sexta-feira, 18 de março de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 152 a 154)


Mensagens Poéticas n. 152

Uma Trova Nacional

Um velho muito assanhado,
mas já de carne bem magra,
quis recordar o passado,
e se entupiu de Viagra ...
(AGNELO CAMPOS/SP)

Uma Trova Potiguar

Pijama de seda lisa
neste teu corpo delgado
em si, já caracteriza
o quanto és "delicado".
(ROSA REGIS/RN)

Uma Trova Premiada

2009 > Bandeirantes/PR
Tema > ARRUAÇA > Menção Honrosa

De arruaça em arruaça,
de pinga a cabeça cheia,
surrou a mulher na praça
e foi mulher na cadeia.
(OLGA AGULHON/PR)

Uma Trova de Ademar

Um matuto, por sandice,
ao ver a Praia fez festa...
Olhou para o Mar e disse:
– ô açudão da molesta!!!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Fantasiei-me de rato
e vejam só no que deu:
meu marido foi de gato,
por pouco não me comeu...
(VERA MARIA DE LIMA BRAZ/MG)

Simplesmente Poesia

MOTE.
Cabra safado não morre;
Só se matar de cacete.

GLOSA:
Não há veneno nem porre
pra levar o traste ruim.
Quem é bom logo tem fim,
cabra safado não morre;
o diabo sempre o socorre
por debaixo do colete;
toma coice de ginete,
de cobra leva mordida,
mas não desgruda da vida,
só se matar de cacete.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Estrofe do Dia

Eu vivo assim nesse frevo,
as minhas dívidas pagando,
todo mundo me cobrando,
quanto mais pago mais devo;
já estou que não me atrevo
pagar o que não comprei,
só se chegou essa lei
depois da democracia!
Paguei mais do que devia,
devo mais do que paguei.
(ZEZO PATRIOTA/PB)

Soneto do Dia

– Marcos Satoru Kawanami/SP –
MINHA NORA VIDENTE.

Achei, de minha parte, coisa boa
os zelos e cuidados que agora
ao meu filho dispensa minha nora,
a qual varre, cozinha, e ensaboa.

Pois, antes, nem sequer mesquinha broa
degustava meu filho ao vir da aurora,
moído a sustentar a tal senhora
que ao banho não se dava, tão à toa...

Hoje em dia, meu filho passa bem:
a mulher tomou viço e se perfuma
cuida do lar com ânimo também!

Mas a transformação se deu, em suma,
depois que um anjo lá chegou, de trem,
por benzer as mulheres, uma a uma!


Mensagens Poéticas n. 153

Uma Trova Nacional

Pense bem nas atitudes
antes de emitir conceitos;
quem não conhece as virtudes
não deve apontar defeitos!
(ARLINDO TADEU HAGEN/MG)

Uma Trova Potiguar

Quando a família é rompida
por atos cegos, tiranos;
deixa destroços de vida,
restos de seres humanos.
(MANOEL CAVALCANTE/RN)

Uma Trova Premiada

1999 > Acad. Mineira de Trovas/MG
Tema > “LIVRE” > Venc.

Ao homem Deus deu a Terra
e veja o que o homem faz:
– Cria as hienas da guerra
e mata as pombas da paz.
(OLYMPIO COUTINHO/MG)

Uma Trova de Ademar

Envolta em seu lindo manto,
com seus raios derradeiros,
a lua clareia o pranto
nos olhos dos seresteiros.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Magia... Posso entendê-la
na inspiração que me embala:
é desejar uma estrela
e conseguir alcançá-la!
(MARIA DOLORES PAIXÃO/MG)

Simplesmente Poesia

– Henrique Marques Samyn/RJ –
NA FINAL DE 50.

Barbosa, cabisbaixo, se levanta
e segue, a passos lentos, rumo à meta.

Caminha. Numa solidão de asceta,
não vê o mundo em volta. Só a bola

que, morta, jaz na rede, entorpecida.
Barbosa se levanta. Não vê nada,

mas ouve a multidão emudecida.

Estrofe do Dia

Os carinhos de mãe estremecida,
os brinquedos dos tempos de criança,
o sorriso fugaz de uma esperança
e a primeira ilusão da nossa vida,
o adeus que se dá por despedida,
o desprezo que a gente não merece,
o delírio da lágrima quando desce
nos momentos de angustia e de desgraça;
passa tudo na vida, tudo passa
mas nem tudo que passa a gente esquece.
(DIMAS BATISTA/PE)

Soneto do Dia

– Carmen Ottaiano/SP –
ANDORINHAS.

Um dia ele chegou, tal primavera,
fazendo um ninho doce em minha mão,
juntando as folhas de uma longa espera
de andorinha que sonha com verão.

Um dia ele gerou tanta quimera,
tantos frutos já fora da estação,
que me despi das penas que eu tivera,
vendo explodir no peito uma canção!

Um dia ele partiu gerando infernos,
e os meus olhos em lágrimas serenas
cristalizaram temporais eternos...

Juntando versos de um verão apenas,
nua ao sabor de todos os invernos,
eu fiquei só, coberta de outras penas!

Mensagens Poéticas n. 154

Uma Trova Nacional

Vivo a vida, sem rancores;
e as mágoas que tive, um dia,
hoje, são mares de Amores
onde navega a Poesia!
(MARISA VIEIRA OLIVAES/RS)

Uma Trova Potiguar

Busquei no universo um dia,
uma resposta eficaz;
que transformasse a poesia
num hino de amor e paz!!!
(PROF. GARCIA/RN)

Uma Trova Premiada

1994 > Belém/PA
Tema > JANELA > Venc.

Ao sentir que foge a calma
e até viver me angustia,
eu abro as janelas da alma
e deixo entrar a Poesia!
(CAROLINA RAMOS/SP)

Uma Trova de Ademar

O Deus que fez lago e monte,
que fez céu, mar, noite e dia,
fez do poeta uma fonte
por onde jorra poesia...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Faço versos se estou triste,
faço versos de alegria,
a minha alma não resiste
aos apelos da poesia.
(CORA LAYDNER/RS)

Simplesmente Poesia

GLOSA:
Por qualquer outra riqueza,
não troca a minha poesia.

MOTE:
É da minha natureza,
achar que tudo está bom
e eu não troco esse meu dom
Por qualquer outra riqueza.
Sei navegar na beleza
de qualquer filosofia,
se o sofrer me deprecia
o amor vem me soerguer;
nem por dinheiro e poder
não troca a minha poesia
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Estrofe do Dia

Eu encontro poesia,
quando vem a madrugada
e quando surge a alvorada
trazendo a barra do dia;
a passarada em folia
da dormida despertando,
de dois em dois debandando
a procura de comer,
em tudo isto se vê
a poesia jorrando.
(ZÉ DE CAZUZA/PB)

Soneto do Dia

– Pedro Ornellas/SP –
REFÚGIO.

Todo poeta tem, por ser poeta,
um mundo à parte, pleno de magia!
Só ele sabe a porta, que é secreta,
fronteira entre o real e a fantasia.

Ali depõe a mágoa que o alfineta,
se o mundo o fere, ali se refugia...
É ali que encontra a paz e se completa
quando conversa, a sós, com a poesia.

Nesse lugar que a mente humana cria
o Amor é a lei, o bem a ordem-do-dia,
o idioma é a Paz e quem governa é a Arte!

Não é um lugar nas dimensões terrenas,
mas um estágio ao qual se eleva apenas
quem da Poesia faz seu mundo à parte!

Fonte:
Ademar Macedo
12, 13 e 14 de março

Carnaval em Versos (Organização de Heloísa Crespo) Parte Final


Organização: Heloisa Crespo
Campos dos Goytacazes/RJ.
heloisacrespo@gmail.com
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Heloisa Crespo

Os poetas foliões
vestiram as fantasias,
desfilaram nos cordões
declamando poesias.
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Pessoa
CARNAVAL DÉCIMA

Neste carnaval, espero,
Que brinque com sensatez
E abraçar todos vocês
Na quarta, é o que mais quero
Eis meu pedido sincero
Que faço e não volto atrás
Gosto de você demais
Se for dirigir, não beba
De Deus a graça receba
Tenha um carnaval de paz.

Fonte:
Heloísa Crespo

1o. Encontro do Selo Brasileiro


Escritores de várias regiões do Brasil se reúnem no primeiro evento oficial do grupo Selo Brasileiro, este que apresenta à literatura um novo mosaico de talentos e singularidades.

Ana Paula Bergamasco, Carolina Estrella, Darlan Hayek, Georgette Silen, Liana Cupini e Marcos Bulzara discutirão, num bate papo informal com os autores e leitores presentes, suas obras, sua arte, suas visões e opiniões sobre os assuntos importantes para a literatura de hoje.

A conversa com os autores será mediada por Hiago Rodrigues, que relacionará as perguntas entre os convidados e a plateia, participando ativamente com perguntas e sugestões.

Ao fim do evento serão sorteados vários brindes pelos autores, que estarão à disposição para consultas, troca de experiências e autógrafos.

Um ótimo programa cultural para quem gosta não só de livros, mas da nova literatura que se faz presente em todos os públicos, por muitas linguagens e de várias formas, com autores para todos os gostos.

Dados do evento:
Data: Sábado – 02/04/2011
Horário: 15h às 17h
Local: Livraria Saraiva- Shopping Center Norte
A entrada é gratuita

Mais informações 11 3449 4366 selobrasileiro@gmail.com selobrasileiro.blogspot.com

Fonte:
Agência Literária AGL
Blog do Agente Literário

Lygia Fagundes Telles (Tigrela)


Encontrei Romana por acaso, num café. Estava meio bêbada mas lá no fundo da sua transparente bebedeira senti um depósito espesso subindo rápido quando ficava séria. Então a boca descia, pesada, fugidio o olhar que se transformava de caçador em caça. Duas vezes apertou minha mão, eu preciso de você, disse. Mas logo em seguida já não precisava mais, e esse medo virava indiferença, quase desprezo, com um certo traço torpe engrossando o lábio. Voltava a ser adolescente quando ria, a melhor da nossa classe, sem mistérios. Sem perigo. Fora belíssima e ainda continuava mas sua beleza corrompida agora era triste até na alegria. Contou-me que se separou do quinto marido e vivia com um pequeno tigre num apartamento de cobertura.

Com um tigre, Romana? Ela riu. Tivera um namorado que andara pela Ásia e na bagagem trouxera Tigrela dentro de um cestinho, era pequenina assim, precisou criá-la com mamadeira. Crescera pouco mais do que um gato, desses de pêlo fulvo e com listras tostadas, o olhar de ouro. Dois terços de tigre e um terço de mulher, foi se humanizando e agora. No começo me imitava tanto, era divertido, comecei também a imitá-la e acabamos nos embrulhando de tal jeito que já não sei se foi com ela que aprendi a me olhar no espelho com esse olho de fenda. Ou se foi comigo que aprendeu a se estirar no chão e deitar a cabeça no braço para ouvir música, é tão harmoniosa. Tão limpa, disse Romana, deixando cair o cubo de gelo no copo. O pêlo é desta cor, acrescentou mexendo o uísque. Colheu com a ponta dos dedos uma lâmina de gelo que derretia no fundo do copo. Trincou-a nos dentes e o som me fez lembrar que antigamente costumava morder o sorvete. Gostava de uísque, essa Tigrela, mas sabia beber, era contida, só uma vez chegou a ficar realmente de fogo. E Romana sorriu quando se lembrou do bicho dando cambalhotas, rolando pelos móveis até pular no lustre e ficar lá se balançando de um lado para outro, fez Romana imitando frouxamente o movimento de um pêndulo. Despencou com metade do lustre no almofadão e aí dançamos um tango juntas, foi atroz. Depois ficou deprimida e na depressão se exalta, quase arrasou com o jardim, rasgou meu chambre, quebrou coisas. No fim, quis se atirar do parapeito do terraço, que nem gente, igual. Igual, repetiu Romana procurando o relógio no meu pulso. Recorreu a um homem que passou ao lado da nossa mesa, As horas, as horas! Quando soube que faltava pouco para a meia-noite baixou o olhar num cálculo sombrio. Ficou em silêncio. Esperei. Quando recomeçou a falar, me pareceu uma jogadora excitada, escondendo o jogo na voz artificial: Mandei fazer uma grade de aço em toda a volta da mureta, se quiser, ela trepa fácil nessa grade, é claro. Mas já sei que só tenta o suicídio na bebedeira e então basta fechar a porta que dá para o terraço. Está sempre tão lúcida, prosseguiu baixando a voz, e seu rosto escureceu. O que foi, Romana?, perguntei tocando-lhe a mão. Estava gelada. Fixou em mim o olhar astuto. Pensava em outra coisa quando me disse que no crepúsculo, quando o sol batia de lado no topo do edifício, a sombra da grade se projetava até o meio do tapete da sala e se Tigrela estivesse dormindo no almofadão, era linda a rede de sombra se abatendo sobre seu pêlo como uma armadilha.

Mergulhou o dedo indicador no copo, fazendo girar o gelo do uísque. Usava nesse dedo uma esmeralda quadrada, como as rainhas. Mas não é mesmo extraordinário? O pouco espaço do apartamento condicionou o crescimento de um tigre asiático na sábia mágica da adaptação, não passava de um gatarrão que exorbitou, como se intuísse que precisava mesmo se restringir: não mais do que um gato aumentado. Só eu sei que cresceu, só eu notei que está ocupando mais lugar embora continue do mesmo tamanho, ultimamente mal cabemos as duas, uma de nós teria mesmo que... Interrompeu para acender a cigarrilha, a chama vacilante na mão trêmula. Dorme comigo, mas quando está de mal vai dormir no almofadão.

Deve ter dado tanto problema, E os vizinhos?, perguntei. Romana endureceu o dedo que mexia o gelo. Não tinha vizinhos, um apartamento por andar num edifício altíssimo, todo branco, estilo mediterrâneo, Você precisa ver como Tigrela combina com o apartamento. Andei pela Pérsia, você sabe, não? E de lá trouxe os panos, os tapetes, ela adora esse conforto veludoso, é tão sensível ao tato, aos cheiros. Quando amanhece inquieta, acendo um incenso, o perfume a amolece. Ligo o toca-discos. Então dorme em meio de espreguiçamentos, desconfio que vê melhor de olhos fechados, como os dragões. Tivera algum trabalho em convencer Aninha de que era apenas um gato desenvolvido, Aninha era a empregada. Mas agora, tudo bem, as duas guardavam uma certa distância e se respeitavam, o importante era isso, o respeito. Aceitara Aninha, que era velha e feia, mas quase agredira a empregada anterior, uma jovem. Enquanto essa jovem esteve comigo, Tigrela praticamente não saiu do jardim, enfurnada na folhagem, o olho apertado, as unhas cravadas na terra.

As unhas, eu comecei e fiquei sem saber o que ia dizer em seguida. A esmera(da tombou de lado como uma cabeça desamparada e foi bater no copo, o dedo era fino demais para o aro. O som da pedra no vidro despertou Romana que me pareceu, por um momento, apática. Levantou a cabeça e vagou o olhar pelas mesas repletas, Que barulho, não? Sugeri que saíssemos, mas ao invés da conta pediu outro uísque, Fique tranqüila, estou acostumada, disse e respirou profundamente. Endireitou o corpo. Tigrela gostava de jóias e de Bach, sim, Bach, insistia sempre nas mesmas músicas, particularmente na Paixão Segundo São Mateus. Uma noite, enquanto eu me vestia para o jantar, ela veio me ver, detesta que eu saia mas nessa noite estava contente, aprovou meu vestido, prefere vestidos mais clássicos e esse era um longo de seda cor de palha, as mangas compridas, a cintura baixa. Gosta, Tigrela? perguntei, e ela veio, pousou as patas no meu colo, lambeu de leve meu queixo, para não estragar a maquilagem, e começou a puxar com os dentes meu colar de âmbar. Quer para você?, perguntei, e ela grunhiu, delicada mas firme. Tirei o colar e o enfiei no pescoço dela. Viu-se no espelho, o olhar úmido de prazer. Depois lambeu minha mão e lá se foi com o colar dependurado no pescoço, as contas maiores roçando o chão. Quando está calma, o olho fica amarelo bem clarinho, da mesma cor do âmbar.

Aninha dorme no apartamento?, perguntei e Romana teve um sobressalto, como se apenas naquele instante tivesse tomado consciência de que Aninha chegava cedo e ia embora ao anoitecer, as duas ficavam sós. Encarei-a mais demoradamente e ela riu, Já sei, você está me achando louca, mas assim de fora ninguém entende mesmo, é complicado. E tão simples, você teria que entrar no jogo para entender. Vesti o casaco, mas tinha esfriado? Lembra, Romana?, eu perguntei. Da nossa festa de formatura, ainda tenho o retrato, você comprou para o baile um sapato apertado, acabou dançando descalça, na hora da valsa te vi rodopiando de longe, o cabelo solto, o vestido leve, achei uma beleza aquilo de dançar descalça. Ela me olhava com atenção mas não ouviu uma só palavra. Somos vegetarianas, sempre fui vegetariana, você sabe. Eu não sabia. Tigrela só come legumes; ervas frescas e leite com mel, não entra carne em casa, que carne dá mau hálito. E certas idéias, disse e apertou minha mão. Eu preciso de você. Inclinei-me para ouvir, mas o garçom estendeu o braço para apanhar o cinzeiro e Romana ficou de novo frívola, interessada na limpeza do cinzeiro, Por acaso eu já tinha provado leite batido com agrião e melado? A receita é facílima, a gente bate tudo no liquidificador e depois passa na peneira, acrescentou e estendeu a mão. O senhor sabe as horas? Você tem algum compromisso, perguntei, e ela respondeu que não, não tinha nada pela frente. Nada mesmo, repetiu, e tive a impressão de que empalideceu, enquanto a boca se entreabria para voltar ao seu cálculo obscuro. Colheu na ponta da língua o cubo diminuído de gelo, trincou-o nos dentes. Ainda não aconteceu mas vai acontecer, disse com certa dificuldade porque o gelo lhe queimava a língua. Fiquei esperando. O largo gole de uísque pareceu devolver-lhe algum calor. Uma noite dessas, quando eu voltar para casa o porteiro pode vir correndo me dizer, A senhora sabe? De algum desses terraços... Mas pode também não dizer nada e terei que subir e continuar bem natural para que ela não perceba, ganhar mais um dia. Às vezes nos medimos e não sei o resultado, ensinei-lhe tanta coisa, aprendi outro tanto, disse Romana esboçando um gesto que não completou. Já contei que é Aninha quem lhe apara as unhas? Entrega-lhe a pata sem a menor resistência, mas não permite que lhe escove os dentes, tem as gengivas muito sensíveis. Comprei uma escova de cerda natural, o movimento da escova tem que ser de cima para baixo, bem suavemente, a pasta com sabor de hortelã. Não usa o fio dental porque não come nada de fibroso, mas se um dia me comer sabe onde encontrar o fio.

Pedi um sanduíche, Romana pediu cenouras cruas, bem lavadas. E sal, avisou apontando o copo vazio. Enquanto 0 garçom serviu o uísque, não falamos. Quando se afastou, comecei a rir, É verdade, Romana? Tudo isso! Não respondeu, somava de novo suas lembranças e, entre todas, aquela que lhe tirava o ar: respirou com esforço, afrouxando o laço da echarpe. A nódoa roxa apareceu em seu pescoço. Desviei o olhar para a parede. Através do espelho vi quando refez o nó e cheirou o uísque. Riu. Tigrela sabia quando o uísque era falsificado, Até hoje não distingo, mas uma noite ela deu uma patada na garrafa que voou longe. Por que fez isso, Tigrela? Não me respondeu. Fui ver os cacos e então reconheci, era a mesma marca que me deu uma alucinante ressaca. Você acredita que ela conhece minha vida mais do que Yasbeck? E Yasbeck foi quem mais teve ciúme de mim, até detetive punha me vigiando. Finge que não liga mas a pupila se dilata e transborda como tinta preta derramando no olho inteiro, eu já falei nesse olho? É nele que vejo a emoção. O ciúme. Fica intratável. Recusa a manta, a almofada e vai para o jardim, o apartamento fica no meio de um jardim que mandei plantar especialmente, uma selva em miniatura. Fica lá o dia inteiro, a noite inteira, amoitada na folhagem, posso morrer de chamar que não vem, o focinho molhado de orvalho ou de lágrimas.

Fiquei olhando para o pequeno círculo de água que seu copo deixou na mesa. Mas Romana, não seria mais humano se a mandasse para o zoológico? Deixe que ela volte a ser bicho, acho cruel isso de lhe impor sua jaula, e se for mais feliz na outra? Você a escravizou. E acabou se escravizando, tinha que ser. Não vai lhe dar ao menos a liberdade de escolha? Com impaciência, Romana afundou a cenoura no sal. Lambeu-a. Liberdade é conforto, minha querida, Tigrela também sabe disso. Teve todo 0 conforto, como Yasbeck fez comigo até me descartar.

E agora você quer se descartar dela, eu disse. Em alguma mesa um homem começou a cantar ao gritos um trecho de ópera, mas depressa a voz submergiu nas risadas. Romana falava tão rapidamente que tive de interrompê-la, Mais devagar, não estou entendendo nada! Freou as palavras, mas logo recomeçou o galope desatinado, como se não lhe restasse muito tempo. Nossa briga mais violenta foi por causa dele, Yasbeck, você entende, aquela confusão de amor antigo que de repente reaparece, às vezes ele me telefona e então dormimos juntos, ela sabe perfeitamente o que está acontecendo. Ouviu a conversa.

Quando voltei estava acordada, me esperando feito uma estátua diante da porta, está claro que disfarcei como pude, mas é esperta, farejou até sentir cheiro de homem em mim. Ficou uma fera. Acho que eu gostaria de ter um unicórnio, você sabe, aquele lindo cavalo alourado com um chifre cor-de-rosa na testa, vi na tapeçaria medieval, estava apaixonado pela princesa que lhe oferecia um espelho para que se olhasse. Mas onde está esse garçom? Garçom, por favor, pode me dizer as horas? E traga mais gelo!

Imagine que ela passou dois dias sem comer, entigrada, prosseguiu Romana. Agora falava devagar, a voz pesada, uma palavra depois da outra com os pequenos cálculos se ajustando nos espaços vazios. Dois dias sem comer, arrastando pela casa o colar e a soberba. Estranhei, Yasbeck tinha ficado de telefonar e não telefonou, mandou um bilhete, O que aconteceu com seu telefone que está mudo? Fui ver e então encontrei o fio completamente moído, as marcas dos dentes em toda a extensão do plástico. Não disse nada mas senti que ela me observava por aquelas suas fendas que atravessam vidro, parede. Acho que naquele dia mesmo descobriu o que eu estava pensando, ficamos desconfiadas mas ainda assim, está me entendendo? Tinha tanto fervor...

Tinha?, perguntei. Ela abriu as mãos na mesa e me enfrentou: Por que está me olhando assim? O que mais eu poderia fazer? Deve ter acordado às onze horas, é a hora que costuma acordar, gosta da noite. Ao invés de leite, enchi sua tigela de uísque e apaguei as luzes, no desespero enxerga melhor no escuro e hoje estava desesperada porque ouviu minha conversa, pensa que estou com ele agora. A porta do terraço está aberta, essa porta também ficou aberta outras noites e não aconteceu, mas nunca se sabe, é tão imprevisível, acrescentou com voz sumida. Limpou o sal dos dedos no guardanapo de papel. Já vou indo. Volto tremendo para o apartamento porque nunca sei se o porteiro vem ou não me avisar que de algum terraço se atirou uma jovem nua, com um colar de âmbar enrolado no pescoço.

Fonte:
TELLES, Lygia Fagundes. Seminário dos ratos.

II Encontro com Poetas Populares e Rodas de Cantoria


Programação

17/03/2011

14h30 - Oficina "O cordel, suas manhas e mumunhas"
Com Sepalo Campelo

16h - "Literatura de cordel: o tempo é hoje! "
Como a literatura de cordel evoluiu e permanece viva como gênero literário e fragmento da cultura popular transitando entre o simbólico e a resignificação dos códigos.
Com Gonçalo Ferreira da Silva, Manoel Monteiro e Maria do Rosário de Fátima Pinto

18h30 - "Roda de cantoria" com Mestre Azulão

18/03/2011

14h30 - Oficina "A literatura de cordel, evolução e firmamento"
Com Mestre Campinense

16h - "Literatura de cordel, desafio e pelejas: o cordel na contemporaneidade"
Como a literatura de cordel se apropriou das novas formas de comunicação e fez material
para a divulgação de seu conteúdo e instrumento para o processo identitário nacional.
Com Dalinha Catunda, João Batista Mello e Ivamberto Albuquerque

18h30 - "Roda de cantoria" com Sergival e Chico Salles

19/03/2011

16h - Sessão plenária na sede da ABLC - Rua Leopoldo Froes, 37 - Santa Teresa
Homenagem ao poeta Manoel Monteiro, eleito o "cordelista do ano de 2010"

Serviço
"II Encontro com poetas populares e rodas de cantoria"
17 e 18 de março de 2011, a partir das 14h30
Auditório do Museu de Folclore Edison Carneiro/CNFCP
Rua do Catete, 179 (metrô Catete), Rio de Janeiro, RJ

Realização
Academia Brasileira de Literatura de Cordel

Parceria
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

Patrocínio
Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro

Informações
Setor de Difusão Cultural/CNFCP
21-2285-0441 / 0891, ramais 204 e 206
difusão.folclore@iphan.gov.br
www.cnfcp.gov.br

Academia Brasileira de Literatura de Cordel
Rua Leopoldo Fróes, 37 - Santa Teresa, Rio de Janeiro, RJ
21-2232-4801
encontro@ablc.com.br
www.ablc.com.br

Produção executiva: Fernando Assumpção
fernandosilvaassumpcao@yahoo.com.br

quinta-feira, 17 de março de 2011

Carnaval em Versos (Organização de Heloísa Crespo) Parte III


Organização: Heloisa Crespo
Campos dos Goytacazes/RJ.
heloisacrespo@gmail.com
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Sonia Vasconcelos

A vida, palco ilusório,
cada qual se faz artista...
E Momo em seu repertório,
agrada a perder de vista.

Carnaval: corso, confete,
serpentinas no ar, no chão...
Colombinas bem coquetes,
Arlequins em profusão!
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José Lucas de Barros

No desfile da avenida
já perdi a fantasia,
mas no carnaval da vida
sou folião da poesia.

Maria Virgínia Claudino

Nesses dias de folia
Todos podem se alegrar:
Quem brinca, quem fantasia,
Quem fica pra descansar...

Cidinha Frigeri.

Sim, abraços coloridos
de serpentinas envoltos,
nos salões bem construídos
com confetes bons e soltos...

Olympio Coutinho

No Carnaval, meus amores,
eu busco outros carinhos:
o remelexo das flores,
o canto dos passarinhos.

Carlos Augusto Souto de Alencar

Carnaval, festa bonita,
mas não custa sugerir:
não abuse da "birita"
se você vai dirigir.

José Fabiano

Em nossa vida normal,
não há muita hipocrisia?
É durante o carnaval
que se tira a fantasia...

Laérson Quaresma

Dos folclores da Nação,
este aqui não tem rival,
causando espanto, emoção:
"festança do Carnaval!"
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Amilton Maciel Monteiro
MINHA FANTASIA


Eu brinco o Carnaval só com você,
Vestida de cigana ou colombina;
Seu eu for com outro alguém, não sei por que,
O meu entusiasmo desafina!

A minha fantasia “démodé”,
De traje de capiau e até botina,
Espero não causar nenhum auê
Em meio dessa gente tão grã-fina!

Não consegui comprar meu abadá,
O uniforme caro dos baianos,
Se eu não for de caipira então não dá...

Com essa vestimenta já faz anos
Que eu brinco em quase todo Carnaval.
Tomara que você não leve a mal!
===================

Armonia Gimenes de Salvo Domingues
“QUANTO RISO, OH, QUANTA ALEGRIA”

Carnaval no interior. Quanta saudade!
Ainda menininha ganhava meu lança-perfume.
Só os amigos seriam batizados por ele,
Para os demais um lança água de cheiro
Desempenhava a função e era
Inofensivo para o bolso dos pais.

Hoje o instinto maléfico se soltou e desandou
A receita da inocência carnavalesca.
Agora lança-perfume adulterado
Faz ver o sol nascer quadrado.
Os palhaços pintavam o rosto e seu lado lúdico fazia rir.
Hoje são lobos travestidos de palhaços para tumultuar.

O tempo era mais honesto e paciente até com o pierrô
Entre “riso e alegria” ele relembra à sua colombina
“Foi bom te ver outra vez, está fazendo um ano,
Foi no carnaval que passou, eu sou aquele pierrô
Que te abraçou e te beijou, meu amor...
Vou beijar- te agora, não me leve a mal, pois é carnaval”.

A delicadeza entre seres tão diferenciados
Só faz aumentar o respeito mútuo, o que se via
Até nos dias de Rei Momo de outrora,
Hoje os carnavais se prostituíram em bacanais.
Se fosse só saudosismo seria uma dor só do poeta,
Pena é que se tornou fatalidade.
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Nilton Manoel

O coroa num salão
faz o carnaval da vida;
e o jovem com emoção
quer a farra da avenida..

Meio-dia...quarta feira,
com os meus passos ranzinzas,
no trabalho, que canseira...
estou coberto de cinzas...
================

Paulo Walbach Prestes

Meu cordão da poesia
vai unido com o seu,
pelas trilhas da magia...
e no sonho de Orfeu.

Que saudade dos confetes,
serpentinas e pierrôs,
colombinas, marionetes,
das vovós e dos vovôs.

Fonte:
Heloisa Crespo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 149 a 151)


Mensagens Poéticas n. 149

Uma Trova Nacional

As "cinzas" da quarta-feira
são prantos de Carnaval...
Quanta menina faceira
trocou o Bem pelo Mal!...
(HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ)

Uma Trova Potiguar

Na passarela dos sonhos,
num desfile de magia,
passam pierrôs tristonhos,
num carnaval sem folia...
(MARIA CARRIÇO/RN)

Uma Trova “NÃO” Premiada

Fiz da vida um Carnaval,
mas terminei num impasse:
- A máscara do irreal
grudou-se na minha face!
(RENATO ALVES/RJ)

Uma Trova de Ademar

Quando o carnaval termina,
o que se vê pelas ruas
são jovens em cada esquina,
travestidas... Quase nuas!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

O carnaval bem merece
o prêmio Nobel da paz,
pois nele a gente se esquece
das crises que o mundo traz.
(JORGE MURAD/RJ)

Simplesmente Poesia

– Henrique Marques/RJ –
QUARTA-FEIRA DE CINZAS.

E quando a Quarta-Feira enfim chegou
e em cinzas transformou toda a folia,
rasgou, despudorada, a fantasia
que tantos mascarados deslumbrou;

e quando a Quarta-Feira enfim chegou,
fingiu não ver o mais cinzento dia;
e, em meio à rua clara e tão vazia,
cantou marchinhas e canções de amor.

No corpo nu calou toda a tristeza:
deitou-se, doida de melancolia,
na cama de confetes da calçada.

Tigresa, fez da quarta-feira presa:
lançou-se, incontrolável, sobre o dia –
bebeu, sedenta e só, a madrugada.

Estrofe do Dia

Na quarta-feira de cinzas
como qualquer outro dia,
faço de rimas e versos
toda minha fantasia;
me visto de inspiração
pra ser mais um folião
no bloco da poesia!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Soneto do Dia

– Elisabeth Souza Cruz/RJ –
POEMA DA APOTEOSE.

Tem gente que se diz carnavalesca
pensando no vestir da fantasia...
Há gente com ideia gigantesca
de mascarar a dor numa folia...

Outras existem, de ilusão dantesca,
às margens de uma suposta euforia,
não indo além da gula romanesca
de saciar o sonho por um dia...

O Carnaval, não mais de antigamente,
anda mesclado de prazer urgente,
com gente que não tira os pés do chão!

Mas Carnaval não tem dia nem mês...
é aquele em que se perde a sensatez
na apoteose de uma inspiração!

Mensagens Poéticas n. 150

Uma Trova Nacional

O tamanho dos abismos
que puseste em nossas vidas,
não se mede em algarismos,
mas em lágrimas vertidas.
(ADAMO PASQUARELLI/SP)

Uma Trova Potiguar

Necessária é a cultura
no enriquecer da nação;
irmã gêmea da ventura
bandeira do cidadão!
(ADELANTHA S. DANTAS/RN)

Uma Trova Premiada

2010 > Vaxias do Sul/RS
Tema > TRILHO > Venc.

Penso que assim como os trilhos
levam e trazem o trem,
o pai conduz os seus filhos
pelo caminho do bem.
(CLÊNIO BORGES/RS)

Uma Trova de Ademar

Para você sepultar
as mágoas do dia-a-dia,
não precisa se drogar,
use a Trovaterapia!...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Quem se julga eterno herdeiro
de um mundo farto e bizarro,
esquece que Deus – o Oleiro –
cobra o retorno do barro.
(ALONSO ROCHA/PA)

Simplesmente Poesia

– Efigênia Coutinho/SC –
CAFÉ DA MANHÃ.

Quem será este poeta
que perpassa pelo caminho,
fazendo minha alma dileta
e me afaga com tanto carinho?

Quem será este poeta
que na manhã meus lábios beija,
e em sua calma me oferta
a doçura de sua alma adeja?

Será só o desejo que alimenta
esta sua alma lisonjeira,
que faz do amor vestimenta
deixando-me a sonhar faceira?

E a sonhar pela madrugada
ponho da brandura o fino véu,
e sob a bela manhã ensolarada
elevo o teu nome ao céu!...

Estrofe do Dia

Essa palavra saudade
conheço desde criança,
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança,
saudade só é saudade
quando morre a esperança.
(PINTO DO MONTEIRO/PB)

Soneto do Dia

– Gilmar Leite/PE –
ALMA DISSONANTE.

Cada verso só torna-se nobreza
quando as cores sagradas da poesia,
mostram a alma do vate na grandeza
das ações do caráter todo dia.

Nada vale as palavras de beleza
se os atos não têm a fidalguia,
pois se perdem na vala da pobreza
onde a luz da virtude é bem vazia.

O sentido poético perfeito
tem que ser da verdade e do respeito,
através da bondade e coerência.

Sem os frutos da ética constante
cada verso se mostra dissonante,
que não diz do poeta a existência.

Mensagens Poéticas n. 151

Uma Trova Nacional

Em minha varanda, a sós,
vendo os ganchos na parede,
eu choro a falta dos nós
que amarravam nossa rede!
(DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP)

Uma Trova Potiguar

Muitos, dizem, pertencer,
as castas da cristandade;
mas mantém, no proceder,
presunção e má vontade...
(PEDRO GRILO/RN)

Uma Trova Premiada

2010 > São Paulo-Assinantes/SP
Tema > DESEJO > Venc.

Quando o desejo desponta
e a razão tenta se opor,
eu brinco de faz de conta
e levo em frente esse amor!
(RITA MOURÃO/SP)

Uma Trova de Ademar

Sou qual folha de papel
usada como rascunho
nos versos de um menestrel
escritos de próprio punho.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Minha vida é penitência
na balança de dois braços:
farturas da tua ausência
e ausência dos teus abraços!
(CARMEN OTTAIANO/SP)

Simplesmente Poesia

– Sergio Augusto Severo/RN –
EM-CANTO POTYGUAR.

Fui para longe do Mar,
me afastei da minha Terra
e do Encanto que se encerra
numa Mulher Potiguar.
Fui conhecer nos confins
das plagas interioranas,
belas Mineiras... Goianas,
e as Moças do Tocantins.
Mas, “sem levantar querelas”,
afirmo, nenhuma delas,
me encantou de um modo tal...
Pela graça irrequieta,
pela proporção correta:
-As “Meninas” de NATAL!

Estrofe do Dia

Eu nasci no interior,
Lá vivi com muito gosto.
Correndo pela campina
Sentindo vento no rosto
Hoje morro de saudade
Pois vivendo na cidade
É bem grande meu desgosto.
(DALINHA CATUNDA/CE)

Soneto do Dia

– Thama Tavares/SP –
SONETO DA AMIZADE.
(Para Lisete, Delcy e Divenei)

Eis que a vida me deu grandes riquezas!...
Não me refiro à prata nem ao ouro,
mas a amigos que tive nas tristezas,
que são ainda o meu maior tesouro.

São amigos no incerto e nas certezas,
no efêmero e também no duradouro,
que sabem perdoar minhas fraquezas,
e rir e ser na dor ancoradouro.

Assim, quando eu partir para o outro lado
após pagar, talvez, algum pecado
recobrarei a paz na consciência...

Mas lá, no Céu, serei quem nunca dorme,
só por velar, numa saudade enorme,
os amigos que fiz nesta existência.

Fonte:
Ademar Macedo
9, 10 e 11 de Março

quarta-feira, 16 de março de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 145 a 148)


Mensagens Poéticas n. 145

Uma Trova Nacional

Se entre guizos, eu componho
meu disfarce de Arlequim,
há sempre um Pierrô tristonho,
que chora dentro de mim!
(CAROLINA RAMOS/SP)

Uma Trova Potiguar

Surdo, cuíca e pandeiro,
usando esse arsenal,
mostra para o mundo inteiro,
o Brasil, seu carnaval.
(HÉLIO PEDRO/RN)

Uma Trova “NÃO” Premiada

A máscara colorida,
de uma forma original,
transformou a minha vida
num eterno carnaval.
(MARIA NASCIMENTO/RJ)

Uma Trova de Ademar

Aquele amor sem fronteira
no carnaval de nós dois,
durou até quarta-feira
e virou cinzas... Depois.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

A fantasia acabou...
Joguei a máscara a esmo,
e, da farsa, o que restou:
- eu, palhaço de mim mesmo!
(NÁDIA HUGUENIN/RJ)

Simplesmente Poesia

– Mena Moreira/MG –
SONHO DE CARNAVAL.

No carnaval ,
quero tirar a máscara
me despir da fantasia de palhaço
que exibo o ano inteiro!
Quero, de cara limpa,
cair na folia
viver a alegria
dos três dias !
Quero esquecer que sou palhaço
de uma sociedade massificada
de valores deturpados
verdades mascaradas
sentimentos massacrados
pessoas manuseadas ...
No carnaval ! ? ...
Quero esquecer tudo isso...
Me abrir em sorriso
afinal , pelo menos três dias,
ser feliz é preciso !...

Estrofe do Dia

Nos Carnavais sempre eu sofro
do princípio até o fim,
pois sou aquele palhaço
travestido de arlequim
e envolto na multidão
sinto um mundo de ilusão
sambando dentro de mim...
(ADEMAR MACEDO/RN)

Soneto do Dia

– Milton Souza/RS –
CARNAVAL TRISTE.

No Carnaval, como em meus tantos carnavais,
brinco, em silêncio, com as minhas fantasias...
Relembro sonhos, que já não existem mais,
pinto, com eles, as minhas horas vazias...

Noites tão longas, bem mais longas do que os dias,
horas que passam, sempre, devagar demais.
E estas lembranças, tão tristonhas e tão frias,
sempre gritando, em meus ouvidos, "nunca mais"...

E o "nunca mais" carrega em tudo o teu jeitinho,
beijos e abraços, recheados de carinho,
dos carnavais onde brilhava o nosso amor.

Deus te levou para morar na eternidade,
fiquei perdido, no meio desta saudade,
meu Carnaval agora é só tristeza e dor...

Mensagens Poéticas n. 146

Uma Trova Nacional

É carnaval... e em meu peito
qual um sagaz folião,
brinca o meu sonho desfeito
nas alas da solidão...
(GISELDA MEDEIROS/CE)

Uma Trova Potiguar

Carnaval, festa profana,
para qualquer mulheraço!
Quem pega forte na cana
finda perdendo o bagaço...
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Uma Trova de Ademar

O Carnaval irradia
prazeres aos foliões,
mas o melhor da folia
é nos nossos corações!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

No carnaval desta vida,
ou por graça ou por maldade,
a Mentira anda vestida
com a nudez da Verdade!
(ARCHIMINO LAPAGESSE/SC)

Simplesmente Poesia

– Pinhal Dias/PORTUGAL
O CARNAVAL.

O seu viver
é de reflexão…

O Carnaval
vem sempre bem vestido,
d’uma farsa
«Tradicional».
Admite estar rodeado
por esse Carnaval,
que lhe é assistido
por 365 dias…
Diariamente é confrontado
com todo o tipo de máscaras,
do político, económico, social
e com desgaste na saúde.
Basta!!!
Chegou o tempo de serem
todos desmascarados…

Estrofe do Dia

Neste carnaval, espero,
que brinque com sensatez
e abraçar todos vocês
na quarta, é o que mais eu quero;
eis meu pedido sincero
que faço e não volto atrás,
gosto de você demais,
se for dirigir, não beba,
de Deus a graça receba,
tenha um carnaval de paz.
(FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE)

Soneto do Dia

– Sergio Augusto Severo/RN –
MEUS NOVOS CARNAVAIS.

Ontem chegou um Novo Carnaval,
Mais um Tríduo Momesco que inicia.
eu que sempre vesti a Fantasia,
fui revelar-me Nu, ao natural.

E sendo eu, saudoso Folião,
dos Carnavais de Corso, na Avenida,
(A “Rio Branco” a minha preferida),
me preparei, de bengala na mão.

E não “banquei” o “Bat Masterson”.
O “toc” da bengala deu o tom
da minha claudicante alegria.

Ao repuxar da perna (Um “AVC”),
sem imitar o “Saci-Pererê”,
eu, num pé só, pulei...sem Fantasia!

Mensagens Poéticas n. 147

Uma Trova Nacional

O morro grita o seu nome
num frenesi sem igual
e vai sambando com fome
a deusa do carnaval!
(FERNANDO CÂNCIO/CE)

Uma Trova Potiguar

Carnaval – Festa do povo,
dos prazeres, da folia...
Foliões buscam de novo
reviver sua alforria!...
(JOAMIR MEDEIROS/RN)

Uma Trova “NÃO” Premiada

De sábado a terça-feira
cai na folia o país...
Diverte-se a pátria inteira,
sem medo de ser feliz!
(A. DE ASSIS/PR)

Uma Trova de Ademar

Carnaval é uma alforria
para quem tem depressão;
quatro dias de alegria
de frevo e de diversão.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

No carnaval de verdade,
da vida não tive nada...
- Quem dera a felicidade,
nem que fosse mascarada!
(J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC)

Simplesmente Poesia

– Roberto P. Acruche/RJ –
MEU CARNAVAL.

Você foi meu carnaval
meu folguedo
minha folia
minha festa
minha alegria
nunca houve nada igual.
Oh... Saudade!...
Daquele tempo que não volta mais.
Coração de morena,
onde está você?
Que vontade de te ver!...
Você foi meu carnaval!
Meu sonho
meu samba
minha fantasia
a mais brilhante e colorida
a mais bela da minha vida
nunca houve outra igual.

Estrofe do Dia

Dancei forró na latada,
Vi vale, vi serrania,
na lida da apartação
esbanjei muita alegria.
Mas, a minha fantasia
era de couro, o gibão,
e o meu cavalo alazão
entrando no matagal,
fazia o meu carnaval
nas quebradas do sertão.
(MARCOS MEDEIROS/RN)

Soneto do Dia

– Darly O. Barros/SP –
UMA VEZ SAMBISTA...SEMPRE SAMBISTA.

Se o sangue ferve e a pele se arrepia,
ao som da Escola, em novo samba-enredo,
sem mais rodeios, veste a fantasia
e a máscara, que é bom guardar segredo!

Esquece os males, entra na folia,
que é tempo de alegria e de folguedo,
só não te atrases, nossa bateria
vai esquentar seus tamborins mais cedo!

Quero te ver de novo na Avenida,
suada, sorridente, enrouquecida,
rememorando antigos carnavais,

e então, findo o desfile, em plena rua,
te ver sambando, ainda, à luz da lua,
com a alma leve e um ar de quero mais!

Mensagens Poéticas n. 148
TROVAS PARA O DIA DA MULHER

Uma Trova Nacional

Vêm as rugas...e, no entanto,
a mulher não se intimida.
A perda externa do encanto
não desencanta uma vida!
(EDMAR JAPIASSU MAIA/RJ)

Uma Trova Potiguar

Minha mulher reza tanto
aos pés de nosso senhor;
que eu vou precisar ser santo
pra merecer seu amor.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Uma Trova Premiada

1965 > Nova Friburgo/RJ
Tema > MULHER > 1º Lugar.

No dia em que tu quiseres
ser meu senhor e meu rei,
serei todas as mulheres
na mulher que te darei.
(NYDIA IAGGI MARTINS/RJ)

Uma Trova de Ademar

Deus demonstrando poder,
quando a mulher engravida,
transforma a dor em prazer
na celebração da vida.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Não há poeta ou pintor,
nem outro artista qualquer,
que enalteça com rigor
a perfeição da Mulher.
(ALYDIO C. SILVA /MG)

Simplesmente Poesia

– Vinícius de Moraes/RJ –
A MULHER QUE PASSA.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! Como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Estrofe do Dia

Sou Poeta e Trovador,
penso igual a todo vate:
em mulher nunca se bate
nem mesmo com uma flor!
Pra mulher eu dou amor
ponho rosa em seu caminho
escrevo num pergaminho
que é pra poder lhe avisar:
– no dia que eu me zangar
Mato você... de carinho.
(ADEMAR MACEDO/RN)

Soneto do Dia

– Divenei Boseli/SP –
A MULHER QUE EU CONHEÇO.

Conheço uma mulher e as mágoas que a consomem,
dos tempos celestiais, dourada fantasia
que a fez vivenciar efêmera alegria
nos braços infernais do seu primeiro homem.

Excêntrica mulher (que por leviana a tomem),
foi virgem que cedeu à primeira ousadia,
se fez esposa e mãe, mulher com galhardia,
uma leoa, enfim! (Se bem que alguns a domem...)

Excelso querubim, foi quase meretriz,
sem nunca rejeitar o pão que Deus lhe deu,
sem nunca se curvar àquilo que não quis!

E agora, rumo ao fim, pôs fel no que escreveu,
mesclando o casto mel de quem quer ser feliz...
Conheço essa mulher... Essa mulher sou eu!

Fonte:
Ademar Macedo
5,6,7 e 8 de Março

Cecília Meirelles (Romanceiro da Inconfidência)


Romanceiro da Inconfidência é uma coletânea de poemas da escritora brasileira Cecília Meireles, publicada em 1953, que conta a História de Minas dos inícios da colonização no século XVII até a Inconfidência Mineira, revolta ocorrida em fins do século XVIII na então Capitania de Minas Gerais.

Em 85 "romances", mais quatro "cenários" e outros de prólogo e êxodo, Cecília evoca primeiro a escravidão dos africanos na região central do planalto em episódios da exploração do ouro e dos diamantes no século 18; logo o centro da coletânea é dedicado ao destino dos heróis da chamada "Inconfidência Mineira" - Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga, sua noiva e amada Marília de Dirceu bem como de outras figuras históricas implicadas no acontecimento, como D. Maria I a louca, na altura Rainha de Portugal.

Mais lírica do que narrativa, a obra assume o lado dos derrotados (transformados depois em heróis da Independência do Brasil) denunciando o sistema colonial que favorece a exploração dos desvalidos:
A terra tão rica
e – ó almas inertes! –
o povo tão pobre...
Ninguém que proteste!
(...) (in: Do animoso Alferes, Romance XXVII)

Estes branquinhos do Reino
nos querem tomar a terra:
porém, mais tarde ou mais cedo,
os deitamos fora dela
. (in: 'Do sapateiro Romance XLII)

A reinterpretação da história serve no entanto de ponto de partida para uma reflexão filósofica e metafísica sobre a condição humana. Surgindo Tiradentes como um avatar de Cristo e sofrendo o sacrifício do bode expiatório, ele se torna num redentor do Brasil, que abriria a nova era da liberdade. "Construindo com o Romanceiro da inconfidência um mosaico em que cristalizariam vibrações captadas na terceira margem da memória coletiva, Cecília consolidava uma teia de mitos suscetíveis de fortalecer o sentimento da identidade brasileira"(Uteza, 2006 : p. 294).

Podemos dividir os fatos que compõem o Romanceiro em três partes ou ciclos:

a) ciclo do ouro;

b) ciclo do diamante;

c) ciclo da liberdade ou inconfidência com sua ascensão e queda.

Aí parece haver uma gradação proposital: ouro/diamante/liberdade.

Como o ouro e o diamante, a liberdade brilhou intensamente nas Minas Gerais, mas como o ouro e o diamante, a liberdade só trouxe desgraças, masmorras e mortes....

a) Ciclo do ouro

O cenário colocado para o ciclo do ouro prenuncia também o ciclo da liberdade, no qual "a mão do Alferes de longe acena" como a querer dizer:

Adeus! que trabalhar vou para todos!...

Mas essa mão que acena à liberdade e ao homem livre será enforcada mais tarde. Por enquanto, vejamos o alvorecer do ouro que vai brilhar intensamente nas Minas Gerais, despertando a cobiça e ganância dos homens e, quem sabe, o sonho de liberdade dos inconfidentes que nasceria também do ouro da terra.

Descobre-se o ouro e, por causa dele, o homem vai matando animais, pessoas, florestas e tudo que lhe atravessa o caminho. Desbrava-se a mata. Surgem montanhas douradas de ouro e de cobiça que despertam uma verdadeira alucinação:

Selvas, montanhas e rios
estão transidos de pasmo.
É que avançam, terra adentro,
os homens alucinados.

(Romance I)

E gerações e mais gerações de netos afundariam nesse abismo:

Que a sede de ouro é sem cura,
e, por ela subjugados,
os homens matam-se e morrem,
ficam mortos, mas não fartos. (ib .ib)

Como o ouro que brota da terra, brotam também "as sinistras rivalidades", ladrões e contrabandistas, - um clima de intranqüilidade:

todos pedem ouro e prata,
e estendem punhos severos,
mas vão sendo fabricadas
muitas algemas de ferro.

(Romance II)

E por amor, pelo ouro, uma donzela é assassinada pela mão de seu pai. O ouro não permitia que a donzela acenasse a enasse a um amor "de condição desigual" o seu lencinho" de sonho e sal"

Surge Felipe dos Santos, que assanha a fúria do Conde de Assumar. É morto e esquartejado, mas o herói que tomba no Arraial do Ouro Podre ficará como exemplo perene de força e de coragem para os que virão.

O tirano conde haveria de chorar porque quem ri, chora também. O Brasil ainda era criança - um "menino" apenas. Nasceriam outros como Felipe dos Santos:

Dorme, meu menino, dorme,
- que Deus te ensine a lição
dos que sofrerem neste mundo
violência e perseguição
Morreu Felipe dos Santos;
outros, porém, nascerão.

(Romance V)

Cria-se o quinto do ouro, cobrado a ferro e fogo: a Coroa precisava de ouro. Há logros: D. Rodrigo César e Sebastião Fernandes enviam para a coroa caixotes selados com "grãos de chumbo" em vez de grãos de ouro.

Ai, que o Monarca procura
os que vão ser castigados.

E o "quinto falsificado" se tornaria o décuplo de forcas e degredos para a dourada colônia! Pela madrugada fria, rompe o canto do negro no serviço de catar o ouro, enquanto o patrão dorme e sonha. O negro pena e chora, canta e ri na saudade da serra, na imensidão da terra. E na sua vida escrava, ele erra sem terra, sem serra, sem nada:

(Deus do céu, como é possível!
penar tanto e não ter nada!)

(Romance VII)

O ouro lhe tiraria o "t" da terra e o "s" da serra e ele erra cativo, sem liberdade, com os elos de ferro da escravidão...

Mas o ouro que brotava da terra não cativara apenas o preto, como Chico, que também já fora rei "lá na banda em que corre o Congo": também os brancos foram atirados naquela lama que alimentava a ganância de reis e rainhas:

Hoje, os brancos também, meu povo,
são tristes cativos.

(Romance VIII)

Santa Ifigênia, princesa núbia, protetora dos negros, desce às minas "vira-e-sai", depois de amenizar o sofrimento deles.

As pessoas, por causa do ouro, iam-se embrutecendo: movido pelo ódio, um contratador, quase assassinou um ouvidor, dentro de uma igreja, porque este, enamorado, arremessara uma flor a uma donzela.
Os filhos do almotacé (inspetor de pesos e medidas), sete crianças, rezam diante de Nossa Senhora da Ajuda. Joaquim José é uma delas.

As crianças pedem à Virgem que o salve "do triste destino que vai padecer". Será em vão. A virgem não poderá atendê-los, mesmo sendo crianças. Mais forte do que um pedido de criança é o destino traçado para um homem! Mesmo sendo seis e irmãos do sentenciado!

(Lá vai um menino
entre seis irmãos.
Senhora da Ajuda,
pelo vosso nome,
estendei-lhe as mãos!)

(Romance XII)

O pedido agora (entre parênteses) é da poetisa à Virgem. Não será atendida: mais forte do que o pedido de um poeta é o destino traçado para um homem!

Mas, por enquanto, reina a bonança: "os tempos são de ouro". A tempestade virá depois, em 1792, com a execução.

Antes de chegar a forca, porém, outro metal brilhará intensamente nas Minas Gerais: os diamantes do Tejuco, depois Diamantina.

b) Ciclo do diamante

Continua a corrida alucinante. Agora é a vez do diamante nas regiões do Serro Frio e do Tejuco, onde vive o contratador João Fernandes, "dono da terra opulenta".

Chega às suas terras, com o fim de persegui-lo, o Conde de Valadares, homem enganoso e fingido. Hospeda na casa de João, que lhe abre a casa e o coração das mulatas, menos o de Chica da Silva. Sua riqueza é imensa e o fingido conde suspira de cobiça:

Deste tejuco não volto
sem ter metade das lavras,
metade das lavras de ouro,
mais outro tanto das catas;
sem meu cofre de diamantes,
todos estrelas sem jaça,
- que para os nobres do Reino
é que este povo trabalha!

(Romance XIII)

O romance XIV apresenta Chica da Silva no seu império de luxo, resplandecente de ouro e diamante. Comparada à rainha de Sabá, ela tinha mais brilho que Santa Ifigênia, a princesa núbia, em dias de festa:

(Coisa igual nunca se viu.
Dom João Quinto, rei famoso,
não teve mulher assim!)

Vendo o conde tão interessado pelo João, Chica cisma nessa falsa amizade e previne a João Fernandes:

Hoje, todo o mundo corre,
Senhor, atrás de riqueza.
(Romance XV)

Dito e feito: o conde, traindo a hospedagem de João Fernandes, leva-o preso, como Chica da Silva pressentira.

É a ambição do ouro (ou do diamante, que é sempre a mesma coisa) que a todos embriaga e corrói:

Maldito o conde, e maldito
esse ouro que faz escravos,
esse ouro que faz algemas,
que levanta densos muros
para as grades das cadeias,
que arma nas praças as forças,
lavra as injustas sentenças,
arrasta pelos caminhos
vítimas que se esquartejam!

(Romance XVII)

Os velhos do Tejuco, na sua experiência, pensam com a amargura na "febre que corta o Serro Frio". João Fernandes, que até então era senhor opulento, fora levado num navio "igual a um negro fugido", o que dá margem a esta reflexão da autora:

(Que tudo acaba!
Quem diz que montanha de
ouro não desaba?)

(Romance XVIII)

Acabara-se o tempo de João Fernandes e de Chica da Silva, cravejada de brilhantes. Mas:

Sobre o tempo vem mais tempo.
mandam sempre os que são grandes:
e é grandeza de ministros
roubar hoje como dantes
vão-se as minas nos navios...
Pela terra despojada,
ficam lágrimas e sangue.

(Romance XIX)

Mas o ouro e o diamante, que brilharam tão intensamente nas Minas Gerais, eram apenas prenúncio de um brilho maior. Um sonho milenar, um ideal de um sol que despertaria - o sol da liberdade que a todos iluminaria e que nem rei nem rainha, por mais despóticos que sejam, podem tirar do homem!

Não importa que haja eclipses de vez em quando: o sol sempre volta a brilhar depois de um eclipse...

c) Ciclo da liberdade

A poesia apresenta o cenário onde vão se desenrolar os fatos: enumeração, sobretudo, dos lugares e fixação na névoa que chega às ruas, move a ilusão de tempo e figuras e que trará, fatalmente, o pranto e a saudade:

A névoa que se adensa e vai formando
nublados reinos de saudade e pranto.

O "país da Arcádia", sediado na Vila Rica de outrora (Ouro Preto), com seus pastores e rebanhos, Nises, Marílias e Glauceste não passou de um ideal na literatura.

Pelos céus, nuvens negras de ódio e ambições ameaçam a doutorada terra de Ouro Preto: uma "nuvem de lágrimas" está prestes a desabar sobre "o país da Arcádia" - a "pastoral dourada":

O país da Arcádia,
súbito, escurece,
em nuvem de lágrimas.
Acabou-se a alegre
pastoral dourada:
pelas nuvens baixas,
a tormenta cresce.

(Romance XX)

E a Arcádia serena ficava cada vez mais carregada: agitação, correrias, ódio, ambições, países que se libertam, "a Europa a ferver em guerras". Portugal com uma rainha louca:

- um imenso tumulto humano.

As idéias fervilhavam as mentes de padres e poetas. Mas, por trás das janelas, ouvidos que escutam...

O país da Arcádia estava carregado de "idéias".

Um príncipe que morre, filho de D. MariaI, a rainha louca, em 1788, é também uma esperança que morre. Nas exéquias do príncipe, muita agitação. Alguma coisa está sendo tramada - "já ninguém quer ser vassalo" e:

A palavra Liberdade
vive na boca de todos:
quem não a proclama aos gritos,
murmura-a em tímido sopro.

(Romance XXIII)

Com pouco mais surgirá a bandeira da liberdade...

"Atrás de portas fechadas", os líderes de "fardas e casacas (= militares, poetas), junto com batinas pretas" discutem e planejam a inconfidência. A bandeira com seu lema é escolhida e há um sobressalto, quando se fala em liberdade:

E os seus tristes inventores
já são réus - pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja),
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!)

(Romance XXIV)

Por causa dessa palavra - espinha dorsal do homem de todos os tempos - um rio de sangue está iminente: uma carta anônima que se recebeu "fala de rios propínquos / rios de lágrimas e sangue / que vão correr por aqui".

E na "semana santa de 1789", enquanto na França a liberdade rompia os grilhões da Bastilha, nas terras douradas de Minas, a mesma idéia se fermentava para ser depois enforcada, na pessoa de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes:

Deus, no céu revolto,
seu destino escreve.
Em baixo, na terra,
ninguém o protege;
é o talpídeo , o louco,
- o animoso Alferes.

(Romance XXVII)

Mas "no grande espelho do tempo", a poetisa vê também "o impostor caloteiro" Joaquim Silvério :

(quem em tremendos labirintos
prende os homens indefesos
e beija os pés dos ministros!)

(Romance XXVIII)

No "riso dos tropeiros" está colocado um aspecto de Tiradentes que a tradição confirma (inclusive um lira de Gonzaga), a loucura, pois:

falava contra o governo,
contra as leis de Portugal.

(Romance XXX)

Sem dúvida, essa loucura deve ser entendida de outra forma: a audácia de um homem que se levanta, sem força e sem armas, contra um governo despótico e tirânico. É o que parece querer dizer a poetisa, no Romance XXXI:

(Pobre daquele que sonha
fazer bem - grande ousadia -
quando não passa de Alferes
de cavalaria!)

É certamente por isso que "o povo todo seria", porque o povo nunca ri sem razão...
Aliás, neste sentido, é preciso também o depoimento do "cigano que viu chegar o Alferes", quando diz no Romance XXXIII:

(Fala e pensa como um vivo,
mas deve estar condenado.
Tem qualquer coisa no juízo,
mas em ser um desvairado.)

o Romance XXXIV, confrontando o delator Joaquim Silvério com Judas, a escritora conclui que aquele levou a melhor, pois ele (Judas) encontra remorso / coisa que não te (= a Silvério) acontece.

Fechando o romance, entre parênteses, há uma reflexão poética profunda, quando fala da "força de vermes", ou seja, dos delatores, dos maus, enquanto os bons apenas "sonham".

(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens
e a surda força dos vermes.)

Aliás, é o que ocorre também no romance "do suspiroso Alferes", onde há, igualmente, um lamento profundo sobre o comodismo do homem face à situação que o envolve:

(Todos querem liberdade,
mas quem por ela trabalha?)
(O humano resgate custa
pesadas carnificinas!
Quem more, para dar vida?
Quem quer arriscar seu sangue?)

E é exatamente esse comodismo, dos bons que é a força dos maus, dos traidores, dos déspotas da liberdade:

Mas os traidores labutam
nas funestas oficinas:
vão e vêm as sentinelas
passam cartas de denúncia...

Na "noite escura" de 10 de maio de 1789, prenderam o Tiradentes com seus pensamentos de liberdade. Há um lamento profundo de desespero e dor por estar sozinho na luta pela liberdade:

Minas da minha esperança,
Minas do meu desespero!
Agarram-me os soldados,
como qualquer bandoleiro.
Vim trabalhar para todos,
e abandonado me vejo.
Todos tremem. Todos fogem.
A quem dediquei meu zelo?

(Romance XXXXVII)

E o medo e a ansiedade se espalham por toda Minas Gerais. No fim do mesmo maio, prendem os outros suspeitos:

Andam as quatro comarcas
em grande desassossego:
vão soldados, vêm soldados;
tremem os brancos e os negros.
Se já levaram Gonzaga
e Alvarenga, mas Toledo!
Se a Cláudio mandam recados
para que se esconda a tempo!

Outros implicados menores vão sendo presos. Há "conversas indignadas" - há também "testemunha falsa". Há até mesmo um "embuçado" envolto em panos e mistério que pretende salvar o poeta Cláudio Manuel da Costa.

Mas todos terão seu fim.
O padre Rolim, famoso por suas safadezas, estava na iminência de ser preso. O problema era determinar o seu crime, já que, além da suspeita de inconfidente, era culpado também, segundo o falatório:

por ter arrombado a mesa
de um juiz, em certa devassa;
por extravio de pedras;
por causa de uma mulata;
por causa de uma donzela;
por uma mulher casada.

(Romance XLV)

Mas o padre, que não era nada bobo, enquanto as autoridades discutiam a sua prisão, "pulando cercas e muros", fugiu, levando consigo os seus sete pecados ou setenta -e sete...

Nos "seqüestros" das casas e bens, "tudo é visto e resolvido" pelos executores da lei, havia de tudo, até mesmo:

as sugestões perigosas
de França e Estados Unidos
Mably, Voltaire e outros tantos,
que são todos libertinos...

(Romance XLVII)

Antes de prosseguir no trabalho de dar fim aos inconfidentes, a autora interrompe a narrativa para fazer uma belíssima reflexão na Fala aos Pusilânimes, na qual condena os que não tiveram a coragem, a audácia de acender o pavio da chama da liberdade; os que sonharam e deixaram que seus sonhos fossem pelos espaços infindos, como bolhas etéreas...

Mas o fenômeno é eterno e universal - a estirpe dos pusilânimes sempre existiu e existirá na face da terra:

- só por serdes os pusilânimes,
os da pusilânime estirpe,
que atravessa a história do mundo
em todas as datas e raças,
como veia de sangue impuro
queimando as puras primaveras,
enfraquecendo o sonho humano
quando as auroras desabrocham!

E a liberdade que foi traída pela pusilanimidade dos que sonhavam com ela ficará gravada nos "céus eternos" como um eco sombrio que chama ao ajuste de contas e à condenação eterna:

O vós, que não sabeis do Inferno,
olhai, vinde vê-lo, o seu nome
é só - PULSILANIMIDADE.

mistério paira sobre o fim do poeta Cláudio, que é também a versão da história. Suicídio? Fuga? Rapto? - As dúvidas parecem justificáveis: Cláudio era secretário do governo e afilhado de João Fernandes. Daí o interesse por livrá-lo da masmorra e do desterro.

De qualquer modo paira o mistério:

Entre esta porta e esta ponte,
fica o mistério parado.
Aqui, Glauceste Satúrnio ,
morto, ou vivo disfarçado,
deixou de existir no mundo
em fábula arrebatado.

(Romance XLIX)

Tomás Antônio Gonzaga, o Dirceu da Marília, também tem fim sombrio na masmorra da Ilha das Cobras, interrompendo, assim, o enxoval de Maria Dorotéia (Marília) de quem era noivo.

Depois foi desterrado para as terras da África negra (Moçambique), onde se casa com Juliana Mascarenhas , deixando do outro lado do mar e da vida a pobre e inconsolável Marília a quem celebrara em inúmeras e ardentes liras de amor, em Marília de Dirceu.

Enfim, em questões amorosas, o homem é sempre um pombo enigmático...

Há dúvidas quanto à sua real participação na Inconfidência como procura demostrar Rodrigues Lapa em estudo a seu respeito. Aliás, o próprio Gonzaga em uma das liras de Marília de Dirceu procura se inocentar junto ao Visconde de Barbacena.

Cecília Meireles também deixa transparecer a mesma dúvida, ao indagar:

Inocente, culpado?
Enganoso? Sincero?

(Romance LV)

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi enforcado a 21 de abril de 1792, três anos depois de ser preso. Como atestam diversas passagens do Romantismo, era considerado louco por causa das idéias que tinha. Depois de morto, virou herói:

Que os heróis chegam à gloria
só depois de degolados.
Antes, recebem apenas
ou compaixão ou desdém.

(Romance XLIV)

A passos lentos, ele caminha sereno para o cadafalso onde o espera, um tanto aflito, o negro Capitania, que o executará. E diz o mártir:

Ò, permita que te beije
os pés e as mãos...Nem te importe
arrancar-me este vestido...
Pois também na cruz, despido
morreu quem salva da morte!

E o negro Capitania lamenta a sua sorte de carrasco oficial do grande sonho humano - a liberdade:

Vede o carrasco ajoelhado,
todo em lágrimas lavado,
lamentar a sua sorte!

(Romance LVIII)

Só um carrasco lavou-se em lágrimas! Os outros seriam lavados com o sangue daquele mártir que tombava...

O cenário agora era desolador e triste: nada mais restava dos sonhos e ideais pretéritos. Tudo fora destruído pelas mãos dos delatores da vida, porque a vida está na liberdade.

Tudo agora estava reduzido a "um chão sem ouro nem diamante". Nada mais brilhava nas terras douradas de Minas Gerais!

Também os tiranos tiveram o seu fim.

A rainha D. Maria I, que mandara executar os inconfidentes da sua coroa, acaba se tornando prisioneira do seu próprio destino: ela que executava tantos, com masmorras , desterros, forcas, torna-se prisioneira da loucura que é pior que qualquer masmorra, desterro ou morte de forca.

O destino agora se voltava contra a grande déspota da liberdade!

Ai, que a filha da Marianinha
jaz em cárcere verdadeiro,
sem grade por onde se aviste
esperança, tempo, luzeiro...
prisão perpétua, exílio estranho,
sem juiz, sentença ou carcereiro...
Terras de Angola e Moçambique,
mais doce é vosso cativeiro!

(Romance LXXIV)

Pela "comarca do Rio das Mortes (= S.João Del-Rei), Dona Bárbara Eliodora, "a estrela do norte" do poeta Alvarenga Peixoto, naufragava em lágrimas e mágoas: seu doce Alceu também fora desterrado para as longínquas terras d´África, em Angola (Ambaca).

Agora as amenas colinas de outrora, onde o gado pastava, onde as flores sorriam, onde os regatos corriam, onde os pássaros cantavam, eram um montão de ruínas e desolação ante o olhar magoado e amargurado da rica e poética Eliodora.

Pela "comarca do Rio das Mortes" também dormia o padre Toledo, "paulista de grande raça / mação, conforme o seu tempo".

Pela "comarca do Rio das Mortes" também passara e se fora Maria Ifigênia, fruto primaveril do casal Bárbara - Alvarenga:

Vai ver sua mãe demente
Vai ver seu pai degredado...

(Romance LXXVII)

Também Marília se desfigurou pelo tempo e pela Inconfidência. O seu retrato agora é o de uma mulher macerada pela dor:

já não pertence mais à terra:
é só na morte que está viva

Agora, tudo jaz em silêncio: amor, inveja, ódio, inocência, no imenso tempo se estão lavando, declara a poetisa na Fala aos inconfidentes mortos.

No horizonte eterno há de ficar sempre o anseio de liberdade, e só o purgatório do tempo está apto às ações vis e nobres dos homens da terra:

Quais os que tombam,
em crimes exaustos,
quais os que sobem

Fontes:
http://www.resumosdelivros.com.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Romanceiro_da_Inconfid%C3%AAncia

Carnaval em Versos (Organização de Heloísa Crespo) Parte II


Organização: Heloisa Crespo
Campos dos Goytacazes/RJ.
heloisacrespo@gmail.com
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Neoly Vargas

Nos carnavais do passado,
dos arlequins, dos palhaços,
fui pierrô apaixonado,
que terminava em teus braços.

Nos carnavais de Veneza,
pelos salões encerados,
na festa dos mascarados.
dançam criado e duquesa
Marina Valente

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Hermoclydes S. Franco

"Não sou aquele Pierrot
nem você é a colombina...
Carnaval de camelô
é beijar a "concubina"!...

As cinzas da quarta-feira
são prantos de Carnaval...
Quanta menina faceira
trocou o "bem" pelo "mal"...
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Anna Servelhere

De Pierrot ou Colombina,
no salão ou junto ao povo,
com confete e serpentina
ou me acabo ou saio novo!

Arlequim e a Colombina
desfilando na Marquês
enrolada em serpentina,
far-te-á chorar de vez.

Nesses dias de folia
sem plumas ou paetês
sem ao menos fantasia
sei que vou ganhar você.

Carnaval, mais que folia,
nem precisa do exagero
é o extravazo de alegria
de quem sonha o ano inteiro.
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Sérgio Luís da Silva Vargas
É CARNAVAL

Hoje eu vou sair
Beber até cair
Me misturar na multidão
A noite está linda
E a lua convida
Meu bem abra seu coração.

Esqueça as mágoas
Enxugue estas lágrimas
E caia na folia.
Menina esta festa
Está boa à beça
Dê um viva à alegria

Se por acaso
Me encontrares na sarjeta
Não faça careta
Nem brigues, por favor,
Te deite comigo
E à luz das estrelas
Vamos fazer amor.
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Vânia Maria Souza Ennes

Desfilou lá na Avenida
Marquês de Sapucaí,
bebeu tanto, sem medida,
que acordou na UTI !!!

Carnaval e o “bicho pega”!
Batuque e samba no pé,
e a galera não se entrega,
sapateia e dá olé...!!!

Brasil, samba e carnaval
e os foliões tomam conta,
da festa descomunal,
quando a “escola”, enfim, desponta!!!
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Leda Montanari

Já cantando e requebrando
as cabrochas lá estão,
enquanto os homens babando
ficam cheios de tesão

Abram a roda, moçada
que a morena quer sambar;
os pés pisando a calçada,
olha a galera a vibrar!
===================

Francisco Neves Macedo
CARNAVAL DE ILUSÕES

Carnaval, explosão maior de uma alegria,
fantasia, pierrô no olhar da colombina,
“carne vale” e se vale, então a adrenalina,
tem a força total da carta de alforria.

O pandeiro dá o tom e o ritmo da harmonia,
parceria se faz com samba e dançarina,
uma porta-bandeira de alma feminina
a bailar sobre o asfalto, na coreografia.

O reinado de momo que nos fez sonhar,
sermos príncipes, reis para a escola ganhar,
bateria, no enredo e grande evolução.

Quarta-feira de cinzas, não tarda a chegar
na avenida deserta como a flutuar,
despertamos de um sonho: Foi tudo ilusão!
===================================

Larissa Loretti
POEMA DE CARNAVAL

Parodiando Raul Seixas,
eu sou-
aqui escrevendo um poema
dentro das minhas emoções
abismo e céu.
O verão lá fora
oh! Verão lá fora
nas utopias
o sol ardendo,
um escarcéu
nas alegrias
do carnaval.
Eu sou
marionete
que se perdeu
pelas esquinas
da Beijaflor
detrás da máscara
do edital
do dissabor,
eu sou
==========================

Dalinha Catunda
MULATA NO SAMBA


Não sou celebridade,
Nasci em comunidade,
O samba é minha paixão.
Com o samba tenho trato
Eu danço de salto alto
Ou mesmo de pé no chão.

Sou cabrocha faceira,
Passista de primeira
Acompanho a evolução,
E seguindo a bateria,
Mostro minha alegria
Sambando com emoção.

Não sou estranha no ninho
O samba é meu caminho
Tá no sangue, tá na raça.
Sou do Rio de Janeiro
No batuque do pandeiro
Sei mostrar a minha graça.

Pois foi descendo ladeira
E remexendo as cadeiras
Que aprendi a sambar.
Aprendi naturalmente
O jeito malemoente
De sambar e encantar.

Fontes:
Heloísa Crespo

Imagem = Neli Neto

Vicência Jaguaribe (14 de março, o Dia da Poesia)


Soube, pela Internet, que 14 de março, é o dia da poesia. E eu que, desde ontem, penso em minha mãe, cujo aniversário caía nesta data. Para mim, 14 de março era, até hoje, o dia do aniversário de minha mãe. E só.

Não sabia que havia o Dia da Poesia, como há o Dia das Mães, o Dia dos Pais, o Dia do Comerciário, o Dia do Médico, e outros dias mais. A lista deve ser imensa e não vale a pena pesquisá-la. Sei, sim, que há o Dia do Livro e o Dia do Livro Infantil. Mas o Dia da Poesia é novidade para mim. Assim, vamos acabar achando a coisa mais natural do mundo exigir — de quem, não sei — um Dia do Romance, um Dia do Conto, um Dia da Crônica. E por aí vai. Acho que os trezentos e sessenta e cinco dias e seis horas do ano não dão mais para festejar tanto Dia.

Um dia dedicado à poesia! Talvez seja por isso que o mundo anda tão sem sensibilidade, tão frio, tão carente de beleza e de calor humano. Talvez seja por isso que as pessoas não se dizem mais palavras doces — nem salgadas. As pessoas não se falam mais. Não se pode ter o “Dia da Poesia”. A poesia deve estar presente na vida humana todos os dias, para evitar-lhe o ressecamento, a robotização e a sujeição ao material, à rotina, à mesmice. Só a palavra da poesia quebra os grilões da palavra do cotidiano, que nos sujeita por estar a serviço do poder.

Na aula inaugural da cadeira de semiologia literária, do Colégio de França, pronunciada no dia 7 de janeiro de 1977, Roland Barthes ensina que a língua “não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista, pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”. Para libertar-se dessa dominação é que o homem faz literatura, que é um “trapacear com a língua, trapacear a língua”: “Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”.

Eu diria que, no interior da literatura, a palavra da poesia é a que mais trapaceia a linguagem; é a que mais a revoluciona; a palavra que mais se afasta do poder, fazendo um trabalho de deslocamento em relação à palavra do cotidiano. Não é à toa que Jean Cohen, em A plenitude da linguagem, nos diz que “a função poética não apenas tolera, mas exige mesmo a transgressão dessas normas [as normas da língua]. A linguagem ‘normal’ não é, portanto, a linguagem ‘ideal’. Muito pelo contrário, pois é na sua destruição que assenta a instauração do que Mallarmé chamava a ‘alta linguagem’”.

A palavra poética é capaz de dizer o indizível. É capaz de revelar o que está dentro da alma humana sufocando-a. A palavra poética arranca a fórceps a palavra que não quer ou não pode sair. É disso que fala a poetisa Mônica Magalhães Cavalcante no poema

Compartilhamento

Só o poeta escuta
Uma voz outra,
A dor oculta
Que a palavra insulta.

Só o poeta entende
O grito contido,
O olhar reticente
Que a rima pretende.

Só o poeta proclama
A poesia não-dita,
O amar de quem ama
Que este (re)verso reclama.

Sendo a voz daquele que não sabe ou não pode falar da sua dor, o poeta tem a capacidade de salvar do sufocamento, por meio de sua palavra mágica. Sim, a palavra da poesia é uma palavra mágica, que transforma, em um trabalho de alquimia, o vômito em essência olorosa. Sobre esse poder misterioso que se evola da poesia fala Mário Quintana em

Emergência

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

e Roseana Murray em

Lamparina

mais que promessa de luz
ardendo secreta
lamparina de quebrar a noite
geografia oculta de água
e cristal
poesia é pano de forrar
a alma
no meio do vendaval

É exatamente pela capacidade mágica que tem a palavra poética de nos trazer alívio, salvar-nos do afogamento interior, tirar-nos do ambiente infecto e insalubre da rotina, libertar-nos da palavra escravizadora do cotidiano, que defendo não um Dia da Poesia, mas uma constância da palavra poética em nossas vidas. Ela nos desperta para a beleza do mundo, que nossos olhos não mais alcançam. Ela nos faz ver o mundo, a natureza, as pessoas com o olhar virgem do estrangeiro, que chama nossa atenção para o que nossos olhos cansados de olhar sem ver não conseguem enxergar.
---
Fonte:
A Autora

terça-feira, 15 de março de 2011

Irene Zanette de Castañeda (Poeta, o que é Poetar?)


“O coração do poeta é complexo/Sem coerência e sem nexo/Ora se mostra agnóstico/Disfarça sua emoção.../Ora se rende/Ao deus da sua razão/ Ora se torna pernóstico,/Mente com todo o cinismo/ A dor do seu coração/Finge sofrer de amor/Perde-se em seu ilogismo/Simulando sua dor.” (Lenya Terra)

Poetar é revelar comportamentos poéticos. É um eu lírico construindo poemas. É criar e reagir ao que lê, vivendo.É movimentar os sentimentos, a memória, as ideias, as fantasias. É penetrar nos arquétipos. É engrenar a sensibilidade com a maça encefálica mediada pela espiritualidade. É afugentar as neuroses invertendo a ordem das palavras. É criar um produto elevado, dinâmico, interno que se chama alma do verbo e com ele crescer como ser humano. É liberar os sentimentos lubrificados pelas ideias. É expressar os pensamento sem espasmos, em gemidos eternizados num respirar carregado da mais sublime emoção. É saborear em sonhos, mesmo cansado, o calor no labirinto de doces beijos. É abrigar o fogo, a sedução dentro do peito. É juntar corpo e alma num enlace musical como as cordas de uma mágica harpa produzindo o encanto, a doce melodia que diviniza o ser feito de pedra, mas que sangra em palavras com o leve toque destes dedos. É o calor que emanada alma sentida, desencantada da vida à espera daquele amor que não veio. É a plenitude dos rios de paixão correndo dentro do peito. É o fecundar das palavras em cio nas noites enluaradas com sonhados e quentes beijos. É descobrir e fertilizar com amor os tipos móveis ao dedilhar o teclado apaixonado sob os olhos como alquimia de um desejo. É imprimir no coração estas calorosas palavras que estão à espera de outras. Ah! Se elas fossem quentes, mas elas estão presas em alguma boca seca, incapaz de proferi-las como a beleza mística que desnuda a pele, penetra o sangue e movimenta todas as células. É chegar à apoteose das sensações que a vida oferece quando se envolve o amor e um longo beijo. É juntar o céu e a terra com a doçura da fruta madura, invisível aos olhares desérticos, que não conseguem saborear o delicioso sonhado néctar dos deuses. É ter o luxo não só de transcrever tudo isso, mas de viver a loucura do mais fantástico e vibrante desejo: amar.

Fontes:
Poetas del Mundo.
Imagem = http://www.corujando.com.br/cirandas/jul_2008/ciranda_ah_o_poeta.htm

Tchello d’Barros (Decálogo da Alienação Literária)


Conversando recentemente com um poeta da região, que já conta com alguns títulos publicados e hoje busca recursos para publicar seus livros inéditos, o mesmo deixou escapar que “_Hoje em dia, vender um livro é quase um milagre!”

Diante disso, não obstante os diversos eventos literários em espaços culturais, praças, escolas, campanhas de incentivo à leitura, mini-feiras do livro, saraus e tertúlias de poesia, e tantas outras formas que os literatos têm criado para aproximar a comunidade aos artistas das letras, que há muito desceram de uma suposta e inacessível torre de marfim, ainda assim, há uma invisível e silente resistência contra as letras locais, regionais e estaduais.

Não basta que os autores da região tenham suas publicações nas bancas e livrarias, é preciso haver o interesse da sociedade na aquisição de tais livros, privilegiando a literatura local, que não é outra coisa senão um reflexo do imaginário de nosso lugar e de nossa época. Nada contra os best-sellers importados e também não se trata de uma questão mercantilista meramente comercial, falamos aqui de comportamento cultural e social em cujo viés divido um mea culpa muito pessoal, expresso no seguinte decálogo:

1) Quantos livros de autores locais há em minha casa?
2) Já entrei numa livraria com a intenção de adquirir livro de algum de nossos poetas?
3) Já presenteei alguém com algum volume que conta a história de nossa terra e nossa gente?
4) Considerando-se que os eventos culturais são todos gratuitos e abertos ao público, alguma vez fui prestigiar um lançamento?
5) Eu possuo algum livro autografado?
6) Sei de memória algum poema de autor local?
7) Conheço algum autor dos vários gêneros literários da região, a saber: poesia, conto, crônica, ensaio, dramaturgia, romance e historiografia?
8) Conheço a biografia ou coleciono as obras de algum escritor?
9) A literatura já foi tema de diálogo em conversas com amigos?
10) O que eu já fiz nesta vida para prestigiar ou incentivar a literatura em minha cidade?

Para elucidar um pouco tais inquisições, não seria demais lembrar daquela máxima bíblica propagada no axioma popular “santo de casa não faz milagre”, para apontar que atualmente vários desses mesmos autores regionais tem sua obra divulgada via internet para outros países que falam nossa língua; Que obras locais estão sendo traduzidas para outros idiomas; Que literatos da região estão participando das Bienais do Livro no eixo Rio-São Paulo; Que têm dado entrevistas em rede nacional; Que têm obras distribuídas em outras regiões do país e assim por diante. E apesar do baixo preço cobrado por essas publicações, ainda assim é quase um milagre alguém adquirir um livro por aqui.

Ninguém me obriga a comprar o livro do poeta fulano, do contista beltrano ou da romancista sicrana e posso até me eximir de contribuir para o nosso processo cultural, mas de uma verdade não posso escapar: as civilizações passam e o que permanece delas é sua cultura.

Fonte:
www.escritoresdosul.com.br