sábado, 25 de dezembro de 2010

Monteiro Lobato (1882 - 1948)


Autobiografia

Nasceu em Taubaté, aos 18 de abril de... 1884 (na verdade 1882). Mamou até 87. Falou tarde, e ouviu pela primeira vez, aos 5 anos, um célebre ditado: "Cavalo pangaré/Mulher que... em pé/Gente de Taubaté/ Dominus libera mé".
Concordou.

Depois, teve caxumba aos 9 anos. Sarampo aos 10. Tosse comprida aos 11. Primeiras espinhas aos 15.

Gostava de livros. Leu o Carlos Magno e os doze pares de França, o Robinson Crusoé, e todo o Júlio Verne.

Metido em colégio, foi um aluno nem bom nem mau - apagado. Tomou bomba em exame de português, dada pelo Freire. Insistiu. Formou-se em Direito, com um simplesmente no 4º ano - merecidíssimo. Foi promotor em Areias, mas não promover coisa nenhuma. Não tinha jeito para a chicana e abandonou o anel de rubi (que nunca usou no dedo, aliás).

Fez-se fazendeiro. Gramou café a 4,200 a arroba e feijão a 4.000 o alqueire.

Convenceu-se a tempo que isso de ser produtor é sinônimo de ser imbecil e mudou de classe. Passou ao paraíso dos intermediários. Fez-se negociante, matriculadíssimo. Começou editando a si próprio e acabou editando aos outros.

Escreveu umas tantas lorotas que se vendem - Urupês, gênero de grande saída, Cidades mortas, Idéias de Jeca Tatu, subprodutos, Problema vital, Negrinha, Narizinho. Pretende publicar ainda um romance sensacional que começa por um tiro:

- Pum! E o infame cai redondamente morto...

Nesse romance introduzirá uma novidade de grande alcance, qual seja, a de suprimir todos os pedaços que o leitor pula.

Particularidades: não faz nem entende de versos, nem tentou o raid a Buenos Aires.

Físico: lindo!
Autobiografia por Monteiro Lobato
A Novela Semanal, São Paulo, nº 1, 2 de maio 1921

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MAIS DO QUE PRODUZIR LIVROS PARA CRIANÇAS, MONTEIRO LOBATO DIALOGAVA COM AS CRIANÇAS.

Monteiro Lobato foi uma criança diferente dos outros garotos de sua geração. A cara enfiada nos livros e os olhos brilhantes a enxergar para muito além da janela do quarto denunciava uma mente irrequieta e fértil imaginação. Seu espaço preferido era a biblioteca do Visconde, na casa da Rua XV de Novembro em Taubaté, onde passava horas folheando revistas ilustradas e aventurando-se nos clássicos da literatura. Mas nem por isso deixou de participar da vida da fazenda, nem de conviver com a população interiorana, seus costumes e suas crenças.

Em 1920 quando seu amigo Hilário Tácito contou-lhe a estória de um peixinho que morreu afogado porque desaprendeu a nadar, Lobato a transformou num pequeno conto que é sua estréia no mundo do faz-de-conta. Lobato reaviva suas lembranças dos tempos de menino, repletas de cenas da roça onde passara a infância. E, assim inspirado, lança a primeira versão de A menina do narizinho arrebitado, narrando as peripécias de uma avó, sua neta órfã, Lúcia, e a inseparável boneca de pano, Emília, além da negra tia Anastácia.

A partir daí Lobato realiza sua vocação de comunicador incomparável na fecunda produção de obras para o público infanto-juvenil.

Procurando a melhor forma de se comunicar com as crianças, Lobato escrevia a seu amigo Rangel: Mando-te o Narizinho escolar. Quero tua impressão de professor acostumado a lidar com crianças. Experimente nalgumas, a ver se interessa. Só procuro isso: que interesse às crianças.

Militante da causa do progresso, Monteiro Lobato percebeu que só através dos jovens seria possível apressar a modificação do mundo. No cenário do sítio da dona Benta fazia transcorrer o Brasil de seus sonhos: democrático, sem opressão, capaz de construir uma grande Nação.

E o fez opondo-se ao conceito de que crianças eram adultos reduzidos em idade e estatura, embora com a mesma psicologia. "A criança é um ser onde a imaginação predomina em absoluto", defendia. "O meio de interessá-la é falar-lhe à imaginação". "Escrever para crianças! - exclamou em resposta a um repórter – é admirável... Elas não têm malícia, aceitam tudo, tudo compreendem”.

Captando a lógica e a estrutura do pensamento infantil, Lobato falava não para elas, mas como e no lugar delas. Por isso, pelas suas mãos o aprendizado virava brincadeira séria e as lições escolares mais difíceis – em geral ministradas através de métodos e mestres antiquados – ficavam claras e acessíveis.

Misturando sonho e realidade, Lobato conquistava os pequenos fãs, que logo passavam a dividir com ele o universo em que tudo era possível – bastava usar um pouco de imaginação. Ingrediente que não faltava nas centenas de cartas remetidas por crianças de todas as idades e de todos os cantos do País.

Recebia montanhas de cartas e respondia a todas, tratando as crianças como interlocutores competentes. Não se esquivava de discutir temas como saúde, religião ou política. Além disso, estimulava a atividade literária dos seus leitores, encorajando-os a desenvolver enredos e histórias, ou analisando criticamente sua produção.

De 1920 a 1947 lançou 22 títulos que até hoje continuam a ser editados:

Ficção
Reinações de Narizinho
Viagem ao Céu
O Saci
As Caçadas de Pedrinho
Memórias de Emília
O Poço do Visconde
O Picapau Amarelo
A Reforma da Natureza
O Minotauro
A Chave do Tamanho
Os 12 Trabalhos de Hércules
História do Mundo para Crianças
Emília no País da Gramática
Aritmética da Emília
Geografia de Dona Benta
Serões de Dona Benta
História das Invenções

Adaptações
Hans Staden
Peter Pan
Don Quixote das Crianças
Histórias de Tia Nastácia
Fábulas

Toda obra literária de Monteiro Lobato tem uma forte conotação política. Mesmo naquelas de pura fábula, é política a intenção e a motivação do autor. Como jornalista e como editor todo seu trabalho foi pautado por sua vocação político-libertária. Sem filiar-se oficialmente a organizações ou partidos políticos, Lobato sempre esteve presente nos debates sobre os problemas nacionais e nunca deixou de opinar sobre os assuntos que afetavam a vida do País.

Sua idéia de Brasil nação instiga seu inconformismo com o desenraizamento cultural. Ataca os modismos importados que nada têm a ver com a realidade e propunha pelo resgate do elemento nativo brasileiro de rica tradição. Nessa mesma linha denuncia a agressão que se faz ao nosso idioma adotando vocábulos estrangeiros por simples espírito de imitação.

Nas diversas cruzadas e causas públicas em que se engajaria ao longo da vida – contra a ditadura de Bernardes primeiro, depois a de Vargas, em defesa do voto secreto -, Monteiro Lobato sonhava transformar o Brasil em uma nação próspera cujo povo pudesse desfrutar os benefícios gerados pelo progresso e desenvolvimento. Com essa perspectiva já na fazenda Buquira, que herda do avô, tentou implantar novos métodos de criação e produção agrícola, incentivando ainda as campanhas de saneamento.

Para Lobato, o atraso do país só seria superado pelo trabalho racional e aposta na modernização. Sua luta pela adoção de processo científicos em todos os níveis da atividade humana encontrou a síntese em Henry Ford que ele traduz em seu personagem Mr. Slang, que rebate as críticas dos céticos que culpam a índole do povo pelo atraso do país.

Ferro e petróleo

Certo de que transformaria seu país em uma nação produtiva, eficiente e rica, Monteiro Lobato abandona temporariamente a literatura e a atividade de editor e livreiro, a que se havia dedicado consciente da importância do poder da comunicação, para vivenciar experiências no mundo da indústria e dos negócios.
"O solo, a superfície, apenas permite a subsistência. O enriquecimento vem de baixo. Vem do subsolo". Entretanto, não bastava explorar as riquezas. Era preciso que o país usufruísse delas. Trabalha para iniciar a produção do ferro com metodologia moderna recém patenteada nos Estados Unidos, utilizando recursos naturais disponíveis no País, tais como a palha do café e o xisto betuminoso.

Os relatórios que envia de Nova York, onde ocupou o posto de adido cultural no consulado brasileiro, são eivados de oportunas observações sobre formas de criar alternativas de exportação de produtos brasileiros. As longas cartas enviadas posteriormente ao presidente Vargas são verdadeiras plataformas desenvolvimentistas e nacionalistas.

Decidido a convencer o povo brasileiro da importância dos empreendimentos petrolíferos, Lobato alimenta debates pela imprensa e realiza palestras. Prega a necessidade da independência econômica e aponta o caminho para alcançá-la. "Conferências sobre o petróleo constituem novidade absoluta. Conferências de negócio1 Para promover a venda de ações duma companhia! Para levantar dinheiro!"

Num auditório abarrotado em Belo Horizonte, Lobato resume: "Compreendi ser o petróleo a grande coisa, a coisa máxima para o Brasil, a única força com elementos capazes de arrancar o gigante do seu berço de ufanias”.

Lançada em 1931, sua Companhia Petróleos do Brasil tem a metade das ações subscritas em quatro dias. Satisfeito com os primeiros resultados percorre o país divulgando o andamento das últimas descobertas.

Ao mesmo tempo em que reclama dos entraves e da burocracia do Ministério da Agricultura que dificultavam as atividades da sua companhia denuncia, em documento enviado a Vargas, as manobras da Standard Oil para assenhorar-se dos melhores lençóis petrolíferos brasileiros através da filial argentina.

Em 1936, a sonda de Alagoas da Cia. Petróleos Nacional sofre intervenção federal e é interditada. Lobato resiste, consegue levantar alguns recursos e finalmente, a 250 metros de profundidade vê irromper o primeiro jato de gás de petróleo do poço São João, em Riacho Doce, em Alagoas.

Numa jogada estratégica, em 1935, lança pela Cia. Editora Nacional: “A luta pelo petróleo", de Essad Bey, que denuncia a ineficiência do Serviço Geológico, órgão oficial encarregado das pesquisas, a quem acusa de encampar internamente a política dos trustes internacionais para o Brasil: "não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire".

Em 1936 lança "O escândalo do Petróleo" que teve duas edições esgotadas em menos de um mês. Convencido de que os trustes tudo fariam para sabotar o petróleo brasileiro, na página de rosto do livro Lobato conclama os militares a assumir sua parcela de responsabilidade na questão da soberania nacional: "Se não ter petróleo é inanir-se economicamente, militarmente é suicidar-se”. Apesar de todos os reveses, Lobato e seus companheiros persistem e, em julho de 1938, realizam a assembléia de constituição da Companhia Matogrossense de Petróleo, com objetivo de perfurar em Porto Esperança, em Mato Grosso, região com a mesma estrutura geológica da Bolívia que estava produzindo óleo de qualidade.

Em março de 1938, Lobato, em carta a Getúlio, ressalta que as novas diretrizes do Departamento Nacional da Produção Mineral representam um golpe de morte para o petróleo no país e exorta: "Pelo amor de Deus, e do Brasil, não preste sua mão generosa à mais cruel e mesquinha obra de vingança pessoal, disfarçada em sublime nacionalismo."

No dia 20 de março de 1941 é preso subitamente em São Paulo, segundo a agência norte-americana Overseas News Agency, "vítima de intensa campanha de militares brasileiros e outros elementos pró-nazismo, que combatem os elementos democráticos e anglófilos do país".

Impedido de receber visitas, conversar com outros detentos ou tomar sol no pátio, conta em carta a Purezinha, sua esposa, a vida em prisão. "É a gente sozinho com o pensamento, e nunca o pensamento trabalha tanto. Mas de tanto trabalhar acaba girando num círculo"... Última peça do inquérito policial, o relatório encerrado em 1º de fevereiro, salienta que "ficou provado à saciedade que o Dr. José Bento Monteiro Lobato ... procura com notável persistência desmoralizar o Conselho Nacional do Petróleo, sem contudo apresentar qualquer prova de suas acusações”.

Em 1950, inspirados no exemplo de Monteiro Lobato, os partidos políticos de esquerda e os movimentos sociais lançam a campanha de rua em defesa do Petróleo. A campanha "O Petróleo é nosso", empolga o país e servirá de pretexto para que o Congresso Nacional aprove a legislação sobre o Petróleo que, na última hora, recebeu uma emenda que criou o monopólio da Petrobrás.
Carta a Purezinha

À sua esposa, Pureza Monteiro Lobato, da prisão política de São Paulo em março de 1941

Purezinha
Só contarei o que é a vida em prisão. É a gente sozinho com o pensamento e nunca o pensamento trabalha tanto. Mas de tanto trabalhar acaba girando num círculo, isto é, volta sempre às mesmas coisas. Os pontos que formam o círculo do nosso pensamento, ou as estações em que o pensamento pára, para pensar sempre a mesma coisa, são – 1º você. Penso em V. com uma ternura imensa e um imenso dó, e culpo-me de um milhão de coisas. Meu dever era só cuidar da tua felicidade, Purezinha, e no entanto passei a vida a te contrariar e a fazer asneiras que tanto nos estragaram a vida. Se eu tivesse ouvido em negócios, minha situação seria hoje de milionário. Não ouvi, nem sequer te consultei, e o resultado foi desastroso. Cheguei até à prisão!

Depois de pensar e repensar em você e de convencer-me que apesar de todas as aparências, e da nossa eterna divergência, é você a única pessoa que eu amo no mundo, pulo para outra estação. Há a estação da Morte, penso na sobrevivência, no Além, em promessas do espiritismo, etc. Penso em Guilherme (filho do escritor falecido aos 24 anos de idade) e Heitor (Heitor de Morais) e acho-os tremendamente felizes por já terem morrido, isto é, feito uma coisa que nós ainda vamos fazer. Depois penso no meu caso – na vingança que os homens de cima que eu insultei hão de querer tirar de mim. Que tolice dar soco em faca de ponta! Espetei a mão a faca ficou no que era. Meu soco não a quebrou.

A vida aqui me tem feito pensa no horror que V. sempre teve pela prisão, pela condenação do homem ao confinamento por anos e anos. Agora vejo como, sem Ter experiência própria, V. adivinhou o certo. Não há castigo maior. Mil vezes a cadeira elétrica ou a forca – dores de um momento.

Estou preso há quase três dias e já me parecem três séculos. As horas têm 60.000 minutos. As noites não têm fim. Sou obrigado a não fazer nada de nada. Não há o que ler – nem jornais. E a incomunicabilidade em que estou, agrava tudo, porque me isola completamente do mundo exterior. Não posso falar com ninguém, nem comunicar-me com ninguém.

Imagine agora o meu prazer quando ontem recebi um pacote. Abri e vi logo você ali – ceroulas, lenços, meias, pijama novo e aspirina. Que presente, Purezinha! Como qualquer coisinha é todo um mundo para quem está sem nada! Repeti mil vezes o teu nome, e hoje de manhã, ao acordar e ver em cima da mesa as coisas, peguei nas meias e beijei-as... Imagine agora a que fica reduzida uma criatura depois de anos de prisão se eu só com dois dias já estou assim.

Foi o primeiro contacto com o mundo externo, esse presente que V. m mandou. Que alegria imensa me causou! Foi o mesmo que receber a tua visita.

Tratam-me muito bem aqui. Os guardas e diretores são pessoas delicadíssimas; que vêm ver-me todos os dias e conversar. Estou num "apartamento" otimozinho, com um banheiro de primeira ordem, com lavatório, bidê, privada e banheiro novinho com água quente. Sou servido no quarto pelo João, um mulato que está preso há já três meses. Cinco refeições, imagine! Para eu que só azia três. Café com leite, pão e manteiga às 7 h. Almoço com seis pratos às 11, chá mate, pão e manteiga às 2. Jantar às 5 e chá à noite. Creio que vou engordar. Mas o que mais me dói é não Ter o que ler, nem o que fazer – eu com tanto trabalho em andamento aí em casa! Quem me dera pilhar a tradução a Gulnara (Gulnara Monteiro Lobato, nora e sobrinha de Monteiro Lobato) para corrigir! E o febrezinho de Edgard? (Edgar Monteiro Lobato, então doente dos pulmões) Como vai ele? Febre ainda? Como eu prejudiquei aquele menino – como eu prejudiquei a vocês todos, minha cara Purezinha! E agora, no fim de dez anos de lutas, dou de presente a vocês o que meu Deus! A minha prisão – mais amargura para você, mais sofrimento...

O Ernâni, aquele em cuja casa você esteve anteontem mostrou-se muito camarada. Pedi-lhe que telefonasse a você ontem e agora o espero ansioso para saber se telefonou. Ele entra em serviço às 9 horas, um dia sim, um dia não. São 8. Daqui a uma hora saberei se ele conversou com você. Adeus, minha querida, minha cada vez mais querida Purezinha. Um apertadíssimo abraço, e outro em Rute (Rute Monteiro Lobato, filha do escritor) e Edgard. Coragem aí, que cá do meu lado é o que não falta.

Estou escrevendo por escrever, para dar vazão aos sentimentos, porque não há jeito de fazer este papel chegar a você.

Incomunicável! Agora compreendo o horror desta palavra
Juca.

Monteiro Lobato nunca escondeu sua paixão pela pintura. Se não lhe foi possível seguir a carreira de artista plástico, tampouco deu para abafar o impulso criativo que despontou à frente da vocação literária, antecedendo, inclusive, o domínio da própria linguagem.

Começou seus rabiscos ainda na infância. Gostaria de se matricular na Escola de Belas Artes, mas, por imposição do avô materno, que assumira sua tutela após a morte dos pais, entra para a Academia de Direito com dezoito anos incompletos. Tornar-se pintor seria talvez o único sonho descartado em toda a sua vida.

Na Faculdade de Direito, Lobato dava vazão à veia artística no quartinho do chalé avarandado onde morava no Largo do Palácio. Teria virado pintor, mandado às favas o curso de Direito não fosse um incidente com uma caixa de aquarelas, comprada como tinta a óleo: "A vergonha daquela rata matou em mim todas as veleidades pictóricas. Como pretende ser pintor um imbecil que nem distingue aquarela de óleo? "Desistindo de uma arte, caiu nos braços de outra. Fez-se escritor, em uma transposição vocacional que se reflete por toda sua obra.

Quando ponderava sobre sua vocação artística, Lobato admitia uma espécie de saudade do que poderia ter sido, se houvesse optado pela pintura. "No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério ... arranjei este derivativo de literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras. Minha impressão dominante é puramente visual".

Tão severo consigo mesmo que, embora pintando e desenhando sem cessar, jamais pretendeu expor seus trabalhos, guardados com carinho em um enorme baú de jacarandá entalhado. Em 1909 chegou a participar de um concurso de cartazes, realizado no Rio de Janeiro, e também colaborou com ilustrações para algumas revistas, como Fon-Fon e Vida Moderna. Ele mesmo fez as ilustrações para a primeira edição de Urupês.

Pintou até os últimos dias de vida – preferencialmente aquarelas – e impregnou suas histórias de coloridos e formas, como se fossem quadros.

Monteiro Lobato vivia permanentemente preocupado com revelar um Brasil desconhecido a que os intelectuais brasileiros davam as costas. Essa preocupação aliada à necessidade compulsiva de se comunicar - comunicar-se com o próximo, comunicar-se com o mundo - levaram-no ao jornalismo. Seu espírito empreendedor e a necessidade de liberdade absoluta para se expressar transformou o jornalista no empresário editor que revolucionou o mercado de livros no Brasil.

"O escritor confundia-se com o jornalista, o homem de imprensa virava publicista e ambos lançavam mão dos meios de comunicação da época - o livro, jornal e a revista - para tentar despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo".

Monteiro Lobato é o protótipo do nacionalista de seu tempo, defensor de um nacionalismo que, em todos os tempos, tem sido indispensável para forjar uma nação.

Como escritor, editor ou empresário ele é um homem preocupado com seu país e um arguto crítico social. É esse seu caráter que vai projetá-lo internacionalmente.

Suas obras, de grande repercussão no País, repercutem também nos países vizinhos. Empresário de visão, ele sabe que o mercado de língua espanhola é grande e esteve sempre tentado lançar coisas nossas, traduzidas. Seu sonho como escritor é lançar um livro nos Estados Unidos, mercado para edições de um milhão de exemplares.

Em 1919, pretendeu, sem êxito, estender a Revista do Brasil a Buenos Aires. Em 1921 inicia colaboração com a revista argentina La Novela Semanal; a editora Pátria, de Buenos Aires, lança com sucesso Urupês, em tradução de Benjamin de Garay. Em 1923, uma coletânea de contos é lançada na Espanha, em 1924 outra coletânea é publicada na Argentina. No ano seguinte, quatro contos vertidos para o inglês são publicados nos Estados Unidos. Nessa época também colabora com as revistas francesas La Revue de L'Amerique Latine e La Revue Nouvelle.

Em 1926, Lobato se entusiasma com as idéias e a ações de Henry Ford e começa a publicar uma série de artigos difundindo essas idéias na imprensa carioca, particularmente em O Jornal. Ele acha que ao contrário dos idealistas utópicos, Ford é o idealista orgânico - "o gênio que em 20 anos tornara-se o homem mais rico de todos os tempos", exemplo que ele quer ver seguido no Brasil. Em seu livro Mr Slang, lançado em 1927, traça um paralelo entre o Brasil e Estados Unidos e reafirma sua crença de que o Brasil pode repetir a façanha do grande desenvolvimento daquele país.

Ainda em 1927, é nomeado por Washington Luís adido comercial interino ao consulado do Brasil em Nova Iorque. Sua permanência nos Estados Unidos confirma o que ele arquitetava para seu país, inspirado no fordismo. Contribui também para modernizar seu pensamento e lhe dá coragem para os passos mais arrojados que mais tarde daria como empresário, lançando-se na busca do petróleo e na transformação do minério do ferro.

REINAÇÕES DE NARIZINHO
O livro-mater, a locomotiva do comboio, o puxa-fila. A história começa. Aparecem Narizinho, Pedrinho, Emília, o visconde, Rabicó, Quindim, Nastácia, o Burro Falante... e o milagre do estilo de Monteiro Lobato vai tramando uma série infinita de cenas e aventuras em que a realidade e a fantasia, tratadas pela sua poderosa imaginação, se misturam de maneira inextricável - tal qual se dá normalmente na cabeça das crianças. O encanto que as crianças encontram nestas histórias vem sobretudo disso: são como se elas próprias as estivessem compondo em sua imaginativa, e na língua que todos falamos nesta terra - não em nenhuma língua artificial e artificiosa, mais produto da "literatura" do que da espontaneidade natural. - Volume com 312 páginas

VIAGEM AO CÉU E O SACI
Pedrinho consegue obter uma boa dose do pó de pirlimpimpim, o pó mágico que transporta as criaturas a qualquer ponto do Espaço e a qualquer momento do Tempo - e distribuindo pitadas a Narizinho, Emília, o visconde, Nastácia e o Burro Falante, empreende a viagem ao céu astronômico. Vão parar na lua, onde tia Nastácia fica como cozinheira de S. Jorge, enquanto os outros visitam Marte e Saturno e a Via Láctea, na qual encontram o Anjinho de Asa Quebrada. Enquanto brincam no éter, vão aprendendo sólidas noções de astronomia - só voltam de lá quando dona Benta os chama com um bom berro: "já pra baixo, cambada!".

Na Segunda parte, O Saci, desenvolve-se a estranha aventura que teve Pedrinho com um saci que conseguiu pegar com a peneira e conservar preso numa garrafa. O diabinho de uma perna só proporciona ao garoto ensejo de conhecer a vida noturna e fantástica das matas - com visões da Mula Sem Cabeça, da Caapora, do Lobisomem, do Boitatá, e das principais criações mitológicas do nosso folclore. - Volume com 275 páginas.

CAÇADAS DE PEDRINHO E HANS STADEN
Neste volume Pedrinho organiza uma caçada de onça e sai vitorioso como também sai vitorioso do ataque das onças e outros animais de presa ao sítio de dona Benta. Depois encontra um rinoceronte, fugido de um circo do Rio, que se refugiara naquelas matas - um animal pacatíssimo e de bastante ilustração, do qual Emília tomou conta, depois de batizá-lo de Quindim.

Completa o volume a narrativa feita por dona Benta das celebres Aventuras de Hans Staden. Este aventureiro alemão veio ao Brasil em 1559 e esteve nove meses prisioneiro dos tupinambás, a assistir cenas de antropofagia e à espera de ser devorado de um momento para outro. Mas salva-se. Volta para a Alemanha e lá publica o seu livro: o primeiro que aparece com cenário brasileiro e um dos mais pungentes e vivos de todas as literaturas. - Volume com 144 páginas.

HISTÓRIA DO MUNDO PARA CRIANÇAS
Este livro de Monteiro Lobato teve uma aceitação excepcional, estando já a caminho de 200.000 exemplares. Nele o autor dá um apanhado da evolução humana, e da história da humanidade no planeta, na seriação clássica de todas as "histórias universais" - mas escrita de modo extremamente atrativo, como um verdadeiro romance policial posto em nível infantil. As crianças lêem avidamente este livro, como lêem as histórias da carochinha, e desse modo criam uma história da civilização. E os pais também lucram imensamente com a leitura deste livro; dum certo modo podemos dizer que o que o grosso da nossa população sabe de história é o que Monteiro Lobato conta em sua exposição para as crianças ... - Volume com 313 páginas.

MEMÓRIAS DA EMÍLIA E PETER PAN
Emília, a terrível Emília, resolve escrever Memórias e as escreve com as unhas do visconde. Nelas vem o episódio, tão vivo e interessante da visita das crianças inglesas ao sítio de dona Benta, trazidas pelo velho almirante Brown. Vieram para conhecer o Anjinho de Asa Quebrada, que Emília descobre na Via Láctea, durante a Viagem ao Céu. Emília conta tudo - o que houve e o que não houve; e vai dando as suas ideiasinhas sobre tudo - ou a sua filosofia, que muitas vezes faz dona Benta olhar para tia Nastácia, e murmurar: "Já viu, que diabinha?".

Na Segunda parte, Peter Pan, dona Benta recebe o famoso livro de Sir John Barrie, Peter Pan and Wendy e o lê da sua moda para as crianças. Durante a leitura, a espaços interrompidos de cenas provocadas pelos meninos e, sobretudo, pela Emília, ocorre o caso do desaparecimento da sombra da tia Nastácia. Quem furtou a sombra da pobre negra? O visconde é posto a investigar, e como é um excelente Sherlock, descobre tudo: artes da Emília... - Volume com 247 páginas.

EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA E ARITMÉTICA DA EMÍLIA
Temos aqui uma das obras primas de Monteiro Lobato, e o mais original de quantos livros se escreveram até hoje. Lobato figura a língua como uma cidade, a cidade da Gramática, e leva para lá o pessoalzinho do sítio, montado no rinoceronte. E é este paciente paquiderme o gramático que tudo mostra e explica. Há a entrevista de Emília com o venerando Verbo Ser, que é uma pura criação. E a reforma ortográfica, que Emília opera à força, com o rinoceronte ali ao seu lado para sustentar suas decisões, constitui um episódio que não só encanta as crianças pela fabulação como ensina de modo indelével as principais regras da ortografia.

Na Aritmética da Emília, Monteiro Lobato usa do mesmo sistema e consegue, numa matéria tão árida como a aritmética, transformar o velho Trajano numa linda brincadeira no pomar. O quadro negro em que faziam contas a giz era o couro do Quindim... Volume com 302 páginas.

GEOGRAFIA DA DONA BENTA
Em vez de estudar geografia nos livros, como fazem todas as crianças, o pessoalzinho do sítio embarca no "O terror dos Mares" e sai pelo mundo afora, a "viver" geografia. E a geografia, aquele estudo penoso e tão sem graça, se torna uma aventura linda, com paradas em inúmeros portos e descidas em terra para ver as coisas mais notáveis de todos os países. É brincadeira das mais divertidas e é um preciosíssimo curso de geografia, porque as noções desse modo adquiridas ficam para sempre - não são esquecidas nunca. - Volume com 261 páginas.

SERÕES DA DONA BENTA
Um certo dia dona Benta resolve ensinar física aos meninos e em vários serões faz um verdadeiro curso de física, melhor que quanto é feito, penosamente, nos ginásios. A física perde a sua secura. Os diálogos, os incidentes, as constantes perguntas dos meninos - e as constantes perguntas dos meninos - e as ocasionais maluquices da Emília, amenizam a matéria. Trata-se de um livro para meninos aí de seus 12 anos, já em idade ginasial, e que se tem revelado preciosíssimo auxiliar dos compêndios oficiais. - Volume com 352 páginas.

D. QUIXOTE DAS CRIANÇAS
As arqui-famosas aventuras de D. Quixote de la Mancha e de seu gordo escudeiro Sancho aparecem aqui contadas por dona Benta, naquele seu modo de contar que é só dela. Emília entusiasma-se com o herói e em certo momento resolve imitá-lo - e armada dum cabo de vassoura, feito lança, investe contra as galinhas do quintal. E faz que tia Nastácia teve que agarrá-la e prendê-la numa gaiola, como aconteceu com o herói da Mancha na sua loucura... - Volume com 239 páginas.

O POÇO DO VISCONDE
Um precioso livro em que a geologia, sobretudo a geologia especial do petróleo, é exposta ao vivo e com profundo conhecimento da matéria. O visconde vira geólogo, preleciona, ensina a teoria e depois passa à prática; abertura de poços de petróleo nas terras do sítio de dona Benta. E tão bem são conduzidos os estudos geológicos e geofísicos, que a Companhia Donabentense de Petróleo, por eles fundada, consegue abrir o primeiro poço de petróleo do Brasil: o Caraminguá nº 1. - Volume com 253 páginas.

HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA
São as histórias mais populares do nosso folclore, contadas por tia Nastácia e comentadas pelos meninos. Nesses comentários, no fim de cada história, Pedrinho, Narizinho e Emília se revelam bem dotados de senso crítico, e "julgam" as histórias da negra com muito critério e segurança. É um livro que "ensina" a arte da crítica - coisa que pela primeira vez um escritor procura inocular nas crianças. - Volume com 226 páginas.

O PICAPAU AMARELO E A REFORMA DA NATUREZA
Dona Benta adquire todas as terras em redor do sítio para atender a uma coisa prodigiosa: a resolução que os personagens da fábula tomaram de irem morar lá. Branca de Neve com os sete anões, D. Quixote e Sancho, Peter Pan e os meninos perdidos do País do Nunca, a Gata Borralheira, todas as princesas e príncipes encantados das histórias da carochinha, os heróis da mitologia grega, tudo, tudo que é criação da Fábula muda-se com armas e bagagens para o Picapau Amarelo, levando os castelos, os palácios, as casinhas mimosas como a de Capinha Vermelha e até os mares. Peter Pan transporta pra lá até o Mar dos Piratas. Acontecem maravilhas; mas no casamento de Branca de Neve com o príncipe Codadad, o maravilhoso sítio é assaltado pelos monstros da fábula - e no tumulto que houve tia Nastácia desaparece... - Volume com 295 páginas.

O MINOTAURO
Neste livro desenrolam-se as aventuras de Pedrinho, do visconde e da Emília na Grécia Heróica, para onde foram em procura de tia Nastácia. Acontecem mil coisas, e afinal descobrem o paradeiro da negra, graças à ajuda do Oráculo de Delfos. Estava presa no Labirinto de Creta, nas unhas do Minotauro! Mas tia Nastácia já havia domesticado esse monstro, à força de bolinhos e quitutes; deixara-o tão gordo que os meninos puderam entrar no Labirinto e salvá-la sem que ele, espaçado no trono, pensasse em reagir... - Volume com 255 páginas.

A CHAVE DO TAMANHO
O mais original dos livros de Monteiro Lobato. Emília, furiosa com a duração da guerra, resolve acabar com a guerra. Como? Indo Ter à Casa das Chaves, lá nos confins do mundo, e "virando" a Chave da Guerra. Mas comete um erro e em vez da Chave da Guerra vira a Chave do Tamanho, isto é, a chave que regula o tamanho das criaturas humanas. Em conseqüência, subitamente todas as criaturas humanas do mundo inteiro "perdem o tamanho", ficam de dois, três centímetros de estatura - e Lobato conta o que se seguiu. Trata-se de um livro rigorosamente lógico, e que inocula nas crianças o senso da relatividade de todas as coisas. - Volume com 200 páginas.

FÁBULAS
Neste livro Monteiro Lobato reescreve as velhas fábulas de Esopo e La Fontaine, mas comentadamente. A novidade do livro está nestes comentários, em que as fábulas são criticadas com a maior independência - e Emília chega a ponto de "querer linchar" uma delas, cuja lição de moral lhe pareceu muito cruel. Um livro encantador, em que o gênio dos velhos fabulistas é singularmente realçado pelos diálogos entre os meninos, que a inventiva de Monteiro Lobato vai criando com a maior agudeza e frescura. - Volume com 300 páginas.

OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES
Pela primeira vez em todas as literaturas os famosíssimos Trabalhos de Hércules - o mais belo romance fantástico da Antigüidade Clássica - aparece desenvolvido à moderna - e vivificado pela colaboração de Pedrinho, Emília e o visconde de Sabugosa. Esses três heroisinhos modernos penetram na Grécia Heróica a fim de acompanhar as façanhas de Hércules - e acompanham-nas, nelas tomando parte e muitas vezes salvando o grande herói. Do decorrer das aventuras ressalta a lição moral da superioridade da inteligência espontânea, viva como azougue e sempre vitoriosa. Livro que é um encanto para as crianças e para todos os adultos de bom gosto. 2 tomos com 584 páginas.

URUPÊS
Esse livro de contos, considerado por muito como a obra-prima de Monteiro Lobato, tornou-se um clássico da literatura brasileira. É um fenômeno sem precedente que provoca um terremoto literário, outro sociológico e outro político. A primeira edição, lançada em 1918 foi toda ilustrada pelo próprio Lobato.

Junto com Saci, constitui a primeira experiência e também o primeiro êxito editorial de Lobato, financiada com recursos próprios.

A terceira edição, em 1919, esgotou-se rapidamente devido a uma longa referência ao personagem central do livro feita por Rui Barbosa, o que ensejou uma quarta edição. Lobato brinca com o idioma, adota o vocabulário doméstico do interior de São Paulo, cria palavras novas - como por exemplo, "matracolejando gargalhadas" - muitas das quais estão hoje nos dicionários. São vários contos retratando aspectos da realidade brasileira nos quais denuncia, numa linguagem vigorosa, o drama da exclusão social que ainda persiste no Brasil pós Lobato. Velha Praga é uma reportagem sobre os grandes incêndios produzindo estragos na lavoura e na economia do País comparáveis a uma grande guerra. Buscando culpa refere-se ao nosso caboclo como "funesto parasita da terra... inadaptável à civilização". Em Urupês ele contrapõe aos heróis da literatura indigenista o caboclo, o pobre Jeca Tatu, indiferente ao desenvolvimento do País. O livro provocou muita polêmica por seu conteúdo racista. Lobato mais tarde reconheceu que o retrato do caboclo era injusto, que a culpa não era do Jeca, mas sim daqueles responsáveis pela sua miséria e abandono.

Contos:

Os faroleiros - O engraçado arrependido - A colcha de retalhos - A vingança da peroba - Um suplício moderno - Meu conto de Maupassant - Pollice verso - Bucólica - O mata-pau - Boca torta - O comprador de fazendas - O estigma - Velha Praga - Urupês

CIDADES MORTAS
Foi publicado originalmente em 1919 numa edição da Revista do Brasil. Reúne os primeiros escritos de Lobato, ainda estudante em Taubaté, e contos que escreveu antes de seguir para os Estados Unidos para ocupar um posto no Consulado brasileiro em Nova Iorque. Mostra o Brasil de duas épocas, porém com os mesmos problemas, onde os políticos não têm a menor preocupação social.
Nos contos transparece a transição na agricultura brasileira provocada pela grande crise do café ocorrida em 1929. É um retrato bem nítido do que era São Paulo nos anos 20.

Contos:

Cidades mortas - A vida em Oblivion - Os perturbadores do silêncio - Vidinha ociosa - Cavalinhos - Noite de São João - O pito do reverendo - Pedro Pichorra - Cabelos compridos - O resto de onça - Porque Lopes se casou - Júri na roça - Gens ennuyeux - O fígado indiscreto - O plágio - O romance do Chopin - O luzeiro agrícola - A cruz de ouro - De como quebrei a cabeça à mulher do Melo - O espião alemão - Café! Café! - Toque outra - Um homem de consciência - Anta que berra - O avô do Crispim - Era no Paraíso - Um homem honesto - O rapto - A nuvem de gafanhotos - Tragédia dum capão de pintos.

NEGRINHA
Muitos consideram que neste livro estão os melhores contos escritos por Lobato. Sem dúvida são os mais emotivos e que mais agradaram ao público. Alguns contos foram escritos antes de sua viagem aos Estados Unidos, outros depois do retorno. O livro contém verdadeiras preciosidades no tratamento do idioma e os personagens são mais urbanos e mais mundanos que os dos livros anteriores.

Há, de fato, contos primorosos que honram a literatura brasileira, como por exemplo a "Facada Imortal".

Contos:

A primeira edição de Negrinha continha os seguintes contos: Negrinha - Fitas da vida - O drama da geada - O bugio moqueado - O jardineiro Timóteo - O colocador de pronomes. Edições posteriores incluem: O fisco - Os negros - Barba Azul - Uma história de mil anos - Os pequeninos - A facada imortal - A policitemia de Dona Lindoca - Duas cavalgaduras - O bom marido - Marabá - Fatia de vida - A morte do Camicego - Quero ajudar o Brasil - Sete grande - Dona Expedita - Herdeiro de si mesmo.

IDÉIAS DE JECA TATU
No prefácio à primeira edição da Revista do Brasil em 1919, provavelmente redigido pelo próprio Lobato, diz que "uma idéia central unifica a maioria destes artigos" .... Essa idéia é um grito de guerra em prol da nossa personalidade.

Contem Paranóia ou mistificação, uma crítica aos modernistas, diretamente a Anita Malfatti, que provocou polêmica e a ira dos amigos da pintora. Ele não admitia que aqui se copiasse o que se produzia na Europa. Queria que o "vigoroso talento" de Anita produzisse coisas mais nossas.

Anota o editor que nas numerosas paginas deste volume a terra aparece em suas ominadas expressões - o interior, a roça, a gente da roça, os costumes e comidas da roça. ... Em Idéias de Jeca Tatu, "Monteiro Lobato aparece em mangas de camisa, integralmente ele próprio no pensamento e no modo de expressá-lo - vivo, alegre, brincalhão e com a ironia às vezes levada até à crueldade".

Escritos:

A caricatura no Brasil - A criação do estilo - A questão do estilo - Ainda o estilo - Estética oficial - A paisagem brasileira - Paranóia ou mistificação? - Pedro Américo - Almeida Júnior - A poesia de Ricardo Gonçalves - A hosteofagia - Como se formam as lendas - A estátua do Patriarca - Sara, a eterna - Curioso caso de materialização - Rondônia - Amor Imortal - O saci - Arte francesa de exportação - A mata virgem, Mr. Deibler e Zago - Em nome do silêncio - Royal-street-flush arquitetônico - As quatro asneiras de Brecheret - Arte brasileira - Antonio Parreiras - Um romancista argentino - Um grande artista - Os sertões de Mato Grosso - O Vale do Paraíba - diamante a lapidar - O rei do Congo - O rádio-motor - Hermismo - Um novo 'frisson" - Cartas de Paris - A conquista do azoto.

A ONDA VERDE E O PRESIDENTE NEGRO

A primeira edição de Onda Verde saiu em 1921 pela Monteiro Lobato & Cia. São reportagens sobre a "onda verde" dos cafezais a cobrirem as terras agricultáveis de São Paulo. O Choque das raças, foi publicado em 1926, em vinte partes, no jornal A Manhã, onde era colaborador, e no final desse mesmo ano lançado em livro pela Editora Nacional.

Duas décadas mais tarde seria reeditado com o título de Presidente Negro ou O choque das raças (romance americano do ano 2.228). Em 35 foi publicado na Argentina pela Editorial Claridad. Em 1948, quando a Brasiliense editou as obras completas, juntou os dois num só volume.

Lobato escreveu O Choque pensando em lançá-lo nos Estados Unidos, porém lá acharam que era conflitivo. É seu primeiro e único romance. O que mais chama a atenção no livro é a capacidade de Lobato em desvendar o futuro. Ele mesmo diria mais tarde que os Estados Unidos que ele descreveu no livro são os Estados Unidos que ele depois ficou conhecendo.

Em A Onda Verde, descreve o papel do "grilo" na ocupação territorial de São Paulo e sua indignação com o Homo sapiens por seus crimes sociais e ecológicos, lançando um apelo a todos os animais: "Animais todos da terra, uni-vos..."

Crônicas e artigos de A Onda Verde:

A onda verde - O grilo - A lua córnea - O incompreendido - Veteranos do Paraguai - Os eucaliptos - Os tangarás - O pai da guerra - Homo Sapiens - Luvas - Dramas de crueldade - Dialeto caipira - Os livros fundamentais - Condes - Uruguaiana - O dicionário brasileiro - O 22 da Marajó - A arte americana.

NA ANTEVÉSPERA
Com o subtítulo Reações mentais dum ingênuo, a primeira edição data de 1933, pela Editora Nacional. É o estado d'alma do autor nos tempos da presidência de Bernardes e começos da de Washington Luís. Nas obras completas o livro é acrescido de escritos de épocas anteriores e/ou posteriores a esse tempo, o que os editores justificam pela necessidade de equilibrar a matéria dos vários volumes.

Neste livro, diz o prefaciador da primeira edição (talvez o próprio Lobato) "está enfeixada uma serie de reações ocorridas num período bem atormentado da vida brasileira. Todos sentíamos um terrível e indefinível mal ambiente. Um cheiro de fim. Era a República Velha que ia agonizando na presidência de Bernardes"....

Conteúdo:
Manuelita Rosas - O primeiro livro sobre o Brasil - País de tavolagem - O hipogrifo - Fala Jove - Uma opinião de M Jerôme Coignard - Bacilos vírgula - Idéias russas - Doloi Stiid - O drama do brio - Literatura de cárcere - Novo Gulliver - O Pátio dos Milagres - Vatel - O nosso dualismo - Herói nacional - A feminina - O bocejo de leoa - Catulo - voz da terra - Justiça oxigenada - As cinco pucelas - A moda futura - Plágio post-mortem - Amigos do Brasil - O inimigo - A rosa artificial - O perigo de voar - Forças novas - Em pleno sonho - A influência americana - Krishnamurti - O direito de secessão - O grande problema - A grande idéia - O armistício d Catanduva - O bombardeio de São Paulo - O cabeça chata - O despique - Euclides, um gênio americano - A mata virgem - Ariel e a Rainha Mab - Uma visita a Guiomar Novais - O saco de carvão - D. Bosco e o petróleo - Estradas - A pucela de Indiana - Azoteida.

O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO E FERRO
O Escândalo do Petróleo foi escrito e publicado em 5 de agosto de 1936 pela Editora Nacional. Os cinco mil exemplares sumiram como pão quente. Em 14 de agosto soltaram uma Segunda edição com mais cinco mil que também desapareceram, levando os editores a lançar a terceira edição com dez mil exemplares.

O livro tinha uma dedicatória às Forças Armadas brasileiras dizendo: "Exércitos, marinhas, dinheiro e mesmo populações inteiras nada valem diante da falta de petróleo". O livro é um protesto indignado contra a burocracia federal que "não perfura, nem deixa que se perfure" para encontrar petróleo, e uma denúncia à ação das grandes empresas estrangeiras assim como a submissão de nossas elites aos interesses delas. Quando reunido nas obras completas da Brasiliense esse livro já estava na sua décima edição.

O Ferro completa esse volume com o relato da luta de Lobato para o uso de solução brasileira para a exploração do minério do ferro. Para ele, Volta Redonda não era a solução mais apropriada e defendia que o grande futuro da nossa siderurgia estava na redução dos óxidos de ferro em baixa temperatura. A primeira edição desse livro é de 1931 e foi outro grande sucesso de vendas.

No prefácio do volume que reúne esses dois livros, o editor, Caio Prado Jr., destaca que "o seu pensamento (de Lobato) não ficou pairando no mundo dos sonhos e dos projetos e prédicas. Transformou-se em ação; e seu ideal de melhorar a sorte do povo brasileiro, de regenerar o seu Jeca Tatu, materializou-se num negócio de grandes perspectivas e amplas possibilidades".

MR. SLANG E O BRASIL E PROBLEMA VITAL

A primeira edição de Mister Slang e o Brasil - colóquios com o inglês da Tijuca -, foi publicada pela Editora Nacional em 1927. Slang é o velho inglês que em longos bate-papos com um carioca vai tecendo críticas ao modo de governar brasileiro e denúncias aos males da ditadura de Bernardes...

Problema Vital reúne série de artigos publicados no Estado de SP em 1918 e tem como epígrafe: "O Jeca não é assim: está assim". Aqui Lobato resgata a figura do caboclo e reafirma sua fé no brasileiro impedido de construir uma grande nação por uma elite predadora. Suas denúncias sobre o estado da saúde do povo provocaram grande repercussão na opinião pública obrigando o governo a adotar providências.

Sumário:
1º parte, Mr Slang - advertência - Da balbúrdia de idéias - Da maçaroca - De outras opiniões do Manoel - Do cruzeiro e outras miudezas - Do carpinteiro de Southdown - Do período ciclônico - Da indústria da repressão - Da camisola de força - Da proteção à incompetência - Do capítulo que faltou - Da Estrada Alegre - Dos direitos imorais - Do prasitismo camuflado - Da cabeça e da mão - Da importação de cérebro - De frutas e livros - Dos ladrões - Do suplício da senatoria - Das elites - Dos trinta homens - Nota final.

2º parte, Opiniões - Psicologia do jornal - Audiências públicas - O padrão - A moeda de borracha - Gânglios pensantes - A cegueira naval - Loucura - Guerra do livro - Artur Neiva - Resignação - A morte do livro - A desencostada - Assessores - Vacas magras e gordas - A maravilha do Calabouço - O quarto poder - Honni soit.

3º parte, Problema Vital - A ação de Osvaldo Cruz - Dezessete milhões de opilados - Três milhões de idiotas - Dez milhões de impaludados - Diagnóstico - Reflexos morais - Primeiro passo - Déficit econômico, função do déficit da saúde - Um fato - A fraude bromatológica - Início de ação - Iguape - A casa rural - As grandes possibilidades dos países quentes - Jeca Tatu.

AMÉRICA

Neste livro Lobato revive o personagem inglês Mr Slang e com ele percorre os Estados Unidos, mostrando a pujança daquele país, tecendo comparações, buscando soluções que possam servir para tirar o Brasil do atraso. Depois de passar 4 anos nos Estados Unidos, Lobato volta ao Brasil para dedicar-se inteiramente a lutar pelo petróleo e pelo ferro. A primeira edição foi lançada pela Editora Nacional em 1932.

MUNDO DA LUA E MISCELÂNEA

]A primeira edição de Mundo da Lua saiu em 1923 e reúne uns escritos de Lobato em um diário de sua juventude. Na edição das obras completas, foram acrescentados outros escritos posteriores e que ajudam a compreender a mocidade do autor. Miscelânea, também acrescentado a esse volume contém série de artigos sobre pessoas e impressões sobre viagens pelo interior do Brasil.

Primeira parte, Mundo da lua - trechos de um diário.
Segunda parte, Fragmentos - trechos de um diário. Terceira parte, Miscelânea - Traduções - Processos americanos - Primeiro amor - A dourorice - Alice in the Wonderland - O segredo de bem escrever - Fim do esoterismo científico - Pearl Harbour - Pelo Triângulo Mineiro - Paulo Setúbal - Moeda aregressiva - La moneda rescindible - Planalto - Um romance que prenuncia outro - De São Paulo a Cuiabá - A cidade dos pobres - Júlio César da Silva - Apelo aos nossos operários - A geada - Mais estradas - Jesting Pilate - Quem é esse Kipling? Machado de Assis.

A BARCA DE GLEYRE
Com a epígrafe "Quarenta anos de correspondência literária entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel. Vai de 1903 a 1948. O próprio Lobato se espanta: "quarenta anos do mesmo amigo e mesmo assunto, que fidelidade... E a conseqüência foi se tornarem uma raríssima curiosidade". Lançada em 1943 é a última obre de Lobato na Editora Nacional.

O autor explica que carta não é literatura, é algo à margem da literatura... Porque literatura é uma atitude - é a nossa atitude diante desse monstro chamado público, para o qual o respeito humano nos manda mentir com elegância, arte, pronomes no lugar e sem um só verbo que discorde do sujeito. O próprio gênero memórias é uma atitude: o memorando pinta-se ali como quer ser visto pelos pósteros - até Rouseaau fez assim - até Casanova.... Mas cartas não... Carta é conversa com um amigo, é um duo - e é nos duos que está o mínimo de mentira humana.

PREFÁCIOS E ENTREVISTAS
O enorme sucesso de Lobato como escritor o fazia ser constantemente procurado por intelectuais e escritores que queriam associar seus nomes ao de Lobato para conquistar o público, e por jornalistas de todas as partes, principalmente durante a ditadura. Lobato dizia que se responsabilizava unicamente pelas entrevistas escritas de seu próprio punho. Como nunca estava satisfeito com as versões publicadas, parou de receber jornalistas.

Esse volume, com prefácio de Marina de Andrade Procópio de Carvalho, reúne 20 prefácios e 17 entrevistas.

Sumário:
prefácio de Marina de Andrade Procópio - Prefácios (para os seguintes livros): Ipês, de Ricardo Gonçalves - Antologia de contos humorísticos - Seleta de contos brasileiros, organizada por Lee Hamilton - Contas de capiá, de Nhô Bento - Éramos seis, da Sra. Leandro Dupré - Luta pelo petróleo, de Essad Bey - Aspectos de nossa economia rural, de Paulo Pinto de Carvalho - Diretrizes para uma política rural e econômica, de Paulo Pinto de Carvalho - Nos bastidores da literatura, de Nelson Palma Travassos - Serpentes em crise, de Afrânio do Amaral - Nós e o universo, de Urbano Pereira - Bio-perspectivas, de Renato Kehl - Gilberto Freyre, de Diogo de Melo Menezes - Cartas para outros mundos, de Álvaro Eston - O pecado original, de Rocha Ferreira - Falam os escritores, de Silveira Peixoto - A sabedoria e o destino, de Maurice Maeterlinck - Uma revolução econômico-social, de Otaviano Alves de Lima - Prefácio de paraninfo na formatura de contadores de uma escola de comércio - carta-prefácio aos Poemas atômicos, de Cesídio Ambrogi.

Entrevistas:
O Brasil às portas da maior crise de sua história - Inglaterra e Brasil - Um governo deve sair do povo como o fumo sai da fogueira - Entrevista com Silveira Peixoto - Resposta a uma "enquete" da Mocidade Paulista - Faz vinte e cinco anos... - Monteiro Lobato fala sobre o problema judaico e outros assuntos - Insultos ao Brasil - Eu sou um homem sem função - Entrevista ao Correio Paulistano sobre a beca na Academia Paulista de Letras - As orelhas de Vasco da Gama - Lobato, editor revolucionário - Monteiro Lobato na torre de marfim - Um mundo sem roupa suja ... Que fazer da Alemanha depois da guerra? - Quando era proibido entrevistar Monteiro Lobato.

CONFERÊNCIAS, ARTIGOS E CRÔNICAS

Reúne, segundo os editores, uma pequena parte da colaboração de Monteiro Lobato espalhada por jornais e revistas do País, ou apenas divulgada em pequenos folhetos, além de alguns textos inéditos. Da leitura desse volume, os leitores podem ter uma visão mais rica da ação de Lobato nos variados setores para onde convergiu seu talento.

Sumário:
Prefácio - Conferência em Ubatuba - Conferência em Belo Horizonte - Prefácio a "No Silêncio" - Prefácio a "Minha vida e minha obra"- Sobre poesia e poetas I, II, III - Vida Ociosa - Discurso de agradecimento - Saudação a Horácio Quiroga - Torpilhar - O teatro brasileiro - Fantasia - O mais velho dos escultores: O acaso - Pedro Alexandrinho - O doutor Quirino - O cigarro do Padre Chico - A evolução das idéias argentinas - A hora perigosa - A glória - Estradas de rodagem - São Paulo e o Brasil - Reconstruir a casa - Como países se suicidam - A nossa doença - Confissões ingênuas - Fradique Mendes - Eu tomo o sol - A criança é a humanidade de amanhã - Mensagem à mocidade do Brasil - De quem é o petróleo da Bahia? - Georgismo e Comunismo - O planejamento do futuro - O visconde científico - História do rei vesgo - Entrevista coletiva - Zé Brasil - A última entrevista.

LITERATURA DO MINARETE

O "Minarete" era o nome que Lobato e seu grupo de amigos mais chegados davam ao chalé onde realizavam suas tertúlias. Depois serviu para batizar um jornal que seu amigo Benjamim Pinheiro lançou em Pindamonhangaba, onde todos colaboravam. O editor reuniu nesse volume das obras completas os textos que Lobato publicara em diversos jornaisinhos na juventude enquanto estudante de direito.

Sumário:
Outrora e Hoje - Juro! - A cor - O charuto - Rubis - Tio Pedrosa - Falta de assunto - Os lambe-feras - Da janela - Fragmento - Como se escreve um conto - A todo transe - A fuga dos ideais - Crônicas teatrais - Tão ingênua! - Diário dum esquisitão - Memórias de um velho - Assombro - Psicologia do sono - Futebol - Na roleta - En Tigelópolis - Sara Bernhardt - Um Giles moderno - A poesia japonesa - O queijo de Minas ou História de um nó cego - Filosofias - Em casa de Fídias - Duas dançarinas.

CARTAS ESCOLHIDAS.

Em dois volumes, com prefácio de Edgard Cavalheiro, reúne farta correspondência de Lobato, desde 1895 até 1948. Ao incorporar essas cartas às obras completas os editores quiseram ampliar os subsídios para a compreensão do homem e do escritor. Nas palavras de Edgard Carvalheiro - "Que as novas gerações extraiam destas páginas as lições que elas encerram. Nada do grande homem é sonegado nestas cartas. Elas refletem uma personalidade realmente invulgar. E despida de todo o aparato das biografias. O homem-Lobato está vivo, palpitante, nestes volumes".

Fontes:
http://lobato.globo.com/lobato_ Biografia.asp
http://www.projetomemoria.art.br/ MonteiroLobato/bibliografialobatiana/bibliot.html
http://www.projetomemoria.art.br/MonteiroLobato/monteirolobato/index.html

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXVI: Emília ataca o reduto etimológico

Emília dirigiu-se sozinha para o bairro onde a Ortografia Etimológica se havia entrincheirado.

— Onde está a interventora disto por aqui? — perguntou a uma sentinela com dois LL, porque ali todas as palavras se conservavam vestidas à moda de dantes.

— Naquela casinhola feita de raízes gregas e latinas — respondeu a sentinela.

A boneca encaminhou-se para a casinha e bateu na porta um toque, toque, toque enérgico.

— Entre! — gritou uma voz fanhosa.

Emília entrou e deu com uma velha de nariz de papagaio e ar rabugentíssimo, que tomava rape em companhia dum bando de velhotes mais rabugentos ainda, chamados os Carrancas.

— Com que então — foi dizendo a boneca — a senhora está de briga com a ORTOGRAFIA SIMPLIFICADA e não admite que estas pobres palavras se vistam pelo figurino moderno?

— Sim — rosnou a velha. — As palavras sempre usaram este modo de vestir, e eu não "admito" que dum momento para outro mudem e virem aí umas sirigaitas "fonéticas". As palavras têm uma origem e devem trajar-se de modo que quem as lê veja logo donde procedem.

-— Tudo isso está muito bem — replicou Emília —, mas a senhora sabe que existe uma contínua mudança nas coisas. As palavras, como tudo mais, também têm de mudar. Quindim já me explicou isso.

— Mas mudam lentissimamente — declarou a velha —, e não assim do pé para a mão, como querem os reformadores. Mudam por si, e não por vontade dum grupo de homens.

— A senhora canta muito bem, mas não entoa. Talvez tenha até carradas de razão. Entretanto, ignora a maçada que é para as crianças estarem decorando, um por um, o modo de se escreverem as palavras pelo sistema antigo. Os velhos Carrancas é natural que estejam do seu lado, porque já aprenderam pelo sistema antigo e têm preguiça de mudar; mas as crianças estão aprendendo agora e não há razão para que aprendam pelo sistema velho, muito mais difícil. Eu falo aqui em nome da criançada. Queremos a Ortografia Nova porque ela nos facilita a vida. Quanto menos complicações, melhor. Por isso vim cá conversar com as palavras para conhecer-lhes a opiniãozinha.

— Quem governa as palavras sou eu, e só eu falo em nome delas.

— Pois a sua opinião de modo nenhum me interessa. Eu já a conheço. Quero agora conhecer a opinião das palavras, está ouvindo? Se elas pensarem como a senhora, nesse caso já não está aqui quem falou. Mas se pensarem como eu, ah, então a senhora tem de ver fogo com o meu Quindim. . .

— Quem é esse Quindim? — perguntou a velha, de testa franzida.

— A senhora saberá no momento oportuno, com um P só, está ouvindo? E agora, com ou sem sua licença, vou conversar com as palavras deste acampamento.

A velha ficou de tal modo desnorteada com a rompância de Emília que nem pôde abrir a boca com dois cc. Limitou-se a botar-lhe a língua (uma língua muito preta) e a recolher-se, batendo a porta.

Emília acenou para uma das palavras que andavam por ali. Era a palavra Sabbado, com dois BB.

— Senhor Sabbado, venha cá. Sabbado aproximou-se.

— Diga-me; por que é que traz no lombo dois BB quando poderia passar muito bem com um só?

Sabbado olhou para o lado da casinha da velha, com expressão de terror nos olhos. Emília viu que ele estava com medo de manifestar-se livremente, e levou-o para mais longe dali. Sabbado então disse:

— É por causa da bruxa velha. Como venho do latim Sabbatum, que, por sua vez, veio do hebraico Sabbat, ela não consente que eu me alivie deste B inútil. Há séculos que trago no lombo semelhante parasito, que nenhum serviço me presta.

— Quer dizer que para você seria muito melhor andar com um B só?

— Está claro! O meu sonho é ver-me livre deste trambolho. Mas a velha não deixa. . .

Emília arrancou-lhe o B inútil e disse:

— Pois fique com um B só. A velha está caducando e só olha para os interesses de si própria e dos Carrancas que lhe vêm filar o rape. Estou aqui representando os interesses das crianças, que constituem o futuro da humanidade — e as crianças preferem Sábados com um B só. Vá passear e nunca mais me ponha o segundo B!. . .

A palavra simplificada saiu lampeiríssima, pulando que nem um cabritinho novo que pilha aberta a porta do curral. Sentia-se leve, leve. . Emília chamou outra palavra. Veio a palavra Sceptro.

— Como é a pronúncia do seu nome? — perguntou-lhe.

— Cetro — respondeu ela.

— Então por que traz esse S e esse P inúteis?

— Ordens da velha.

— Só por causa disso ou também porque sente prazer em trajar-se assim?

— Que prazer poderei sentir em levar vida de burro de carga? Pensa que letra inútil não pesa? Sou um Sceptro bem pesado. . .

Emília arrancou as duas letras inúteis e mandou Cetro passear — e lá se foi ele, pulando que nem tico-tico.

— E diga às suas companheiras de peso inútil que façam o mesmo — recomendou Emília, de longe. — Que botem no lixo as letras mudas.

Depois chamou outra palavra. Veio Thesouro.

— Para que esse H aí dentro?

— Isto é um enfeite etimológico, que a velha exige.

— Fora com ele! Acabou-se o tempo dos enfeites etimológicos. A velha não manda mais. E diga a todas as palavras com HH inúteis que se limpem disso.

— E as de H no começo?

— Essas ficam assim mesmo. E olhe: também não fica o H dentro da palavra quando se trata de palavra composta, como Desabitar, que é composta de Des e Habitar. Excetuando aquele caso, olho da rua com todos os HH mudos! Vá!. . .

Emília chamou outra. Veio Machina.

— Como é o seu nome, Máquina ou Machina?

— Máquina. Este meu CH tem o som de Q.

— Então por que não o troca duma vez por um Q?

— A velha não deixa. Diz que eu sou uma palavra de origem grega, e que no grego o CH vale Q. É a Etimologia. . .

— Sebo para a Etimologia. Bote fora o CH e passe a usar o Q — e diga a todas as suas companheiras de CH que façam o mesmo. Chispa!. . .

Emília chamou outra. Veio Kágado.

— Esse K que você usa não tem o mesmo som de CA? — perguntou ela.

— Tem, sim. . .

— Pois então bote fora o K e vista o CA. Desde que o tal K tem o mesmo som de CA, ele é demais na língua e deve ser expulso do Alfabeto. Avise todos os KK que o tempo deles se acabou. Suma-se!. . .

O velho Kágado lá se foi, de nariz comprido, achando muito perigosa aquela sua transformação em Cágado. . .

— Não fica bonito — murmurou Emília ao vê-lo afastar-se — mas simplifica. Estamos na era da simplificação.

Depois chamou outra. Veio Wagão.

— Que letra é essa que você usa no frontispício? — perguntou.

— É o W, ou Dabliú, uma letra do Alfabeto inglês que vale por dois vv entrelaçados. Letra muito importante em Anglópolis, mas pouco usada aqui.

— Pois não há mais Dabliú em português, sabe? Foi expulso do nosso Alfabeto. Troque-o por um V e raspe-se!. . .

E lá se foi Wagão, transformado em Vagão, rolando muito mais leve sobre os seus trilhos.

Emília chamou outra. Veio Pery.

— Que Y é esse que você usa em vez do I comum? — perguntou-lhe.

— Todas as palavras de origem tupi, como eu, sempre foram escritas assim, com Y.

— Mas os índios tinham linguagem escrita?

— Não. Só a tinham falada.

— Nesse caso não há razão nenhuma para vocês andarem a fingir-se de gregas usando esse Y. Tire isso e bote um I simples. Avise a todas as mais para que façam o mesmo. Rua!. . .

Emília chamou outra. Veio a palavra Phosphoro, e com ela a palavra Phthisica.

— Como se lê o seu nome? — perguntou Emília a Phosphoro.

— Lê-se Fósforo. O meu PH soa como F.

— Então não seja idiota. Use F que até acenderá melhor, e não complicará a vida das crianças. Avise os seus colegas que o PH morreu para sempre. Roda!...

— E a senhora? — disse depois, dirigindo-se a Phthisica. — Sabe que está tuberculosa de tanto carregar letras inúteis? Liberte-se dos parasitos do corpo que garanto a sua cura. Suma-se!. . .

Emília chamou outra. Veio a palavra Inglez.

— Meu caro — disse ela —, acho que você está muito bem assim, com esse Z atrás. Mas o governo fez um decreto expulsando os zz de inúmeras palavras, de modo que a sua forma daqui por diante vai ser Inglês. Eu lamento muito, mas lei é lei. . .

Inglez, transformado em Inglês, lá se foi, teso como um cabo de vassoura, sem sequer murmurar um Yes.

Emília chamou outra. Veio Egreja.

— Saiba que foi resolvido que de agora em diante todas as palavras que uns escreviam com E e outros com I serão escritas unicamente com I. Escrevê-las com E fica sendo erro.

— E por que decidiram conservar o I em vez de mim? — protestou o E de Egreja.

— Não sei, nem quero saber — respondeu a boneca. — Resolveram assim e acabou-se. Tiraram a sorte, com certeza — ou então o I soube apadrinhar-se melhor. Vá embora!. . .

Emília chamou outra. Veio Prompto.

— Não há mais P mudo dentro das palavras. Fora com esse e suma-se!. . .

E Prompto lá se foi, muito sem jeito, transformado em Pronto.

Emília chamou outra. Veio a palavra Cançar.

— Uns escrevem você com S e outros com Ç. Ora, isso constitui uma trapalhada, e portanto foi decidido que todas as palavras nessas condições passem a ser escritas só com S. Roda!. . .

Emília chamou outra. Veio a palavra Maçan.

— Tire o AN — disse a boneca. — Ponha à e vá avisar a todas da mesma família. E diga às terminadas em AM que a moda agora é Ão.

Emília chamou outra. Veio a palavra Pao.

— Avise às suas companheiras de que os Ditongos Ai, Au e oi, só se escreverão dora em diante assim, e não AE, AO e OE. Foi resolvido e acabou-se, entende? Palavras como Pao, Ceo, Chapeo, etc, passam a escrever-se Pau, Céu, Chapéu. E nada de rezinga. Manda quem pode. Suma-se.

— E eu como fico? — murmurou a palavra Rio, aproximando-se.

— Você fica assim mesmo, boba! O seu final 10 nunca foi Ditongo, não sabe disso? Roda! Venha outra.

Apresentou-se a palavra Geito.

— Uns escrevem você com G e outros com J — disse a boneca. — Fique sabendo que a moda agora é com J, e quem a escrever com G vai para o xadrez. Pode ir.

— E eu? — disse a palavra Jibóia, silvando como fazem as cobras.

— Você fica com J porque é de origem americana. Se fosse africana também ficaria com J, como aquela que lá vai — e apontou para a palavra Quijila, que andava passeando muito lampeira.

— Venha outra. Aproximou-se a palavra Amal-o.

— O governo — disse Emília — resolveu que doravante você e suas companheiras devem ser escritas assim — Amá-lo. Vá avisar às outras.

— Mas isso é um absurdo! — protestou Amal-o. — Eu. . .

Emília arrumou-lhe com o decreto do governo na cabeça, gritando:

— Vá avisar as outras e não me aborreça. Chispa! Amal-o, transformado em Amá-lo, lá se foi com um galo na testa, fungando.

Emília chamou a palavra Subscrever, que estivera assistindo à cena.

— Como é que a senhora divide as suas Sílabas? — perguntou-lhe.

— Divido-as pelo sistema etimológico, assim: sub-scre-ver.

— Pois vai mudar isso. De hoje em diante dividirá deste modo: Subs-cre-ver. As razoes etimológicas acabaram-se. Estamos em tempo de fonéticas. A divisão das Sílabas será de acordo com a fonética, ou com os sons apenas. Vá avisar a todas. Já!. . .

Subscrever saiu correndo.

— E pronto! — exclamou Emília dando um pontapé no montinho de KK e YY e CH e mais letras mudas e dobradas que ficaram no chão. — Prontérrimo! Quero agora ver a cara da tal Ortografia Etimológica. . .

E viu. Logo depois a velha deixou a casinha de raízes e veio passar em revista as palavras do acampamento. Assim que avistou o Sábado com um B só, o Cetro sem o S e o P etimológicos, e Máquina sem CH, teve um faniquito. Depois berrou, arrancou os cabelos e apelou para os Carrancas que havia deixado na casinha tomando pitadas de rapé.

— Acudam! Corram todos aqui!. . .

Os Carrancas acudiram, espirrando atchim! e a assoarem- se em grandes lenços vermelhos.

— Venham ajudar-me a "endireitar" as palavras que a pestinha da boneca estragou.

A primeira vítima foi Sábado, que entre berros teve de abrir a barriga para receber o B arrancado pela Emília. O coitadinho já se habituara a viver sem a letra inútil, de modo que resistiu e pôs a boca no mundo.

Emília, que estava observando a cena, teve dó dele. Chamou Quindim e disse-lhe:

—Vamos, Quindim! Avance e espalhe aqueles peludos complicadores da língua. Chifre neles!. . .

O rinoceronte não esperou segunda ordem. Avançou de chifre baixo, a roncar que nem locomotiva.

Os Carrancas sumiram-se como baratas tontas, e a velha Ortografia Etimológica, juntando as saias, trepou, que nem macaca, por uma árvore acima.

Emília ria-se, ria-se.

Depois gritou-lhe:

— Você, sua diaba, viveu muito tempo a complicar a vida das crianças sem que nada lhe acontecesse. Mas agora tudo mudou. Agora estou eu aqui — e o Quindim ao meu lado!

Quero ver quem pode com esse "binômio gramatical". . .

Depois da tremenda revolução ortográfica da Emília, o Brasil ficou envergonhado de estar mais atrasado que uma bonequinha e resolveu aceitar as suas idéias. E o governo e as academias de letras realizaram a reforma ortográfica. Não saiu coisa muito boa, mas serviu. Infelizmente cometeram um grande deslize: resolveram adotar uma porção de acentos absolutamente injustificáveis. Acento em tudo! Palavras que sempre existiram sem acentos e jamais precisaram deles, passaram a enfeitar-se com esses risquinhos. O coitado do "ha" do verbo haver, passou a escrever-se com acento agudo — "há", sem que nada no mundo justificasse semelhante burrice. E introduziram acentos novos, como o tal acento grave (`), que, por mais que a gente faça, não distingue do acento agudo (´). O "a" com crase passou a "à", embora conservasse exatamente o mesmo som! E apareceu até um tal trema (••), que é implicantíssimo. A pobre palavra "freqüência", que toda a vida foi escrita sem acento nenhum, passou a escrever-se assim: "freqüência"!. . . Emília danou.

— Não quero! Não admito isso. É besteira da grossa. Eu fiz a reforma ortográfica para simplificar as coisas, e eles com tais acentos estão complicando tudo. Não quero, não quero e não quero.

Quindim interveio.

— Você tem razão, Emília. A tendência natural duma língua é para a simplificação, por causa da grande lei do menor esforço. Se a gente pode fazer-se perfeitamente entendida dizendo, por exemplo, "tísica", por que dizer "phthisica" como nos tempos da ortografia etimológica? A forma "tísica" entrou na língua por efeito da lei do menor esforço. Mas a tal acentuação inútil vem contrariar essa lei. Em vez de simplificar, complica. Em vez de exigir menor esforço, exige maior esforço. Logo, é um absurdo.

— Mas é obrigatório hoje escrever-se assim, com dez mil acentos — observou Pedrinho.

Quindim não concordou.

— Est modus in rebus — disse ele. — A língua é uma criação popular na qual ninguém manda. Quem a orienta é o uso e só ele. E o uso irá dando cabo de todos esses acentos inúteis. Note que os jornais já os mandaram às favas, e muitos escritores continuam a escrever sem acentos, isto é, só usam os antigos e só nos casos em que a clareza os exige. Temos, por exemplo, "fora" e "fora" . O acento circunflexo serve para distinguir o "fora" advérbio do "fora" verbo. Nada mais aceitável que esse acento no O. O que vai acontecer com a nova acentuação é isso: as pessoas de bom senso não a adotam e ela acaba sendo suprimida. O uso aceita as reformas simplificadoras, mas repele as reformas complicadoras.

Emília ficou radiante com as explicações de Quindim e pôs em votação o caso. Todos votaram contra os acentos, inclusive Dona Benta, a qual declarou peremptoriamente:

— Nunca admiti nem admitirei imbecilidades aqui em casa.
______________________
Continua ... Capítulo XXVII (final): Epílogo
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

domingo, 19 de dezembro de 2010

Antonio Brás Constante (Perdendo o Medo de Papai Noel)



Lucas não gostava do Natal, pois morria de medo daqueles velhinhos que ficavam nas lojas, vestidos de vermelho e com barbas brancas, que pegavam crianças no colo e lhes desejavam feliz natal.

Seus pais se esforçavam para que ele perdesse aquele medo injustificado pelo bom velhinho. Tentavam demonstrar de todas as formas que o Papai Noel era camarada, amigo das crianças e muito bondoso até com os animaizinhos do bosque encantado de Natal.

Diziam que ele sempre vinha à noite. Com um saco cheio de presentes. Entrava furtivamente nas casas quando todos estavam dormindo, e preparava belas surpresas para a família inteira, pois ele era a personificação do espírito natalino, algo maravilhoso e que não deveria ser temido e sim glorificado.

O Natal foi se aproximando, e aos poucos Lucas foi perdendo o medo. Mas ainda assim não acreditava que aquele tal de papai Noel existisse. E foi assim, todo desconfiado, que foi dormir na noite da véspera do dia 25 de dezembro.

Acordou de madrugada, com um som vindo da sala. Foi caminhando bem quietinho até lá para ver o que era aquele barulho. Para seu espanto, viu aquela figura de barba branca, roupa vermelha e com um saco cheio de coisas nas costas.

Ficou ali olhando para ele sem acreditar. Foi quando o estranho vulto, sentindo a presença do garoto, lhe deu um belo sorriso junto com algumas balas de iogurte. Dirigiu-se para a janela aberta e saiu por ela, sumindo na noite.

A partir daquela data, Lucas não teve mais medo de papai Noel. Já os seus pais que ficaram a noite inteira amarrados, amordaçados e trancados dentro do banheiro (enquanto o “bom velhinho” lhes roubava a casa), passaram a temer as noites de Natal.

Fonte:
O Autor

Ialmar Pio Schneider (Livro de Sonetos II)


NOSSO CAMINHO

Envio-lhe estes versos com saudade
dos momentos felizes
de serenidade
ou delizes...

Tudo é possível quando nos visita
uma paixão avassaladora,
inaudita
e sedutora...

Um sonho se descortina
em nosso caminho
e nos fascina
pelo carinho...

Quando estivermos juntos e unidos
vamos sempre lembrar
que fomos concebidos
para viver e amar...

POEMETO LÍRICO

Antes não tivesse visto
teus olhos, o corpo e a boca,
se fosse pra sofrer isto
que somente me dás, louca !
Se te vejo, se me vês;
nem sei que pensas por mim,
embora nada me dês
não quero que chegue o fim...
Sonhas, talvez, com alguém
nesse teu mundo encantado...
mesmo que eu sofra também,
és o meu ser esperado.
Poderás andar sozinha
Como no céu anda a lua;
em meu pensamento és minha:
sonho que se perpetua.
Nada poderá romper
as correntes deste amor.
E quem sabe o amanhecer
há de ser mais promissor !

SONETO DO ABANDONADO

Se teu amor chegasse de mansinho
e aos poucos me envolvesse corpo e alma;
se ele viesse me trazer carinho
quando me desespero e perco a calma...

Se fosses o fanal do meu caminho
e me surgisses numa noite calma,
como alguém que procura um quente ninho
para amar e aquecer o corpo e a alma...

Ambos unidos pelo mesmo afeto,
tanto sincero quanto predileto,
viveríamos horas mais amenas...

Mas, enquanto não vens, não tenho nada;
minha vida é uma casa abandonada
onde alguém chora, a sós, amargas penas.

SONETO

Não quero o verso dos amores impossíveis
que nos fazem sofrer nas longas madrugadas,
nem quero o verso das formas indefiníveis
para esconder a dor das ilusões passadas.

Na minha solidão há fúrias invisíveis
despertando em meu ser canções desesperadas,
hão de compreendê-las as almas mais sensíveis
e aquelas que também forem abandonadas.

Quero o verso levando um pouco de consolo
ao coração que sofre a sangrenta ferida
de sentir-se sozinho andando pela vida...

ou tem um grande amor, ou chora de saudade;
se é na tristeza que permaneço a compô-lo
não pretendo que lhe falte felicidade...

SUPREMA DESGRAÇA

Despetalar as flores, na demência
do desespero horrendo dum delírio.
Nem ao menos poupar o branco lírio
e já não escutar a consciência.

Arrasar o jardim desta existência
na fúria dum remorso sem martírio.
Perder a crença de encontrar o empíreo
e sufocar a luz co’a própria ciência.

Depois olhar p’ra trás e ver ainda
um jardim florido e uma luz infinda,
e não ter forças p’ra voltar atrás...

Mas ter somente uma opressão maldita,
e ao lado nem ao menos ter a dita
do perdão dos pecados e da paz...

SONETO À FLORBELA ESPANCA

Foi amando teus versos que aprendi
a soluçar também o mal do amor,
nos desencontros e no frenesi
que envolveram meu estro sonhador...

Soubeste extravasar todo o calor
que sentias, assim como senti,
das paixões que me fazem ser cantor
dos mesmos temas que provêm de ti.

Ó divina poetisa, os teus tormentos
expressos na poesia e nos lamentos,
que soluçaste, fazem-te imortal...

Ninguém foi tão sincera e tão brilhante,
fazendo versos de mulher e amante,
enaltecendo sempre Portugal !

NOITES DE LUAR

Estou de novo só... mas conformado
porque posso enfrentar a solidão,
sem esquecer também que no passado
derramei minhas lágrimas em vão.

É preciso entoar uma canção
que venha merecer o teu agrado,
isenta de qualquer desilusão
como se nunca houvesse soluçado.

Eu olho os céus e como antigamente
as noites têm estrelas e luar
que me permitem outra vez sonhar;

e não me sinto triste nem contente,
porquanto a vida agora é diferente:
tenho a poesia para não chorar

Fontes:
- Colaborações do Autor
- http://ialmar.pio.schneider.zip.net/

Edson Carlos Contar (Papai Noel Boiadeiro )


Inspirado na música "Papai Noel boiadeiro" , de Aral Cardoso/ autor e voz - -músicas de Mato Grosso do Sul-
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Nas estradas boiadeiras não passa trenó, nem existem renas aqui, na planície pantaneira...

Quando muito, um ou outro parente delas, o galheiro do pantanal, aperece curioso pra ver a boiada passar e volta correndo pra mata.

O Papai Noel da cidade nunca se aventurou por aqui...

Aqui o nascimento de Jesus ainda é lembrado e as vitrines da cidade são substituidas pelas paisagens de cada canto desse paraiso natural, iluminado pelos pirilampos , decorado com incontáveis àrvorres enfeitadas em flores e frutos, na mais pura imagem de um verdadeiro Natal...

O coro dos pássaros parece entender o significado da data e parece mais afinado e harmonioso...
Até a onça, pia mansa nas ribanceiras...

Em cada ranchinho, a mesa é farta em pães, feitos nos fornos de barro, frutos, doces de genipapo, manga, ariticum e o peixe que descansa, esperando a hora da Santa Ceia pantaneira.

Quando a noite vai caindo, as nhás e a criançada, ficam atentas ao som do berrante que logo ressoará no horizonte, anunciando a chegada do peão boiadeiro, vindo da lida, na comitiva que levou o gado pra longe, trazendo no alforge um regalo simples pra amada, comprado num dos bolichos beira de estrada e brinquedos inocentes feitos pelos artesãos pantaneiros, para a gurizada.

Ele é o Papai Noel pantaneiro...Sem ilusórias prosas de santo...sem roupas estranhas...Tem barba cerrada, chapéu de couro e viola de coxo cruzada nas costas...

Tudo aqui é natural, verdadeiro e realmente santo!

É um Natal de farto em amor à natureza, de vinho extraido a cada gomo das frutas e, do pão sovado por braços valentes que preservam o quintal de Deus, aqui, nos confins de um brasilzão abençoado.

Abençoados peões, nhás e crianças pantaneiros, que Jesus seja sempre presente em vossa mesa!

Amém!

Fonte:
Colaboração de Ialmar Pio Schneider

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.74)


Trova do Dia

Para o Natal ser cristão,
ter a paz do criador,
faça do seu coração
a mangedoura do amor.
THALMA TAVARES/SP

Trova Potiguar

No Natal, noite tão bela,
será que vamos lembrar
as crianças da favela
que vão dormir sem jantar?
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > Menção Honrosa

Meu Natal, hoje, é melhor,
pelo conforto e os bons tratos,
mas o sonho era maior,
quando eu não tinha sapatos!
JOSÉ MESSIAS BRAZ/MG

Uma Trova de Ademar

No Natal... E a cada dia,
na certa eu só me comovo
se eu puder ver mais poesia
e menos fome no povo!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Nasceu Jesus! É o Natal!
Nasceu apenas Jesus...
Quando no mundo, afinal,
há de nascer sua luz?
J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC

Estrofe do Dia

Sempre, sempre, eu me comovo
em quase todos Natais.
Penso na fome do povo
e na festa dos feudais;
vejo crianças doentes,
outras ganhando presentes:
carrinho, bola, avião;
e a verdade é pra ser dita...
Papai Noel não visita
crianças de pés no chão.
ADEMAR MACEDO/RN

Soneto do Dia

– Olga Maria Dias Ferreira/RS –
PRECE DE NATAL.

Ouço bem longe, doces tons divinos,
a penetrar-me a alma com fulgor,
diviso sons, suaves, cristalinos,
a propagar a vinda do Senhor.

Pobres pastores, rumam campesinos,
na atmosfera de cadeia em flor,
escutam forte badalar de sinos,
em grandes festas para o Salvador.

Os três Reis Magos, com prazer intenso,
transportam jóias, o mais raro incenso,
com vestes santas, como um festival...

Brilhando o sol, com o raiar mais denso,
formulo prece, com amor imenso:
Bendito Sejas, Pai, Nesta Natal!!!

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXV: Passeio ortográfico

No bairro da ORTOGRAFIA os meninos encontraram uma dama de origem grega, que tomava conta de tudo.

— Bom dia, minha senhora! — disse Quindim fazendo uma saudação de cabeça muito desajeitada. — Trago aqui sobre o meu lombo dois meninos e uma boneca, que desejam conhecer a vida deste bairro.

— Às ordens! — exclamou a grega. — Desçam e venham ver como lido com as letras, na formação escrita das palavras.

Os meninos desceram pela escadinha de corda e rodearam-na. Emília, lambetissimamente, tomou-lhe a bênção.

— Deus te abençoe, bonequinha — disse a Ortografia sorrindo.

Por onde começar? Narizinho teve a idéia de inquirir por que motivo ela se chamava Ortografia.

— Meu nome é grego e formado de duas palavras gregas

— Orthos e Graphia. Orthos quer dizer "correta" e Graphia quer dizer "escrita". Sou, portanto, a Escrita Correta, ou a que ensina a escrever corretamente.

— Pois a senhora precisa trabalhar muito — disse Emília —, porque a maior parte das gentes ainda não sabe escrever na regra. Eu mesma, que sou marquesa, erro às vezes. . .

— Marquesa? — repetiu a Ortografia, admirada.

— Marquesa de quê? — Marquesa de Rabicó, para a servir, minha senhora! — respondeu Emília, de mãos na cintura e queixo erguido.

Narizinho confirmou o título da boneca e narrou várias passagens da sua vidinha, inclusive o casamento e o divórcio com o Marquês de Rabicó. A Ortografia espantou-se grandemente de tais prodígios. Em seguida falou da sua vida ali. — Antigamente o sistema de escrever as palavras era o SISTEMA ETIMOLÓGICO, o qual mandava escrevê-las de acordo com a origem. Isso trazia muitas complicações e dificuldades.

Por esse sistema, a palavra Cisma, por exemplo, escrevia-se Scisma, com uma letra inútil, mas justificada pela origem. A palavra Tísica escrevia-se Phthisica, com três letras inúteis, sempre por causa da origem. Ditongo escrevia-se Diphthongo. De modo que havia uma enorme trabalheira entre os homens para decorar a forma das palavras — e trabalheira inútil, porque ninguém ganhava coisa nenhuma com isso.

— Só os tipógrafos — lembrou Narizinho. — Esses engordavam. . .

— Sim, só os tipógrafos — confirmou a Ortografia. — Todos os mais perdiam tempo e fósforo cerebral. Em conseqüência disso ergueu-se um movimento para mudar — para acabar com a ORTOGRAFIA ETIMOLÓGICA e pôr em lugar dela outra mais fonética, isto é, que só conservasse nas palavras as letras que se pronunciam. Esse movimento venceu, afinal, e acabou sendo sancionado por um decreto do governo, depois de muito estudado pela Academia Brasileira de Letras.

— Quer dizer que agora ninguém mais erra? — disse Pedrinho.

— Está muito enganado, meu filho. Há regras que têm de ser seguidas, e os que se afastarem dessas regras erram. Mas tudo se torna muito mais simples e lógico. Eu gostei da mudança, confesso — mas a minha amiga, a velha Ortografia Etimológica, está furiosíssima. Não se conforma com a simplificação das palavras.

A dama grega levou os meninos para sua casa, onde havia uma bela coleção de letras e sinais gráficos.

— As letras vocês já conhecem — disse ela. — São as do Alfabeto. Deste lado tenho as MAIÚSCULAS; e daquele lado, as MINÚSCULAS. Aqui nesta gaveta guardo os ACENTOS e outros sinais.

— Quando é que a senhora emprega as Maiúsculas? — indagou Pedrinho.

— Ponho em Maiúsculo todas as primeiras letras das palavras que abrem os Períodos, e também escrevo em Maiúsculo a primeira letra de todos os Nomes Próprios.

— Só? — perguntou Narizinho.

— Não. Uso Maiúsculas também nos títulos, como Vossa Senhoria, Senhor Doutor, etc. E nos Epítetos, ou Alcunhas dos homens célebres, como Napoleão, o Grande; Guilherme, o Taciturno; o Tiradentes, etc.

Uso-as nas palavras que designam divindade, como: o Eterno, o Todo-Poderoso.

Uso-as em certos Nomes Abstratos, quando aparecem sob forma de pessoas, como nesta frase: O monstro vinha escoltado pela Ira, pela Traição e pelo Ciúme.

Uso-as para os pontos cardeais, quando designam regiões, como nestas frases: Os povos do Oriente; Os mares do Sul. Mas digo sem Maiúscula: O oriente da China, porque aqui oriente significa apenas uma direção geográfica. Pela mesma razão também digo: O norte do Brasil.

— E os tais Acentos? — perguntou o menino.

— Acentos, lido com dois — o AGUDO (´) e o CIRCUNFLEXO (^). E ainda lido com outros sinaizinhos aparentados com os Acentos, como o TIL (~), o APÓSTROFO ('), a CEDILHA (,), que é uma caudinha no C, e o HÍFEN, OU o TRAÇO DE UNIÃO (-).

Introduziram-se na língua outros Acentos, como o acento grave (‘), muito usado pelos franceses, e ainda o TREMA (••). Sou contra isso: quanto menos Acentos houver numa língua, melhor. A língua inglesa, que é a mais rica de todas, não se utiliza de nenhum Acento. Os ingleses são homens práticos. Não perdem tempo em enfeitar as palavras com bolostroquinhas dispensáveis.

— Muito bem! — disse Emília, que tinha gana em Acentos. — Gosto de ouvir uma grande dama como a senhora falar assim, porque é exatamente como penso. Essas pulgas só servem para nos tomar tempo. Acho que só devem ser usados quando forem necessários, para evitar confusão. Hoje, escreve-se êle e há, com Acentos. Acho desnecessário, porque, com ou sem Acentos, só há um jeito de pronunciar essas palavras. E as letras? Fale das letras.

— Entre as letras — continuou a Senhora Ortografia —, uma das mais curiosas é o H. O diabinho por si só não tem som nenhum, mas ligado a outras letras produz sons especiais. No começo duma palavra é o mesmo que não existir. Em Homem, Hoje ou Haver, por exemplo, tanto faz existir o H como não existir.

— Então, por que continua o H nessas palavras? — indagou o menino.

— Porque elas são filhas de palavras latinas que também se escreviam com H, e todo o mundo está acostumado. Se fôssemos escrever Ornem, haveria um berreiro de protestos. . .

Mas quando o H se liga ao C, ele chia que nem pingo d'água em chapa de fogão, como em Machado, Achar, Chá, China. E se se liga a um L, ou a um N, produz um som que os gramáticos chamam Palatal, como nas palavras Alho, Trilho, Cunha, Vinho. Na Antiga Ortografia também se ligava ao P para dar um som igual ao F, como em Phosphoro, Philosopho, Phantasia.

Emília ficou muito tempo de prosa com a dama grega, aprendendo as regras da Nova Ortografia. Por ela soube que a Senhora Ortografia Etimológica tinha residência num bairro próximo, onde todas as palavras continuavam a trajar pelo sistema antigo.

— A Ortografia Etimológica entrincheirou-se lá, furiosa da vida, e não admite que ninguém toque na vestimenta das suas palavras. Essa boa velha sustenta as modas antigas. Palavras que vieram do latim com letras dobradas, ela as conserva direitinhas. Não admite mudanças.

— A boba! — exclamou Emília, com toda a irreverência. — Se tudo na vida muda, por que as palavras não haveriam de mudar? Até eu mudo. Quantas vezes não mudei esta carinha que a senhora está vendo?

— Muda de cara, como? — indagou Dona Ortografia, franzindo a testa.

— Sei lá. Mudo. Ou, antes, eles mudam a minha cara.

— Quem são eles?

— Esses diabos que desenham minha figura nos livros. Cada qual me faz de um jeito, e houve um tal que me fez tão feia que piquei o livro em mil pedacinhos.

— Pois é uma grande injustiça — declarou a dama. — Na minha opinião, você é uma bonequinha encantadora.

— E sabe que sou também um pocinho de it? — acrescentou Emília, piscando.

Narizinho puxou-a por um braço. Era demais aquele assanhamento.
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Observações:
Quando Lobato escreveu este livro "ele" ainda se escrevia com acento. (N. do E.)
O Trema foi abolido segundo a nova ortografia.
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Continua ... Capítulo XXVI: Emília ataca o reduto etimológico
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

sábado, 18 de dezembro de 2010

José Feldman (Nilto Maciel, O Mago das Almas)


Por José Feldman

Esta semana recebi o livro Contos Reunidos, volume II, de Nilto Maciel, enviado pelo próprio autor, ano passado já me havia enviado o volume I. Aliás, estou profundamente agradecido ao escritor que tem me enviado periodicamente seus livros e jornais literários do Ceará.
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O que podemos falar de Nilto? Antes uma breve apresentação do escritor, para passarmos aos comentários sobre seus textos. Uma biografia mais completa você poderá encontrar em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/nilto-maciel-1945.html.

Nilto nasceu em Baturité, cidade localizada ao norte do Ceará, cerca de 100 km, cuja população é de cerca de 30 mil habitantes. Foi o ano de 1945. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 70. Em parceria com outros escritores, no ano de 1976 criou a revista Saco (http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/08/nilto-maciel-revista-o-saco-e-o-grupo.html). Transferiu-se no ano seguinte para Brasília, trabalhando na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do DF. Em 2002 regressou a Fortaleza onde reside atualmente. Venceu inúmeros concursos literários, e escreveu diversos livros, tendo contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês. Além de contos e romances publicados, também Panorama do Conto Cearense, Contistas do Ceará, Literatura Fantástica no Brasil. Mais sobre o autor pode ser encontrado em seu site http://www.niltomaciel.net.br/ .

Contos Reunidos vol. I, são os 66 contos escritos por Nilto em seus livros Itinerário (1974 a 1990), Tempos de Mula Preta (1981 a 2000) e Punhalzinho cravado de ódio (1986). O volume II conta com 122 contos dos livros As Insolentes patas do cão (1991), Babel (1997) e Pescoço de Girafa na Poeira (1999).

Deste modo, no total são 188 contos para que o leitor possa viajar em suas folhas, entre o trágico e a comédia, a paisagem nordestina e a cidade grande. Seus contos fazem aflorar as nossas emoções mais profundas, desde a revolta pela vida de pessoas (como a Última Guerra de Hiroito, http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/08/nilto-maciel-ltima-guerra-de-hirohito.html) e mesmo dos animais (Carlim, http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/08/nilto-maciel-carlim.htm). Como no caso de Carlim, a revolta pela injustiça da vida de uns, misturada à tristeza que nos domina pelo resultado final. Mas, Nilto não pára só em sentimentos de desconfortos, segue adiante percorrendo cada emoção, a dúvida, a curiosidade que o ser humano possui, como neste que classifico como “fantástico conto fantástico”, O Riso do Gato (http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/05/nilto-maciel-o-riso-do-gato.html), em que coloca em um caldeirão a dúvida, o suspense, a curiosidade, o fantástico e o humor.

Nilto possui esta capacidade de fazer com que nossas almas percorram desde um estado de profunda tristeza ao de êxtase. Não é apenas um escritor, são muitos escritores dentro de um só. A cada conto terminado, aflora o anseio pelo próximo. Aonde Nilto nos conduzirá agora? Cada conto é um conto, que faz com que nossa imaginação nos leve às vezes a adentrar dentro dele e participar, deixando que nos levemos pelo seu encanto, pela sua linguagem simples e deliciosa.

Segundo João Carlos Taveira, no prefácio do livro de Nilto, Vasto Abismo: “Sua oficina romanesca comporta o absurdo, o fantástico, o linear, o surreal e, não raras vezes, o satírico, o burlesco, o humorístico. Seus temas, por diversos, exploram desde o corriqueiro e trivial triângulo amoroso, passando por perquirições do gênero policial, até o mais intrincado universo psicológico. Carpintaria digna dos melhores mestres da arte ficcional”.

Enfim, Nilto nos faz navegar num oceano de sentidos, com as velas da realidade içadas, mas fazendo-nos entregar-se as ondas da ilusão. Nos leva a enfrentar ventos contrários, hora fazendo com que sejam brisa em nosso rosto, hora tempestades que nos jogam contra os rochedos. Sorrisos, lágrimas, desespero, ansiedade, desejos, sonhos, dores, ressurreição são as águas deste oceano. Em cada conto encontramos um refúgio para a nossa dor, que nos transforma e faz com que cada página seja como o mar a beijar a areia, deixando sua marca.

Contos Reunidos vol. I e vol. II são momentos de magia que nos fazem transgredir as fronteiras do conhecimento e do desconhecido. Nilto faz com que o leitor deixe de ser um mero espectador e seja personagem integrante de seus textos.

Nilto Maciel (A Última Festa de um Homem Só)


Estirado no sofá, Fausto lia. Ou talvez apenas namorasse as letras. Não havia mulher no resto da casa. Ninguém mais. Apesar disso, ele vestia um roupão elegante e de seu corpo recendiam perfumes de devassidão.

O livro por pouco não lhe caiu das mãos, quando uma campainha tocou. Não eram horas de despertar. Quem estaria à porta?

Tocou de novo. Fausto largou o livro e correu ao telefone. Alô, boa noite, quem fala?

A voz dizia ser de Sardanapalo.

No entanto, Fausto não se lembrava de ninguém com esse nome. Não seria Assurbanipal?

De qualquer forma, desejava o quê?

Ajuda. Preciosa ajuda. Só ele, Fausto, poderia ajudá-lo. Queria promover uma festa em seu palácio.

Fausto riu. O sujeito só podia estar brincando. Ora, não entendia nada de festas nem de palácios. Fosse para o inferno.

Ia desligar o aparelho e dizer, embora para si mesmo, mais uns desaforos.

— Sou o rei da Assíria.

Conteve-se e comprimiu o fone contra o ouvido. À festa deveriam comparecer os monarcas de todos os tempos. Vivos e mortos.

Riu mais uma vez Fausto. Aquele rei vivia em algum manicômio. Continuasse, pois, a dizer disparates. Rir até fazia bem.

Como Fausto fosse pessoa bem relacionada, amigo de reis e rainhas, contava Sardanapalo com a valiosa ajuda dele. Em troca, oferecia-lhe a sua amizade. Aliás, precisavam se conhecer pessoalmente. Aguardasse, pois, sua visita. Assim arranjariam juntos a relação dos nomes dos convidados. Porque nenhum monarca poderia faltar à sua festa.

Despediam-se e Fausto voltava ao sofá. Conversa mais sem sentido. Parecia até sonho.

O livro jazia aberto sobre o sofá. Nem se lembrava mais do que havia lido. Seriam versos de Goethe? Histórias do Diabo? As vidas dos imperadores romanos?

Fausto agarrou o livro, leu um trecho. Riu satisfeito. Não havia perdido a memória. O livro chamava-se A morte de Sardanapalo.

Preocupou-se de novo. A “conversa” de há pouco teria sido sonho ou realidade? No entanto sonhos não faziam mal a ninguém. Além do mais, costumava sonhar com personagens de livros. Sobretudo quando o personagem o impressionava muito. Sardanapalo, então, comovia o leitor mais insensível. Sua vida era de uma riqueza sem limites. Até sua morte, durante o incêndio do palácio real.

O livro caiu-lhe das mãos, quando tocou uma campainha. Mais uma vez o louco? Não, nem pegaria o telefone. Tocasse à vontade.

A campainha tocou de novo. Porém a da porta. Talvez algum amigo.

Correu e girou a chave. Um sujeito esquisito deu-lhe boa-noite. Vestia roupas fosforescentes. E se dizia Sardanapalo.

Mudo, Fausto deixou-o entrar. E o homem entrou, luminoso, esquisito.

E toda a casa se pôs a pegar fogo.

Fontes:
MACIEL, Maciel. As Insolentes Patas do Cão. In Contos Reunidos volume II. Porto Alegre/RS: Bestiário, 2010.
Imagem – Edmund Siderius

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.73)


Trova do Dia

Embora rudes e escassos
os bons atos, em geral,
o Natal recria laços
num simples “Feliz Natal!”
FLÁVIO ROBERTO STEFANI/RS

Trova Potiguar

É fruto do coração,
esta trova especial...
- Levar à cada um irmão,
"meu abraço de Natal".
FRANCISCO MACEDO/RN

Uma Trova Premiada

2007 > Caicó/RN
Tema > NATALINO > 2º Lugar

Na manjedoura em Belém,
nasce um mistério profundo:
Uma luz vinda do além,
que se fez a luz do mundo!
PROF. GARCIA/RN

Uma Trova de Ademar

Para a ceia que traduz
um grande significado,
quero que seja Jesus
meu principal convidado.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Chega o Natal... e as criança,
na pobreza sem brinquedo,
não tendo mais esperanças
ficam adultas mais cedo.
NYDIA IAGGI MARTINS/RJ

Estrofe do Dia

No Natal compre presentes
compre flores e perus,
encha a árvore de bolinhas
enfeite com muita luz;
prepare um belo jantar
e não deixe de convidar
o nosso amado Jesus.
JOSÉ ACACI/RN

Soneto do Dia

– Antonio Roberto Fernandes/RJ –
O MAIOR MILAGRE.

Meu jovem Jesus Cristo, um dia aqui viestes
para sentir na carne a angústia dos humanos,
porém voltastes cedo às vastidões celestes,
pregado numa cruz, aos trinta e poucos anos.

No ardor da juventude afugentastes pestes,
vencestes vendilhões, demônios, oceanos,
provocando, ao pregar pelas trilhas agrestes,
o assombro dos judeus e o ódio dos romanos.

Sofrestes muito, eu sei, mas não ficastes velho.
Morrestes moço e, assim, pôde o Vosso Evangelho
os séculos vencer e vir chegar a nós.

Mas o maior milagre não foi realizado.
Voltai... Envelhecei... E fraco e esclerosado
fazei, de novo, o mundo acreditar em Vós.

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXIV: E o Visconde?

Tornava-se preciso descobrir o Visconde. A sua misteriosa "sumição", como dizia a boneca, vinha preocupando a todos seriamente. As informações obtidas eram poucas e vagas. O vigia da Senhora Anticonstitucionalissimamente contara que o tinha visto por lá com um Ditongo debaixo do capote, a espernear. Uma das Frases que tomavam sol no Jardim das Orações também dissera que ele havia raptado um Ditongo. E foi só. Nada mais conseguiram colher.

— Um Ditongo! — murmurava Emília com ruguinhas na testa. — Raptou um Ditongo!. . . Mas para quê, Santo Deus? Com que fim? Há em tudo isto um grande mistério. . .

— Com certeza trata-se dalgum Ditongo arcaico, que ele furtou levado pela sua mania de antiguidades — sugeriu Pedrinho.

— Não há Ditongos Arcaicos — disse Quindim.

O remédio era um só — irem ao bairro das Sílabas, que é onde moram os Ditongos.

— Pois vamos — decidiu Narizinho.

Foram — e montados em Quindim por ser meio longinho. Ao alcançar o bairro o rinoceronte parou a fim de orientar-se.

— É aqui mesmo — disse ele, vendo as ruas cheias de Sílabas, num ir e vir constante. — Mas onde será a Rua dos Ditongos?

— Melhor indagar — lembrou a menina, e, chamando uma silabazinha muito curica que ia passando, disse: — A senhorita poderá informar-nos onde fica a Rua dos Ditongos?

— Com todo gosto — respondeu a lambetinha na sua voz de formiga. — Fica nesta direção, três quadras à esquerda.

Quindim trotou para lá.

— É aqui :— disse ele, ao penetrar numa rua onde só existiam Sílabas formadas de duas Vogais. — Os Ditongos são estes.

— Quê! — exclamou Narizinho, surpresa. — Ditongo, uma palavra tão gorda, quer dizer só isso — sílaba de duas vogais? Pensei que fosse coisa mais importante. . .

— Pois, menina, os gramáticos não tiveram dó de gastar um quilo de grego para classificar estas minúsculas silabazinhas. Eles dividem-nas em DITONGOS, SEMIDITONGOS, TRITONGOS e MONOTONGOS.

Todos se riram daquele grande luxo "nomenclástico", como talvez dissesse a boneca, se não continuasse absorta em profundas cogitações.

— Emília está "deduzindo!" — murmurou a menina ao ouvido de Quindim. — Quando lhe dá o sherlockismo, ninguém conte com ela.

— Havia por ali duas espécies de Ditongos — os ORAIS, que só se pronunciam com a boca, e os NASAIS, em que o som sai também pelo nariz, AI, AU, EI, EU, IU, OU, OI, UE e ui eram os Orais, ÃE, AM, EM, ÕE eram os Nasais. Mas Quindim, que conhecia todos os Ditongos de cor e salteado, estranhou não ver entre eles o mais importante de todos — o Ão.

"Querem ver que o Visconde raptou o Ão?", refletiu, lá consigo, o paquiderme.

Os meninos notaram uma certa agitação entre os Ditongos. Evidentemente havia sucedido qualquer coisa grave. Andavam de cá para lá, escabichando os cantinhos e informando-se uns com os outros, na atitude clássica de quem procura objeto perdido.

Emília entrou em cena. Agarrou um dos Ditongos Nasais pelo til e pousou-o na palminha da mão. Era o Ditongo ÕE. — Diga-me, ditonguinho, que foi que houve por aqui? Noto uma certa agitação entre vocês, como em formigueiro de saúva em dia que sai içá.

— De fato, estamos agitados — respondeu o ditonguinho. — Um dos meus manos, o Ão, que era justamente o mais importante da família, desapareceu misteriosamente. Temo-lo procurado por toda parte, mas sem resultado. Sumiu. . .

— Quem sabe se alguém o raptou? — sugeriu a boneca.

— Impossível! Que alguém haverá no mundo que queira um Ditongo Nasal? Nós só servimos para formar palavras; não temos outra função na vida, e nenhuma casa de ferro velho daria um vintém por todos nós juntos.

— Espere — disse Emília, refletindo. — Diga-me uma coisa: Não andou por aqui um filósofo de fora, sem cartolinha na cabeça e com umas palhas de milho ao pescoço?

— Andou, sim. Um sábio um tanto embolorado, não é?

— Isso mesmo! Bolor verde. . .

— Esteve cá, sim. Esteve de prosa conosco e depois desapareceu. Foi logo em seguida que demos pela falta do Ão. A senhora acha que. . .

— Mais que acho! Sei que foi ele quem raptou o Ditongo. O que não consigo achar é a explicação de semelhante coisa. Esse sábio é o grande Visconde de Sabugosa, que mora no sítio de Dona Benta. O guarda da Senhora Anticonstitucionalissimamente me disse que o viu com um Ditongo debaixo do capote; e mais tarde uma Frase, lá no Jardim das Orações, também nos declarou positivamente que o Visconde havia raptado um Ditongo.

— Ora veja!. . . — exclamou o ditonguinho arregalando os olhos. — Mas, para quê? Para que um tão ilustre sábio quererá um Ditongo? ..

É o que me preocupa — disse Emília, recaindo em cismas.

O mistério do sumiço do Visconde continuava a embaraçar os meninos. Teria sido preso como gatuno? Teria sido assassinado? Teria voltado para o sítio com o Ditongo no bolso? Mistério. . .

— Se houvesse por aqui um jornal, poderíamos pôr um anúncio: "Perdeu-se um Visconde assim, assim; dá-se boa gratificação a quem o achar".

— Mas não existe jornal, e é tolice ficarmos toda a vida a campeá-lo. Vamos esquecer o Visconde. Olhem que ainda temos de visitar a Senhora Ortografia.

Foi resolvido esquecerem o Visconde e visitarem a Senhora Ortografia. Montaram de novo em Quindim e partiram. A meio caminho Emília bateu na testa.

— Heureca! Achei! Achei!... Já descobri tudo! Já descobri a razão do "delito" do Visconde. . .

Todos se voltaram para ela.

— O Visconde — explicou Emília — sofre do coração, como vocês muito bem sabem, e por isso se assusta com as palavras que trazem o tal Ditongo Ão. O coitado assusta-se como se o Ão fosse um tiro, ou um latido de cachorro bravo. . .

— É verdade! — confirmou Narizinho. — Lembro-me que uma vez ele levou um grandíssimo tombo, quando Tia Nastácia berrou da cozinha para o camarada do compadre Teodorico, que ia para a cidade: "Seo Chico, não esqueça de me trazer da venda um pão de sabão!" Aquele "pão de sabão" berrado foi o mesmo que dois tiros de espingarda de dois canos no coraçãozinho do Visconde, que estava distraído lendo a sua álgebra. O coitado caiu de costas. Lembro-me perfeitamente disso. . . ele até andou de coranchim machucado uma porção de dias.

— Pois é — concluiu a boneca, radiante. — O Visconde raptou esse Ditongo para livrar a língua de todas as palavras que dão tiros, ou que latem como cachorro bravo. . .

— E fez muito bem — disse Quindim. — O maior defeito que acho nesta língua portuguesa é esse latido de cachorro, que a gente não encontra em nenhuma outra língua viva. Até a mim, que sou bicho africano, o Ão me assustava no começo. Trazia-me a idéia de latido de cães de caça, seguidos de homens armados de carabinas. . .

Como fosse ali o bairro ortográfico, Narizinho propôs que se procurasse a pessoa que tomava conta da zona.

— Quem sabe se ela sabe onde está o Visconde? — sugeriu.

— Pode ser, mas duvido muito — disse Emília. — O Visconde ou está na cadeia, como gatuno, ou está no cemitério, enterrando o coitadinho do Ditongo. Eu bem que compreendo a idéia dele. E se ele fizer isso, vai haver a maior das atrapalhações na língua. Sem o Ão como é que a gente se arruma para , comprar um Pão? Fica Pao. . . E Sabão fica Sabao. . . E Ladrão fica Ladrao. . . Atrapalha a língua completamente. . .
______________________
Continua ... Capítulo XXV: Passeio Ortográfico
____________________________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.72)


Trova do Dia

Fartura à mesa é quimera,
um sonho que muita gente,
todo Natal sempre espera,
mas, não ganha de presente...
DARLY O. BARROS/SP

Trova Potiguar

Tocam sinos de alegria
no encanto do firmamento...
E a luz da estrela anuncia
Jesus em seu nascimento!
MARA MELINNI GARCIA/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > 3º Lugar

Que cesse, enfim, toda a guerra,
que vença o amor a Jesus,
que seja o Natal na Terra
sem luz de bombas... só luz...
LEDA MARIA BECHARA/MG

Uma Trova de Ademar

Noel quase nunca vem
visitar nossas favelas,
pois, lá, crianças não têm
nem sapatos, nem janelas...
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Papai Noel, bom velhinho,
neste Natal, sob a lua...
Procure meu sapatinho
sobre a janela da rua!....
ADELIR MACHADO/RJ

Estrofe do Dia

O Natal nos lembra vida
que a outra "vida" conduz...
Vinte séculos sem Jesus
e a missão não foi cumprida.
se fez de desentendida
a humanidade cruel,
deu a Cristo cruz e fel
que culminou na paixão
pela grande salvação
da sua igreja infiel.
FRANCISCO MACEDO/RN

Soneto do Dia

– Divenei Boseli/SP –
NATAL PROFANO

Em meio ao tilintar de copos e talheres
do champanhe barato e o vinho de segunda,
o suor e o avental de simplórias mulheres
garantem saciar a gula que as circunda...

Na sala o pisca-pisca ofusca o olhar de alferes
dos pais sobre os guris que, à luz pouco profunda,
procuram na etiqueta os muitos caracteres,
rasgando embrulho a embrulho, em plena barafunda!

E dizem que é Natal... no costume imitando
os mesmos fariseus que acabaram matando
quem hoje se festeja sem lhe seguir o exemplo...

Neste “natal” profano imploro, e me comovo:
renasça, Nazareno, aqui, dentre o meu povo,
para expulsar, de novo, os vendilhões do templo.

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXIII: Exame e Pontuação

Depois de brincarem por algum tempo naquele jardim de Períodos, e de discutirem novamente a campeação do Visconde, os meninos resolveram ir ao bairro das Sílabas sherlockar o rapto do Ditongo — como dizia a Emília.

— Não ainda — propôs Dona Sintaxe. — Quero correr um exame nos meus alunos. Venham todos cá — e o senhor também, Seu Rinoceronte.

Os meninos e o paquiderme perfilaram-se diante da grande dama.

— Muito bem — disse ela. — Vou agora ver se essas, cabecinhas guardaram o que ensinei, e para isso temos que analisar uma frase.

E voltando-se para um grupo de frases passeadeiras:

— Aproxime-se um Período para ser analisado! Depressa! ...

Apresentou-se incontinenti aquele assanhadíssimo Período que dizia assim: Tia Nastácia faz bolinhos que todos acham muito gostosos.

— Vamos ver, Emília, quantas Orações há neste Período?

— Duas! — respondeu imediatamente a boneca. — A primeira é a Principal e a segunda é a Subordinada.

— Muito bem. E qual o Sujeito da primeira, Pedrinho?

— Tia Nastâcia.

— Muito bem. E qual o Sujeito da segunda, senhor paquiderme?

— Todos — rosnou o rinoceronte com um bamboleio de corpo.

— Muito bem. E qual o Predicado da primeira, Narizinho?

— Faz bolinhos — disse a menina com água na boca, porque estava chegando a hora do jantar.

— Muito bem. E qual o Predicado da segunda, Quindim?

— Acham muito gostosos — respondeu o rinoceronte, lambendo os beiços.

— Muito bem. E qual o Complemento Verbal da primeira, Emília?

— Bolinhos! — berrou a boneca. — Bolinhos é o Objeto Direto do Verbo Faz — quem não sabe disso?

— Muito bem. E qual o Complemento Verbal da segunda, Pedrinho?

— Que.

— Esse Que a que se refere?

— Refere-se a Bolinhos.

— Bravos! — exclamou Dona Sintaxe. — Vejo que não perdi o meu tempo. Podem ir brincar.

Foi uma gritaria, e todos saíram aos pinotes. Emília espreguiçou-se e Quindim deu uma chifrada no ar, de brincadeira.

— E agora? — disse Narizinho. — Ela nos mandou brincar; mas brincar de quê, nesta cidade de palavras? Uma idéia!. . . Vamos ver a Pontuação! Onde fica a Pontuação, Quindim?

— Aqui perto, num bazar. Eu sei o caminho — respondeu o paquiderme.

No tal bazar encontraram os SINAIS DE PONTUAÇÃO, arrumados em caixinhas de madeira, com rótulos na tampa. Emília abriu uma e viu só VÍRGULAS dentro.

— Olhem que galanteza! — exclamou. — Vírgulas, Vírgulas e mais Vírgulas! Parecem bacilos do cólera-morbo, que Dona Benta diz serem virgulazinhas vivas.

Emília despejou um monte de Vírgulas na palma da mão e mostrou-as ao rinoceronte.

— Essas Vírgulas servem para separar as Orações, as Palavras e os Números — explicou ele. — Servem sempre para indicar uma pausa na frase. A função delas é separar de leve.

Emília soprou o punhadinho de Vírgulas nas ventas de Quindim e abriu a outra caixa. Era a do PONTO E VÍRGULA.

— E estes, Quindim, estes casaizinhos de Vírgula e Ponto?

— Esses também servem para separar. Mas separar com um pouco mais de energia do que a Vírgula sozinha.

Emília despejou no bolso de Pedrinho todo o conteúdo da caixa.

— E estes aqui? — perguntou em seguida, abrindo a caixinha dos DOIS PONTOS.

— Esses também servem para separar, porém com maior energia do que o Ponto e Vírgula.

Metade daqueles Dois Pontos foram para o bolso do menino. Emília abriu uma nova caixa.

— Oh, estes eu sei para que servem! — exclamou ela, vendo que eram PONTOS FINAIS. — Estes separam duma vez — cortam. Assim que aparece um deles na frase, a gente já sabe que a frase acabou. Finou-se. . .

Em seguida abriu a caixa dos PONTOS DE INTERROGAÇÃO.

— Ganchinhos! — exclamou. — Conheço-os muito bem. Servem para fazer perguntas. São mexeriqueiros e curiosíssimos. Querem saber tudo quanto há. Vou levá-los de presente para Tia Nastácia.

Depois chegou a vez dos PONTOS DE EXCLAMAÇÃO.

— Viva! — gritou Emília. — Estão cá os companheiros das Senhoras Interjeições. Vivem de olho arregalado, a espantar-se e a espantar os outros. Oh! Ah!!! Ih!!!

A caixinha imediata era a das RETICÊNCIAS.

— Servem para indicar que a frase foi interrompida em certo ponto — explicou Quindim.

— Não gosto de Reticências — declarou Emília. — Não gosto de interrupções. Quero todas as coisas inteirinhas — pão, pão, queijo, queijo — ali na batata! — e, despejando no assoalho todas aquelas Reticências, sapateou em cima.

Depois abriu outra caixa e exclamou com cara alegre:

— Oh, estes são engraçadinhos! Parecem meias-luas. . . Quindim explicou que se tratava dos PARÊNTESES, que servem para encaixar numa frase alguma palavra, ou mesmo outra frase explicativa, que a gente lê variando o tom da voz.

— E aqui, estes pauzinhos? — perguntou Emília, abrindo a última caixa.

— São os TRAVESSÕES, que servem no começo das frases de diálogo para mostrar que é uma pessoa que vai falar. Também servem dentro duma frase para pôr em maior destaque uma Palavra ou uma Oração.

— Que graça! — exclamou Emília. — Chamarem Travessão a umas travessinhas de mosquito deste tamanhinho! Os gramáticos não possuem o "senso da medida".

Quindim olhou-a com o rabo dos olhos. Estava ficando sabida demais. . .
______________________
Continua ... Capítulo XXIV: E o Visconde?
____________________________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Cidade de Santos (SP) em Trovas


Fornecendo os alimentos
do seu meio tão fecundo,
o mar, em todos momentos
sacia a fome do mundo.
ALVARO HILINSKI

Que no instante derradeiro,
ao fechar meus olhos nus,
ancore, enfim, meu veleiro
num porto pleno de luz...
AMÉRICO DEG'LESPOSTI

Eu sou como o cais vazio...
Um porto de despedida,
o corroído navio...
sem chegada... nem partida!
ANA MARIA GUERRIZE GOUVEIA

Da infância guardo a magia
do meu veleiro encantado.
Era nele que eu fugia
do mundo feio e pesado.
ÁUREA NAVARRO TURINI

Singra os mares desta vida
nosso amor, forte veleiro,
bate a procela atrevida
e chega ao porto, altaneiro.
BELLARMINO FRANCO

No verde mar, o arrebol
reflete uma linda imagem,
o veleiro, à luz do sol,
é a brnca cor da paisagem.
BRITES QUARESMA FIGUEIREDO

Juventude embevecida!
Entre as rosas da ilusão,
roubaram-te a flor da vida
e as hastes do coração!
CARMEN CERDEIRA VENTURA

O porto pulsa, fecundo,
nas chegadas e partidas,
nutrindo artérias do mundo
dando vida a tantas vidas!
CAROLINA RAMOS

A brisa leve balança
o veleiro sobre o mar,
e traz de volta a esperança
na força do teu olhar!
CÉLIA S. OLIVEIRA

Mar revolto, se agitando,
lembra a vida em seu passar...
Sou veleiro flutuando,
me equilibrando no mar.
CIDOCA DA SILVA VELHO

Em noite alta... madrugada,
contemplo a lua contrito
- Barca de prata aportada
nos segredos do infinito.
CLÁUDIO DE CÁPUA

Espera por mim, veleiro,
sem minhas malas não partas...
leva o meu sonho primeiro
e as esperanças mais fartas!
CYNIRA ANTUNES DE MOURA

Singrando mares de espinhos,
meu coração, quase, morto,
encontrou nos teus carinhos
a segurança de um porto.
EDNA GALO

No tempo da juventude,
nada sabemos da vida.
Qualquer paixão nos ilude,
toda estrada é reflorida.
ENÉAS DE CASTRO

Quando a tristeza me alcança
e teima em ficar comigo,
eu me ancoro na esperança,
pois é sempre um porto amigo.
ILZE DE ARRUDA CAMARGO

Juventude, quero crer,
é fé, força de vontade,
por isso podemos ver
jovens de qualquer idade.
IRACY APARECIDA CARRIJO

Segue o destino traçado
da trilha a ti concedida,
não lamentes do passado
a juventude perdida.
IZABEL MORAES AGUIAR

Evolando após a infância,
a juventude é fumaça,
tão fugaz, como a fragrância
de um bom perfume que passa...
LAVÍNIO GOMES DE ALMEIDA

Contemplo o mar... E lembrando
os dias da mocidade,
parece-me ver, singrando,
o veleiro da saudade.
MARGARIDA MARIA FORTES DE MELLO

Censurar a juventude
por seu desleixo ou pecado
é de fato um modo rude
de olvidar nosso passado.
MARIA DA GLÓRIA C. DE VASCONCELLOS

Dos bens que a vida levou,
recuperei o que pude,
só um foi e não voltou:
o tempo da juventude!
MARIA JOSÉ ARANHA DE REZENDE

O quintal da juventude
tem horta, pomar, jardim,
tem céus, voos, amplitude...
O meu quintal foi assim!
MARIA MAGDALENA D. DE MENDONÇA

De solidão quase morto,
meu coração, sonhador,
é um batel de porto em porto
na esperança de um amor.
MARIA NELSI SALES DIAS

Pérolas! Filhas do mar,
resumem os meus anseios,
quando em rútilo colar
na alva concha dos teus seios!
MOACYR FIGUEIREDO

Na juventude, a paixão
traz feitiço verdadeiro
pois grava no coração
o fremir do amor primeiro.
NEUSA SIMÕES CARITO

Guardas, porto, e silencias,
quando chegam ao teu cais,
solidões de calmarias...
destroços de vendavais.
NILO ENTHOLZER FERREIRA

Debocham da sociedade,
usam mala, mensalão...
Neste mar de impunidade,
afogam nossa nação!
PAULO RENATO ALMEIDA COSTA

Eu tenho sido um veleiro
nos mares da fantasia,
mas faço sempre o roteiro
levado pela poesia...
ROSÁLIA HELENA G. BONSEGNO

Ainda que não pareça,
e mesmo em tempo mais rude,
por mais que a gente padeça,
é feliz na juventude!
ROSALINA ROSA

Meu barco... um dia lancei-o
enfrentando o mar bravio.
Partiu de sonhos tão cheio
e ao porto voltou vazio...
SILVINA ANTUNES LEAL

Juventude trago na alma
e também no coração
e assim enfrento com calma
os dias de solidão...
SELMA MORAES

Qual uma esteira de prata,
o luar cai sobre a areia,
e o mar, numa serenata,
faz trovas à lua cheia!
SOPHIA LEITE CRUZ

Juventude! Quem me dera,
que essa quadra colorida
voltasse a ser primavera
nos dias de minha vida!
ZILDA PEDROSO

Fonte:
Colaboração de Carolina Ramos

Efigênia Coutinho (Benção de Natal)


Nesta noite que se festeja o Natal,
Comemoramos com o Menino Jesus
Uma Aliança muito especial...
Sua chegada ao mundo de Luz.

É a festa que traz muita esperança
Numa reverência que marca a união
De Deus Filho, feito criança,
E os homens com grande emoção.

É Natal e com alegria os sinos dobram,
Numa canção feita de Amor que Reluz,
Onde os nossos votos se renovam
Diante da bênção do Menino Jesus.

A plantar nos corações a Esperança,
O Pai Eterno o Seu Filho enviou,
Para marcar da vida a bonança,
Deixando seu Amor, nos abençoou!.
------------------

Efigenia Coutinho é Presidente Fundadora da AVSPE - Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores www.avspe.eti.br/

Fontes:
A Autora

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.71)


Trova do Dia

Natal e a loja enfeitada
em nada lembra Jesus:
Jesus viveu sem ter nada,
do berço de palha à cruz!
GABRIEL BICALHO/MG

Trova Potiguar

Aleluia! nova luz
há de brilhar no universo,
no renascer de Jesus
unindo o povo disperso.
DJALMA MOTA/RN

Uma Trova Premiada

2001 > Petróplis/RJ
Tema > “JESUS” > 44º Lugar.

Tem Jesus, no olhar sereno
o próprio reino do bem;
no entanto, nasceu no feno
lá na gruta de Belém.
ADILSON MAIA/RJ

Uma Trova de Ademar

Peço a Noel que ele faça
com toda bondade sua,
um grande “Natal” na praça
para as crianças de rua.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Natal. No céu e na terra
quanta alegria! Natal!
A paz adoçando a guerra,
o bem adoçando o mal.
BELMIRO BRAGA/MG

Estrofe do Dia

Se papai Noel voltasse
a ser aquele velhinho,
distribuindo presentes
durante a noite e sozinho...
devolveria à criança
novamente a confiança,
o amor, a fé, o carinho.
MANOEL DANTAS/RN

Soneto do Dia

– Hermoclydes Siqueira Franco/RJ –
"N A T A L"

Sob o céu estrelado da Judéia,
Nasceu o Deus-Menino, em noite linda...
Cobriu o mundo, então, ternura infinda
E o fato fez sagrada a Galiléia!

Os Reis-Magos, após longa odisséia,
- Na homenagem maior de sua vinda -
Contemplavam a luz, brilhante, ainda,
Da Estrela-Guia sobre a terra hebréia!...

Da natureza, o bem que sempre traz,
E os pastores, sorrindo à intensa paz,
Mostravam que o Senhor era chegado.

Maria, a Virgem Santa, estava aflita,
Pois sabia que a glória era infinita
E o destino do Filho era traçado!...

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXII: As Orações ao Ar Livre

Foram todos para o jardim, onde numerosas Orações costumavam passear ao sol. Dona Sintaxe apontou para uma delas e disse:

— Vamos ver, Emilinha, se você sabe o que significa um grupo de palavras como aquele que ali está, junto ao canteiro de margaridas.

— Pois é uma Oração, está claro! Quem não sabe?

— Você não sabe, Emília. Aquilo é mais que uma Oração — é todo um PERÍODO GRAMATICAL, composto de várias Orações.

— Um Período é então um cacho de Orações — disse Emília. — Estou entendendo. A Oração é uma banana; o Período é uma penca de bananas.

O rinoceronte gostou do exemplo e lambeu os beiços, enquanto Dona Sintaxe explicava que os Períodos se dividem em duas classes — PERÍODOS SIMPLES e PERÍODOS COMPOSTOS.

— O Período Simples é o que... — foi dizendo Emília, mas engasgou.

— É o que se compõe só de uma Oração — concluiu Dona Sintaxe.

— E o Período Composto é o que se compõe de duas! — gritou a boneca vitoriosamente.

— De duas ou mais — corrigiu Dona Sintaxe. — Aquele que ali vai passando é um Período Composto.

O tal Período Composto dizia o seguinte: Emília soltou o preso, mas não ganhou nem um muito obrigado.

— Notem — observou Dona Sintaxe — que há duas Orações, governadas por dois Verbos — Soltou e Ganhou. Por isso o Período é Composto. A Conjunção Mas amarra a segunda Oração à primeira.

— Estou vendo — disse Emília. — E aquele outro, perto do canteiro de cravos?

— Aquele é um Período Simples, formado de uma só Oração: O Visconde está com medo. Repare que há um só Verbo.

— E aquele outro lá perto do canteiro das dálias? — indagou Pedrinho, mostrando um Período que dizia assim: O rinoceronte, que é um sabido, está calado.

— Aquele é um Período Composto que traz uma Oração pendurada em outra. Note que uma Oração não está ligada à outra, mas sim pendurada no meio da outra. Se sair dali não estraga o resto. Chama-se Oração INTERFERENTE.

— Pendurada com que gancho? — perguntou Emília.

— Com o gancho daquele pronominho Que. Notem que nesse Período Composto há duas Orações: (1) O rinoceronte está calado; (2) Que é um sabido. Mas esta última está apenas enganchada no meio da primeira, como numa rede, por meio do gancho do Pronome Que.

— Que tem mesmo jeito dum ganchinho! — observou Emília, e todos concordaram, para não haver briga.

— Vamos agora ver como estas Orações se classificam quanto ao papel que representam no Período — disse Dona Sintaxe. — Elas podem ser de três classes - COORDENADAS, PRINCIPAIS e SUBORDINADAS.

E, para exemplificar, gritou na direção dum grupo de Períodos que estavam parados diante dum repuxo:

— Aproxime-se um Período Composto que queira servir de exemplo! Depressa!

Todo saltitante, destacou-se do grupo este Período: O pica-pau picou o pau e fugiu quando viu Quindim.

— Reparem — disse Dona Sintaxe — que temos três Orações neste Período. Uma Coordenada, porque está ligada a outra Coordenada pela Conjunção E: O pica-pau picou o pau. E temos a segunda Oração, que é a Principal: E fugiu; e temos a terceira, que é a Subordinada, ou escrava da Principal: Quando viu Quindim. Sem estar ligada à Oração Principal esta terceira fica sem sentido, ninguém a entende. Mas ligada torna-se clarinha como água de pote; quem lê compreende logo que o pica-pau fugiu quando viu Quindim.

— Oração Principal? — estranhou a menina.

— Oração Principal é a que pensa que é independente mas não é, porque depende das outras para completar o que ela quer dizer. Aquela ali, por exemplo. Venha cá, Senhor Período!

Aproximou-se um Período Composto que se lia assim: Quindim está com fome porque não encontrou capim por aqui.

— Reparem. A Oração Quindim está com fome é a Principal, mas não fica bem, bem, bem, bem completa sem a outra: Porque não encontrou capim por aqui. Esta outra ajuda a completar a Principal. As Senhoras Orações Principais trazem sempre o Verbo no Modo Indicativo ou no Modo Imperativo, não se esqueçam.

Dona Sintaxe despediu aquele Período e chamou outro.

— Aproxime-se uma Oração na voz ATIVA! Depressa. Muito lampeira, destacou-se do grupo uma Oração que dizia assim: O gato comeu o pica-pau.

— Que história de Voz Ativa é essa? — indagou Emília.

— Já irá saber --- respondeu a Senhora Sintaxe, e voltando-se para a nova oraçãozinha: —- Você está na Voz Ativa, não é assim? Pois então passe parada voz PASSIVA para esta boneca ver. Incontinenti a oraçãozinha desmanchou-se toda para formar outra da seguinte maneira: O pica-pau foi comido pelo gato.

— Muito bem! — aprovou Dona Sintaxe. O E para os meninos:

— Notem que Pica-Pau, que é o Objeto Direto da primeira Oração, passou a ser Sujeito desta última, e reparem que o Sujeito da primeira (Gato) passou a ser Complemento.

— Que Objeto Direto é esse, que apareceu aí sem mais nem menos? — berrou Emília.

— Objeto Direto é aquilo que completa o sentido do Verbo diretamente. A gente pergunta ao Verbo: o quê? E a resposta é o tal Objeto Direto. O gato comeu o quê? O pica-pau. Logo, pica-pau é o Objeto Direto.

— Que peste é a tal Gramática! — disse Emília. — Tem coisas que não acabam mais. Só sinto que, em vez de ter comido o pobre pica-pau, o gato não tivesse comido a Senhora Gramática, com todas estas damas que andam por aqui. . .

Dona Sintaxe não ouviu e continuou:

— Por meio destas passagens de Sujeitos para Complementos e de Complementos para Sujeitos é que as Orações passam da Voz Ativa para a Voz Passiva. Entenderam?

Os meninos fizeram com a cabeça que sim.

Durante toda a conversa Quindim manteve-se de parte, ouvindo com muita atenção as palavras da grande dama e aprovando-as com movimentos de chifre. Emília, que gostava de tirar a prova de tudo, foi ter com ele para lhe perguntar num cochicho:

— Que acha desta senhora, Quindim?* Sabe mesmo Gramática ou está nos tapeando?

O rinoceronte riu-se filosoficamente.

— Como não há de saber, Emília, se ela é a Sintaxe, ou uma das partes da própria Gramática? A Sintaxe dum lado e a Lexiologia de outro formam a Gramática inteira. Nunca duvide do que a Senhora Sintaxe disser. . .
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Continua ... Capítulo XXIII: Exame e Pontuação
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource