domingo, 27 de junho de 2010

Marly Nascimento Brasiliense (Poemas Escolhidos)



SEM TEU AMOR...

Meu amor, sem o teu, é tão triste
Perdido anda a Deus e a ventura
Faz da vida, a falsa fé, antítese
E vive lento se perdendo em toda rua.

Meu amor sem o teu é tão amargo
Corre em busca do teu olhar tão doce
A furto rouba-te um pequeno pedaço
E faz vida inteira...como se fosse.

Meu amor, sem o teu, não tem sentido
É um caminho estranho bipartido
Que nos afasta e nos enfurece...
E por mais que meu amor queira o teu
Sabe que minha pouca fé, é de um ateu
Que confia na ineficácia de toda prece!

MADRUGADA

Gosto das madrugadas não quentes
Onde escuto o som do silêncio
Cortado, de súbito, de repente
Pelo uivo do vento excêntrico.

...que faz tudo lhe fazer coral
Sinfonia imprevista e mutatória
Passando por minha janela, formal
Triunfante na sua brava vitória.

Ao longe um cachorro late
O som dum motor reanima
Vida que, na madrugada, sabe
onde o coração se aninha.

E...com, esperança, alguma
Minh`alma só se acostuma
Com o meu sonho de quimera!
Escuto todo o silêncio do mundo
No meu íntimo mais profundo
- minha madrugada te espera!

HARMONIA

O coração está em festa, a alma aguarda
O olhar prepara- se para se alegrar
A emoção preenche o vazio, o nada
E, de toda a tristeza, toma o lugar.

A aventura de rever o semblante
Que faz páreo cúmplice constante
Com nossa expectativa, nosso afeto...
E de lá vem o beijo e o abraço
Que não são maléficos ou mal dados
De harmonia e carinho, repletos!

Então a conversa flui sem tempo
Soltam-se as alegrias, os lamentos
E a vida parece mais alongada...
Podemos dizer tudo ao nosso amigo!
( amizade – sentimento tão antigo )
Rir por tão pouco... chorar por quase nada!

ESPONTÂNEO

Preciso de um coração generoso que resista
À influência do desânimo que, às vezes, sofro
Que ouça, da minha alma, as primícias
E seja o primeiro a pedir o meu socorro!

Que comigo empunhe a bandeira da alegria
Que não traia, do meu amor, as confidências
Que tenha sede de vitórias e de conquistas
Que nossas aspirações se tornem quase idênticas.

Que rasgue com os meus: momentos sofridos
Com cuidado consinta ser providente
Achar antes de um amante, um grande amigo
Que tento não ser, jamais, impaciente.

Que visione como eu, sem cogitação - paz
Que encontre em mim, de espelho, fragmentos
Que creia, ainda agora, na ressurreição capaz
De ensinar-me a soletrar outros novos sonhos.

Que velemos – estimar e sermos estimados
Risonhos sorrisos saídos do fundo do peito
Ternuras do afeto, por nós, compartilhado
E ...se assim tudo feito...nada desfeito
Que eu mate esta tortura de querer amar
E esta pouca vontade de querer ficar.....

...é tão nossa....

A liberdade é tão nossa, tão pessoal
Cúmplice de nossos sonhos íntimos
Desprovida de pecado parece legal
Mas, sabemos, o quanto fingimos...

O pensamento, pelo menos, é livre
Como não há frustração, não deprime
nossa mente e nosso corpo não arruína...
Como um encanto acontece lá distante
Dos olhares, dos ditadores, dos maçantes.
E aí a liberdade, no peito, fica recôndita!

HORA SAGRADA

Qual será a hora sagrada?
Os minutos daquela que nascemos?
Ou quando nossa mãe é amada
E amando, vão nos concebendo?

Será que é aquela que passa molhada
Por lágrimas de dor e sofrimento
Ou aquela de alegria desfrutada
Que gera novo encantamento?

Que hora será a hora sagrada
A da partida ou a da chegada?
A que fica ou foge da memória?

Hora sagrada...por Deus abençoada
É aquela que vem e que passa
E que inventa nossa história!

UM FILHO, UM LIVRO E UMA ÁRVORE

Que me pese a mão da morte
Não temo, não definho
Eu tive o poder e a sorte
De todo o dever cumprido...

Longa estrada, um só caminho
Amar , amparar e defender
Os que me deram carinho
Os que sofreram com meu sofrer!

A alma sabe, o coração sente
Quem sorriu comigo sempre
Quem enxugou o meu pranto.

Ficaram no caminho alguns sonhos
Mas esperanças ainda componho
Até meu derradeiro dia – santo!
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Fontes:
- Selmo Vasconcellos.
- Na hora Sagrada – e-book.

Marly Nascimento Brasiliense


Nasceu no bairro da Liberdade, em São Paulo.

Cursou o primário no Externato Santo Antonio.O colegial e o curso científico cursou no Colégio Paulistano.

Diplomou–se técnica em Análises Biológicas no Instituto Bioclínico e desempenhou suas funções nos laboratórios dos Hospitais: Modelo, do Câncer e Infantil Menino Jesus.

Autodidata, freqüentou cursos de literatura e poesia na busca de cada vez mais aprimorar seus conhecimentos do nosso riquíssimo idioma.

Laureada em vários concursos regionais e nacionais possui vasta gama de Diplomas e troféus.

Contribuiu com a Prefeitura de São Bernardo do Campos ministrando “wokshop” em colégios e bibliotecas.

Com 19 títulos e mais de 2.000 poesias registrados na *Fundação Biblioteca Nacional*
tem nos versos * a emoção e a vida que não cabem no dia-a-dia *.

Participa de vários sites relacionados à literatura e escrita poética.

Publicações:

• Vasos e Vértices (1997) – Lançado na Câmera de Cultura de São Bernardo do Campo. Segundo lançamento no Clube MESC – Movimento de Expansão Social Católica;
• Relançamento (1998) na 15* Bienal Internacional do Livro de SãoPaulo pela Editora Scortecci. Foi laureado com a Comenda do Mérito Poético da Academia de Letras e Ciências de São Lourenço (MG) e melhor livro de Poesia Moderna pela Sociedade de Cultura Latina do Brasil (Mogi das Cruzes);
• Réplica Poética (1998) – Lançado no Bufê Bordon`s numa festividade restrita em São Bernardo do Campo e no Salão Internacional do Livro de São Paulo (199?). Editora Scortecci;
• Amor sem limites (2000) – Lançado na FATI – Faculdade Aberta da Terceira Idade de São Bernardo do Campo.Opção2 – Porto Alegre RS;
• Quase todas as emoções (2001) – Lançado Na FATI – Faculdade Aberta da Terceira Idade de São Bernardo do Campo. Produção independente.

Ebooks:

• Na hora sagrada
• Amor sem limites
• *Tanto de Tempo* - Poesias
• *Amores Alados*
• Página por página.
• ...Calmarias e Temporais...
• ...truques e perseverança...

Marly usa as figuras de linguagem, o ritmo e as rimas para que seus Poemas transmitam emoções com mais encanto e harmonia.

É membro acadêmico da AVBL – Ocupa a cadeira 321
Presidente e Patronnesse Profa.Maria Inês Simões.
Aí tem seis e-books publicados, sendo este “...truques da perseverança...” o sétimo.
É Dra. Honoris Causa em Filosofia Universal/Ph.I e membro da ALB/ Nacional (12/09/2009)
É membro acadêmico da ALB de Piracicaba
Membro CLUBE-BRASILEIRO-DA-LÍNGUA-PORTUGUESA-BH-MG-BRASIL

Pertence ao Grupo Internacional Poetas del Mundo

Fonte:
Selmo Vasconcellos.
http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com/2010/04/marly-nascimento-brasiliense-entrevista.html

Rodolpho Abbud (Baú de Trovas)


Nasceu em Nova Friburgo/RJ, em 21 de outubro de 1926; filho de Dona Ana Jankowsky Abbud e de Ralim Abbud. Radialista, Locutor Esportivo, Poeta e Trovador, foi sempre muito bom em tudo aquilo que fez ou faz.

Contam até que, certa vez, transmitindo um jogo do Friburguense, teve a sua visão do campo totalmente coberta pelos torcedores. Sem perder a calma, e com sua habitual presença de espirito, continuou a transmissão assim: - "Se o Friburguense mantém a sua formação habitual, a bola deve estar com o zagueiro central, no bico esquerdo da área grande..."

Tem um livro de Trovas intitulado: "Cantigas que vêm da Montanha", e, recebeu, com inteira justiça e por voto unânime de todos os Trovadores que ostentam essa honra, o titulo de "Magnífico Trovador".

Na vida, lutar, correr,
não me cansa tanto assim...
O que me cansa é saber
que estás cansada de mim!

Naquele hotel de terceira,
que a policia já fechou,
a Maria arrumadeira
muitas vezes se arrumou!

Enquanto um velho comenta
sobre a vida: -"Ah! Se eu soubesse..."
um outro vem e acrescenta
já descrente: -"Ah! Se eu pudesse..."

Foram tais os meus pesares
quando, em silêncio partiste,
que, afinal, se tu voltares,
talvez me tornes mais triste...

Depois do sonho desfeito,
louvo o porvir que, risonho,
não me recusa o direito
de escolher um novo sonho!

Soube o marido da Aurora,
ela não sabe por quem,
que o vizinho dorme fora,
quando ele dorme também...

Seja doce a minha sina
e, num porvir de esplendor,
nunca transforme em rotina
os nossos beijos de amor...

-"Dê carona ao seu vizinho!"
E a Zezé, colaborando,
vai seguindo o meu caminho
e me dá de vez em quando!...

Na vida, em toscos degraus,
entre tropeços a sustos,
mais que a revolta dos maus,
temo a revolta dos justos!

Minha magoa e desencanto
foi ver, no adeus, indeciso:
- Eu disfarçando o meu pranto...
- Tu disfarçando um sorriso...

Em seus comícios, nas praças,
o casal cria alvoroços:
- Vai ele inflamando as massas!
- Vai ela inflamando os moços...

Vamos brincar de mãos dadas,
crianças pretas e brancas!...
O sol de nossas calçadas
não tem porteiras nem trancas!

Um Deputado ao rogar
ao Senhor, em suas preces,
pede que o verbo "caçar"
não se escreva com dois esses!...

À noite, ao passar das horas,
esqueço os dias tristonhos,
pois tuas longas demoras
dão-me folga para os sonhos!

Chegaste a sorrir, brejeira,
depois da tarde sem fim...
E, nunca uma noite inteira
foi tão curta para mim!...

Ao se banhar num riacho,
distraída, minha prima
lembrou da peça de baixo
quando tirava a de cima ....

Vejo em minhas fantasias,
em Friburgo, pelas ruas,
mil sois enfeitando os dias
e, à noite, a luz de mil luas.

Na ansiedade das demoras,
quando chegas e me encantas,
mesmo sendo às tantas horas,
as horas já não são tantas...

Nessa paixão que me assalta,
misto de encanto e de dor,
quanto mais você me falta
mais aumenta o meu amor!...

Hei de vencer esta sina
que num capricho qualquer,
me fez amar-te menina
depois negou-me a mulher!...

Vem amor, vem por quem és!
Pois já tens, em sonhos vãos,
minhas noites a teus pés,
meus dias em tuas mãos!...

Toda noite sai "na marra",
Dizendo à mulher: -"Não Torra!"
Se na rua vai a farra,
em casa ela vai à forra!...

Um longo teste ela fez
de cantora, com requinte...
Cantou somente uma vez,
mas foi cantada umas vinte!...

Vendo a viuva a chorar,
muito linda, em seu cantinho,
todos queriam levar
a "coroa" do vizinho...

Não sei como não soubeste
mas o amor veio, infeliz...
Eu te quis, tu me quiseste,
mas o Destino não quis...

Provando em definitivo
que o Brasil é de outros mundos,
há muito "fantasma" vivo
passando cheques sem fundos...

Nosso encontro ...O beijo a medo...
A caricia fugidia...
Nosso amor era segredo,
mas todo mundo sabia...

Aproveita, criançada,
o tempo, alegre, ligeiro,
que da a uma simples calçada,
dimensões do mundo inteiro!

Cama nova, ele sem pressa
ante a noivinha assustada,
quer examinar a peça
julgando já ser usada!...

Em tudo o que já vivi,
nessa passagem terrena,
se um pecado eu cometi
com ela, valeu a pena!...

Fonte:
UBT Juiz de Fora.

Álvaro de Campos (Aniversário)



No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui --- ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado---,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos, 15-10-1929
––––––––––––––––––––
Obs: Alvaro de Campos é um dos heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa
____________________
A não distribuição uniforme dos versos e a despreocupação com a distribuição rítmica dão ao poema um tom confessional, aproximando-o de um texto em prosa. As lembranças relatadas no texto referem-se a uma data específica lembrada pelo eu-poético - o dia do aniversário. Esta data é a propulsora para outras recordações da infância e outras angútias do eu-poético, servindo também como ponto de referencia temporal quando o eu-poético intercala-se e contrapõe-se entre o passado e o presente. A época da infância no poema é marcada pela inocência, pois a criança ainda não tem noção do que se passa à sua volta: "Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma". A passagem da criança para o adulto é marcada por uma perda, pois ele percebe que a vida não tem mais sentido. O poeta hoje "é terem vendido a casa", ou seja, é um vazio, que perdeu, inclusive, o bem mais precioso, a sensação de totalidade, de alegria, de aconchego dado pela vida em família na infância longínqua. Assim, a festa de aniversário toma o aspecto simbólico de um ritual familiar e religioso, dentro do qual a criança se torna o centro de um mundo que a acolhe e protege carinhosamente. "As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa", denota, com esta adjetivação uma característica comum a toda infância: o egocentrismo.

No presente, não há mais aniversários nem comemorações: resta ao poeta durar, porque o pensamento amargurado, critico e pessimista da vida o impede de ter a inocência de outrora. O tom nostálgico e angustiado do poema dá a sensação de que o eu-poético vive uma introspecção conflitiva relembrando um passado supostamente mais feliz que o presente. O trecho "serei velho quando o for. Nada mais." parece querer dar fim a este conflito interno. "Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira !..." conclui o tom confessional do poema e enfatiza uma espécie de conformismo ríspido e amargurado com o presente melancólico e sem perspectiva em relação a vida. "O tempo em que festejavam o dia dos meus anos !" é repetida muitas vezes no texto dando ênfase a importância da data na lembrança do eu-poético, servindo também para marcar a justa contraposição entre passado e presente, respectivamente infância e fase adulta.

O ultimo verso do poema sugere uma acomodação amargurada em relação ao passado.

Em "Eu era feliz e ninguém estava morto" pode-se notar novamente o conformismo com o presente que pode não ser o idealizado, mas que está alicerçado em um passado inocente, de aspecto virginal, contrapondo-se com a atual falta de perspectivas e a desmotivação para a vida, onde ele diz: "Hoje já não faço anos. Duro." O eu-poético oraliza um tom de amargura versificado de forma clara, coesa e coerente, marcando com precisão verbal os estados temporais e emocionais a que se refere no poema. Por se parecer com uma "auto-confissão poética", pode-se afirmar que o eu-poético insere no texto características comuns às pessoas que estão prestes a deixar o mundo material, ou que neste não sentem mais vontade de estar por muito mais tempo. A reflexão conflitiva e melancólica sobre o passado, a amargura em relação ao presente e sensação de que o tempo passou e algo que deveria ser resgatado perdeu-se em um passado longínquo, são características comuns em pessoas que encontram-se neste estágio da existência humana.

Fonte:
CD Digerati CEC 003.

Izabel Leão (Ser Poeta, um Sentimento do Mundo: Lupe Cotrim Garaude)


Ser poeta
é meu resíduo
de tristeza
ao não ser triste
A dor que deveras sente
é a que sinto.
E o que vemos a mais
nas coisas simples
os subterrâneos cavados
nas doces superfícies
é nosso modo de unir
o solto e o que resiste.
(O dúplice, de Lupe Cotrim)

Trajetória breve, mas fulgurante, intensa, com brilho próprio. Assim foi Lupe Cotrim Garaude, poetisa e intelectual, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, que morreu há 40 anos e que ganhou em março uma exposição no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, organizada pela professora Leila Gouvêa, numa homenagem à sua obra literária. Na abertura da mostra, um seminário e um recital com canções do compositor Almeida Prado inspiradas no livro Cânticos da Terra, de Lupe Cotrim.

Com a reunião dos documentos que hoje compõem o acervo no IEB, a exposição “Ser poeta: Lupe Cotrim, 40 anos depois” propõe uma revisita à trajetória intelectual e literária da poeta. “Será uma reconstituição do itinerário de Lupe, desde o projeto, formulado aos 12 anos de idade, até tornar-se escritora, depois metamorfoseado em ‘ser poeta’, como ela mesma escreve na poesia O dúplice”, ressalta Leila.

O seminário com três mesas-redondas aberto pelas professoras Ana Lucia Duarte Lanna, diretora do IEB, e Marta Amoroso. “A professora-poeta”, tema da primeira mesa-redonda, contou com as memórias e lembranças de alguns artistas e docentes que foram alunos de Lupe nos primeiros anos de funcionamento da ECA, entre eles Ismail Xavier, Djalma Batista, Luís Milanesi e José Possi Neto.

A segunda mesa-redonda, “Uma intelectual na travessia dos anos 60”, contou com vários pesquisadores e intelectuais, que fizeram uma apresentação mais acadêmica de Lupe. Telê Ancona Lopez analisou anotações, comentários e sublinhamentos feitos nas margens dos livros e textos de Lupe Cotrim. Fábio Lucas, Ana Maria Fadul e Eduardo Peñuela Canizal mostraram sua visão particular sobre a obra da poetisa e intelectual.

“A poesia lírica de Lupe Cotrim”, nome da terceira mesa-redonda, com a participação de vários poetas brasileiros, que analisaram a obra poética da autora, inclusive seu livro póstumo, Monólogos do afeto, publicado seis meses após sua morte, “uma poesia espontânea, sem elaboração, mas com poemas muito interessantes”, comenta Leila Gouvêa. Desse livro Leila destaca a poesia Hino dos comedidos, em que Lupe mostra um caráter de inconformismo com o mundo em que vive e uma certa rebeldia em relação às convenções sociais do tempo em que viveu:

Não me agradam esses homens
bem fracionados no tempo,
cedendo-se amavelmente
em todas ocasiões
e mais também não me agradam
os partidários tão vários,
de toda moderação.
Vou passando bem distante
desses homens comedidos
desses homens moderados (...)
Adeus homens moderados,
adeus que sou diferente.
Compreendo a mulher que rasga
as vestes em grande dor
e sinto imensa ternura
pelo homem desesperado.

Segundo Leila, Lupe foi uma professora muito estimada pelos alunos. Embora tenha tido uma passagem meteórica como professora da ECA, deixou marcas profundas. “Ela fugia ao padrão acadêmico, tinha uma comunicação fácil com os jovens alunos. Em homenagem, o Centro Acadêmico da ECA recebe seu nome.”

Filho de Lupe, o professor de Artes Visuais da ECA Marco Giannotti, que não chegou a conviver muito tempo com a mãe em razão de sua morte precoce, afirma que um evento como esse é importante para a comunidade acadêmica relembrar uma pessoa que teve destacado papel na formação de uma das suas unidades de ensino, a ECA. “Ela conseguiu viver em pouco tempo uma vida intensa, construindo uma obra pequena, mas de grande valor literário. Assim a USP, como instituição, está valorizando melhor os seus quadros de professores.”

O Fundo Lupe Cotrim Garaude, no IEB, contém cerca de 1.100 documentos. Foi organizado e catalogado graças a uma bolsa de pós-doutorado concedida a Leila Gouvêa pela Fapesp. A exposição “Ser Poeta: Lupe Cotrim, 40 anos depois” e o livro Estrela breve – Uma biografia da poeta Lupe Cotrim, a ser publicado no segundo semestre, são os produtos finais do trabalho de pesquisa. Leila teve como supervisora do seu pós-doutorado a professora Yêdda Dias Lima, do IEB.

Lupe Cotrim começou a lecionar Estética na ECA em 1967, aos 33 anos. Na mesma época, fez doutorado em Filosofia na então chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na rua Maria Antonia, sob a orientação da professora Gilda de Melo Souza. Dizia ter necessidade de adensar sua concepção de mundo, pesquisar nova dicção poética e depurar sua escrita. No final da década de 60, na turbulenta época da ditadura militar, os alunos da ECA entraram em greve e Lupe teve um papel fundamental na intermediação e diálogo entre autoridades e estudantes.

Nesse período, combinou a escrita literária e a docência com a produção ensaística, além de compor uma peça de teatro cuja revisão não pode concluir, devido ao câncer que a levou, em 18 de fevereiro de 1970, com apenas 36 anos de idade.

Sua trajetória foi intensa, deixando um legado de sete livros de refinada poesia lírica. Também cultivou o diálogo e a troca de cartas com escritores, especialmente Carlos Drummond de Andrade, o maior interlocutor epistolar de sua breve vida.

No livro Raiz comum (1959), ela já mostra sinais de pesquisa formal, elaboração e ao mesmo tempo um pouco da chamada geração 45, praticante das formas fixas da poesia, especialmente o soneto. Os destaques são Destino mineral e Nem um profundo mar. Ainda com uma certa proximidade com a geração de 45, com um estetismo subjetivo, é em Entre a flor e o tempo, de 1961, que Lupe cria sonetos que revelam certa inquietação com a busca de uma nova dicção poética. “A poetisa sempre esteve em busca de uma dicção autoral em conformidade com o seu sentimento do mundo”, lembra Leila.

O quarto livro, publicado no final de 1962, Cânticos da Terra, são poemas sobre animais e, assim como poetas como Borges e Apollinaire, criou seu próprio bestiário – uma coletânea sobre animais. Essa coletânea teve uma preocupação estética maior, ganhando uma edição belíssima, com ilustrações a bico-de-pena do artista plástico Aldemir Martins. “No mundo poético de Lupe, também havia espaço para os animais, numa tentativa de sair da nebulosa do eu que caracterizou muito seus primeiros livros”, explica Leila. Em Cânticos da Terra, por exemplo, a poetisa afirma:

Ritmado andar azul
e calculado
de um solene pavão
– longa cauda em flor,
adorno de linguagem
e proteção

Vale lembrar que o bestiário foi publicado pelo editor Massao Ohno, que teve importante papel nos anos 60, divulgando a chamada poesia novíssima de Roberto Piva, Carlos Felipe Moisés, Lindolf Bell, Hilda Hilst e Lupe Cotrim.

Cartas do seu amigo Carlos Drummond de Andrade (cerca de 50 correspondências) mostram o poeta elogiando Cânticos da Terra. “Sou um velho apaixonado do mistério dos animais, Lupe, e encontro com emoção em seus poemas esse poder de ir até o mais delicado deles, essa essência de vida e significado que a natureza não oferece cabalmente senão através da intuição poética.”

Ainda sobre essa coletânea, Leila conta que seis desses poemas foram musicados pelo compositor Almeida Prado, que sempre admirou ciclos de canções sobre bestiários e, quando descobriu os poemas de Lupe, entusiasmado, fez um ciclo de seis canções. Três delas serão apresentadas ao vivo no final do evento do dia 23. São canções para canto e piano interpretadas pelo barítono Pedro Ometto e o pianista Eduardo Tagliatti.

Lupe Cotrim tinha grande interesse pelo canto lírico, chegando a estudar para ser soprano. Acabou descobrindo que a poesia era seu maior dom. “Mais de uma vez Lupe chegou a falar de sua alegria em ter algum dos seus poemas musicados”, relembra Leila.

Em 1964, Lupe publica seu quinto livro O poeta e o mundo, que reflete uma fase de transição. Na poesia Última passagem, por exemplo, o tema a morte é bem recorrente na obra.

Quando eu morrer,
se morrer,
quero um dia de sol,
denso, cintilante,
escorrendo-me pelo corpo
seus dedos quentes.
E quero o vento,
Um largo vento dos espaços
Que me respire e me arrebate
No seu fôlego
Por outros continentes.
(...)
quero pegar a vida,
palmo a palmo,
traço a traço,
num dia esfuziante de azul,
com o mar na boca e nos braços.

O início de uma certa maturidade literária, conta Leila, se deu no livro Inventos, de 1967, em que Lupe revela fugir do impacto da geração de 45 e ensaiar uma nova dicção literária. Esse livro divide-se em duas partes. A primeira, De Mar, tem como tema recorrente o mar e nela transparece o impacto que a leitura de João Cabral de Melo Neto exerce sobre a autora, assim como também uma geração de poetas.

É na segunda parte, denominada De Amor, que a autora consegue dar um salto, aproximando-se da dicção autoral que tanto buscava. Leila comenta que a autora, enfim, consegue uma poesia lírica de alta qualidade. “É um poema para vozes, onde comparecem um narrador e dois amantes. O diálogo dos amantes é extraordinário. Podemos afirmar ser esse o marco da obra de Lupe”, diz Leila, citando um dos poemas:

Se entre nós cada folha de silêncio
for linguagem de gestos desprendidos
e em clareiras tombar cada momento
o que outrora foi verde e preenchido,
segurarei na queda tua imagem.
Antes que perca todos os indícios
desta palavra dita na coragem
da posse em nós, hei de levar comigo
o último desejo, o corpo intenso
para tramar de novo um novo invento.


No período mais repressivo da ditadura militar, iniciado com a instauração do Ato Institucional número 5, Lupe Cotrim dá vazão a uma poética mais participante, com poesias de cunho social, de denúncia do cenário histórico e social do País e do mundo. Os livros dessa época são muito eloquentes e oratórios, como Memória barroca, que a poetisa dedicou ao amigo Carlos Drummond de Andrade. Segundo Leila, as poesias desse livro conseguem ser engajadas, conciliando denúncia com concisão e lirismo, “por isso são poesias de boa qualidade”:

Uma cola negra escorre
das calçadas, e o mar escurece
no pigmento do rosto.
Uma fratura na pedra; e mais outra.
Estátua que se ergue
ou entranha que se mostra.
O saveiro furta às águas
a sumária riqueza dos peixes
e no farol se acende
a história ameaçada; nem tudo será
resíduo e paisagem. A couraça
urbana acintura a nova cidade
cinza e domesticada.

A fase do lirismo participativo também resultou no livro Poemas ao outro, uma coletânea em duas partes, triplamente premiado ainda no original: recebeu, em 1969, o Prêmio Governador do Estado, desbancando os maiores poetas da época, o Prêmio Jabuti e o Prêmio Poesia, da Fundação Cultural de Brasília.

Na primeira parte desse livro, Lupe dialoga com um personagem imaginário, João, que ela considera aparentado do personagem Severino, de João Cabral de Melo Neto, e do personagem José, de Drummond:

O que é nosso, João,
entre o teu e o meu
o que separa em posse
a nossa solidão?
Não sei. Não sei
o que era de mim
no que te encontrei.

Na segunda parte de O dúplice – Alter ego, Desdobramento, o Outro –, eixo norteador da exposição no IEB, o ser poeta representa a busca de uma vida inteira de Lupe Cotrim. Giannotti, o filho, encontra na poesia da mãe o vínculo afetivo que não teve tempo de criar: “O que mais me encanta na poesia de Lupe é a grande vontade de atualização do eu lírico – aquele sujeito que se coloca perante o mundo, podendo sentir e escrever o que vive no mundo sem subterfúgios. Ela viveu o mundo intensamente, e na sua poesia eu sinto isso claramente”.
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Izabel Leão é jornalista e mestre em Educomunicação em São Paulo , SP.
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Fonte:
Extraído do Jornal da USP, março de 2010, adaptado para atualmente.

Literatura Brasileira (Parte 6 = Realismo)


"O Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento - o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos - para condenar o que houve de mau na nossa sociedade." Ao cunhar este conceito, Eça de Queiroz sintetizou a visão de vida que os autores da escola realista tinham do homem durante e logo após o declínio do Romantismo.

Este estilo de época teve uma prévia: os românticos Castro Alves, Sousândrade e Tobias Barreto, embora fizessem uma poesia romântica na forma e na expressão, utilizavam temas voltados para a realidade político-social da época (final da década de 1860). Da mesma forma, algumas produções do romance romântico já apontavam para um novo estilo na literatura brasileira, como algumas obras de Manuel Antônio de Almeida, Franklin Távora e Visconde de Taunay. Começava-se o abandono do Romantismo enquanto surgiam os primeiros sinais do Realismo.

Na década de 70 surge a chamada Escola de Recife, com Tobias Barreto, Silvio Romero e outros, aproximando-se das idéias européias ligadas ao positivismo, ao evolucionismo e, principalmente, à filosofia. São os ideais do Realismo que encontravam ressonância no conturbado momento histórico vivido pelo Brasil, sob o signo do abolicionismo, do ideal republicano e da crise da Monarquia.

No Brasil, considera-se 1881 como o ano inaugural do Realismo. De fato, esse foi um ano fértil para a literatura brasileira, com a publicação de dois romances fundamentais, que modificaram o curso de nossas letras: Aluízio Azevedo publica "O mulato", considerado o primeiro romance naturalista do Brasil; Machado de Assis publica "Memórias Póstumas de Brás Cubas", o primeiro romance realista de nossa literatura.

Na divisão tradicional da história da literatura brasileira, o ano considerado data final do Realismo é 1893, com a publicação de "Missal" e "Broquéis", ambos de Cruz e Sousa, obras inaugurais do Simbolismo, mas não o término do Realismo e suas manifestações na prosa - com os romances realistas e naturalistas - e na poesia, com o Parnasianismo.

"Príncipe dos poetas" - Da mesma forma, o início do Simbolismo, em 1893, não representou o fim do Realismo, porque obras realistas foram publicadas posteriormente a essa data, como "Dom Casmurro", de Machado de Assis, em 1900, e "Esaú e Jacó", do mesmo autor, em 1904. Olavo Bilac, chamado "príncipe dos poetas", obteve esta distinção em 1907. A Academia Brasileira de Letras, templo do Realismo, também foi inaugurada posteriormente à data-marco do fim do Realismo: 1897. Na realidade, nos últimos vinte anos do século XIX e nos primeiros do século XX, três estéticas se desenvolvem paralelamente: o Realismo e suas manifestações, o Simbolismo e o Pré-Modernismo, que só conhecem o golpe fatal em 1922, com a Semana de Arte Moderna.

O Realismo reflete as profundas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais da segunda metade do século XIX. A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, entra numa nova fase, caracterizada pela utilização do aço, do petróleo e da eletricidade; ao mesmo tempo, o avanço científico leva a novas descobertas nos campos da física e da química. O capitalismo se estrutura em moldes modernos, com o surgimento de grandes complexos industriais, aumentando a massa operária urbana, e formando uma população marginalizada, que não partilha dos benefícios do progresso industrial, mas, pelo contrário, é explorada e sujeita a condições subumanas de trabalho.

O Brasil também passa por mudanças radicais tanto no campo econômico quanto no político-social, no período compreendido entre 1850 e 1900, embora com profundas diferenças materiais, se comparadas às da Europa. A campanha abolicionista intensifica-se a partir de 1850; a Guerra do Paraguai (1864/1870) tem como consequencia o pensamento republicano (o Partido Republicano foi fundado no ano em que essa guerra terminou); a Monarquia vive uma vertiginosa decadência. A Lei Áurea, de 1888, não resolveu o problema dos negros, mas criou uma nova realidade: o fim da mão-de-obra escrava e sua substituição pela mão-de-obra assalariada, então representada pelas levas de imigrantes europeus que vinham trabalhar na lavoura cafeeira, o que originou uma nova economia voltada para o mercado externo, mas agora sem a estrutura colonialista.
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Raul Pompéia, Machado de Assis e Aluízio Azevedo transformaram-se nos principais representantes da escola realista no Brasil. Ideologicamente, os autores desse período são antimonárquicos, assumindo uma defesa clara do ideal republicano, como nos romances "O mulato", "O cortiço" e "O Ateneu". Eles negam a burguesia a partir da família. A expressão Realismo é uma denominação genérica da escola literária, que abriga três tendências distintas: "romance realista", "romance naturalista" e "poesia parnasiana".

O romance realista foi exaustivamente cultivado no Brasil por Machado de Asses. Trata-se de uma narrativa mais preocupada com a análise psicológica, fazendo a crítica à sociedade a partir do comportamento de determinados personagens. Para se ter uma idéia, os cinco romances da fase realista de Machado de Assis apresentam nomes próprios em seus títulos ("Brás Cubas"; "Quincas Borba"; "Dom Casmurro", "Esaú e Jacó"; e "Aires"). Isto revela uma clara preocupação com o indivíduo. O romance realista analisa a sociedade por cima. Em outras palavras: seus personagens são capitalistas, pertencem à classe dominante. O romance realista é documental, retrato de uma época.
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Parte I - Origens = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-1-origens.html
Parte II - O Quinhentismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-2-o.html
Parte III - O Barroco = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-3-o-barroco.html
Parte IV - O Arcadismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-4-o.html
Parte V - O Romantismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-5-o.html

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br/

Luiz Carlos Felipe (Contar Histórias : Uma Arte?)



Antes eu contava histórias porque queria mudar o mundo. Hoje eu conto histórias para que o mundo não me mude.

Não é novidade para ninguém a imagem de um ancião reunindo um grupo de pessoas jovens para contar a elas um “causo”, uma “lição de vida” ou uma parábola. O fato é que em torno do fogo (ou de um fogão à lenha) ou ainda de um toco de vela, muitos já experimentaram sensações que vão da fé à incredulidade. O fato é que nos acostumamos a “viajar” na voz do outro, aceitamos partir com nosso herói para as aventuras da vida. Todavia, sempre torcemos pela vitória do herói, pois, como é sabido, a vitória dele é a minha vitória, o sucesso dele é o meu sucesso e estamos sempre em busca de um “...e viveram felizes para sempre...”

Por essas razões, dominar a arte de contar histórias é um ato de altruísmo. Somos instrumento, um elo entre o mundo de lá (onde vivem as histórias) e o mundo de cá (onde há gente sofrendo, precisando de uma palavra de estímulo, ou uma boa dose de humor). O contador de histórias é uma criatura que carrega muitas “pessoinhas” dentro de si. Sua sabedoria materializada no olhar e no gesto faz brotar em nossa mente e em nosso coração os sentimentos que com o tempo perderam-se no corre-corre de nossas atividades cotidianas.

Por isso posso definir a contação de histórias como um exercício de ampliação, transformação e/ou enriquecimento da própria experiência de vida, para que essa seja renovada. Num encontro com o imaginário, com os medos, com as frustrações e, também, com as possíveis realizações que almejamos, poderemos desenvolver, primeiro em nós, e depois em nossos alunos, além da construção da realidade social, a formação de valores e conceitos para uma aprendizagem mais significativa, mais valiosa, associando teoria e prática, diversão e aprendizagem, paixão e leitura...

Dessa forma a atividade de contação de histórias não deve servir como um “tapa-buraco”, ela deve estar incluída na rotina diária da sala de aula. O professor deve estar bem preparado e criar rituais, os quais podem variar desde a montagem de um ambiente agradável (brinquedoteca, cantinho da leitura, por exemplo), até a incorporação ao ambiente da sala de aula de elementos da natureza (uma flor, uma vela acesa, cristais coloridos, incenso, um vaso de argila, uma toalha bonita, etc.) até uma música adequada, a qual, sempre que for cantada, dará início à contação.

Assim, nossos alunos estarão preparados para o que irão ouvir, pois, “contamos histórias, não para fazer dormir, mas sim, para “fazer acordar”. Acordar sonhos, medos secretos, frustrações, desgostos, amores, desamores, acordar para a vida, para a imaginação do impossível, do abstrato, do irreal, os quais podem muito bem transformar-se em soluções para os problemas mais adormecidos e os quais nem imaginávamos existir.

Para encerrar, deixo uma reflexão a todos os educadores, utilizando-me das palavras do Grupo Morandubetá Contadores de Histórias: “contar histórias é revelar segredos, é seduzir o ouvinte e convidá-lo a se apaixonar... pelo livro... pela história... pela leitura. E tem gente que ainda duvida disso.” .
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Luiz Carlos Felipe é professor de Contos Velados e Desvelados, no Instituto Aprender, em Joinville, SC. Especialista em Estudos Literários, contador de Histórias formado pela Casa do Contador de Histórias.

Fontes:
Revista Escrita , edição 12.
Imagem = http://umatoradolescente.blogspot.com

sábado, 26 de junho de 2010

Trova 157 - Doralice Gomes da Rosa (Porto Alegre/RS)

Orientação para Participação em Concurso de Trovas



1 - Não envie a mesma trova para mais de um concurso.

2 - Nos envelopes (de mais ou menos 7 x 11 cm), não datilografe/digite nada além da trova, a não ser o tema (quando o concurso exigir - e a maioria o faz).

3 - Não datilografe/digite a trova toda em maiúsculas.

4 - Não utilize envelopinhos transparentes, nem de outra cor que não seja a branca.

5 - Os concursos apoiados por Seções ou Delegacias da UBT devem seguir a tradição do "sistema de envelopes", que consiste em datilografar-se a trova na face externa de envelopinhos, com a identificação, endereço e assinatura do concorrente colocados em seu interior. No envelope que conterá o/s envelopinho/s colocar como remetente: "LUIZ OTÁVIO" e o endereço do concurso como na face da frente, ou o nome do concurso com o respectivo endereço. Nunca colocar qualquer identificação pessoal do lado externo do envelope.

6 - Ao receber comunicado de classificação e convite para as festividades de um concurso, não deixe de responder, ainda que sem possibilidade de comparecimento, para que os coordenadores tomem as providências necessárias.

7 - Os concursos geralmente possuem âmbito municipal, âmbito estadual, âmbito nacional e/ou âmbito internacional. O trovador só poderá participar de um deles, aquele determinado pelo seu domicílio. Caso haja trovas líricas/ filosóficas e humoristicas, é facultativo ao trovador participar de um deles ou ambos.

8 - Alguns concursos não permitem o uso de derivados ou palavras cognatas. Outros, exigem que a palavra Tema conste da trova.

9 - Observar o número máximo de trovas que pode ser enviado ao concurso.

10 - A Comissão de seleção das trovas do concurso elimina apenas as trovas com erros, fora do tema, sem sentido, etc., não importando a qualidade.

Fontes:
- Izo Goldman
- UBT Porto Alegre
- Imagem = http://woc.uc.pt

Literatura Brasileira (Parte 5 = O Romantismo)


O Romantismo se inicia no Brasil em 1836, quando Gonçalves de Magalhães publica na França a "Niterói - Revista Brasiliense", e, no mesmo ano, lança um livro de poesias românticas intitulado "Suspiros poéticos e saudades".

Em 1822, Dom Pedro I concretiza um movimento que se fazia sentir, de forma mais imediata, desde 1808: a independência do Brasil. A partir desse momento, o novo país necessita inserir-se no modelo moderno, acompanhando as nações independentes da Europa e América. A imagem do português conquistador deveria ser varrida. Há a necessidade de auto-afirmação da pátria que se formava. O ciclo da mineração havia dado condições para que as famílias mais abastadas mandassem seus filhos à Europa, em particular França e Inglaterra, onde buscam soluções para os problemas brasileiros. O Brasil de então nem chegava perto da formação social dos países industrializados da Europa (burguesia/proletariado). A estrutura social do passado próximo (aristocracia/escravo) ainda prevalecia. Nesse Brasil, segundo o historiador José de Nicola, "o ser burguês ainda não era uma posição econômica e social, mas mero estado de espírito, norma de comportamento".

Marco final - Nesse período, Gonçalves de Magalhães viajava pela Europa. Em 1836, ele funda a revista Niterói, da qual circularam apenas dois números, em Paris. Nela, ele publica o "Ensaio sobre a história da literatura brasileira", considerado o nosso primeiro manifesto romântico. Essa escola literária só teve seu marco final no ano de 1881, quando foram lançados os primeiros romances de tendência naturalista e realista, como "O mulato", de Aluízio Azevedo, e "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. Manifestações do movimento realista, aliás, já vinham ocorrendo bem antes do início da decadência do Romantismo, como, por exemplo, o liderado por Tobias Barreto desde 1870, na Escola de Recife.

O Romantismo, como se sabe, define-se como modismo nas letras universais a partir dos últimos 25 anos do século XVIII. A segunda metade daquele século, com a industrialização modificando as antigas relações econômicas, leva a Europa a uma nova composição do quadro político e social, que tanto influenciaria os tempos modernos. Daí a importância que os modernistas deram à Revolução Francesa, tão exaltada por Gonçalves de Magalhães. Em seu "Discurso sobre a história da literatura do Brasil", ele diz: "...Eis aqui como o Brasil deixou de ser colônia e foi depois elevado à categoria de Reino Unido. Sem a Revolução Francesa, que tanto esclareceu os povos, esse passo tão cedo se não daria...".

A classe social delineia-se em duas classes distintas e antagônicas, embora atuassem paralelas durante a Revolução Francesa: a classe dominante, agora representada pela burguesia capitalista industrial, e a classe dominada, representada pelo proletariado. O Romantismo foi uma escola burguesa de caráter ideológico, a favor da classe dominante. Daí porque o nacionalismo, o sentimentalismo, o subjetivismo e o irracionalismo - características marcantes do Romantismo inicial - não podem ser analisados isoladamente, sem se fazer menção à sua carga ideológica.

Novas influências - No Brasil, o momento histórico em que ocorre o Romantismo tem que ser visto a partir das últimas produções árcades, caracterizadas pela sátira política de Gonzaga e Silva Alvarenga. Com a chegada da Corte, o Rio de Janeiro passa por um processo de urbanização, tornando-se um campo propício à divulgação das novas influências européias. A colônia caminhava no rumo da independência.

Após 1822, cresce no Brasil independente o sentimento de nacionalismo, busca-se o passado histórico, exalta-se a natureza pátria. Na realidade, características já cultivadas na Europa, e que se encaixaram perfeitamente à necessidade brasileira de ofuscar profundas crises sociais, financeiras e econômicas.

De 1823 a 1831, o Brasil viveu um período conturbado, como reflexo do autoritarismo de D. Pedro I: a dissolução da Assembléia Constituinte; a Constituição outorgada; a Confederação do Equador; a luta pelo trono português contra seu irmão D. Miguel; a acusação de ter mandado assassinar Líbero Badaró e, finalmente, a abolição da escravatura. Segue-se o período regencial e a maioridade prematura de Pedro II. É neste ambiente confuso e inseguro que surge o Romantismo brasileiro, carregado de lusofobia e, principalmente, de nacionalismo.

No final do Romantismo brasileiro, a partir de 1860, as transformações econômicas, políticas e sociais levam a uma literatura mais próxima da realidade; a poesia reflete as grandes agitações, como a luta abolicionista, a Guerra do Paraguai, o ideal de República. É a decadência do regime monárquico e o aparecimento da poesia social de Castro Alves. No fundo, uma transição para o Realismo.

O Romantismo apresenta uma característica inusitada: revela nitidamente uma evolução no comportamento dos autores românticos. A comparação entre os primeiros e os últimos representantes dessa escola mostra traços peculiares a cada fase, mas discrepantes entre si. No caso brasileiro, por exemplo, há uma distância considerável entre a poesia de Gonçalves Dias e a de Castro Alves. Daí a necessidade de se dividir o Romantismo em fases ou gerações. No romantismo brasileiro podemos reconhecer três gerações: geração nacionalista ou indianista; geração do "mal do século" e a "geração condoreira".

A primeira (nacionalista ou indianista) é marcada pela exaltação da natureza, volta ao passado histórico, medievalismo, criação do herói nacional na figura do índio, de onde surgiu a denominação "geração indianista". O sentimentalismo e a religiosidade são outras características presentes. Entre os principais autores, destacam-se Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e Araújo Porto.

Egocentrismo - A segunda (do "mal do século", também chamada de geração byroniana, de Lord Byron) é impregnada de egocentrismo, negativismo boêmio, pessimismo, dúvida, desilusão adolescente e tédio constante. Seu tema preferido é a fuga da realidade, que se manifesta na idealização da infância, nas virgens sonhadas e na exaltação da morte. Os principais poetas dessa geração foram Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.

A geração condoreira, caracterizada pela poesia social e libertária, reflete as lutas internas da segunda metade do reinado de D. Pedro II. Essa geração sofreu intensamente a influência de Victor Hugo e de sua poesia político-social, daí ser conhecida como geração hugoana. O termo condoreirismo é conseqüência do símbolo de liberdade adotado pelos jovens românticos: o condor, águia que habita o alto da cordilheira dos Andes. Seu principal representante foi Castro Alves, seguido por Tobias Barreto e Sousândrade.

Duas outras variações literárias do Romantismo merecem destaque: a prosa e o teatro romântico. José de Nicola demonstrou quais as explicações para o aparecimento e desenvolvimento do romance no Brasil: "A importação ou simples tradução de romances europeus; a urbanização do Rio de Janeiro, transformado, então, em Corte, criando uma sociedade consumidora representada pela aristocracia rural, profissionais liberais, jovens estudantes, todos em busca de entretenimento; o espírito nacionalista em conseqüência da independência política a exigir uma "cor local" para os enredos; o jornalismo vivendo o seu primeiro grande impulso e a divulgação em massa de folhetins; o avanço do teatro nacional".

Os romances respondiam às exigências daquele público leitor; giravam em torno da descrição dos costumes urbanos, ou de amenidades das zonas rurais, ou de imponentes selvagens, apresentando personagens idealizados pela imaginação e ideologia românticas com os quais o leitor se identificava, vivendo uma realidade que lhe convinha. Algumas poucas obras, porém, fugiram desse esquema, como "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manuel Antônio de Almeida, e até "Inocência", do Visconde de Taunay.

Ao se considerar a mera cronologia, o primeiro romance brasileiro foi "O filho do pescador", publicado em 1843, de autoria de Teixeira de Souza (1812-1881). Mas se tratava de um romance sentimentalóide, de trama confusa e que não serve para definir as linhas que o romance romântico seguiria na literatura brasileira.

Por esta razão, sobretudo pela aceitação obtida junto ao público leitor, justa-mente por ter moldado o gosto deste público ou correspondido às suas expectativas, convencionou-se adotar o romance "A Moreninha", de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844, como o primeiro romance brasileiro.

Dentro das características básicas da prosa romântica, destacam-se, além de Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida e José de Alencar. Almeida, por sinal, com as "Memórias de um Sargento de Milícias" realizou uma obra total-mente inovadora para sua época, exatamente quando Macedo dominava o ambiente literário. As peripécias de um sargento descritas por ele podem ser consideradas como o verdadeiro romance de costumes do Romantismo brasileiro, pois abandona a visão da burguesia urbana, para retratar o povo com toda a sua simplicidade.

"Casamento" - José de Alencar, por sua vez, aparece na literatura brasileira como o consolida dor do romance, um ficcionista que cai no gosto popular. Sua obra é um retrato fiel de suas posições políticas e sociais. Ele defendia o "casamento" entre o nativo e o europeu colonizador, numa troca de favores: uns ofereciam a natureza virgem, um solo esplêndido; outros a cultura. Da soma desses fatores resultaria um Brasil independente. "O guarani" é o melhor exemplo, ao se observar a relação do principal personagem da obra, o índio Peri, com a família de D. Antônio de Mariz.

Este jogo de interesses entre o índio e o europeu, proposto por Alencar, aparece também em "Iracema" (um anagrama da palavra América), na relação da índia com o português Martim. Moacir, filho de Iracema e Martim, é o primeiro brasileiro fruto desse casamento.

José de Alencar diversificou tanto sua obra que tornou possível uma classificação por modalidades: romances urbanos ou de costumes (retratando a sociedade carioca de sua época - o Rio do II Reinado); romances históricos (dois, na verdade, voltados para o período colonial brasileiro - "As minas de prata" e "A guerra dos mascastes"); romances regionais ("O sertanejo" e "O gaúcho" são as duas obras regionais de Alencar); romances rurais (como “Til” e “O tronco do ipê”; e romances indianistas, que trouxeram maior popularidade para o escritor, como “O Guarani”, “Iracema” e “Ubirajara”).
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Parte I - Origens = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-1-origens.html
Parte II - O Quinhentismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-2-o.html
Parte III - O Barroco = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-3-o-barroco.html
Parte IV - O Arcadismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-4-o.html

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br/

Amaury Nicolini (Poemas Avulsos)


O FIM DO VERSO

Eu sei que, no futuro, estas poesias
ficarão abandonadas numa estante,
retratos do passado, de outros dias
de quem a vida fez sofrer bastante.

Serão somente papéis amarelados,
histórias a que o tempo trouxe fim,
talvez por consideração guardados
de uma maneira displicente assim.

A ninguém vai importar o conteúdo,
saber quem um dia amou alguém
ou o desfecho que teve essa paixão.

Será nada o que um dia já foi tudo,
e os versos que pensavam ir além
só estarão vivos num velho coração.
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ARQUIVO DO CORAÇÃO

O meu arquivo é bem organizado,
dividido por assuntos, por setores.
Por exemplo: esta pasta é do passado,
e esta outra aqui, dos meus amores.

Aqui eu guardo os sonhos de criança,
mais adiante as ilusões perdidas;
esta gaveta é cheia de esperança
e na de cima sobram despedidas.

Esta organização, que eu admiro
não impede, no entanto, que o arquivo
tenha um papel que a mim é negativo.

Não importa qual a pasta que retiro
porque em todas, ou seja, de A a Z,
tem sempre uma saudade de você.
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O REFÚGIO DO SONHO

Quando o sono vencer a ansiedade,
adormece também os teus segredos
e verás como se sonha de verdade
ao fechares os olhos aos teus medos.

Quando o sono chegar devagarinho,
deixa que voe a mente assim liberta,
e pensamentos vaguem no caminho
sem a angústia que te prende alerta.

Quando o sono, enfim, for benfazejo
e servir como intervalo para as dores
que te ferem e te tornam amargurado,

da vontade de sonhar faz teu desejo
porque sonhando lembrarás amores
que foram os teus sonhos no passado.
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O NASCER DO LIVRO

Quando o livro vai tomando forma,
a qualquer hora, e do próprio punho,
o escritor debruça-se e transforma
muitas de suas idéias no rascunho.

Às vezes são até os personagens
que mudam, se revezam em vai e vem,
buscando o equilíbrio das imagens
que ao correr da história lhes convem.

É uma verdadeira arquitetura,
que torne interessante a leitura
e momentos de lazer proporcione.

E para isso o escritor não pára;
lapida a pedra até torná-la rara
porque é um filho que lhe leva o nome.
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SEM PALAVRAS

Há muito tempo eu não lhe encontrava,
apesar de ainda manter minha rotina
indo aos lugares que a gente frequentava
sempre esperando a entrada repentina

daquela que marcou tanto a minha vida
qual tatuagem indelével no meu peito,
tatuagem que eu queria removida
mas que, pelo que parece, não tem jeito.

Só que agora você entrou aqui na sala
e à sua simples visão minha alma cala
me reduzindo a um nada, um moribundo.

E eu chego então à triste conclusão
de que todas as fugas foram em vão:
eu só vou lhe esquecer no fim do mundo.

Fonte:
Recanto de Letras.

Amaury Nicolini


Amaury Nicolini, carioca, 69 anos. Desde sua juventude, como aluno do Colégio Militar, destacava-se no aprendizado e utilização do idioma, sendo eleito presidente da Sociedade Literária por 3 gestões e publicando seus primeiros trabalhos poéticos na revista do Colégio Militar e em jornais da época.

Concluindo o curso e não desejando seguir a carreira militar, iniciou-se no que seria a sua verdadeira vocação, como redator publicitário e criador de comerciais para tv. Os anos seguintes foram uma escalada de trabalhos escolhidos pela crítica especializada e pelo público como os melhores de cada período.

Sem abandonar a redação, passou a ser Diretor de Criação em algumas das principais agências de propaganda do eixo Rio - São Paulo - Belo Horizonte. Especializou-se em varejo, e criou a propaganda de redes nacionais como Mesbla, Bemoreira, Ducal, Casa Masson, Brastel e outras.
Sua especialização em varejo levou a uma variante profissional.

Foi contratado como Gerente de Desenvolvimento Técnico da Confederação Nacional dos Lojistas, passando a coordenar simpósios, seminários e convenções em todos os estados brasileiros, além de editar a revista Diretor Lojista, voltada para o empresário do comércio. Foi alguns anos depois contratado como Diretor Executivo do Clube de Diretores Lojistas de Fortaleza, permanecendo aquela capital nordestina por 3 anos.

De volta ao Rio, e após temporada como Coordenador de Marketing da TV Manchete, criou sua própria empresa de propaganda, que durante 10 anos foi extremamente atuante na praça do Rio de Janeiro.

Após retirar-se do mercado, passou a prestar serviços eventuais de planejamento e redação, aproveitando o tempo livre para desenvolver sua produção literária, que hoje já alcança um total de 29 livros publicados, abrangendo poesia, prosa e temas técnicos.

Conquistou vários prêmios em concursos literários, participou de diversas antologias e escreve artigos para revistas especializadas em comércio, como O Empresário Lojista.

Ocupa uma cadeira na Academia Virtual Brasileira de Letras e tem posse prevista em agosto/2010 como membro vitalício da Academia de Letras do Brasil.

Por sua contribuição à cultura, foi distinguido com a Cruz de Cavaleiro da Ordem do Mérito do Instituto dos Docentes do Magistério Militar.

Entre seus livros, incluem-se: Salada de Poesia / Um Verso Viajante / Poesia Mínima / Quinquilharias / Velhos Carnavais / Passagem Secreta / Céus e Terras / Dicotomia / Vale o Escrito / Pela Janela / Os Astros Não Mentem / Tempus Fugit / Há Muito Tempo... e outros.

Fonte:
Recanto das Letras

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Trova 156 - Apollo Taborda França (Curitiba/PR)

Fonte:
Montagem realizada sobre imagem do site Saci Perere.

Lucilene Machado (Coreografia Invisível)


Não sei o que pensam os pássaros quando, nas tardes de sábado, dormem sobre os fios de alta tensão. Os pássaros têm sábados frustrados. Todas as coisas que podiam ter sido, não foram. Também não sei o que pensam os homens enquanto dormem os pássaros pelos sábados adentro. Sei que os homens têm insônia e fecham janelas. Instituem a escuridão, apagam as palavras e desintegram-se em longos silêncios. As coisas que podiam ter sido? Não têm importância. Em qualquer tempo há fios de alta tensão e pernas de mulheres com sangue fervendo. Tantas que chegam a ser ignoradas. Despojos do amor? A desproporção criou homens-deuses vulgares e divinizados. Criou profissionais especialistas em argumentação. Braços em torno do pescoço, bocas de estátuas coladas e música para preencher os vazios. Mas o objeto deste texto é o amor. O sujeito também. Amor em construção. Quatro paredes lentas e penosas do lado de cá do horizonte onde pretendo improvisar ninhos e desprender pássaros do sonho.

Mas o tempo urge, razão pela qual me deito, mesmo, à terra. Todas as coisas se revelam e se negam continuamente. Finjo não perceber. Repouso minha cabeça sobre o seio da ignorância. A metafísica rodeia os meus limites. Há coisas se encontrando também fora de nós. A ficção quer escrever minha história. Que imagem faria? Oh! vida, esse tempo desperdiçado dentro do olhar. Minha única tristeza não é triste. Incongruência? Limpe os olhos que este texto tem a loucura da forma. Plasticidade e linguagem. Os literatos, os eruditos e eu, e nada de concreto. Que sabemos sobre os pássaros frustrados sobre o fio de alta tensão? Somos carentes de amor, sexo e sonhos. Somos carentes de sabedoria. Um dia Deus apareceu homem entre os homens e o crucificaram. Daí meu medo de existir. Daí esse silêncio áspero de Sábado. Meus conflitos me apequena. Gritos surdos por dentro. Somente as palavras são capazes de secar as lágrimas. Palavras e dedos. Dedos escalavrados pelo tempo percorrendo traços e linhas do meu rosto. Doce ternura para quem partiu todos os espelhos e já não mais se reconhece. Eu que tenho em mim o movimento dos outros, o conhecimento dos outros, o idioma dos outros, a reação dos outros... eu sulcada pelos outros e estrangulada pelas minhas próprias mãos. Só o amor me salva. Só o amor produz essa lentidão sagrada de observar pássaros cheio de vôos. O amor sabe de cor os vôos e os movimentos. Conhece o lugar, o istmo onde os homens choram. Os homens são belos, sobretudo, quando choram. Homem-mar numa ilha de chuva. Uma imagem onde me completo. Não totalmente. Uma mulher satisfeita traz em si um ponto final. Eu tenho vocação para reticências e excessos. Amanheço e todas as bocas se abrem. Famigerada fome de idealismo. Não nos basta a vida?

O pássaro olha com todos os olhos mas nada avista. Tem os sentidos esquecidos. Esqueceu-se de quem era, de como era... só sabe cantar, cantar. Se respirasse uma idéia, tornar-se-ia gente com todo niilismo inerente. Gente que nega qualquer coisa a qualquer hora. Que nega a palavra, a raça, as idéias.. gente que nega a cruz, a história, a colonização... gente que ignora as tardes de sábado quando discretamente um pássaro voa estabelecendo ligações entre as coisas visíveis.

Fontes:
Academia Sul-Mato-Grossense de Letras

Antonio Augusto de Assis (Tábua de Trovas)


1.
Sorria, amigo, sorria!
Pois, neste tempo de tédio,
qualquer sinal de alegria
é sempre um santo remédio!
2.
Sorriso não paga imposto;
esbanja, portanto, o teu.
Sorrindo com graça e gosto,
acendes também o meu!
3.
Irmanemos nossas vidas
em comunhão generosa,
tal como vivem unidas
as pétalas de uma rosa!
4.
Sonho um mundo redimido,
que, movido a coração,
lance flechas de Cupido,
não petardos de canhão!
5.
Eu tenho fé nas pessoas,
em todas, sem exceção,
que todas elas são boas,
quando lhes damos a mão!
06.
De quantas bênçãos se tecem
as vidas fortes, sofridas,
que de si mesmas se esquecem
para cuidar de outras vidas!
07.
Criado por Deus, o rio
nasce limpo e, como nós,
traz consigo o desafio
de limpo chegar à foz.
08.
Jardineiro, que me encantas,
que bonito é o teu labor!
Tens o dom de com mãos santas
do esterco extrair a flor!
09.
Bem-te-vi que bem me vês,
bem-visto sejas também,
hoje e sempre e toda vez
que bem me vires… Amém!
10.
Eu sei por que o passarinho
canta gostoso e se inflama:
é que ele tem no seu ninho
uma família que o ama!
11.
Valente, o verde resiste
à foice, ao fogo, ao trator.
– É a vida que, dedo em riste,
enfrenta o seu matador!
12.
Quem ama não mata a mata;
quem ama planta, recria.
Quem ama protege e acata
o verde, a vida, a alegria!
13.
Dói muito ver um canário
cantando humilhado e triste
em troca do vil salário
de um punhadinho de alpiste!
14.
Treme o mundo e se consome
ao som de um terrível brado:
– o grito que sai com fome
da boca do injustiçado!
15
Jogado no mundo, ao léu,
rezava o orfãozinho assim:
– Cuida bem, Papai do Céu,
dos que não cuidam de mim!
16.
Matam crianças na rua,
hoje ainda, que que é isto?
– É que Herodes continua
caçando o Menino-Cristo!
17.
“Bem-vinda à vida, criança!”,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
18.
É mais que um beijo, é uma prece,
aquele beijo miudinho
com que a mãe afaga e aquece
os seus filhotes no ninho!
19.
Ouvi um menino uma vez
mandar aos pais um recado:
– Eu sou o amor de vocês
que se fez carne… Obrigado!
20.
Cuide bem do seu bebê;
forme-o forte, sábio e puro.
Ele é a porção de você
que vai viver no futuro!
21.
Brincam na praça os pequenos:
castelos, canções, corrida…
São seus primeiros acenos
aos grandes sonhos da vida!
22.
Nas costas, leva a criança
seus livros numa sacola;
nos olhos, leva a esperança
como colega de escola!
23.
O agricultor que semeia
o arroz, o milho, o feijão
trabalha com Deus à meia
na Obra da Criação.
24.
O sol engravida a chuva,
e a terra se faz seu ninho;
no ninho se faz a uva,
e a uva desfaz-se em vinho!
25.
O fruto é um santo produto
do mais generoso amor.
Por isso é que antes de fruto
quis Deus que ele fosse flor.
26.
Numa harmonia perfeita,
completam-se o fruto e a flor:
ele alimenta, ela enfeita;
ele dá força, ela o amor!
27.
Deus fez a Terra… e, ao fazê-la,
deu-lhe o toque comovente:
fez o céu para envolvê-la
num pacote de presente!
28.
Belo sonho o que aproxima
estrelas e pirilampos…
– Elas são eles lá em cima;
eles são elas nos campos!
29.
Mesmo soltas e espalhadas,
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tornam rosas!
30.
Ó Deus, que nos deste a flor,
e as crianças e as estrelas,
dá-nos agora, Senhor,
a graça de merecê-las!
31.
De dia caleja a palma
o irmão que cultiva o chão.
De noite alivia a alma
nas cordas de um violão!
32.
A vida jamais se encerra…
e é bom sermos imortais.
– Amar você só na Terra
seria pouco demais!
33.
– Quantas águas, canoeiro,
o senhor já canoou?…
– Talvez menos, seresteiro,
que as que o senhor já chorou!
34.
As almas, se generosas,
percorrem árduos caminhos…
Só no céu elas e as rosas
ficam livres dos espinhos!
35.
É quando a ofensa mais dói
que o perdão tem mais encanto:
– nele há a nobreza do herói
e a fortaleza do santo!
36.
Feliz o idoso que, esperto,
se ampara nesta verdade:
quanto mais velho, mais perto
das bênçãos da eternidade!
37.
Trate o velho com respeito;
dê-lhe o amor que possa dar.
Mas não lhe roube o direito
de a si mesmo governar!
38.
Todo idoso é um professor;
curvo-me e beijo-lhe a mão.
No mínimo, ensina amor,
hoje máxima lição!
39.
Certeza só têm os rios
sobre aonde vão chegar…
Por mais que sofram desvios,
seu destino é sempre o mar!
40.
Ismo, ismo, ismo, ismo…
e o medo está sempre em alta…
– Experimentem lirismo,
que talvez seja o que falta!
41.
O lírio, a lira, o lirismo;
o amor, a festa, a canção…
Que pena que o consumismo
transforma tudo em cifrão!
42.
Anoitece… Bela e nua,
a rosa põe-se a orvalhar-se…
– Um raiozinho de lua
virá com ela deitar-se!
43.
Astronauta, não destrua
meu direito de sonhar…
Deite e role sobre a Lua,
porém me deixe o luar!
44.
Tem muito mais graça a vida
quando a gente tem com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem!
45.
De barro se faz o homem,
e de luz principalmente.
O barro, os anos consomem;
a luz eterniza a gente!
46.
Na porta da eternidade,
documento não tem vez.
– O cartão de identidade
é o bem que em vida se fez!
47.
O livro mudou o enredo
da história da humanidade:
– Antes dele, a treva e o medo;
depois dele a liberdade.
48.
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
49.
Vai, riozinho, sem pressa…
lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que ele é grande, mas começa
num modesto olhinho d’água!
50.
Acaso fizeste a Lua?
Acaso fizeste a rosa?
Então que ciência é a tua,
tão solene e presunçosa…
51.
Milhões e milhões de estrelas…
Que utilidade terão?
– Só sei, meu irmão, que ao vê-las
sinto Deus no coração!
52.
Olhem a rosa os que ainda
costumam dizer-se ateus.
– Ela é a resposta mais linda
quanto à existência de Deus!
53.
Quem tem amigos leais
tem muito o que agradecer:
bons amigos valem mais
que o mais que se possa ter.
54.
Coragem de gente grande
é aquela em que se distingue
alguém assim como Gandhi,
São Francisco, Luther King!
55.
Ave-Maria, uma prece
tão gostosa de rezar,
que às vezes mais me parece
cantiguinha de ninar!
56.
Ouço ainda, ao longe, o canto
de um velho carro de boi…
– Lembrança de um tempo e tanto,
que há tanto tempo se foi!
57.
Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio.
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio…
58.
Olha lá o ipê florindo,
ele sozinho, na praça…
Florindo, lindo, se rindo
para a cidade que passa!
59.
Leves, ao longe, ora em bando,
ora dispersas, esparsas,
parecem anjos brincando
de lenços brancos – as garças!
60.
Curvada ao peso da idade,
a vovó, serena e bela,
distrai o tempo e a saudade
entre o novelo e a novela…
61.
Ah, meu rio, de repente,
o que foi feito de nós?
Ficou tão longe a nascente…
vemos tão próxima a foz!
62.
Como é bom saber que o filho
vida afora alegre vai,
dando forma, força e brilho
aos sonhos do velho pai!
63.
A bênção, queridos pais,
que às vezes sois mães também.
Em nome de Deus cuidais
dos filhos que d’Ele vêm!
64.
Quanto mais rápido passa
o tempo a mim concedido,
mais grato eu sou pela graça
de cada instante vivido!
65.
Vem, vem, onda bela, vem
nossas lágrimas lavar…
Leva-as todas, lava-as bem,
faz delas um novo mar!
66.
Em resposta à ofensa e à intriga,
ensina o amor: “Faça o bem!”
– O amor é sábio: não briga,
perdoa cem vezes cem!
67.
Num lugar pequenininho,
fez o amor uma capela.
Veio a fé e fez um ninho
de esperanças dentro dela!
68.
Se aos heróis e aos grandes sábios
devemos tão bela herança,
muito mais a quem nos lábios
traz o canto da esperança!
69.
O grande tenor se cala
ante o pássaro silvestre.
– É o discípulo de gala
querendo escutar o mestre!
70.
Quantas bênçãos traz a chuva
quando rega a plantação:
benze o trigo, benze a uva,
benze a vida em cada grão!
71.
Importa pouco a mobília,
importa pouco a fachada…
O amor que envolve a família
é só o que importa, e mais nada!
72.
Não “Pai meu”; “Pai nosso” eu digo,
e ao próximo estendo a mão.
Lembro assim que, mais que amigo,
o próximo é amigo e irmão!
73.
Morre o sábio… enorme bem
perde o mundo em tal momento.
O que ele tinha, herda alguém;
não no entanto o seu talento!
74.
Palavras produzem fartas
e tão belas construções:
com elas fez Paulo as Cartas,
fez os seus versos Camões!
75.
A palavra acalma e instiga;
a palavra adoça e inflama.
– Com ela é que a gente briga;
com ela é que a gente ama!
76.
Há de chegar o momento
da correção dos papéis:
mais valor terá o talento
do que as pedras dos anéis!
77.
Trabalhas tanto, formiga,
enquanto, ó cigarra, cantas.
No entanto, basta de intriga:
– são duas tarefas santas!
78.
Se alguém se torna importante,
por certo alguém o ajudou.
Mesmo o Amazonas, gigante,
de afluentes precisou!
79.
Ninguém se julgue o primeiro
a fazer seja o que for.
Bem antes do jardineiro,
já havia no mundo a flor!
80.
Hoje é simples ir à Lua,
fica ali… basta um voozinho…
Proeza é cruzar a rua
para abraçar o vizinho!
81.
Cidadania é civismo,
sobretudo é comunhão;
é ajuda mútua, é altruísmo,
partilha justa do pão.
82.
Grande mesmo é quem descobre
que ser grande é ser alguém
que abre espaço para o pobre
tornar-se grande também.
83.
Que alegre alívio provoca,
na alma e no coração,
o abraço que a gente troca
numa troca de perdão!
84.
Um vaga-lume, isolado,
é só uma pobre luzinha;
no entanto, aos outros somado,
clareia a roça inteirinha!
85.
Deus não vem na grande nave;
Deus não vem no furacão.
Deus vem qual brisa suave,
e entra em nosso coração!
86.
Terno, amigo e generoso,
quis Deus se configurar
no abraço do pai saudoso
no filho que volta ao lar!
87.
Deus não põe ponto final
na biografia da gente.
– Quer nossa alma, imortal,
junto à d’Ele, eternamente!
88.
A vida no mundo é um treino,
a etapa em que o Treinador
nos prepara para o reino
definitivo do amor!
90.
Quando criança eu queria
ser piloto de avião…
Fiz-me poeta, e hoje em dia
meus vôos bem mais alto vão!
90.
Olhe os poetas e as aves…
Veja que, embora não plantem,
Deus lhes retira os entraves
e apenas pede-lhes: – Cantem!
91.
Tão bela, tão generosa,
símbolo eterno da paz,
pede desculpas a rosa
pelos espinhos que traz!
92.
Se lhe derem mais apoio;
se ele vir que o bem faz bem,
tenha certeza: há de o joio
tornar-se trigo também!
93.
Com que suave ternura
tece a canária o seu ninho!
– Mãe é assim, dengosa e pura…
a nossa e a do passarinho.
94.
Hoje eu sei qual a razão
de a planta gerar a flor:
É a sua retribuição
a quantos lhe dão amor!
95.
O verbo se faz beleza:
faz-se estrela e chuva e flor;
faz chamar-se Natureza,
e nela se faz expor!
96.
Quem preza a vida divide-a,
como o cedro acolhedor
que adota por filha a orquídea,
e dá-lhe suporte e amor!
97.
Benditas sejam as vidas
que, alegres, serenas, santas,
vivem a vida envolvidas
em levar vida a outras tantas!
98.
Todos vós que estais cansados,
vinde a mim – diz o Senhor.
Vinde e vede, irmãos amados,
como é grande o meu amor!
99.
Vem vindo um tempo sem bombas,
sem tanques e sem canhões.
Falcões darão vez às pombas,
e os fuzis aos violões!
100.
Dirá Deus: “Faça-se a paz,
e todos dêem-se as mãos!”
E então, meu filho, verás
que lindo é um mundo de irmãos!

Fonte:
ASSIS, Antonio Augusto de. Tábua de trovas. Maringá – 2004.

Maria Adélia (O Conto e Suas Implicaturas)


Histórico

No que se refere às origens, o conto remonta aos tempos antigos, representado pelas narrativas orais dos povos, passando pelos gregos e romanos, lendas orientais, parábolas bíblicas, novelas medievais, pelas fábulas francesas de Esopo e La Fontaine.

A origem do conto está na transmissão oral dos fatos, no ato de contar histórias, que antecede a escrita e nos remete aos citados tempos remotos.

No Ocidente, século XIV, Canterbury Tales (As mil e uma noites), e Giovanni Bocaccio (O Decamerão), são considerados precursores deste gênero.

O ato de narrar um acontecimento oralmente evoluiu para o registro escrito desta narrativa. E o narrador também evoluiu de um simples contador de histórias para a figura de um narrador estudioso e preocupado com os aspectos-normas da língua escrita, criativos e estéticos.

O conto é um texto narrativo centrado em um relato referente a um fato ou determinado acontecimento. Sendo que este pode ser real ou fictício, ou seja, resultante da imaginação do autor.

É nos conjuntos das Revoluções Burguesas- meados da Idade Moderna [século XVIII] que o conto se consolida como literatura, nos primórdios da revolução industrial ou capitalismo industrial [iniciado na Inglaterra],quando se deu a substituição da ferramenta pelas máquinas , resultando também na criação e expansão das gráficas e tipografias.

O conto foi identificado pela primeira vez nos EUA, por volta de 1880, e denominado como Short Story.

As formas atuais do conto foram diretamente influenciadas pelos contistas clássicos, Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant e Anton Tchekóv.

Araripe Junior assim caracterizara o conto:

“O conto é sintético e monocrômico, diverso do romance que é analítico e sincrônico; desenvolve-se em tempo pretérito, como feito consumado, onde os fatos filiam-se e percorrem uma direção linear, em forma de narrativa. É uma espécie de começos de romances abortados”

Araripe destaca com rara precisão as feições primordiais do conto:- exigência de um só ambiente, sequência linear e temporalidade.

Pautando-nos nas assertivas de Araripe sobre a tríplice fundamentação do conto procede demonstrar tal argumento em um dos contos mais perfeitos de Machado de Assis:

–Um homem célere [em Várias Histórias], focando a figura de Pestana- o polquista.

A temática básica desse conto é a oposição entre vocação e ambição. Sua personagem principal, Pestana, é um famoso compositor de polcas, um estilo bastante popular de música, conhecido e louvado por todos que o cercam, mas ele vive um dilema pessoal:- odeia suas composições e toda a popularidade que elas lhe proporcionam. Seu grande sonho é produzir música erudita no nível dos grandes mestres, como Chopin, Mozart, Haydn, é “compor uma peça erudita de alta qualidade, uma sonata, uma missa, como as que admira em Beethoven ou Mozart”. A busca pela perfeição estética marca a trajetória de Pestana, que vê todas as alternativas lhe serem negadas no decorrer da vida, “aspira ao ato completo, à obra total”. No entanto, eram as polcas, sempre as polcas, que lhe vinham à cabeça durante os momentos de composição. Machado narra de forma impecável a ânsia da personagem, sua alma impotente, seu ímpeto de alçar vôos mais altos, ao desejar ser um gênio da música, mas seus sonhos não sobem, porque ele possui apenas cotos.

Ao se estudar Um Homem Célebre, a focalização, o tempo e o espaço, três importantes componentes do discurso narrativo, muito mais do que identificar os elementos desses processos, pode-se levantar sua importância na narrativa, ou seja, o efeito que as escolhas feitas pelo narrador, sobre esse três aspectos, surtiu no leitor.

Nos contos Machadianos, a brevidade, dá, por tradição, forte atenção aos elementos narrativos. Não há espaço, pois, para digressões, tudo é rápido e econômico. No entanto, no grande autor em questão o mais importante é o psicológico, o que permite caminho para características marcantes do escritor, como intertextualidade, metalinguagem e até a digressão, entre tantas, tornando a leitura muito mais saborosa.

Segundo José Oiticica:- “os caracteres do conto, foram de certa forma firmados, porém discriminados por Araripe”, convém, portanto à bem da clareza, completá-los, visto que o conto, não é uma escritura menor se comparado ao romance ou a novela.

Assim vejamos:
1. Conceito
1.1. Narração falada ou escrita de um acontecimento.
1.2. Narração de uma história ou historieta imaginadas.
1.3. Fábula

Etimologicamente, sobre a origem do termo podemos citar:

- conto vem de contar, do latim computare – inicialmente a enumeração de objetos, passou a significar metaforicamente, enumeração de acontecimentos;

-conto deriva de contu (Latim), ou do grego kóntos (extremidade da lança);

-conto tem sua origem no termo commentum (Latim), significando "invenção", "ficção".

A ambiguidade presente nas diferentes hipóteses etimológicas indica alguns dos aspectos que mencionamos como a própria abrangência do conto, sua antiguidade, sua ficcionalidade e transformações históricas.

O escritor e contista Júlio Cortázar afirma que o conto é "um gênero de difícil definição, nos seus múltiplos e antagônicos aspectos".

Segundo Nádia Battella Gotlib in “Teoria do conto”, obra pautada na impressão de vários autores, podemos afirmar que:

- o segredo do conto é promover a captura do leitor, prendendo-o num efeito que lhe permite a visão em conjunto da obra, desde que todos os elementos do conto são incorporados no texto.

Nesta apreensão ocorre entre o conto e o leitor uma força de tensão, com os elementos do conto, em que cada detalhe é significativo.

No conto o conflito dramático é teatralizado pelo narrador, em cada gesto, em cada ambiência, dentro de uma construção simétrica de um episódio, num espaço determinado.

A narrativa contempla um acidente de vida, cercado sistematicamente de um antes e de um depois, como enuncia Oiticica. O que se dá de tal forma que a ação descrita somente adaptável a este gênero e não a outro, por seu caráter de contração.

2. Brevidade

Considerando que o conto é o gênero de menor tamanho, a questão da brevidade é fundamental na sua construção.

Nas palavras de Anton Tcheckov "é preferível não dizer o suficiente a dizer demais".

Portanto, é importante limitar o número de personagens e episódios, eleger os detalhes primordiais e evitar explicações em demasia.

Economicidade nos meios narrativos: - uma fórmula para a brevidade é a máxima onde o menos é mais. Tudo que não for essencial para alcançar o efeito desejado – toda informação que não convergir para o desfecho, deve ser suprimida.

3. Intensidade

Este, outro, aspecto fundamental do conto.

Existem duas metáforas criadas por Júlio Cortázar, que definem bem o elemento intensidade:

“O conto está para a fotografia como o romance está para o cinema.”

“No conto o autor vence o leitor por nocaute, enquanto no romance a luta é vencida por pontos.”

4. Efeito

Uma narrativa só é suficientemente intensa a ponto de causar impacto no leitor se tiver unidade de efeito. Para alcançar esta unidade é preciso que o autor tenha em mente durante a construção do conto o efeito deseja causar no leitor.

5. Significante x Significado

Como na fotografia o conto necessita selecionar o significativo. Uma narrativa só se torna significativa quando transcende a história que conta abrindo-se para algo maior.

6. Tensão

A tensão é uma forma diferente de imprimir densidade à narrativa. Em vez de os fatos se desenrolarem de forma abrupta, o autor vai desvendando aos poucos o que conta, usa a técnica do suspense, adia a resolução da ação e instiga a curiosidade do leitor.

7. Temática

Pode se dizer que a temática do conto é praticamente ilimitada. Quase tudo pode ser objeto para um conto. Mas em princípio a idéia de conto está ligada aos acontecimentos. É preciso que algo aconteça, mesmo que o acontecimento seja o nada acontecer.

8. Ápice

É importante que exista algo especial na representação do recorte da vida que gera o conto, o flagrante de um determinado instante que de alguma forma interesse ao leitor. Seja pela novidade, pela surpresa, pelo inusitado, pelo cômico ou pelo trágico de uma situação.

9. Combinação

Aliar os recursos tradicionais com aqueles que vão surgindo é uma boa forma de combinar tradição e modernidade. A narrativa ganha qualidade quando mistura os acontecimentos à investigação psicológica das personagens que os vivenciam ou presenciam.

10. Desfecho

Todo o enredo deve ser elaborado para o desfecho, cada palavra deve confluir para o desenlace. Só com o desfecho sempre à vista é possível conferir a um enredo o ar de conseqüência e causalidade.

"Sem “conflito não há teatro” é uma idéia bastante difundida em dramaturgia”.

A semelhança entre a estrutura do conto e do teatro é exatamente esta, o conflito dramático, fundamental em ambas as formas. Assim como o conflito é a alma de um texto teatral, a crise é primordial na construção do conto.

Conclusão:

Concluímos, considerando que o estudo do conto é um debate sem fim, que a grande explosão criativa do conto moderno em inúmeras vertentes e autores não dilui a significância das unidades constantes. Os clássicos são clássicos porque, relidos, sempre nos oferecem bases de sustentação para o ato da escrita, e para o enriquecimento de idéias. Toda arte se alimenta da história, porém, para que o novo surja é necessário saber criar e recontar o que já foi contado, usando a alquimia infinita das ferramentas da linguagem.

Resumindo este estudo, elencamos aqui uma síntese dos elementos do conto, no que tange a sua estrutura básica.

Analiticamente, podemos considerar como implicaturas fundamentais do conto:

1. Enredo:

Circunscrito, rejeita digressões e extrapolações, exige objetividade na descrição dos fatos, ou de um enigma, onde as palavras sejam usadas de modo a suprir o estritamente necessário para se dizer dos fatos, não mais nem menos.

2. Espaço:

Restrito, palco estreito em que ocorre a ação dramática [sem nenhum ou grandes deslocamentos, prejudiciais à intensidade dramática].

3. Tempo

Curto, breve e limitado, apresentados sinteticamente, o suficiente para 'posicionar' o drama ou conflito

4. Tom

Harmonia estrutural entre as partes da narrativa, por sua unidade de objetivo rumo à unidade de impressão.

5. Personagem

Número reduzido de personagens, de caráter simples e pouco evolutivas.

6. Linguagem

Direta, admitidas metáforas de curto espectro, a linguagem, no conto, deve ser despida de abstração, de prolixidade, garantindo assim a concisão.

7. Diálogo

O dialogo é base expressiva do conto, fala direta das personagens, representada, na escrita.

8. Narração

A narração relata acontecimentos ou fatos, a ação, o movimento e o transcorrer do tempo.

9. Descrição

Caracteriza, tipifica um objeto ou personagem, no tempo e no espaço, ligeiramente.

10. Dissertação

Como exposição de idéias e pensamentos no conto a dissertação, deve ser minimizada.

11. Focos Narrativos

O escritor–narrador "vê" e "sabe" tudo; mas deve manter distância ao extremo, visto que no conto ele é apenas um figurante ou observador, não faz parte do núcleo dramático, é um espectador da trama.

Para escrever um conto, o autor além de um leitor assíduo, um estudioso das normas e cânones lingüísticos, deve ser um observador atento dos fatos e ocorrências do cotidiano, pois o conto tem seu nascedouro nas ocorrências do viver, oriundas dos fatos reais, ou imaginários, que o olhar sobre a vida propicia.
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Maria Adélia é mineira de Juiz de Fora, orientadora educacional, concluíu diversos cursos de extensão em Teoria Literária , livre pensadora, articulista de jornais estudantis, e ensaista da Teologia da Libertação em vários grupos da Renovação Carismática.

Fonte:
http://literaciacentrodeestudos.blogspot.com/