segunda-feira, 3 de maio de 2010

Stendhal (A Cartuxa de Parma)



Sinopse:

O livro (1839) narra as aventuras amorosas vividas pelo protagonista na Itália da era napoleônica. Iniciando-se com a célebre cena em que o herói Fabrício Del Dongo se perde no campo de batalha de Waterloo, sem saber que participava de um momento crucial da história européia. O livro é uma apologia da liberdade de espírito e da leveza, do ímpeto e da energia individuais, que Stendhal identifica na ensolarada Itália, aqui usada como imagem em negativo da Restauração e do naufrágio dos ideais da Revolução Francesa.

Fabrício Del Dongo, de alguma maneira, também ilustra a concepção que Stendhal tinha da vida: a “busca da felicidade”.

Enredo e comentários:

A criação de A Cartuxa de Parma foi, em muito, inspirada em leituras de documentos sobre famílias antigas da Itália, como a família Farnese, que Stendhal teve acesso em suas inúmeras passagens pela Itália, como cônsul. O Romance tem como protagonista Fabrício Del Dongo, um jovem aventureiro, de família nobre e de poucas ambições. Assim como Julien Sorel, protagonista de O Vermelho e o Negro, Fabrício é admirador de Napoleão e essa admiração constitui um dos aspectos sócio-históricos apresentados na obra, pois mostra uma Itália que sofre as consequências sociais da restauração da monarquia em territórios que pertenceram anteriormente ao Império Napoleônico, como os territórios do Piemonte, onde se passa o Romance.

Fabrício vive em seu mundo nobre, mas sem as ambições típicas de seu meio, é estuvado, ingênuo, juvenil e desapegado às coisas do dinheiro. Sua ambição é lutar e conhecer o Imperador Napoleão. Essa admiração dá início às suas peripécias, pois ele segue escondido de seu pai, monarquista, para lutar em Waterloo. A partir daí ele se vê em apuros, contando apenas com a ajuda de sua tia, Gina Pietranera. A afeição entre os dois vai crescendo e se confunde muitas vezes com um amor carnal e incestuoso. Essa dualidade entre amor fraternal e carnal constitui-se como um aspecto dramático, que seguirá as duas persnoagens até o desfecho da obra. No entanto, desvincilhado da influência de sua tia, Fabrício percebe que não a amava como mulher. Preso, coagido e vítima de inúmeros processos decorrentes das brigas entre partidos políticos e traições de côrte, Fabrício se apaixona por Clélia Conti, filha dum general do partido de oposição do amante de sua tia, Conde Mosca. Essa paixão deflagra o período mais belo da obra, em que ambos nutrem um amor impossível de se realizar, já que Fabrício, além de se encontrar preso, possui parentesco com inimigos políticos do pai da jovem. Livre por uma fuga arquitetada por sua tia, ele se vê infeliz, já que exilado jamais poderia rever Clélia.

O drama do amor impossível acaba constituindo o fato que doravante daria fim à saúde e à vida de Fabrício. Sua morte é seguida da de Clélia e Gina.

Fonte:
Anatoli: um blog cultural

Stendhal (1783 – 1842)



Henri-Marie Beyle, mais conhecido como Stendhal (Grenoble, França, 23 de janeiro de 1783 - Paris, 23 de março de 1842) foi um escritor francês reputado pela fineza na análise dos sentimentos de seus personagens e por seu estilo deliberadamente seco.

Órfão de mãe desde 1789, criou-se entre seu pai e sua tia. Rejeitou as virtudes monárquicas e religiosas que lhe inculcaram e expressou cedo a vontade de fugir de sua cidade natal. Abertamente republicano, acolheu com entusiasmo a execução do rei e celebrou inclusive a breve detenção de seu pai. A partir de 1796 foi aluno da Escola central de Grenoble e em 1799 conseguiu o primeiro prêmio de matemática. Viajou a Paris para ingressar na Escola Politécnica, mas adoeceu e não pôde se apresentar à prova de acesso. Graças a Pierre Daru, um parente longínquo que se converteria em seu protetor, começou a trabalhar no ministério de Guerra.

Enviado pelo exército como ajudante do general Michaud, em 1800 descobriu a Itália, país que tomou como sua pátria de escolha. Desenganado da vida militar, abandonou o exército em 1801. Entre os salões e teatros parisienses, sempre apaixonado de uma mulher diferente, começou (sem sucesso) a cultivar ambições literárias. Em precária situação econômica, Daru lhe conseguiu um novo posto como intendente militar em Brunswick, destino em que permaneceu entre 1806 e 1808. Admirador incondicional de Napoleão, exerceu diversos cargos oficiais e participou nas campanhas imperiais. Em 1814, após queda do corso, se exilou na Itália, fixou sua residência em Milão e efetuou várias viagens pela península italiana. Publicou seus primeiros livros de crítica de arte sob o pseudônimo de L. A. C. Bombet, e em 1817 apareceu Roma, Nápoles e Florença, um ensaio mais original, onde mistura a crítica com recordações pessoais, no que utilizou por primeira vez o pseudônimo de Stendhal. O governo austríaco lhe acusou de apoiar o movimento independentista italiano, pelo que abandonou Milão em 1821, passou por Londres e se instalou de novo em Paris, quando terminou a perseguição aos aliados de Napoleão.

Paris

Dandy afamado, freqüentava os salões de maneira assídua, enquanto sobrevivia com os rendimentos obtidos com suas colaborações em algumas revistas literárias inglesas. Em 1822 publicou "Sobre o amor", ensaio baseado em boa parte em suas próprias experiências e no que expressava idéias bastante avançadas; destaca sua teoria da cristalização, processo pelo que o espírito, adaptando a realidade a seus desejos, cobre de perfeições o objeto do desejo.

Estabeleceu seu renome de escritor graças à Vida de Rossini e as duas partes de seu Racine e Shakespeare, autêntico manifesto do romantismo. Depois de uma relação sentimental com a atriz Clémentine Curial, que durou até 1826, empreendeu novas viagens ao Reino Unido e Itália e redigiu sua primeira novela, Armance. Em 1828, sem dinheiro nem sucesso literário, solicitou um posto na Biblioteca Real, que não lhe foi concedido; afundado numa péssima situação econômica, a morte do conde Daru, ao ano seguinte, afetou-lhe particularmente. Superou este período difícil graças aos cargos de cônsul que obteve primeiro em Trieste e mais tarde em Civitavecchia, enquanto se entregava sem reservas à literatura.

Em 1830 aparece sua primeira obra-prima: O vermelho e o Negro , uma crônica analítica da sociedade francesa na época da Restauração, na qual Stendhal representou as ambições de sua época e as contradições da emergente sociedade de classes, destacando sobretudo a análise psicológica dos personagens e o estilo direto e objetivo da narração. Em 1839 publicou A Cartuxa de Parma, muito mais novelesca que sua obra anterior, que escreveu em apenas dois meses e que por sua espontaneidade constitui uma confissão poética extraordinariamente sincera, ainda que só recebeu o elogio de Honoré de Balzac.

Ambas são novelas de aprendizagem, e compartilham de rasgos românticos e realistas; nelas aparece um novo tipo de herói, tipicamente moderno, caracterizado por seu isolamento da sociedade e seu confronto com suas convenções e ideais, no que muito possivelmente se reflete em parte a personalidade do próprio Stendhal.

Outra importante obra de Stendhal é "Napoleão", onde o escritor narra momentos importantes da vida do grande general Bonaparte. Como o próprio Stendhal descreve no início deste livro, havia na época (1837) uma carência de registros referentes ao período da carreira militar de Napoleão, sobretudo, sua atuação nas várias batalhas na Itália. Dessa forma, e também porque Stendhal era um admirador incondicional do corso, a obra prioriza a emergêcia de Bonaparte no cenário militar, entre os anos de 1796 e 1797 nas batalhas italianas. Declarou, certa vez que não considerava morrer na rua algo indigno e, curiosamente, faleceu de um ataque de apoplexia, na rua, sem concluir sua última obra, Lamiel, que foi publicada muito depois de sua morte.

O reconhecimento da obra de Stendhal, como ele mesmo previu, só ocorreu cerca de cinquenta anos após sua morte, ocorrida em 1842 na cidade de Paris.

Fontes:
http://anatoli-oliynik.blogspot.com/2010/02/cartuxa-de-parma.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Stendhal

Novidade LivroPronto



Caríssimo amigo autor,

É com orgulho que apresentamos as novas formas de comunicação da LivroPronto : o novo Website e as NewsLetters ativas.

Muito já temos conversado até hoje, explicando nosso sistema de publicação que é um sucesso. Porém, pela imensa quantidade de novos autores que nos chegam diariamente com grande volume de textos para análise, acabamos perdendo um pouco o contato. É esse relacionamento que pretendemos agora retomar com a eficiência e a qualidade que já nos caracterizam na área editorial e em nosso atendimento. Esse contato será efetuado doravante, com amplo uso das NewsLetters que diariamente levarão até você nossas novidades para que em breve você seja mais um Escritor LivroPronto.

Dessa forma, pedimos a você que inicialmente faça seu cadastro pelo link abaixo. Em seguida o convidamos a colocar seu texto em nossa Seleta Cultural, uma área - gratuita por enquanto - para exposição de originais, tanto para conhecimento do público interessado como também para pré-análise da LivroPronto. Cadastrando-se, você poderá usar também uma série de facilidades que breve iremos lançar tais como: criação de redes pessoais convidando seus amigos a também se cadastrarem em nosso site (criando também eles suas redes pessoais) para falar facilmente com todos, bem como ganhar pontos em cada compra que eles façam. Os pontos ganhos darão direito a troca por livros no LivroPronto Club de Leitura e Relacionamento que lhe enviará um cartão de fidelidade personalizado. Esse cartã ;o também dará direito a participar dos eventos sociais que a LivroPronto já está montando (inicialmente em São Paulo e depois em outros Estados) para divulgar mais e mais a causa do novo autor nacional.

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Continuamos contando com você e esperamos em breve recebê-lo na nova casa. Siga os passos descritos para, em seguida, alcançarmos o passo principal que é o de fecharmos a publicação de seu livro com o mesmo sucesso dos nossos mais de 300 títulos à venda por nossa conta na nossa e em muitas outras livrarias.


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Fonte:
Colaboração da LivroPronto

domingo, 2 de maio de 2010

Trova 142 - Renato Martone Junior (SP)

Maringá - Um olhar feminino em cores e versos


O livro "Maringá - Um olhar feminino em cores e versos" alcançou grande repercussão. Prova disso é que as autoras das poesias e pinturas em tela que compõem o livro receberam uma homenagem dos alunos de 2ª e 3ª séries do Colégio Santa Cruz.

Todos os trabalhos do livro foram produzidos por mulheres e têm como essência o "olhar" da artista sobre Maringá.

O objetivo era homenagear a cidade de Maringá, com suas pioneiras, artistas plásticas e poetisas, que fazem parte dessa cidade de beleza e encantos.

O Primeiro livro sobre a cidade escrito e ilustrado apenas por mulheres foi desenvolvido após a realização de uma seleção que elegeu 58 trabalhos (25 telas e 33 poesias). Uma comissão formada por artistas plásticos maringaenses e membros da Academia de Letras de Maringá selecionou as melhores poesias e telas entre mais de 100 inscritos. Toda a renda obtida com a venda do livro foi revertida ao Provopar e aplicada em benefício de entidades sociais.

A iniciativa do projeto foi da Secretaria da Mulher, em parceria com a Secretaria da Cultura e contou com apoio da Academia de Letras de Maringá.

Trabalhos selecionados e nomes das artistas
Telas:

Nosso céu - Ana Carla Agulhon Ventura
Amarelo, vermelho e azul - Ana Lígia Barbosa Barroca
Desenvolvimento - Angelita Moreno Schmitt
Um olhar de gerações - Celia Maria Nunes Silva
Primavera em Maringá II, Florescência - Camila Milanese Franco
Faces - Danielle Tima Siben
Viva trabalho - Diana Cristina Magalhães Rodrigues
O centro da feminilidade - Francislainy Sabrini Amblad
A eterna canção - Hosana Barbosa Lemes Musassaki
Pedaços - Ivana Jaqueline Nascimento Souza
Música e ipê - Juraci Macedo Schmusk
Momento de domingo - Kenya Patrícia Nascimento Bornelli
Festa junina - Lilia Pereira Lobo
Flamboyant enfeitando Maringá - Piveni Piassi Moraes
Capelas envoltas em quaresma, Capela Santa Cruz - Rosane Carnielli Mukai
Meu olhar - Sonia Regina Flores Arai
Maringá contemporânea - Solange Bochnia
Os tecidos de Maringá - Verônica Regina Muller
Encontro noturno - Janete Ferreira
Monumento do desbravador - Joseana Bonelli
Uma avenida de Maringá - Marci Kikumari Sakai
Museu da bacia - Maria Fernandes de Almeida
Catedral verde - Marinalva Zacharias Nww
Mulheres - Suely Gargioni
Maringá em festa - Yara Maria de Fátima Sanches

Poesias:
Cidade dos sonhos dourados - Agenir Leonardo Victor
Maringá e o meu viver poético - Aninha Calijuri
Maringá, minha paixão! - Arlene Lima
A pérola do norte - Darcy Berbert de Andrade
Calendário floral - Eliana Palma
Maringá, aromas e sentimentos - Florisbela Margonar Durante
Nossa majestade - Ivana Martins
Olhares por Maringá - Jeanette Monteiro De Cnop
O amadurecer de Maringá - Majô Baptistoni
Longínquas vozes - Nilsa Alves de Melo
Maringá - Olga Agulhon
Primavera - Ana Lúcia Salles do Amaral
Maringando - Ana Maria de Oliveira Ferreira
Lembranças de minha infância - Anézia Baltazar Rudnik
Estrutura - Carolina Baldissera Damião
Um olhar feminino sobre Maringá - Célia Maria Nunes Silva
Cidade canção - Cleonilda Bandolin dos Santos
Os três Ms - Cristina Márcia Soriano Veloso
Parque do Ingá - Dalva Jordão
Maringá - Enilda Maria Coelho de Cuba
Segredo - Hosana Barbosa Lemes Murassaki
Jovem senhora - Irene Corrês Veroneze
Quadro - Laís Maria Moreira Penha
Futurando - Lia Therezinha Sambatti
Verde reluz - Luzia Maude Baptistoni
Maringá das cores e cantos - Maria Isabel Luswargui Lima
Vida e sonho - Marisete Adorno Reis
Maringá, a realidade de um sonho - Rosemary Camargo
Acordar em Maringá - Roseni Gentilin Pintinha
Maringá dos meus desejos - Salete Monteiro Guedes
Meu lugar - Sonia Arai
Um olhar feminino em cores e versos - Terezinha Aparecida da Silva
Maringá, eu sem você - Vilma Pacheco Rangel Cantuária

Fonte:
http://www.maringa.pr.gov.br/imprensa/imprimir.php?id_artigo=2540

Carlos Leite Ribeiro (O Avô Guido - Parte 2) Novela em 4 partes


- Fernando: - O Augusto, telefonou-me ontem, muito alarmado, a avisar-me que o avô viria consultar um especialista a Leiria e, aproveitava para nos visitar. Contei tudo à Georgina, que foi quem me sugeriu esta farsa, decerto pelo seu hábito de interpretar comédias. O projeto parecia muito simples. Para mais, o avô partirá amanhã, e, não é provável que volte. O médico deu-me esta tarde, poucas esperanças. Os seus dias estão contados…
- Margarida: - Pobre velho… E o senhor estima muito esse avô, que não é verdadeiramente, seu avô?
- Fernando: - Devo-lhe eterna gratidão. Quando a nossa mãe morreu, o avô recolheu o Fernando, que era seu neto, e também a mim, que estava sozinho no mundo, e, que nada lhe era familiarmente. Custeou a minha educação, deu-me uma carreira, e, graças à sua ajuda, consegui caminhar na vida. Agora, tenho o ensejo de fazer alguma coisa por ele, mas a fatalidade, quase o não consente. Sim, é lamentável, mas deve compreender que não tenho culpa.
- Margarida: - Compreendo e avalio o seu assombro, ao defrontar-se com uma família caída do céu. Sobretudo esse terrível garoto. Onde é que o senhor o foi buscar?
- Fernando: - É filho da minha empregada doméstica. Não consegui encontrar outro melhor. É muito descarado, mas representa muito bem, não é verdade?
- Margarida: - Deu-me uns beijos tão ferozes, que ainda estou aturdida. Podia tê-lo escolhido mais engraçado e mais meigo!
- Fernando: - É bem verdade que não me posso orgulhar muito do meu "rebento". Que desastre... E eu a pensar que tudo parecia continuar a correr bem … Ainda a senhora não sabe o pior do caso…
- Margarida: - Ah... ainda mais complicações?
- Fernando: - Muito mais. Não sei se lhe disse o meu nome?...
- Margarida: - Ainda não disse, não…
- Fernando: - Desculpe-me, mas a confusão tem sido tanta. Chamo-me Josué Teixeira.
- Margarida: - Josué Teixeira?!... Então o senhor é o célebre compositor?
- Fernando: - Célebre, ainda não. Agradeço-lhe o adjetivo. Por enquanto, só compus músicas modernas, que, felizmente tiveram muita aceitação.
- Margarida: - Pelo menos, tornaram-no popular.
- Fernando: - Talvez. Olhe, hoje vou dirigir a orquestra na Marinha Grande.

Não se recordava, precisamente, se fora Josué Teixeira (o Fernando) quem lhe pedira que continuasse a farsa, ou se fora ela própria que se resolvera, espontaneamente, a persegui-la, reencarnando a suposta esposa do desvairado e verdadeiro Fernando, já falecido. Bom maroto fora esse rapaz! Mas não devemos falar mal dos mortos...

Pintou os lábios, e pintou os olhos. Queria parecer bonita, pelo inato desejo feminino do agradar, e para o palco!

Ao abrir a porta do quarto, sentiu a comoção da atriz que vê erguer-se o pano da noite da sua estreia. Não desejava aventuras?... Pois aí estava a mais original que teria podido sonhar. Só por umas horas, e tudo isto pouco tempo depois de ter descido do "Expresso"que a trouxera de Lisboa.

O avô Guido dormitava na salita, encolhido na mesma cadeira. Margarida atravessou nas pontas dos pés, e entrou na sala de jantar atraída pelo ruído de loucas e de vidros. A mesa apresentava um soberbo aspecto, coberta com uma toalha bordada, sobre a qual, se destacava um centro de mesa, cheio de rosas. O próprio Josué dispunha tudo, ajudado pelo Augusto...

- Margarida: - Observo que o senhor é um bom dono de casa...
- Fernando: - Acha?!... Olhe, quer um Porto? Dar-lhe-á ânimo…
- Margarida: - Aceito, pelo nosso "feliz lar"...
- Fernando: -Em honra da minha desconhecida "esposa"! Augusto, está tudo pronto e em ordem?
- Augusto: - Tudo pronto, senhor Josué. Creio que podemos começar a comer imediatamente, pois o senhor seu avô, deve recolher cedo ao hotel.
- Sandro: - Olhem lá, então, nesta casa nunca mais se come? Tenho cá uma fome...
-Augusto: - Cale-se menino, não seja mal-educado. Vamos já começar a jantar.
- Sandro: - Olhem lá, dão-me todas essas coisas boas que estão na cozinha?
- Fernando: - Se tiveres juízo, damos de tudo.
- Sandro: - Ai que bom, que bom!!!
- Margarida: - Anda, vem ao quarto de banho lavar as mãos, pois, vamos já sentar-nos à mesa.
-Fernando: - Avô Guido, avô Guido, acorde, venha jantar!
- Avô Guido: - Já vou indo, já vou indo... bonitas flores, pequena...tens que ir à minha quinta, lá em Trás-os-Montes, para veres as flores bonitas que eu tenho lá na estufa. Dantes, eu próprio cuidava delas, mas agora, estão ao cuidado do Augusto. Fernando, meu filho, porque não deixas a Margarida e o pequeno irem amanhã comigo, lá para o Norte?
- Fernando: - Impossível, avô!
- Avô Guido: - Impossível, porquê?
- Fernando: - Por... por...
- Margarida: - Por causa do colégio do Sandrito. Sabe, ele é muito aplicado e não quer perder as aulas... Até está a preparar-se para passar de classe...
- Avô Guido: - Era só uns diazitos...
- Fernando: - Iremos todos nas próximas férias. Agora, não posso deixar os meus negócios, avô…e além disso, não quero separar-me da minha mulherzinha!
- Avô Guido: - Isso agrada-me, isso agrada-me. Sinto-me feliz ao sabe-los amigos um do outro. Tu, minha filha, conseguiste torná-lo ajuizado. Houve tempo que receei que... Mas tudo isso passou. Agora, és um chefe de família exemplar, um marido modelo. A tua mulherzinha é encantadora, e o Sandrito…
- Fernando: - O Sandrito é um anjo…
- Sandro – Socorro!!! Socorro!!! Ai, que me afogo, que me afogo!!! Quem me acode?!

Ao ouvir este apelo do pequeno, logo Margarida e Josué se dirigiram ao quarto de banho. O quadro que se deparou, encheu-os de consternação: Sandrito, amigo de mexer em tudo, manobrara as torneiras do duche, e, ficara literalmente encharcado. Até pelos ouvidos deitava água.

-Avô Guido: - Que aconteceu ao meu netinho?...
- Fernando: - Nada avô, nada de importância. O Sandrito molhou-se um "pouco".
-Avô Guido: - Então, mudem-lhe a roupa rapidamente, não vá ele engripar-se.
- Fernando: - Que pena ele engripar-se. Maldito rapaz, que fizeste para ficares neste deplorável estado?
- Sandro: - Foi sem querer…
- Fernando: - Sem quer? És um estúpido, isso é que és!
- Sandro: - Eu quero ir para minha casa, eu quero a minha mãe!
- Fernando: - Querias... Querias a tua mãe, mas não vais, nem por sombras.
-Sandro: - Ai, isso é que vou! vou... vou...
- Fernando: - Não grites, senão afogo-te...
- Margarida: - Calma, calma, por favor, eu tratarei do Sandrito...
- Sandrito: - O meu nome é Paulo. Não quero chamar-me Sandrito. Nunca mais. Vocês são maus e malucos. Eu quero a minha mãe!
- Margarida: - Paulo, não grites tanto, porque assim o avô assusta-se, se te ouve....
- Sandro: - Esse velho não é meu avô, nem você é minha mãe, nem aquele é meu pai. Estou farto de vocês, que são uns malucos. Não quero jogar mais este jogo, quero ir para casa de minha mãe!
- Margarida: - Deixe para mim as questões diplomáticas, Josué. Ouve, Sandrito querido, não te ponhas assim zangado, pois, ainda nos havemos de nos divertir muito. Aconselho-te a não ires embora, sem comeres aquelas coisas boas que estão na mesa...
- Sandro: - Já comi um pudim, e, ninguém viu…
- Margarida: - Ah sim? e, olha lá, o pudim era bom?
- Sandro: - Se era bom, até lambi o prato!
- Margarida: -- E o pudim era de...baunilha, não era?
- Sandro: - Não. Era de chocolate…
- Margarida: - Que pena! os de morango, são os melhores . Pelo menos, eu gosto mais deles...
- Sandro: - E eu também…
- Margarida: - Pois não percas a ocasião, palerma. Podes comer todos quantos quiseres...
- Sandro: - Quantos? Pode ser quinze pudins?
- Margarida: - Tantos, não. Até podiam fazer-te mal.
- Sandro: - Não, não...se não me dás quinze, vou-me embora, e, já...
- Margarida: - Quinze pudins?... Isso é pudins a mais... Podias até rebentar...
- Sandro: - E se eu rebentar, a vocês não aconteceria o mesmo?
- Margarida: - Bem. Terás os quinze pudins, mas tens de prometeres que continuarás a representar o teu papel de Sandrito, até o avô se ir embora. De acordo?
- Sandro: - Está bem. Mas eu quero os quinze pudins...
- Margarida: - À mesa, procura falar o menos possível. Sabes, assim poderás comer mais coisas boas.
- Sandro: - Isso tudo, estou de acordo. Mas agora diga-me, que roupa é que a "mamã"me vai vestir?
- Margarida: - Sei lá, olha, enquanto a roupa seca, vais vestir uma bata minha. Olha lá, mas que é isto que tens aqui no braço?
- Sandro: - É a tatuagem das "Lobos Maus", e eu sou o chefe!
- Margarida: - Sim?!... Deves ser muito valente, e, por isso te nomearam chefe!
- Sandro: - Lá no bairro, ninguém me bate, e estão todos às minhas ordens.
- Margarida: - Estás a ver que és um homem importante. Fica aí quietinho que já te trago a roupa... E depois despacha-te para ir-mos para a mesa.
- Avô Guido: - Diz-me, Márcia, adaptas-te bem à tua nova vida, não tiveste pena de deixar a América?
- Margarida: - Em toda a parte se pode estar bem, desde que o "nosso querido marido” nos acompanhe…
- Avô Guido: - E tu, Sandrito? Não passas aqui melhor do que na América?
- Fernando: - O Sandrito gosta muito de cá estar...
- Sandro: - Eu gostava mais de lá estar …
- Avô Guido: - Ah, sim, então porquê?
- Sandro: - Divertia-me mais. Andava com o meu bando "Lobos Maus",e ia para outras galáxias. Assim...
- Margarida: - Come Sandrito. Não brinques. Queres mais um pedacinho de fiambre?
- Sandro: - Sim,"mamã", e dá-me também disso aí verde…
- Margarida: - Gelatina?
- Sandro: - Sim, mas que não se desfaça, pois gosto de comê-la com os dedos.

À roda daquela mesa, estavam sentadas pessoas tão diferentes umas das outras: o decrépito ancião, com a sua reluzente careca; o atraente Josué Teixeira; a linda jovem Margarida; e o endiabrado rapazito, que mantinha em sobressalto os falsos pais.

A essa hora, já estaria Isabel em algures na sua tournée. Quão longe estaria ela de pensar que a sua casa servia nesse momento de palco a uma peça cómica...cómica? Analisando melhor, também tinha os seus aspectos trágicos.
A ignorada morte do verdadeiro Fernando, a comovedora velhice do avô, o empenho de um rapaz agradecido, em evitar um grande desgosto ao seu benfeitor…

- Avô Guido: - Augusto, o meu remédio. Tu já te tinhas esquecido?
- Augusto: - Está aqui, senhor Guido. Olhe que eu nunca me esqueci...
- Avô Guido: - Sabes, minha filha, não posso sair de casa sem levar atrás de mim, uma farmácia. Este maldito coração... Mas espero que não dure muito...
- Margarida: - Não diga isso, avô. Olhe que está com um óptimo aspecto!
- Avô Guido: - Ora, ora. Não te aflijas, filha. Depois de vos ter visto tão felizes e contentes, nada mais me resta a fazer neste mundo. Vivi muito e a vida também cansa. Ir-me-ei tranquilamente, sabendo que o Fernando escolheu uma boa companheira. Toda esta favorável mudança do meu neto, é obra tua, Márcia, e, bendigo-te por ela.
- Margarida: - O Fernando sempre teve bom coração.
- Avô Guido: - Sim. Disso, estou certo, pois não desmente a minha raça. Todos nós, na juventude, fomos um pouco loucos, mas sem graves consequências. E agora me lembro, que é feito do teu irmão Josué?
- Fernando: - Josué?... Ah sim, Josué. Pois continua a dar muitos concertos no estrangeiro. Ele está bem...
- Avô Guido: - Costuma escrever-me pelo Natal. Há quanto tempo que não o vejo. É um bom rapaz, o Josué!
- Fernando: - Pois, concordo, não há melhor do que ele.
- Margarida: - Eu, pessoalmente, acho-o um pouco presumido. Claro, que só o conheço por carta...
- Avô Guido: - Presumido?! Talvez se tenha tornado assim agora, depois que compõe música. Ele continua com a mesma mania da música, não continua, Fernando?
- Fernando: - Creio que sim, avô. E parece que ganha bastante dinheiro.
- Avô Guido: - Ora, tolices! Eu não consigo compreender esta música moderna. Para mim, é um chinfrim que me ataca os nervos. Mas sejamos justos com Josué, o único defeito que ele tinha, era ser mais sossegado, mais obediente e mais aplicado do que tu, meu filho. Isto não podia eu perdoar-lhe, quando vocês eram pequenos. O meu amor-próprio de avô sofria, embora procurasse sempre dissimulá-lo.
- Fernando: - Ele estima-o muito, avô!
- Avô Guido: - E eu a ele. Parece que os estou a ver, quando tinham quinze anos. Vocês eram tão parecidos, que toda a gente os confundia. Mas tu eras muito alegre e brincalhão, ao passo que o Josué era mais comedido. Tomava a vida demasiadamente a sério. Punha tal veemência nos seus afectos e nos rancores, que me assustava...
- Margarida: - Muito interessante, gostava de travar mais amistosas relações com ele...
- Avô Guido: - Isso, também lhe agradaria, tenho a certeza. Vocês dar-se-iam muito bem.
- Margarida: - Talvez não, assusta-me tal veemência...
- Avô Guido: - Ele continua solteiro? Ouvi dizer que tinha grandes êxitos junto das mulheres...
- Fernando: - Ora, não acredite, avô. São só gabarolices!
- Avô Guido: - Gabarolices?! Mas tu próprio me disseste repetidas vezes que, as mulheres eram loucas por ele.
- Fernando: - Disse-o por graça, por troça...
- Avô Guido: - Nada disso. Lembro-me perfeitamente daquela artista brasileira, que esteve quase a suicidar-se por causa dele; e daquela milionária americana, que não conseguiu que o Josué casasse com ela, embora o seguisse por toda a parte. E de tantas outras…
- Fernando: - Mas isso já foi há muito tempo...
- Avô Guido: - Mas tu próprio me contaste tudo isso. Teu irmão é um conquistador como não há outro igual!
- Margarida: - Safa! Que homem tão perigoso, esse Josué!
- Sandro: - Mamã, só comi oito pudins, e, tu prometeste-me quinze!
- Avô Guido - Quinze pudins?! Mas isso é um disparate!
- Sandro: - Quero quinze pudins, já disse e bato o pé!
- Margarida: - Obedece ao avô, menino... (está calado, pois, comerás os outros na cozinha, não sejas palerma...)
- Avô Guido: - Conheci um menino que morreu de indigestão, por ter comido quinze pudins.
- Sandro: - Isso são histórias! E se eu morrer, melhor para mim, pois, o meu pai diz que eu sou "carne para canhão”.
- Avô Guido: - "Carne para canhão", que horror! Teu pai diz isso?
- Fernando: - Digo por brincadeira, avô. Esse pequeno é um tontinho.
- Avô Guido: - Pois, é uma brincadeira de muito mau gosto, Fernando. Parece-me que vocês estão a criar muito mal este menino. Deviam mandá-lo para um colégio interno...
- Margarida: - Tem muita razão, avô...

Ia para acrescentar mais qualquer coisa mas ficou em suspenso, ao escutar o ruído de uma chave rodando na fechadura.

(continua...)

Fonte:
Colaboração do autor.

Sérgio Valério (Atraso)


Mariane acordou atrasada e foi tomar o seu banho.

Apertou o interruptor e nada! O bairro estava sem luz.

Ela teria que tomar um banho frio.

Respirou fundo e entrou.

Foi dificil, mas Mariane conseguiu.

Foi colocar as meias. de repente, crrriii!

Uma das meia rasgou.

Mariane depressa pegou outra, colocou o sapato de salto.

Nem tomou café. Não daria tempo.

Entrou no carro. Estranho. O carro estava torto.

Não! Pneu furado!

Olhou por toda a garagem do prédio.

Nenhuma viva alma para ajuda-la, mas Mariane era uma mulher de fibra. Trocou o pneu. Sujou as mãos, mas conseguiu.

Deu a partida. Nem bem andou alguns quarteirões, o carro foi parando, parando e poct! Parou de vez.

Gasolina! Ainda bem que tinha um posto ali perto.

Mais uma corrida. Comprou gasolina e voltou.

Quando estava chegando perto do carro, quebrou o salto do sapato.

Ah! Mas ela sempre tinha um sapato reserva no porta-malas.

Calçou. Entrou no carro e foi em frente!

Finalmente, conseguiu chegar ao trabalho.

Mariane estava morta de cansaço, mas se sentia uma heroína.

“Seu” Agenor, o guarda do estacionamento, cumprimentou-a:

– Bom dia, Dona Mariane! Como a senhora trabalha, hein?
Até no domingo!

– Domingo? Hoje é domingo? – perguntou pra si mesma.

Acelerou e quase atropelou o guarda, de tanta raiva…

Fonte:
VALÉRIO, Sérgio. O colecionador de histórias. São Paulo: Panorama, 1998.
Imagem = http://www.viajeaquibrasil.com.br

Folclore Indigena (Origem do Fogo)



LENDA KAINGANG

No inicio do mundo, a única fonte de calor era o sol. Os homens não podiam defender-se do frio e os alimentos eram comidos crus. Só Minarã, um estranho índio, conhecia os segredos do fogo e os guardava só para si. A cabana de Minarã, onde o fogo era guardado sempre aceso, era vigiada por sua filha Iaravi. Para descobrir o segredo do fogo, o guerreiro Fiietó transformou-se numa gralha branca e voou até a cabana de Minarã.

Iaravi estava no rio banhando-se. A gralha caiu na água e deixou a correnteza levá-la para perto da jovem. Iaravi pegou a gralha, levou-a para dentro da cabana e colocou ao lado do fogo para que secasse. Quando as penas secaram, a gralha roubou um carvão em brasa e fugiu.

Minarã perseguiu Fiietó mas não o encontrou pois ele se escondera numa caverna. Quando saiu do esconderijo, ainda como gralha, Fiietó voou até um pinheiro e, com a brasa, incendiou um ramo de sapé. Depois, voou na direção de sua aldeia, levando o ramo no bico. Como o ramo era pesado e o vento soprava aumentando sua chama, era difícil transportá-lo. Fieetó, então, decidiu arrastá-lo pelo mato e acabou provocando um grande incêndio. A floresta ardeu em chamas durante muitos dias.

Vendo o incêndio, índios de todas as tribos foram buscar brasas e tições e levaram para suas casas que, desde então, passaram a ter suas próprias fogueiras sempre acesas.

LENDA TAULIPANG

Palenosamó era uma velha feiticeira que não gostava dos outros índios, por isso, vivia sozinha no fundo da floresta, numa clareira, longe da tribo. Naquele tempo, os homens ainda não conheciam o fogo. Os seus beijus eram secos ao sol e tinham um gosto meio ruim. Palenosamó também só podia comer as coisas cruas.

Certo dia, ela saiu de casa para apanhar alguns ramos. Juntou a lenha e arrumou-a como para uma fogueira, cuspiu em cima e a madeira pegou fogo. "Ah! Disse ela, esfregando as mãos. Agora vou ter comida quente." Preparou um moquém (grelha de varas), fez beijus, caxiri e regalou-se. Estava contente da vida.

Numa tarde, quando o sol tostava a terra e todos repousavam debaixo das cabanas, uma jovem índia entrou na floresta. Foi andando até dar com a casa da feiticeira. Subiu numa árvore e ficou a olhar. Tudo estava silencioso. O vento tinha parado. Nenhuma folha se mexia. Daí a pouco, apareceu a velha no terreiro. Pegou um pouco de lenha, juntou-a e fez fogo outra vez. A moça ficou muito espantada. Desceu da árvore, afastou-se devagar para não ser percebida, e, quando já estava a uma boa distância, deitou a correr o mais que podia. Chegou na taba quase sem fôlego. Contou aos companheiros o que vira; como a velha índia fizera fogo.

Ao receber a notícia, os homens ficaram satisfeitíssimos. "Vamos para lá! Precisamos de fogo também." Foram. A moça, na frente, ia-lhes mostrando o caminho. Finalmente, chegaram.

Falaram a Palenosamó: "Sabemos que tens fogo. Dá-nos!" A feiticeira ria-se, negando-se a atendê-los. "Se não nos dás o fogo, nós te obrigaremos!" Gritaram os índios. Agarrando-a, prenderam-na consigo, voltando a tribo. No meio da taba, amarram-na num poste. Juntaram, em torno dela, bastante lenha. Em seguida, apertaram o ventre da velha feiticeira, até que não agüentou mais e cuspiu sobre a madeira. O fogo apareceu, vivo e forte. Queimou a terra, em baixo, transformando-a numa pedra - "wato".

Essa pedra, quando é batida em outra igual, solta faíscas. Desse modo, os índios aprenderam a fazer fogueiras e não tiveram mais de comer os alimentos crus.

LENDA XAVANTE

A onça originalmente tinha o fogo. Um dia o neto e o cunhado foram procurar filhote de arara. O neto subiu numa escada e jogou uma pedra no cunhado. O cunhado ficou bravo e deixou o neto lá em cima, no penhasco. A onça chegou e fez o garoto descer e levou ele para sua toca. Na toca a onça assou carne de queixada para o neto e o neto viu o fogo pela primeira vez. Depois, o neto foi embora da toca da onça levando um pouco de carvão, como prova do fogo. Na comunidade, contou que a onça era a dona do fogo. A comunidade toda combinou de roubar o fogo da onça.

Assim, vários Xavantes se transformaram em animais para poder roubar o fogo. A primeira que roubou da onça foi a anta, que passou para o cervo, que passou para o veado campeiro, que passou para o veado mateiro que passou para a seriema, que passou para a capivara. A capivara deu um pulo na água, mas antes, um passarinho passou e pegou o fogo levando este para a aldeia. Tendo fogo e mais caça para comer, começou a se desenvolver o povo Xavante nascendo mais crianças e ficando mais fortes.

LENDA KUIKÚRU

Os índios kuikúru não tinham fogo. Kanassa, um herói demiurgo, resolveu procurar. Levava na mão fechada um vaga-lume. Cansado da caminhada, resolveu dormir. Abriu a mão, tirou o vaga-lume e pôs no chão. Como estava com frio, se acocorou para se aquentar à luz do vaga-lume. Quando Kanassa e a saracura chegaram ao outro lado da lagoa, ele desenhou no barro uma arraia, mas com o escuro não viu o próprio desenho e foi ferrado. Kanassa pediu, então, o fogo à saracura, para poder enxergar. Esta lhe disse que só o ugúvu-cuengo (urubu-rei) é que tinha fogo. "Como é esse ugúvu-cuengo?" "É um tipo de uruágui (urubu comum), muito grande, com duas cabeças e difícil de ser encontrado. Fica em lugar bem alto e só desce para comer." "Como é que a gente faz para segurar ele?" "O único jeito é matar um veado grande, esconder-se embaixo da unha dele até ele apodrecer. E, quando o urubu-rei chegar, segurar a perna dele e só soltar quando ele der o fogo."

Kanassa desenhou um veado morto, escondeu-se na unha da carniça, e ficou esperando o dono do fogo se aproximar. Quando este começou a comer a carne podre, agarrou-o pelo pé. O urubu-rei só ficou um pouquinho zangado, chamou um passarinho preto e mandou buscar o fogo lá do céu. O passarinho trouxe uma brasa, assoprou e acendeu o fogo. Kanassa, na mesma hora soltou o urubu-rei. Quando o fogo já estava aceso e quente, vieram os sapos, sopraram água nele e fugiram para a água. Mas o fogo não chegou a apagar e, o urubu-rei, então, disse: "Kanassa, quando o fogo apagar, quebra uma flecha em pedaços, racha no meio, amarra bem uma sobre a outra e firma bem no chão. Feito isso, procura uma varinha de urucum e com ela, apoiando uma das pontas nos pedaços da flecha, tira com força até o fogo surgir. E, procura um cipó da beira da água, abre e deixa secar. É muito bom para ajudar a acender fogo." Para levar o fogo para o outro lado do rio, Kanassa chamou as cobras. Só uma, muito ligeira, conseguiu chegar até o outro lado: a itóto. Kanassa também atravessou a água e lá no outro lado deu bebida, mingau e beiju para itóto - a cobra que conduziu o fogo.

LENDA PARINTINTINS

Os parintintins, que também se chamavam kagwahiva, nunca tinham visto fogo. Para obter comida quente, armavam um moquém (grelha de varas) com caça e deixavam-no ao sol. Pediram então ao semideus Bahira, que lhes desse um pedaço do sol. Prometendo atendê-los, Bahira entrou na floresta e fez um "onimbó-é", um ardil para enganar os outros. Deitou-se, fingindo-se morto. Vendo-o, a mosca varejeira voou em sua direção; cheirou-o e partiu a toda pressa em busca do urubu-rei, exatamente como o *tuixauá desejava. Esse pássaro era, naquele tempo, o dono do fogo. Veio depressa, pensando em regalar o estômago com o índio. Pegou-o e pôs fogo embaixo. Tão contente estava que Bahira aproveitou-se do seu descuido para roubar o fogo e fugir.

Percebendo o que acontecera, o urubu-rei reuniu sua gente e saiu em perseguição ao índio. Este, ouvindo o barulho dos perseguidores, ocultou-se num tronco oco, os urubus entraram atrás dele. Bahira escapou pelo outro lado e tornou a esconder-se, agora numa moita de taquara. Respirou fundo... Tinha conseguido. Chegando à beira de um rio, chamou a cobra e pôs-lhe fogo nas costas, para que ela o levasse a sua gente, que estava na outra margem. Inteiramente queimada, a cobra morreu. Chamou o camarão e, tomando o fogo, fez a mesma coisa. O camarão, ficou muito vermelho e também morreu. Colocou ainda o fogo nas costas do caranguejo e o infeliz teve a sorte dos seus companheiros. Bahira já estava começando a ficar preocupado. Tentou uma vez mais com a saracura, e a pobre ave ficou como os outros. Quando Bahira já não sabia o que fazer, apareceu o sapo cururu, que tem o costume de engolir brasas, julgando que são vagalumes. Engoliu o fogo e carregou-o até onde estavam os parintintins. Em seguida, o "Tuixauá-Bahira" quis pular para junto dos seus amigos. Achando o rio muito largo, gritou-lhe e ele imediatamente ficou estreito. Saltou-o e foi-se com os índios da sua tribo. Como recompensa ao sapo cururu por ter levado o fogo, Bahira nomeou-o pajé dos parintintins.

Fonte:
http://www.lendorelendogabi.com/

Pedro Du Bois (Antologia Poética)


TODOS

Senhora de todas as horas,
refrão e canto; silêncio e hora
decorrida; na apresentação
mesquinha se diga revelada.

Em todos os balcões de bares,
senhora, em todos os caixas
de supermercados e nas filas
de ônibus, induza o espírito
ao retorno: como alimentar
corpos naturalmente expostos?

Senhora de todos os gostos, na hora
que é nossa em pertencer ao estado,
observe à sua volta e se revolte.

PODERES

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.

MÁCULA

Desprovido de mácula mancho o passo
com sangue: acetinado preço
do inocente declarado; o pecado
urdido em mortes se rebela
contra o antagonismo da verdade;
o sangue jorra minha vida esvaída
ao sentido de me dizer libertado;
maculo histórias em interpretações
despropositadas, reinvento atos
de coragem em paródias
prosódias

sarcasmo
desprovido em mácula.

O sangue cessa o alvor
do corpo despropositado.

FABULAR

No final resta a história mal contada
e a moral recusada:
amadureço as uvas
as colho
e as uso como instrumento
cortante da verdade

(recolho a raposa à cela
irrecuperável da palavra:
a fera cala
e ordena
em silêncio
a continuação
do ato)

avisto formigas carregando folhas
em pedaços. Piso a desnecessidade
do inverno.

DUPLICAR

Na duplicação defino a imagem
reapresentada: o corpo carcaça invólucro
depositado aos pés da terra:
segue na permanência
da lembrança
até que a luz
seja apagada.

Sou jovem
e velho: adulto
e criança: ator
e personagem.

Imagem centuplicada do corpo
na perda da identidade.

DIZER

Se disserem para se diferenciar
ao tocar as flores, recomende
ao aviso,
cautela:

flores se fazem
descompromissadas
e ao toque
despetalam
vidas inacabadas

o talo permanece
com os pés dentro d’água.

CLASSIFICAR

Avento farinhas de mesmos sacos,
desfaço o bolo ainda quente, minhas mãos
crispam a forma na fornalha
da ignorância: não aprendo a lição
da humanidade no esforço de me lançar
ao centro da controvérsia; sou o resumo
do jornal de domingo em cadernos
imensuráveis; talvez me anuncie
em econômicos classificados: terça-feira
estou ofertado ao nada. Compareçam.

PAIXÃO

Apaixonei-me pela luz e a persegui
em beira mares, tive com a areia
atritos indesejáveis: a luz
e os pés molhados; perdi
a batalha, meu refúgio é o escuro
vão da escada, onde guardo
tralhas desconsideradas: rabisco
a poeira com palavras versejadas:
poderia anotar os dias.

FLOR

A flor
colhida
no frescor
da manhã

amanhece
em vaso d’água
afogada
sem razão
e dor

a flor oferecida
fenece
em desencontro.

RESTRIÇÕES

Restrito: peça invadida
em móveis: cadeiras
dispostas
em volta
da mesa
posta: a disposição
da fome, o engulho
da comida requentada
no esbulho; cortinas
encerradas na artificialidade
das luzes decompõem
a imagem; o armário
alto de copos e pratos;

o vidro quebrado no canto
inferior direito: a restrição.

AMOR

Ao amor, como ao pássaro, ao caminhar
junto às águas, ao prender os cabelos
da mulher com gestos de amizade,
cabe sensações de arrebatamento

estar em algum lugar e encontrar
o sentido de estar presente: não a necessidade
que se utiliza de artimanhas
para nos manter vivos, não a lealdade
que nos conduz à unicidade dos caminhos

não a felicidade que é predisposta
ao encurvamento: o arrebatamento
de não haver sentido quando a vida
se resume em estarmos juntos.

Fonte:
Colaboração do Autor

Walter Praxedes (A Tentação do Plágio)


Para expiação do pecado capital do mundo do conhecimento que é o plágio, um primeiro passo pode ser a simples confissão. Nos livramos da culpa do plágio citando a fonte de uma informação ou argumento.

Quando um autor perde a capacidade de resistir ao mal o plágio se consuma. O ato de plagiar é então considerado um crime hediondo. Em seu julgamento o réu será acusado de premeditação, falta de escrúpulos, desonestidade, falta de ética profissional. Aos poucos os argumentos condenatórios resvalarão para o campo da moral. No comportamento anterior do réu serão buscados indícios de vileza, vulgaridade e lascívia. Com tão pungente peça acusatória o veredicto final só poderá ser a condenação ao ostracismo intelectual.

É claro que a defesa poderá sempre alegar que o crime foi passional, argumentando que o acusado não resistiu a um impulso irracional de apropriação indevida da criação alheia e agiu por amor, não por inveja ou cobiça.

Se um texto é uma espécie de filho que colocamos no mundo, a moral nos ensina que o melhor é que não seja fruto de um incesto. O plágio é um incesto que realizamos com um irmão ou irmã de ofício, que nos seduziu através do seu texto. A atração por plagiar é como um desejo incestuoso do qual nos afastamos se resignando à imperfeição do nosso próprio texto.

Quer seja o plágio considerado como um vulgar crime motivado pela falta de ética, ou como um ato passional, e até mesmo um incesto, no mundo das letras não conseguimos evitar um sentimento misto de repulsa e compaixão pelo criminoso plagiário, considerado mais uma pobre vítima de uma tentação demoníaca.

Ao autor considerado pelos pares como sério, consistente e inovador pode ser relevada uma falta até grave em sua vida privada. Dificilmente, porém, lhe será concedido o perdão por um plágio comprovado e às vezes apenas presumido.

Podemos, então, concluir que uma interdição tão severa como a que paira sobre o ato de plagiar só pode mesmo ser explicada pela existência de um desejo de transgressão que tenha a mesma intensidade.

Fonte:
Revista Espaço Academico. ANO IX maio de 2010. Disponível em
http://espacoacademico.wordpress.com/2010/05/01/a-tentacao-do-plagio/