• Como surge o momento de escrever um livro?

Penso num projeto e depois desenvolvo cada parte desse projeto. Ofereço o projeto às editoras, vislumbrando o lucro que aquela obra pode dar, além do interesse que o leitor terá com o livro.

• Quanto tempo você leva escrevendo um livro?

Não penso no tempo. Penso que o livro deve estar simplesmente pronto quando tem que estar. Já terminei livros com seis meses e ainda não terminei meu ensaio-biográfico sobre Augusto dos Anjos, o qual está me tomando anos (anos prazerosos).

• No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

O que é porcaria? Há críticos que já julgaram de “porcaria” livros de Machado de Assis, de Júlio Ribeiro. Por isso, é que eu penso que o escritor deve ter uma intimidade muito grande com seu texto, e não ter pressa para publicar. Já chamaram meu livro Cuidado Eu Te Amo de porcaria, mas o público-alvo dele adora. Escrevi o Cuidado Eu Te Amo para adolescentes. É claro que se um doutor em literatura começar a ler este livro não vai gostar. São públicos diferentes.

O ESCRITOR E A LITERATURA

• Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

É por isso que eu digo que o autor deve tratar o seu trabalho como se fosse uma empresa, detalhando o público-alvo e as estratégias de venda. Imagine montar uma loja de sapatos finos num bairro onde ainda não há pavimentação. Quem vai querer sujar os sapatos novos na lama? Ninguém. O escritor deve focar sua obra no público-alvo. Até hoje tem romancista que envia seu original para editora que só publica livro técnico! O autor deve pensar para se tornar conhecido, ou relativamente conhecido. Quem quer fama vai para o Big Brother; quem quer ser conhecido pelos seus leitores que foque no seu público-alvo.

• Na sua opinião, que livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

Quando eu dava aula de literatura, discutia muito esse termo com meus colegas professores. A leitura não pode ser obrigatória, deve ser sugerida. Obrigatório de ser o empenho estatal em dar condições aos professores para que desenvolvam bons projetos de leitura em sala de aula.

• Qual o papel do escritor na sociedade?

Entretenimento e informação. Provocar reflexão nas pessoas, ajudar a pensar, provocar riso, emocionar. Quem lê o romance Maria de Cada Porto, de Moacir C. Lopes não tem como não chorar. Quem não se emociona com o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa?

• Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Só a poesia é que nos alivia desse mundo cruel. Eu amo os poetas.

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR

• O que choca o senhor hoje em dia?

Como ser humano está cada vez mais violento. Só a poesia salva!

• 14) O que o senhor lê hoje?

• Como faço agenciamento literário, leio de tudo: romance, conto, poesia, crônica, livros técnicos... Particularmente, gosto de uma boa história. Sempre releio os clássicos realistas e naturalistas.

• Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Quero fazer alguma coisa em comunidades carentes ou cujo acesso ao livro ainda seja difícil.

CONSELHOS AO ESCRITOR

• Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?

De tanto me perguntarem isso escrevi o Mercado Editorial – Guia para Autores. Os melhores conselhos estão lá, inclusive com os contatos dos melhores agentes literários do mundo.

• O que é preciso para ser um bom escritor?

O bom romancista deve ler muitos e muitos romances. O cronista deve ler muitas e muitas crônicas. O poeta deve sempre ler poesia. O autor técnico deve esgotar a leitura em todas as obras do seu ramo. É isso. A leitura é que faz um bom autor.


E para encerrar a entrevista

Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

1) Que as pessoas já nascessem com a vontade de ler;
2) Que houvesse mais livrarias nas ruas e
3) Que os livros tivessem um custo menos para que todos lessem.

Fonte:
Entrevista Virtual realizada por José Feldman, para o Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes.

Moacir C. Lopes (Estante de Livros)

ONDE REPOUSAM OS NAUFRAGOS

Em seu romance de estréia, Maria de cada porto, Moacir C. Lopes conta a pungente história de um grupo de náufragos cinco dias à deriva no mar juntando esforços para continuarem vivos. Em Onde repousam os náufragos, vai além: não é a própria morte que seus personagens precisam evitar, mas o desaparecimento de um navio que deu sentido a suas existências.

O velho cargueiro Jaraguá, há onze anos encalhado no manguezal à margem do delta do Beberibe, além de cargas, transportou passageiros e histórias, algumas comoventes, outras de arrepiar. Quando seu afundamento é decidido, todos os que passaram por suas cobertas se levantam. Não é, como à primeira vista parece, apenas um monte de ferro velho que pretendem defender: é preciso preservar aquela base para o infinito reencontro de desejos e de destinos.

TRECHO DO LIVRO

A beleza é eterna, Lorena, se ela fica gravada em nossa memória, no instante em que a contemplamos, num rosto, num olhar e num sorriso como os seus, ou na tela de um grande pintor, num poema, numa prece, numa página lírica de amor, ou mesmo numa fotografia, eterniza-se no momento em que foi criada. Assim, Dario pensou ao contemplá-la, e até baixou a cabeça para ela não decifrar a intensidade do seu pensamento. Também ela baixara a cabeça, e ainda rolavam uns pingos de lágrimas, porque ambos, agora, voltam a ser a página lírica de amor.
––––––––––––––––––––

POR AQUI NÃO PASSARAM REBANHOS

Sexto e mais alegórico romance de Moacir C. Lopes, Por aqui não passaram rebanhos nos convida a refletir sobre o tempo, a transitoriedade do homem e a eternidade simbolizada pela pedra.

Na linha explícita do realismo mágico, o livro sugere que, enquanto busca sua definição como ser completo, o homem é um monstro em transição. Inspirado no Parque das Sete Cidades, no Piauí, cujas antiqüíssimas formações rochosas lembram seres petrificados, conta a história de um homem despojado do passado que não sabe o que o espera no futuro.

Longe da civilização e em meio a uma região inóspita, Emiliano refugia-se numa caverna onde encontra Selene, jovem bela e sedutora que o espera há três mil anos. Ele se apaixona e tenta a todo custo embarcar no tempo dela para viverem juntos para sempre. No processo, conhece o Sumé, um velho aguadeiro cujo animal carrega tonéis furados no lombo. Por onde vai pingando a água dos tonéis, nasce uma floresta onde crianças se tornam adultos em questão de minutos. Eles dividem o mesmo espaço, mas seus tempos são desencontrados.

No final, de alguma maneira Emiliano se torna eterno, mas nem ele arriscaria dizer se ficou mais próximo da redenção ou da ruína.

TRECHO DO LIVRO

Emiliano não sabe quanto tempo caminhou. Vem de longes caminhos.

Um dia uma mulher morreu nos seus braços e os habitantes de seu povoado, em bandos de caçadores, com armas e cães, o seguiram até o meio da floresta, como fera que estivesse ameaçando o mundo. E ele era apenas uma criança. Nem trazia o contágio da doença que matara aquela mulher. Arrastava consigo apenas o contágio de sua própria espécie.

Muito depois, outra mulher, jovem, morreu nos seus braços. Também esta o amava, e ofertava-lhe o corpo cada noite. Antes, ela lhe dissera: eu vou morrer. E ele falou: vamos. A minha morte será mais longa que a tua. Assim, a partir desse dia, Emiliano começou a morrer. E não sabe quando completará a sua morte.

A última lembrança foi de uma criança com quem conviveu. Não lhe dera nome, nem sabe se chegou a ser sua filha, esposa ou irmã, só recorda que ela estendia-lhe as mãos porque queria convivência. Quando ficou adulta e julgou que já conhecia o mundo, um dia, na bifurcação de dois caminhos, ela seguiu o outro.

Foi esquecendo os gestos aprendidos, porque não conseguiu mais entender seus semelhantes, se aprendeu a sorrir também não sabe. Surpreendeu-se algumas vezes de mãos estendidas mas logo as contraía, envergonhado de querer, de pedir ou mesmo de ofertar-se. Só restava caminhar.

Lembrou-se que, por onde havia passado, o mundo era todo pertencente, cada metro quadrado de chão fora medido, entre um e outro havia faixas que diziam: passe por aqui, cuidado. E cada pedaço do mundo era de alguém que criara um idioma próprio para poder comunicar-se com os rebanhos que lhe pertenciam. Se ele caminhava por um quadrilátero e sua sombra se projetava no quadrilátero vizinho, taxavam bem caro a invasão de sua sombra.

Então, do alto do promontório, contemplando o vale, disse: por aqui não passaram rebanhos. Seguirei por aqui.

Assim, como se o corpo não lhe pertencesse e fosse trapos que espalhara, as estrelas perto do seu rosto, velando seu cansaço, adormeceu sono profundo
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GUIA PRÁTICO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA

Neste Guia, Moacir C. Lopes refaz parte de sua trajetória literária, ensinando a candidatos a escritores o caminho das pedras. Trata-se de um curso completo, que inclui desde uma breve história da literatura, em que gêneros e estilos são comentados, a dicas de como produzir um texto literário com correção, qualidade e original.

De tudo o que é explicado, são dados exemplos, o que torna o Guia mais prático do que acadêmico. Fundamental para professores de literatura e promotores de oficinas literárias. E imprescindível para quem quer aprender a escrever como um mestre.

TRECHO DO LIVRO

Na verdade, somos descendentes diretos daquele hominídio, caçador, do período Paleolítico Superior (cerca de 50 mil anos) que, ao abater uma fera no campo, resolveu gravar no tronco de uma árvore, raspando-o com presas da própria fera, o seu grande feito. Desenhou a figura representativa da fera e a dele mesmo, empunhando a arma utilizada.

Era a primeira mensagem ideográfica.

Tal representação expressava muitos significados, tanto para ele mesmo , como para outros grupos que por ali passassem, e poderiam raciocinar:

a) Um caçador abatou uma ferra. Neste local existe esta espécie de fera.

b) Ele utilizou uma flecha e com ela a venceu. Portanto, essa espécie de animal pode ser abatida por outro caçador, se utilizar a mesma arma.

c) Se esse caçador teve a idéia de nos transmitir seu feito, nós temos a mesma capacidade de transmitir os nossos.

d) Esse único signo pictográfico e ideológico era também um sinal mágico, por ser capaz de transmitir várias idéias aos outros homens e ensinou que, através de outros desenhos, os homens poderiam transmijtir outras idéias, que se desdobrariam infinitamente.

e) Nascia assim o primeiro texto.

Fonte:
www.moacirclopes.com.br

Moacir C. Lopes (1927)


Com o nome de batismo Moacir Costa Lopes, nasceu em 11 de junho de 1927, em Quixadá, Ceará. Perdeu o pai aos 2 anos de idade e a mãe aos 11. Fez seus estudos em Quixadá, Baturité, Fortaleza, posteriormente no Rio de Janeiro. Optou por não concluir estudos regulares, para se dedicar inteiramente à literatura, criando seu próprio método de criação literária, do que resultou seu livro de ensaio/didático Guia prático de criação literária, editado em 2001, pela Quartet Editora. Desde criança, leitor compulsivo de Literatura de Cordel e de folhetins literários que chegavam a Quixadá.

Por sofrer constantes maus tratos do tio, com quem foi morar com os irmãos Mário e Maria de Lourdes, foge de casa, em 1942, seguindo para Maranguape, passa a trabalhar e morar numa estalagem, onde faz poesia e escreve cartas por encomenda, a dinheiro, para mercadores em trânsito. Localizado pelo tio, regressa a Fortaleza e ingressa na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará em dezembro de 1942.

Já como marinheiro, em plena Segunda Guerra Mundial, viaja para a Base Naval de Natal, de lá para Recife, embarcando no encouraçado São Paulo, vindo depois para o Rio de Janeiro. Embarca em vários navios, em missões de comboios e patrulhamentos navais, especializando-se em tática anti-submarina e radar. Viaja por toda a costa brasileira e outros países, como Uruguai, Paraguai, Argentina, Trinidad-Tobago, República Dominicana, Cuba, Estados Unidos, sobe o rio Amazonas, o rio Paraguai, o rio Mississipi, conhece muitas ilhas, duas das quais, o Atol das Rocas e a Ilha das Trindade, o inspirarão no tema de dois de seus futuros romances.

Enquanto embarcado, além de praticar esportes como box e basquetebol, escreve poesias diariamente e entusiasma-se pela literatura, passa a ler em viagem as primeiras obras de ficção, começando pelos clássicos franceses, depois russos, portugueses, ingleses, e por fim os brasileiros antigos e contemporâneos, além de estudos críticos, filosofia, e antropologia e obras de cultura geral. E os poetas. Em todos os navios em que servia criava uma biblioteca com doações de livros pelos colegas. Com intervalos, nos portos, para viver as aventuras comuns de marinheiro e conviver com os mais variados tipos humanos.

Escreve, em 1944, um romance, que não chega a concluir. Viajando a Porto Alegre, procura Érico Veríssimo; na cidade de Natal, em 1946, procura Luís da Câmara Cascudo, que, ouvindo seus planos literários, lhe sugere escrever sobre a vida dos marinheiros. Começa a escrever, em 1949, a bordo do contratorpedeiro Baependi, onde trabalha na secretaria como datilógrafo, o romance Maria de cada porto, com o qual vem a estrear em dezembro de 1959.

Residindo no Rio de Janeiro desde 1944, passa a colaborar no jornal Humaitá, da Associação dos Marinheiros, com poemas e crônicas, jornal embargado em 1949, e definitivamente fechado em 1964. Mesmo sendo os marinheiros proibidos de estudar, por ordem do então Ministro da Marinha, estudou música no Liceu de Artes e Ofícios, por pretender ser também violinista, e fez o curso completo de Inglês, no Westminster English Course, e a extensão de outros cursos de humanidades. Dá baixa da Marinha de Guerra em novembro de 1950, por conclusão do tempo de serviço.

Passa a trabalhar no comércio, inicialmente como datilógrafo, depois como gerente de compras, gerente de vendas, professor de vendas e de Relações Públicas, fez traduções de obras de alguns autores do idioma inglês para a Seleções Reader’s Digest. Ainda trabalhando no comércio, publica os romances Maria de cada porto (1959), obtendo os prêmios “Coelho Neto”, da Academia Brasileira de Letras, e “Fábio Prado”, da União Brasileira de Escritores, São Paulo, Chão de mínimos amantes (1961), Cais, saudade em pedra (1962), A ostra e o vento (1964), Belona, latitude noite (1968), todos eles com grande repercussão no Brasil e no exterior, além de traduções na Tchecoslováquia, na Rússia, na Bulgária, na Itália, radioteatralizações na Polônia e em Portugal.

Deixando de trabalhar no comércio, foi colaborador da Enciclopédia Delta Larousse, sob a direção de Antônio Houaiss. Passa a dar aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e na Faculdade Hélio Alonso, nas áreas de Comunicação Social, Jornalismo, Relações Públicas. Em 1969, funda a Editora Cátedra, com a escritora Eduarda Zandron, editora pela qual publicam cerca de mil autores nacionais, a maioria estreantes.

Casa-se com a escritora Eduarda Zandron, nascendo-lhes os filhos Fábio Martins Lopes, em 1968, e Saulo Martins Lopes, em 1973. Seu filho Fábio, que aos dez anos publicou o livro de poesia, Da janela do quarto andar, e, aos quinze anos, a minibiografia Montezuma, o Imperador Asteca, já advogando enquanto cursava Direito na UERJ, professor de Inglês aos dezoito anos, vem a falecer em janeiro de 1989, aos 20 anos, cuja doença e falecimento originou o livro de sua mãe Eduarda Zandron, Ninguém me disse que ia ser fácil (Relato de uma mãe sobre 87 dias de tortura de seu filho condenado por leucemia), publicado em 1990.

Continuou a construir sua obra literária, hoje com vários volumes e reedições (ver adiante, “Edições e reedições de seus Livros”). Além de fartamente adotada em colégios, é estudada nos meios universitários brasileiros e estrangeiros, de que resultaram teses de doutoramento no Brasil e nos Estados Unidos. Em 1978, foi realizado, com sua presença para dissertações e debates, um Simpósio sobre toda sua obra, na Universidade do Arizona, e palestras nas universidades de Santa Bárbara, San Diego, na University of California at Los Angeles – UCLA, e University of Southern California – USC, também em Los Angeles, California, Estados Unidos.

Tem participado de congressos, simpósios e conferências sobre literatura em todo o País, jurado de concursos literários, inclusive do “V Cine Ceará – Festival Nacional de Cinema e Vídeo”, em 1995. Presidente do Sindicado dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro, de 1994 a 1997, reassumiu a presidência para a gestão 1998/2001, onde presidiu também o Conselho Editorial do jornal Tribuna do Escritor.

Seu romance A ostra e o vento, que, desde seu aparecimento, despertou grande interesse em vários cineastas brasileiros e estrangeiros, foi adaptado para o Cinema, em 1997, sob o mesmo título, com roteiro e direção de Walter Lima Jr.

Lança, pela Quartet Editora, no ano 2000, seu novo romance O Almirante Negro (Revolta da Chibata – A Vingança), além da sétima edição brasileira de A ostra e o vento. Em 2001, além da oitava edição de A ostra e o vento, pela Quartet Editora, sai a sua edição italiana, L’ostrica e il vento, em tradução de Gian Luigi De Rosa, Salerno, Itália. Também em 2001, é editado seu livro Guia prático de criação literária, ensaio/didático, pela mesma Quartet Editora, que lança também, em 2002, a nona edição de Maria de cada porto, e, em 2003, seu nono romance, Onde repousam os náufragos. Lançou, em 2006, As fêmeas da Ilha da Trindade, e, em 2007, A ressurreição de Antônio Conselheiro e a de seus 12 apóstolos, além da reedição de outras obras suas atualmente esgotadas, como, em 2009, a terceira edição do seu romance Cais, saudade em pedra. Tem escritos, para publicação oportuna, dois volumes de suas reminiscências, ainda sem título definitivo, e prepara seu décimo segundo romance, a ser editado em 2010, entre vinte e um livros já editados, incluindo ensaios e literatura infantil.

Livros
A Ressurreição de Antônio Conselheiro e a de seus 12 apóstolos
Por aqui não passaram rebanhos
As fêmeas da Ilha da Trindade
Onde repousam os náufragos
Guia prático de criação literária
A Ostra e o Vento
Maria de Cada Porto
O Almirante Negro – Revolta da Chibata , A Vingança
Calígula – Minibiografia desse imperador romano. (1982, 72 pgs.)

A Dança do Tarô – Texto teatral-poético, encenado com coreografia de Clarice Pinto Lopes, utilizando a simbologia de cada carta do Tarô, com dança acompanhada de texto. (1994, 44 pgs.)

Antologia de Contistas Novos (Seleção, apresentação e notas), edição do Instituto Nacional do Livro, 1971, 2 volumes, 432 pgs., em formato de bolso.

O Capital ao alcance de todos – Texto resumido de O Capital de Karl Marx, mantendo a essência e a súmula das idéias contidas na obra original, inclusive adaptando seus cálculos à moeda brasileira corrente. (1986, 212 pgs.)

Chão de mínimos amantes, romance, 1961
Cais, saudade em pedra, romance, 1963
Belona, latitude noite, romance, 1968
O navio morto in Os Dez Mandamentos, novela, 1968
As viagens de Poti, o Marujinho, infanto-juvenil, 1974
A pedra das sete músicas, infanto-juvenil, 1976
A situação do escritor e do livro no Brasil, ensaio, 1978
O passageiro da Nau Catarineta, romance, 1982
O navio morto e outras tentações do mar, contos, 1995
Moacir C. Lopes e sua obra - 40 anos de literatura, biobibliografia, 2000

Fonte:
http://www.moacirclopes.com.br/