sábado, 9 de abril de 2011

Antonio Bras Constante (Passagem)

Pintura de EdvardMunch (1910)
De repente me percebo chegando. Olhos perdidos no nada, pois o que vejo são lembranças passadas. Caminhos vividos, que dançam girando em minha volta, clamando por uma chance de conseguir retornar.

O corpo cansado respirando fundo, vislumbrando meu mundo diante de mim, sorrindo tristonho a cada lembrança, me vendo primeiro como criança e agora assim.

Queria poder ser mais forte, quem sabe vencer a morte, ou ao menos tentar. Ter o dom da conquista, como troféu à vida, que teima em me abandonar.

No trem da minha existência, cada vagão tem seu tempo. Neles eu sigo sozinho, sofrendo baixinho, percebendo o fim. A chegada é iminente, e a passagem que tenho só me traz até aqui…

Fonte:
Colaboração do Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 180)


Uma Trova Nacional

O churrasquinho no espeto
agora me fez pensar:
– onde anda meu gato preto,
que não escuto miar?!
–ANTÔNIO CARLOS TEIXEIRA/DF–

Uma Trova Potiguar

Foi uma cena humilhante,
na medicação sem base,
quando eu tomei um laxante
pensando ser “colestase”.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada

2009 > Bandeirantes/PR Tema > CHILIQUE > Venc.
Teve um chilique tão forte
que logo tomou vacina
e se mandou para o norte
temendo a gripe sulina...
–RENATA PACCOLA/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

Se alguém me chamar de “pão”,
apesar de pitoresco,
fico puto e com razão:
pão só é bom quando é fresco!...
–JORGE MURAD/RJ–

Simplesmente Poesia

MOTE: Lamparina sem pavio; é besteira botar gás.

GLOSA:
Quando moço fui vadio
fiz tudo o que quis fazer,
eu fiz até acender
lamparina sem pavio;
aceitava desafio
viesse do satanás,
se hoje não faço mais
porque o fogo apagou-se,
se a lamparina furou-se
é besteira botar gás.
–AUGUSTO MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

Conheço demais o rio Paraíba,
que nasce sozinho, lá dentro da praia!
parece um cambito de pau de "cangaia",
as suas enchentes têm mel de tubiba;
na frente, recebe um tal rio furiba,
e passa correndo pra Madagascar;
alaga Recife, demora em Dacar,
no tempo de inverno é seco demais:
foi quando "Oliveiro" enfrentou Ferrabrás,
que luta pai-d'égua na beira do mar!
–ZÉ LIMEIRA/PB–

Soneto do Dia

–ISMAEL GAIÃO/PB–

Os Quatro Cornos


Quatro cornos sentados numa praça
Lamentavam por ter desilusões.
O primeiro lembrando as traições:
- Eu me vingo das pontas na cachaça.

O segundo chorava da desgraça
E dizia: não perco as ilusões.
Se a mulher preferiu ter Ricardões
Isso é fase, mas sei que logo passa.

O terceiro chifrudo, o mais matreiro:
O que importa é a mulher trazer dinheiro
Pra o que falam de mim, nunca liguei.

Já o quarto cornão, foi taxativo:
- Quando a minha me trai sou vingativo.
Eu arranjo outro bofe e vou ser gay.

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Paulo Leminski (Dois Loucos no Bairro)


dois loucos no bairro

um passa os dias
chutando postes para ver se acendem

o outro as noites
apagando palavras
contra um papel branco

todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem
só falta mais um pouco
pra eu ser tratado também

Imagem duplicada =
http://porqueeucorro.blogspot.com

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) VI – A Raposinha


Era uma vez um príncipe que saiu a correr mundo, em procura dum remédio para o rei, seu pai, que estava cego. De pois de muito andar, passou por uma aldeia, onde viu vários homens dando uma sova num defunto.

— Que é isso? — perguntou o príncipe.

— É que este homem nos devia dinheiro e morreu sem pagar. O costume cá da aldeia manda meter a lenha no cadáver.

O príncipe revoltou-se contra a brutalidade, e pagando a dívida do morto deu ordem para que o enterrassem.

Seguiu caminho. Adiante encontrou uma raposa que lhe perguntou para onde ia. O príncipe contou que andava atrás dum remédio para a cegueira do rei, seu pai.

— Pois sei dum remédio — disse a raposinha. — Basta esfregar nos olhos do rei um pouco de "ungüento de papagaio", mas dum certo papagaio lá do reino dos Papagaios. Vá lá, meu príncipe, entre à meia-noite no lugar onde estão esses pássaros e não olhe para os bonitos, os que moram em gaiolas douradas. Pegue no mais velho de todos, o mais depenado e sujo, que está a um canto, num poleiro imundo. Esse é o bom.

O príncipe foi. Quando entrou no reino dos Papagaios, ficou de boca aberta de tantas aves lindas que viu, em gaiolas de prata e ouro, e até cravejadas de diamantes. Esquecido da recomendação da raposinha, pegou na gaiola do mais bonito e foi saindo. Mas o papagaio deu um' berro. Os guardas acordaram e prenderam o príncipe.

— Que queres com este papagaio? — disseram. — Vais morrer, gatuno!

O príncipe, com muito medo, explicou do que se tratava. Os guardas então lhe disseram:

— Pois muito bem: damos-te o papagaio se fores ao reino das Espadas e nos trouxeres uma — e soltaram-no.

O príncipe saiu muito triste porque não sabia onde era o tal reino. A raposinha apareceu-lhe de novo.

— Então, meu príncipe, que tristeza é essa? — e depois de saber do acontecido falou assim: — Eu bem recomendei que pegasse o papagaio mais velho e feio.

Agora o que tem a fazer é o seguinte: vá ao reino das Espadas (e contou onde era) e entre lá à meia-noite. Encontrará espadas de todos os jeitos, de ouro e prata, muitas cravejadas de pedras preciosas — mas não pegue nenhuma dessas. Pegue uma velhinha e enferrujada, que está num canto. Essa é a boa.

O príncipe foi, e lá no reino das Espadas ficou de boca aberta diante das tantas mavilhosas que viu. Mas não teve coragem de pegar na espada mais velha e ferrujenta; escolheu, ao contrário, a mais rica de todas. Quando ia saindo, fez barulho sem querer; os guardas acordaram e o prenderam. Iam levá-lo ao rei de Espadas.

O príncipe, porém, contou sua triste história de modo a comover os guardas, os quais disseram: "Bem. Perdoaremos o seu crime, se for ao reino dos Cavalos e nos trouxer um."

O príncipe saiu em procura do reino dos Cavalos. Logo adiante encontrou a raposinha. "Para onde vai tão triste o senhor príncipe?" — perguntou ela.

O príncipe contou tudo.

— Bem feito — disse a raposinha. — Por que não fez como eu disse? O remédio agora é um só — ir ao reino dos Cavalos (e contou onde era) e lá entrar à meia-noite. Encontrará muitíssimos cavalos de todas as cores e raças, cada qual mais lindo. Mas não pegue nenhum desses. Escolha o mais velho e feio. Esse é o bom.

O príncipe foi, mas tão lindos animais viu no reino dos Cavalos que não teve ânimo de pegar no mais velho e feio. Escolheu, ao contrário, o mais lindo de todos. Ao sair, o cavalo rinchou, acordando os guardas, que o prenderam.

Houve explicação e por fim os guardas disseram:

— Pois bem, nós o perdoaremos se você furtar a filha do rei.

O príncipe prometeu e saiu. Logo adiante encontrou a raposinha que lhe disse:

— Príncipe, saiba que sou a alma daquele defunto que levou a sova por causa das dívidas. Ando a protegê-lo por todos os modos, mas nada tem adiantado. Você nunca faz o que eu digo. Vamos ver se agora me atende. Arranje um cavalo e vá à meia-noite ao palácio do rei; entre; agarre a moça, ponha-a na garupa e dispare no galope. Passe pelo reino dos Cavalos e pegue o que eu disse. Depois passe pelo reino das Espadas e pegue a que eu disse. Depois passe pelo reino dos Papagaios e pegue o que eu disse. E dispare a toda para a casa de seu pai, porque o velho está morre não morre. Mas nunca entre por veredas, nem dê atenção a coisa nenhuma antes de chegar em casa. E adeus

O príncipe lá se foi. Chegando ao palácio do rei, furtou a moça; chegando ao reino dos Cavalos, pegou o mais velho e feio; chegando ao reino das Espadas, levou a mais velha; chegando ao reino dos Papagaios, pegou o mais feio — e seguiu no galope na direção de sua casa.

Pelo caminho, porém, encontrou seus irmãos que tinham saído à procura dele, mas que ao verem aqueles objetos ficaram com inveja e resolveram matá-lo para roubar. Para isso convenceram-no de que devia deixar a estrada e seguir por um atalho, porque indo pelo atalho estaria livre de ser assaltado por ladrões.

O moço caiu na esparrela; tomou pelo atalho. Logo adiante os maus irmãos assaltaram-no, roubaram-no e jogaram-no numa buraqueira, certos de que estava morto. E voltaram para casa com os des-pojos. Aconteceu, porém, uma porção de coisas. A moça não queria comer nem falar; o papagaio enfiou a cabeça sob a asa e não disse uma só palavra; a espada ficou mais enferrujada ainda e o cavalo pendeu a cabeça como se fosse morrer.

Quando o moço, lá na buraqueira, acordou do longo desmaio, viu diante de si a raposa, a qual o tirou dali e o botou no caminho. Ele seguiu para casa manquitolando. Assim que chegou, a espada perdeu a ferrugem, ficando novinha em folha; o papagaio criou penas novas e foi sentar-se em seu ombro; a moça deu uma gargalhada gostosa e falou pelos cotovelos; o cavalo ergueu a cabeça e engordou num instante.

O príncipe, então, dirigiu-se ao quarto do rei cego e esfregou-lhe nos olhos um pouco de "ungüento de papagaio" — e o rei imediatamente recobrou a vista e a saúde.

Foi uma grande alegria na corte. O bom príncipe casou-se com a moça e os maus irmãos foram expulsos do reino. E acabou-se a história.
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— Bom — disse Emília. — Esta já está mais bem arranjadinha. Mas eu noto uma coisa: as histórias populares parecem que são uma só, contada de mil maneiras diferentes. Falam tanto na tal imaginação do povo e eu não vejo nada disso. Vejo apenas uma grande pobreza.

— Sim — disse dona Benta. — Também eu não encontro grande riqueza de imaginação no nosso povo. As histórias que por aí correm de fato se repetem, parecendo ser todas do mesmo ciclo.

— Ciclo? — repetiu Narizinho. — Que é isso?

— Quando há uma idéia central e em redor dela surgem muitas histórias parecidas umas com as outras, dizem os sábios que elas pertencem ao mesmo ciclo. Na Europa houve, na Idade Média, o ciclo das histórias da Raposa. Houve também o ciclo das histórias do rei Artur. O povo encanta-se com uma idéia e vai tecendo variantes em torno.

— No cinema de hoje noto a mesma coisa — disse Pedrinho. — Sempre que aparece uma fita original, todas as companhias se aproveitam da idéia e dão fitas sobre o mesmo tema. Até enjoa a gente essa repetição.

— E na literatura também é assim — disse dona Benta. — Sempre que um escritor lança uma obra original, com alguma novidade que caia no gosto do público, todos os maus escritores se metem a usar e abusar daquele tema. Quando aqui no Brasil apareceu O Guarani de José de Alencar, veio logo uma fúria de romances e contos de índios que não acabava mais. Eram obras de pouco valor, imitações que o tempo varreu para o lixo com a vassoura do esquecimento. Só ficou O Guarani.

— Bom — disse Pedrinho. — Nesse caso, temos nas histórias populares o ciclo dos príncipes Joãozinhos que saem a correr mundo em procura de velhas que ensinam remédios e mais coisas milagrosas. As que tia Nastácia já contou parece pertencerem ao mesmo ciclo. Já estou cansado desse "ciclismo"...
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Continua… VII – O Homem Pequeno
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Fonte: LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995. Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 179)


Uma Trova Nacional

A saudade uma quimera
se apresenta tão vulgar,
nos devora tal qual fera
não tem hora nem lugar. Alinhar ao centro–JOSIAS ALCÂNTARA/ES–

Uma Trova Potiguar

Tristeza no peito eu sinto
em ver que a mãe terra come
o próprio filho faminto
que ela matou pela fome!!!
–LUIZ DUTRA/RN–

Uma Trova Premiada

Aqueles grãos sem valor
- e eu fico pensando agora –
eram sementes de amor
e eu, sem saber, joguei fora...
–MARINA BRUNA/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

Teimei no amor... e errei tanto
na teimosia de amar,
que eu mesmo não sei mais quanto
errei tentando acertar!...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia
.
–SÉRGIO AUGUSTO SEVERO/RN–

Matutando...


Por onde andará o som,
quando a Noite silencia?
E onde andará o tom,
se a partitura é vazia?

Me respondam, por favor,
me deem a compreensão:
-Por onde andará o Amor,
quando chega a solidão ?

São perguntas que assim postas,
necessitam de respostas,
mais fáceis de compreender...

Como ninguém me responde,
vou procurar, não sei onde,
uma forma de entender.

Estrofe do Dia

No deslumbrar da aurora
um coro de muitas aves
canta as canções mais suaves
que a gente cantava outrora,
na cama ela reza e chora
ouvindo a doce aquarela,
desperta, vai pra janela,
recorda nossa amizade;
nasceu um pé de saudade
no jardim da casa dela.
–ZÉ FERNANDES/CE–

Soneto do Dia

–JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA/BA–

Longevidade

Hoje, espiando o tempo, eu mal raciocino…
Vilão maior do mundo engole, absorve tudo.
Vejo meus filhos, olho-os inquieto e mudo,
Uma velha e um velho em cada um menino…

Vejo os amigos pasmo. A voz triste do sino
Badala aqui e ali… E já não há entrudo
Nem carnaval nem nada. O que ontem foi graúdo
Hoje é insignificante, humilde, pequenino.

Viver é bom, mas dói. Dói a longevidade,
A paciência encurta e encurta a vaidade.
Constrange, humilha, abate o moral e faz pena…

As articulações, as pernas, as mil rugas…
As lágrimas e o dó… Homem, jamais enxugas
As lágrimas da idade… E eis a megera à cena!

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Paulo Leminski (O Resto Imortal)


Queria não morrer de todo. Não o meu melhor. Que o melhor de mim ficasse, já que sobre o além sou todo dúvida. Queria deixar aqui neste planeta não apenas um testemunho da minha passagem, pirâmide, obelisco, verbetes numa obscura enciclopédia, campos onde não crescem mais capim.

Queria deixar meu processo de pensamento, minha máquina de pensar, a máquina que processa meu pensamento, meu pensar transformado em máquina objetiva, fora de mim, sobrevivendo a mim.

Durante muito tempo, cultivei esse sonho desesperado.

Um dia, intui. Essa máquina era possível.

Tinha que ser um livro.

Tinha que ser um texto. Um texto que não fosse apenas, como os demais, um texto pensado. Eu precisava de um texto pensante. Um texto que tivesse memória, produzisse imagens, raciocinasse.

Sobretudo, um texto que sentisse como eu.

Ao partir, eu deixaria esse texto como um astronauta solitário deixa um relógio na superfície de um planeta deserto.

Claro que eu poderia ter escolhido um ser humano para ser essa máquina que pensasse como eu penso. Bastava conseguir um aluno. Mas pessoas não são previsíveis. Um texto é.

A impressão do meu processo de pensamento não poderia estar na escolha das palavras nem no rol dos eventos narrados. Teria que estar inscrito no próprio movimento do texto, nos fluxos da sua dinâmica, traduzido para o jogo de suas manhas e marés.

Um texto assim não poderia ser fabricado nem forjado. Só poderia ser desejado. Ele mesmo escolheria, se quisesse, a hora de seu advento.

Tudo o que eu poderia fazer nessa direção era estar atento a todos os impulsos, mesmo os mais cegos, nunca sabendo se o texto estava vindo ou não.

Era óbvio, um texto assim teria, no mínimo, que levar uma vida humana inteira. Na melhor das hipóteses.

Uma questão colocou-se desde o início. A tensão da espera de um tal texto poderia ser o maior obstáculo para seu surgimento. Quanto a isto, não havia solução. A questão teria que ser vivida em nível de enigma e conflito, sigilo e dissimulação.

Evidentemente que o texto que resultasse desse estado deveria, por força, reproduzí-lo em sua essencial perplexidade. A máquina-texto que surgisse não seria um todo harmonioso, já que a harmonia só convém às coisas mortas. O que eu pretendia era uma coisa viva, uma vida que me sobrevivesse. E a vida é contraditória.

Não sei mais de esse texto virá. Ou se já veio.

Tudo o que quero é que, se vier, se lembre de mim tanto quanto eu soube desejá-lo.

Fonte:
LEMINSKI, Paulo. Gozo Fabuloso. 2004.

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) V – O Pássaro Preto


Havia um homem que possuía um pássaro preto de muita estimação. Tinha também um filho muito reinador, que indo dar comida ao pássaro esqueceu a portinhola aberta. O pássaro fugiu e levou o menino no bico.

Longo tempo voou o pássaro com o menino no bico, até que chegou a um palácio maravilhoso. Lá soltou-o e mandou pôr a mesa para o almoço. Terminado o almoço entregou ao menino uma chave, dizendo ser a chave do primeiro dos sete quartos que davam para aquele salão. E foi-se embora voando.

O menino abriu o quarto e encontrou uma porção de cavalos, com os quais se divertiu grandemente, a ponto de esquecer de jantar.

No dia seguinte, antes de sair, o pássaro preto deu ao menino a chave do segundo quarto, onde havia uma porção de arreios. E assim o pássaro preto foi dando as chaves de todos os quartos até chegar ao quinto. O terceiro estava cheio de moças brancas; o quarto estava cheio de mulatinhas e o quinto estava cheio de espadas.

O menino cresceu naquele palácio, onde tinha tudo quanto desejava. O pássaro dizia sempre: "Seja bonzinho e obediente, que darei a você tudo quanto houver por aqui. Só não quero que abra as portas do sexto e do sétimo quartos. Se abri-las, perderá o que já tenho dado e não ganhará nada do que está prometido."

Mas o moço não resistiu à tentação, e um dia entrou no sexto quarto. Encontrou lá um lindo rio de prata. Enfiou o dedo e ficou com o dedo prateado. Como era agora? Para que o pássaro preto não visse o seu dedo prateado, amarrou-o com uma tira de pano.

O pássaro preto, porém, era bom adivinhador; ao ver aquele dedo amarrado, percebeu tudo.

— Já sei que abriu o sexto quarto — disse ele. — E o moço, com muito medo, confessou tudo: "Abri, sim, padrinho (ele tratava o pássaro de padrinho), mas espero que não me castigue."

— Desta vez perdoo, mas castigarei se abrir o sétimo quarto — disse o padrinho, entregando-lhe a chave e voando.

O moço resistiu quanto pôde, mas afinal abriu também o sétimo quarto, onde encontrou um rio de ouro. Molhou o dedo no ouro líquido e ficou com o dedo dourado. Teve de amarrá-lo com outra tira de pano.

O pássaro preto voltou e, percebendo tudo, disse:

— Como castigo da desobediência, vou mergulhar você nesses dois rios e botá-lo daqui para fora. — E mergulhou-o no rio de prata, depois no rio de ouro e por fim soltou-o fora do palácio. Mas de dó do afilhado lhe deu uma varinha de condão. -

O moço foi andando até dar num reino onde encontrou um negro velho de nome Gaforinha. Pintou a cara e comprou a roupa desse negro, para poder entrar na cidade sem que o povo percebesse que ele era dourado e prateado.

Mas uma princesa que estava à janela viu de longe a cena e foi dizer ao rei, seu pai, que queria casar-se com o mais esfarrapado negro velho que entrasse na cidade. O rei muito se assombrou com o desejo da filha, mas não teve remédio senão fazer-lhe a vontade. Mandou que pegassem o negro e o trouxessem ao palácio. Quando o negro soube que a princesa queria casar-se com ele, ficou também assombradíssimo, porque estava longe de supor que ela sabia de tudo.

Casaram-se e ele nem tinha coragem de deitar-se na cama da princesa; dormia no chão, numa tábua. Aquilo desgostou imensamente o rei, a ponto de fazê-lo cair doente, muito mal do coração. A família fez uma promessa a Nossa Senhora, que se o rei sarasse haveria uma grande festa. O médico veio e receitou como remédio três pássaros de pluma.

O negro soube de tudo, e soube também que os príncipes casados com as outras filhas do rei iam sair a cavalo pelo mundo em procura dos pássaros de pluma. Ele então pediu à varinha mágica que lhe desse um coche muito rico, um vestuário deslumbrante e três pássaros de pluma. Entrou no coche e lá se foi ao encontro dos genros do rei.

Assim que estes viram naquele coche os três pássaros, perguntaram ao viajante se eram mesmo pássaros de pluma e se os queria vender. O viajante respondeu que só cederia os pássaros se os moços se deixassem marcar na perna com um ferro em brasa. Eles consentiram. Foram marcados na perna e correram ao palácio do rei doente com os três pássaros de pluma. O rei comeu-os e sarou. Começaram as grandes festas.

A princesa casada com o negro foi para a igreja sozinha, mas o seu marido pediu à vara de condão que fizesse aparecer outro coche ainda mais lindo que o primeiro e outro vestuário deslumbrante — e entrando no coche foi no galope, de modo a chegar à igreja antes de sua mulher. Entrou no templo, onde todos se admiraram de tanta beleza. Mas quem mais se admirou foi sua própria esposa, que estava a mil léguas de imaginar que aquele fosse o seu marido negro. As irmãs casadas com os príncipes disseram-lhe: "Com um moço assim é que você devia ter-se casado, e não com um negro tão preto."

Na festa do dia seguinte o negro pediu à vara de condão que fizesse aparecer um coche ainda mais lindo e um vestuário ainda mais deslumbrante — e foi esperar a esposa na igreja, deixando-a terrivelmente impressionada com a sua beleza e a sua riqueza.

No terceiro dia, a mesma coisa: um coche ainda mais lindo e um vestuário que era um céu aberto. Depois das festas na igreja houve banquete no palácio — e o negro se apresentou no mesmo coche e nos mesmos trajes do dia em que cedeu os pássaros de pluma aos genros do rei.

Os príncipes ficaram muito espantados de ver ali aquele homem, e mais ainda quando o desconhecido declarou que não se sentava em mesa em que sentassem seus escravos.

— Que escravos? — perguntou o rei.

O moço apontou para os genros do rei dizendo que eram seus escravos, pois tinham as pernas marcadas com a mesma marca com que ele marcava os seus bois.

O rei examinou a perna dos moços e viu as marcas. Ao saberem disso, as princesas casadas com eles se atiraram pelas janelas; e os pobres príncipes fizeram o mesmo. E o rei ficou numa tal tristeza que morreu dias depois. E então o Gaforinha ficou dono de todo o reino.
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— Esta história — disse dona Benta — foi recolhida pelo erudito Sílvio Romero, da boca do povo de Pernambuco. A gente percebe com muita clareza que é uma história truncada, bastante sem pé nem cabeça, como diz a Emília. Em geral as histórias encerram uma moralidade, uma lição qualquer — mas nesta não vemos nada disso. O fim até deixa a gente desapontada.

— Também acho — disse Emília. — Essa princesa que se casa com um negro velho, o pássaro preto que leva o menino no bico, aqueles quartos cheios, de cavalos um, de arreios outro, de moças brancas outro, de mulatinhas outro — e os últimos com os tais rios de prata e ouro, tudo isso não tem o menor propósito. E o castigo que o pássaro preto inventou? Então dar uma vara mágica a uma pessoa é castigar? Quem me dera ser castigada assim! Tudo bobagens de negra velha. Nessa história vejo uma fieira de negras velhas, cada qual mais boba que a outra — que vão passando a história para diante, cada vez mais atrapalhada.

— E os tais pássaros de pluma? — disse Narizinho. — Que é que entende você por pássaros de pluma, Nastácia?

— Não sei, menina — respondeu a preta. — A história eu ouvi assim e por isso conto assim. Pássaro de pluma é pássaro de pena, parece.

— E já viu pássaro que não seja de pena, sua tola? — disse Emília. — O que vale é que você mesma confessa não ter culpa das idiotices da história, senão eu cortava um pedaço desse beiço...

— Emília, respeite os mais velhos! — ralhou dona Benta.

— A senhora me perdoe — disse a pestinha — mas, cá para mim, isso de respeito nada tem com a idade. Eu respeito uma abelha de um mês de idade que me diga coisinhas sensatas — mas. se Matusalém vier para cima de mim com bobagens, pensa que não boto fogo na barba dele? Ora, se boto!...
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Continua… VI – A Raposinha
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Fonte: LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995. Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 178)


Uma Trova Nacional

Este olhar de poeta errante,
por pureza cristalina,
fez de mim a sua amante,
muito mais do que imagina.
–MIFORI/SP–

Uma Trova Potiguar

Morre a flor na flor da idade,
padece a planta de dor;
a ausência deixa saudade,
até na morte da flor!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema : ENCANTO; M/E.

Tais encantos tem a vida,
tais e tantas graças tem,
que me dói pensar na ida
para o céu antes dos cem!...
–A. A. DE ASSIS/PR–

...E Suas Trovas Ficaram

Eu ri na cara da vida,
zombei do que ela me deu;
hoje, eu vejo, ressentida,
que o seu palhaço fui eu!
–CARMEN OTTAIANO/SP–

Simplesmente Poesia

–ANTONIO M. A. SARDENBERG/RJ–
Sussurro

Meu grito cala num silêncio breve
E vem a febre a me arder em brasa.
A pluma desce em movimento leve
Livre e bem solta, pois não tem mais asa.

O laço prende a presa encurralada
E acuada na cerca sem saída.
O galo canta – é fim de madrugada –
O sol desponta, é hora da partida.

O vento assopra a copa do coqueiro,
Dentro do aceiro rompe a boiada,
Toca o berrante o velho vaqueiro
Na capoeira que margeia a estrada.

E tange o sino dentro do meu peito!
Vem a saudade a suspirar baixinho,
Sussurra o rio dentro do seu leito,
Lamenta a alma a falta de carinho.

Estrofe do Dia


Berra o bode no chiqueiro,
relincha longe o cavalo,
pia o pinto, canta o galo
ciscando pelo terreiro;
a vaca no tabuleiro
muge fazendo uma prece,
o candeeiro estremece,
chia o grilo na parede,
chora o menino na rede
e o dia não amanhece!
ANTONIO MARINHO/PB –

Soneto do Dia

–HUMBERTO RODRIGUES NETO/SP–
Ciúme

Passam-se as horas e afinal não vens
vestir de sol meu tenebral caminho;
só de pensar, em ânsias me espezinho,
que são de outro os teus secretos bens...

Sim, é de outro o teu fugaz carinho,
toda essa ardência que em teu corpo tens,
mas fazes dos meus sonhos teus reféns
pra me obrigares a te amar sozinho.

Irás ao baile, e nele em ti pressinto
os teus enfeites, teus sutis rebuços:
a echarpe, o brinco, o bracelete, o cinto...

Num leito frio caio então de bruços,
quando duas lágrimas no rosto sinto,
rolando mansas sobre os meus soluços!

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Paulo Leminski (Céu embaixo)


17
Janelas, escancaradas janelas do 17º andar, aqui vou eu, aqui vai toda essa minha estúpida vontade de apagar a luz, única maneira decente de apagar a dor.

16
Décimo sexto andar. Até aqui, tudo bem. A temperatura está a 17 graus, o céu azul, e a lei da gravidade continua funcionando com o costumeiro rigor. Quem partiu, tem que chegar.

15
Ao passar pelo 15º andar, já não acho mais que quem partiu tem que. Está provado que é possível, em certos casos, partir sem chegar a. Nesses casos, se diz, houve empate. Eu não jogava pelo empate. Jogava pelo escândalo, vitória ou derrota. Foi vitória? Derrota? Tem gente que prefere abrir o gás. Tem quem se dedique à pesca submarina. Em nenhum desses casos, o fim é algo de último, a meta não é definitiva. Qual era o jogo dela? Fosse qual fosse, amigos, amigos, jogos à parte.

14
Só quem já caiu de um 1º andar pode imaginar o que senti quando. Quando foi mesmo? Será que foi? Ou foi um peso que tirei de cima de mim? Peso por peso, prefiro o meu, que, pelo menos, me leva para algum lugar.

13
Pronto. Treze é meu número de azar favorito. Tenho outros números de azar. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, por exemplo, essas coisas, enfim, que atravessam as réguas de cálculo. De todos, 13 é o meu predileto. Que foi que fiz para merecer cair até o 13º andar, donde se descortina um relance do Atlântico? Quem sabe eu não devia ter, vocês sabem. Vai ver, aquela nuvem lá longe não passa de um eco de um pensamento meu. A raiva é sábia.

12
Alguma coisa não pára de me dizer, não devia ter vindo. Eu sabia que a comida era péssima, o atendimento sempre ficava a desejar. Mas, depois de vindo, como desvir? O 12º é sempre o mais filosófico. Aquele onde o ato de pensar fica mais ridiculamente genérico. Cair não é genérico. Cair é a coisa mais natural do mundo. Cair é lógico. Podem perguntar para qualquer pedra do planeta Terra.

11
O 11º andar é sempre um caso à parte. Talvez melhor dissessem um caos à parte. Mas isto não seria correto. O correto consiste em dizer: o 13º andar, donde se descortina um relance do Atlântico, sim, o mais correto, é deixar cair.

10
Não sei como suporto esta situação. É absolutamente ridículo. Só porque alguém saltou do 17º andar de um edifício não quer dizer necessariamente que tenha que chegar até um, digamos, décimo andar. O décimo andar, em casos de queda, é objeto e motivo de lendas e chacotas entre muitos povos primitivos que, absorvidos por outros afazeres mais prementes, deixaram-nas cair no esquecimento, onde jazem até hoje. Mas jazem muito 'bem. As lendas sobre o décimo andar, ainda vai haver quem as conte. Palavra de honra.

9
Que frio. Bem que minha mãe falou, leva um casaco. Sempre assim. A cabeça não pensa, o corpo é que sofre. O que eu queria mesmo era ficar para sempre nó 12º andar.

8
Ela, ela mora no 12º andar. Ao passar, quase dei um alô. Ela não entenderia. Telefonaria para a mãe. Fritaria um ovo. No máximo, olharia para baixo. Ou para cima, para ver de onde eu tinha vindo.

7
Parece mentira, mas cheguei ao 7º andar. A que ponto chegamos! Nessa velocidade, a lembrança do 12º andar parece apenas uma lembrança. A física ensina que os corpos têm sua queda acelerada à medida que se aproximam do destino. Não vejo por que deveria ser diferente comigo. A lei da gravidade é a mais democrática de todas. Rege, com idêntico rigor, gregos e troianos, jóias e paralelepípedos, impérios e pétalas de magnólia. Sete é conta de mentiroso. Ela me mentiu. Nada mais fácil que mentir que se ama alguém. Basta dizer: eu te amo. Quem vai saber? Como medir? Como provar? As palavras também estão sujeitas à lei da gravidade?

6
No sexto, fica a administração. É o andar mais frio e mais distante. É onde se tramam as grandes negociações, onde ficam os cofres com os segredos indecifráveis. Chegar ao sexto andar é a ambição de todo corpo que cai. Os que não. A poucos é dada essa proeza. Os que fracassam, fatalmente, continuarão caindo até o quinto, onde ficam os infernos.

5
Do antigo inferno, o moderno só traz o nome. Na verdade, o inferno de hoje, no quinto andar, é um dos andares mais agradáveis do edifício, dispondo de amplas instalações, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e quarto de empregada. Os banheiros são revestidos de material à prova de fogo, precaução inútil, já que neste prédio raramente ocorre algum incêndio de proporções catastróficas. Da janela do quinto andar, avista-se o letreiro que diz, PROIBIDO CAIR.

4
Ninguém nunca soube para que servia o quarto andar. Sempre se imaginou que era uma espécie de depósito onde se guardavam as coisas que não serviam mais para os andares de cima, garrafas vazias, móveis usados, lâmpadas queimadas, livros já lidos, óculos quebrados, espelhos, diários, relógios.

3
Deus queira que esta saudade do 12º permaneça acesa durante todo este andar, durante o frio, o vento, a angústia, a raiva e a força maior deste poder que me chama.

2
Não há muito a dizer, nunca há. Meia dúzia de palavras resolvem problemas de mil anos atrás. Fomos nos dizendo cada vez menos Dizer sempre é uma outra coisa.

1
O chão é duro.

Fontes:
LEMINSKI, Paulo. Gozo fabuloso. 2004.
Imagem = http://afamiliapires.blogspot.com

Celina Figueiredo (Caderno de Trovas)


TROVAR

Não sei se vivo a trovar
Ou se trovar é viver.
Só sei que não sei ficar
Sem minha trova escrever.

TROVAS (avulsas)

Somente um nada ficou
Do amor que nos uniu.
Só a saudade restou
Depois que você partiu

A mulher é um mistério
Para o homem desvendar.
Não a leve tão a sério
Pra você não se acabar.

Pálido outono, confesso,
Há tempos já me deixou;
Só a saudade restou
Do tempo que não mais meço.

TROVINHA

Passarinho mal cantou
Violeta já sorriu.
Rosa branca desfolhou
E do amor se despediu.

SERÁ OUTONO?

Sem folhas secas ao vento
E um céu azul , puro anil,
Nem dourado nem cinzento,
É o outono no Brasil

RENÙNCIA

Ao mergulhar no vazio
Sinto no peito uma dor
É para mim desafio
Abandonar este amor.

O BEIJO

Beija-flor vem à janela,
Suga o mel da flor-de-seda,
Olha bem e diz pra ela:
_Sempre um beijo me conceda.

PALHAÇO

Coração guarda absinto
Mas nos lábios tens o mel.
Deixo aqui tudo o que sinto:
Eis, Palhaço, o teu papel.

FRIO AZUL

Devagar, devagarinho.
Vem o frio lá do sul;
Vai chegando de mansinho
Com um alegre céu azul.

PALAVRAS AO VENTO

Palavra lançada ao vento
Nas ondas sempre a girar;
Não há na vida lamento
Que a faça um dia tornar.

BOM DIA

Bem-te-vi me visitou,
Bem depressa e sem demora.
Da janela me olhou,
Deu "Bom Dia" e foi-se embora.

DÁLIA

Rosa, branca ou sulferina
Sempre linda em sua cor
Sem perfume , eis a sina,
Que atormenta a bela flor.

TROVA

Meu jardim tem tantas flores
Que nem sei a preferida:
Se são rosas multicores
Ou a branca margarida.

INFINITO AMOR

Sentir o tempo que passa
Ligeiro diante de mim
Lembrar o amor que ultrapassa
Distância e mágoa sem fim

INCÊNDIO

Fogo no alto da serra
Lua cheia indiferente
Tórrido calor na terra
Vandalismo inconseqüente

POR VOCÊ

Por você eu corro os mares
Das montanhas subo ao cume
Vou buscar em outros ares
Lindas flores com perfume

SAUDADE

Rasgando o véu da vaidade
Mostra a verdade na face
Que ostenta a cor da saudade
Na dor que dos olhos nasce

O ORVALHO E A FLOR

Chora lágrimas a flor
Pelo orvalho da manhã
De tristeza ou de amor
Esta luta é sempre vã

PEGADAS

Não caminhes pela estrada
Sem deixar dos pés a marca
Teu viver sem fazer nada
Não conduz pro céu a barca

NA ESTRADA DA VIDA...

Na estrada da vida eu sigo,
na busca do infinito.
Aos céus eu sempre bendigo,
por este mundo em que habito.

O ESPINHO

Entre as flores do jardim
Um espinho me feriu.
Logo, logo, um jasmim
Com um beijo me acudiu..

Celina Figueiredo (Livro de Poesias)


A FLOR

Diante de mim a tela
que branca espera
da vida o retrato.
Das trêmulas mãos
o pincel escapa.
Lágrimas amargas
de dor e saudade
no espaço brotam
e no quadro vazio
com graça e magia
uma flor desabrocha.

ABANDONO

No borbulhar da taça de champagne
a solidão mergulha,
transborda o líquido
que derrama espumante
na branca toalha de linho.

Os olhos já vermelhos
sentem seu próprio sangue
a se esvair.

Sem consolo,
sem amigos,
Só.

À VIRGEM

Sonhei um dia
entregar-me a ti
e teu altar
adornar com brancas flores
colhidas no jardim
do meu amor.

Meu coração
guardarias junto a ti,
com teu manto
envolverias minha fronte,
em resposta
à promessa
que te fiz.

………………………………………..

No mundo louco
o meu sonho
se desfez.
Em teu altar nunca mais
flores depus.
A teus pés ,
só pode agora repousar
o coração perjuro
e tão magoado
da filha ingrata
que a promessa não cumpriu.

Mas tu, ó Virgem,
saberás compreender-me
e, bem sei, um dia
hás de acolher-me
e em teu regaço
embalar-me
para sempre.

ALMA DESNUDA

Quero agora
cantar amores,
chorar saudades,
beijar o vento,
abraçar o sol,
suspirar à aurora.

Chorar
não consigo.
Cantar
não posso.

Sou rio
sem vida,
sem margem florida,
sem brisa da tarde,
sem clarão da lua,
sem arrebol.

Sou alma perdida,
imagem nua
a vagar sem rumo
na noite escura.

APELO


Força que anima
meu viver sem vida,
doce miragem
a embalar meus sonhos,
deixa ao menos
eu seguir teus passos
e, na poeira que teus pés levantam,
sufocar o pranto de esperança,
matar para sempre esta paixão.

BUSCA INCESSANTE

Qual Ismália enlouquecida
vejo uma lua no céu,
vejo outra lua no mar.

Dividida vivendo,
não sou exceção.
Do universo binário,
da unidade de Deus,
sou parcela integrante.
Ser em conflito,
alma barroca,
de um lado a outro
tentando em vão
a mim mesma encontrar.

CHUVA


Nuvens negras
prenúncio de chuva…
Chuva que lava as folhas,
que molha o solo,
que leva o sonho…

Chuva que cai,
lava minh’alma,
leva pra longe
os sonhos passados,
as mágoas presentes,
e , no vasto oceano,
os deixa rolar..

FANTASIAS


Sobre o casario adormecido
O luar derrama lágrimas de prata.
No telhado, a silhueta de uma gato vadio
Completa a magia da noite.

Da matéria o espírito liberto
Em leve vôo foge
Na busca perene do amor.

Sonhos…
Ilusão…
Fantasias…
Madrugada de lua cheia…

IMAGENS DA VIDA

No adro de velha igreja
Já quase toda em ruínas
Crianças despreocupadas
Brincam a colher boninas.

Cuidadosamente tecem
As mãozinhas delicadas
Guirlandas de sonho e festa
Com as florinhas tosadas.

Da vida no seu verdor
Não pensavam as meninas
Nas coroas coloridas,
Roxas, brancas, sulferinas,
Que um dia ornariam
Sua eterna moradia.

NOITES DO PASSADO

Frias noites do passado,
fino nevoeiro envolve os corpos,
chamas da adolescência aquecem a alma…

Cruzam-se discretos os olhares,
disparam corações enamorados,
ao suave despertar do amor!…

Perdidas no tempo as noites frias…

No coração, soa o sino da saudade…
––––––––––––
Fontes:
Cultura Livre.
Recanto das Letras.

Ialmar Pio Schneider (Soneto in Memoriam ao Aniversário de Vicente de Carvalho)

Escultura de Vicente de Carvalho
(por Ettore Ximenes)

Vicente de Carvalho - O Poeta do Mar,
que tanto cultuou o verso alexandrino,
neste cinco de abril, estando a aniversariar,
hoje me recordou das folhas o destino !

E quanto fez sentir do ´´morto pequenino´´
a passagem na terra e na cova o enterrar,
na hora da Ave-Maria e ao tanger do sino
que parecia assim, de trágico chorar...

Viveu para a poesia e as ´´cantigas praianas´´
entoou com ardor, ouvindo a voz da fonte,
a cantar, a cantar, em notas tão humanas...

Quando o sol vai caindo e vejo que anoitece,
dirijo meu olhar ao longe no horizonte,
para também rezar minha sentida prece...

Fonte:
Colaboração de Ialmar

Vicente de Carvalho (Livro de Poesias)


INTEIRAMENTE LOUCO

Senhora minha, pois que tão senhora
Sois, e tão pouco minha, eu bem entendo
Que sorrindo negais quanto, gemendo,
Amor com os olhos rasos d’água implora.

Meu coração, coitado, não ignora
Que num sonho bem vão todo o dispendo
E é sem destino que assim vai correndo
Cansadamente pela vida afora.

Dizeis do meu amor que é coisa absurda,
E ele, teimando, faz ouvido mouco;
Nem há razão que o desvaneça ou aturda.

Não o escutais? Nem ele a vós tampouco.
Que, se sois surda, inteiramente surda,
Amor é louco, inteiramente louco.

DONA FLOR

Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, límpido, radiante...
Mas, ai! sob êsse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
— Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer...

VELHO TEMA

I

Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos

II

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
— Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: — risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece; eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.

III

Belas, airosas, pálidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
São rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidão de almas cativas.

Têm a alvura do mármore; lascivas
Formas; os lábios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, pálidas, altivas...

Por quê? Porque lhes falta a todas elas,
Mesmo às que são mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:

Falta-lhes a paixão que em mim te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher amada.

IV

Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas e verdades que sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo,
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego,
Põe-se a sonhar o bem que não existe.

V

Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amor e de pecado;
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo
Esse amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito".

Assim penso, assim quero, assim me engano
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

A FLOR E A FONTE

"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.

"Deixa-me, deixa-me, fonte!
" Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
"Não me leves para o mar".

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu!...

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria
Rolava levando a flor.

"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr do sol;

"Carícia das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!...

" As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...

PALAVRAS AO MAR

Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Junto da espuma com que as praias bordas,
Pelo marulho acalentada, à sombra
Das palmeiras que arfando se debruçam
Na beirada das ondas - a minha alma
Abriu-se para a vida como se abre
A flor da murta para o sol do estio.

Quando eu nasci, raiava
O claro mês das garças forasteiras:
Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
Nadando em luz na oscilação das ondas,
Desenrolava a primavera de ouro;
E as leves garças, como olhas soltas
Num leve sopro de aura dispersadas,
Vinham do azul do céu turbilhonando
Pousar o vôo à tona das espumas...

É o tempo em que adormeces
Ao sol que abrasa: a cólera espumante,
Que estoura e brame sacudindo os ares,
Não os saco de mais, nem brame e estoura;
Apenas se ouve, tímido e plangente,
O teu murmúrio; e pelo alvor das praias,
Langue, numa carícia de amoroso,
As largas ondas marulhando estendes...

Ah! vem daí por certo
A voz que escuto em mim, trêmula e triste,
Este marulho que me canta na alma,
E que a alma jorra desmaiado em versos;
De ti, de tu unicamente, aquela
Canção de amor sentida e murmurante
Que eu vim cantando, sem saber se a ouvia,
Pela manhã de sol dos meus vinte anos.

O velho condenado,ao cárcere
das rochas que te cingem!
Em vão levantas para o céu distante
Os borrifos das ondas desgrenhadas.
Debalde! O céu, cheio de sol se é dia,
Palpitante de estrelas quando é noite,
Paira, longínquo e indiferente, acima
Da tua solidão, dos teus clamores...

Condenado e insubmisso
Como tu mesmo, eu sou como tu mesmo
Uma alma sobre a qual o céu resplende
- Longínquo céu - de um esplendor distante.
Debalde, o mar que em ondas te arrepelas,
Meu tumultuoso coração revolto
Levanta para o céu como borrifos,
Toda a poeira de ouro dos meus sonhos.

Sei que a ventura existe,
Sonho-a; sonhando a vejo, luminosa.
Como dentro da noite amortalhado
Vês longe o claro bando das estrelas;
Em vão tento alcançá-la, e as curtas asas
Da alma entreabrindo, subo por instantes...
O mar! A minha vida é como as praias,
E o sonho morre como as ondas voltam!

Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias!
Tigre de que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Ouço-te às vezes revoltado e brusco,
Escondido, fantástico, atirando
Pela sombra das noites sem estrelas
A blasfêmia colérica das ondas...

Também eu ergo às vezes
Imprecações, clamores e blasfêmias
Contra essa mão desconhecida e vaga
Que traçou meu destino... Crime absurdo
O crime de nascer! Foi o meu crime.
E eu expio-o vivendo, devorado
Por esta angústia do meu sonho inútil.
Maldita a vida que promete e falta,
Que mostra o céu prendendo-nos à terra,
E, dando as asas, não permite o vôo!

Ah! cavassem-te embora
O túmulo em que vives - entre as mesmas
Rochas nuas que os flancos te espedaçam,
Entre as nuas areias que te cingem...
Mas fosses morto, morto para o sonho,
Morto para o desejo de ar e espaço,
E não pairasse, como um bem ausente,
Todo o infinito em cima de teu túmulo!

Fosse tu como um lago,
Como um lago perdido entre as montanhas:
Por só paisagem - áridas escarpas,
Uma nesga de céu como horizonte...
E nada mais! Nem visses nem sentisses
Aberto sobre ti de lado a lado
Todo o universo deslumbrante - perto
Do teu desejo e além do teu alcance!

Nem visses nem sentisses
A tua solidão, sentindo e vendo
A larga terra engalanada em pompas
Que te provocam para repelir-te;
Nem buscando a ventura que arfa em roda,
A onda elevasses para a ver tombando,
- Beijo que se desfaz sem ter vivido,
Triste flor que já brota desfolhada...

Mar, belo mar selvagem!
O olhar que te olha só te vê rolando
A esmeralda das ondas, debruada
Da leve fímbria de irisada espuma...
Eu adivinho mais: eu sinto... ou sonho
Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo
Pelos fundos abismos do teu peito.

Ah, se o olhar descobrisse
Quanto esse lençol de águas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!... A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cólera insubmissa,
Os bramidos de angústia e de revolta
De tanto brilho condenado à sombra,
De tanta vida condenada à morte!

Ninguém entenda, embora,
Esse vago clamor, marulho ou versos,
Que sai da tua solidão nas praias,
Que sai da minha solidão na vida...
Que importa? Vibre no ar, acode os ecos
E embale-nos a nós que o murmuramos...
Versos, marulho! Amargos confidentes
Do mesmo sonho que sonhamos ambos!

NO TEU ANIVERSÁRIO

No lar cercam-te vozes d´alegria
em bando, em nuvens doiro, mariposas
que o teu olhar atrai. Canções e rosas
sob os teus pés desfolham-se à porfia.

A noite, alva corbelha de mimosas
sobre ti volta o arcanjo da poesia.
Nublam-te o sono as ondas vaporosas
do turib´lo do amor, como de dia.

Vives feliz no angélico ambiente
de fortuna, feliz. Mas considera,
que em um pobre, misérrimo, eu doente,

eu vibraria a lira, se pudera
vibrar a lira frágil e inocente
a bruta e hedionda garra duma fera.

SAUDADE

Belos amores perdidos,
Muito fiz eu com perder-vos;
Deixar-vos, sim: esquecer-vos
Fôra de mais, não o fiz.

Tudo se arranca do seio,
— Amor, desejo, esperança...
Só não se arranca a lembrança
De quando se foi feliz.

Roseira cheia de rosas,
Roseira cheia de espinhos,
Que eu deixei pelos caminhos,
Aberta em flor, e a perdi:

Por me não perder, perdi-te;
Mas mal posso assegurar-me
— Com te perder e ganhar-me
Se ganhei, ou se perdi…
---
Fonte:
Antonio Miranda
Academia Brasileira de Letras
Blog dos Poetas.

Vicente de Carvalho (1866 – 1924)


Vicente de Carvalho (V. Augusto de C.), advogado, jornalista, político, magistrado, poeta e contista, nasceu em Santos, SP, em 5 de abril de 1866, e faleceu em Santos, SP, em 22 de abril de 1924.

Era filho do major Higino José Botelho de Carvalho e de Augusta Bueno Botelho de Carvalho.

Fez o primário na cidade natal e, aos 12 anos, seguiu para São Paulo, matriculando-se no Colégio Mamede e, depois, no Seminário Episcopal e no Colégio Norton, onde fez os preparatórios.

Aos 16 anos matriculou-se na Faculdade de Direito.

Em 1886, com 20 anos, era bacharel em Direito. Republicano combativo, cursava ainda o 4o ano quando foi eleito membro do Diretório Republicano de Santos.

Em 1887, era delegado a Congresso Republicano, reunido em São Paulo.

Casou-se em 1888 com Ermelinda Ferreira de Mesquita, em Santos, com quem teve quinze filhos.

Em 1891, era deputado ao Congresso Constituinte do Estado.

Em 1892, na organização do primeiro governo constitucional do Estado, foi escolhido para a Secretaria do Interior. Por ocasião do golpe de estado de Deodoro, abandonou o cargo que vinha exercendo. Mudou-se, então, para Franca, município do interior paulista, e tornou-se fazendeiro.

Em 1901, regressou a Santos, dedicando-se à advocacia.

Em 1907, mudou-se para São Paulo, onde foi nomeado juiz de direito.

Em 1914, passou a ministro do Tribunal da Justiça do Estado.

Vicente de Carvalho foi, durante toda a sua vida, um jornalista combativo.

Até 1915, sua atuação na imprensa foi quase ininterrupta. Em 1889, era redator do Diário de Santos, fundando, no mesmo ano, o Diário da Manhã, de Santos. Ali manteve ainda colaboração em A Tribuna e fundou, em 1905, O Jornal. Até 1913 colaborou no Estado de S. Paulo. No fim da vida, cansou-se do jornalismo, mas continuou em contato com seus leitores através dos versos que publicava nas páginas de A Cigarra.

Tendo publicado verso, estreou na prosa numa polêmica com o poeta Dias da Rocha

Em 1885 publicou seu primeiro livro Ardentias. Três anos depois veio Relicário (1888). Quando voltou a Santos, fervia o movimento abolicionista. Após contribuir para várias publicações fundou o Diário da Manhã. Em 1902 publicou o Rosa, rosa de amor.

Foi membro do movimento parnasianista e seu grande tema era o mar, ao ponto de receber a alcunha de Poeta do Mar.

A obra que marcou sua carreira poética, Poemas e Canções, foi primeiro publicada em 1909 com prefácio de seu amigo Euclides da Cunha. Teve dezessete edições.

Poeta lírico, ligou-se desde o início ao grupo de jovens poetas de tendência parnasiana. Foi grande artista do verso, da fase criadora do Parnasianismo. Da sua produção poética ele próprio destacou poemas que são de extrema beleza, como: "Palavras ao mar", "Cantigas praianas", "A ternura do mar", "Fugindo ao cativeiro", "Rosa, rosa de amor", "Velho tema", "O pequenino morto".

Segundo ocupante da Cadeira 29, da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1º de maio de 1909, na sucessão de Artur Azevedo e recebido por carta na sessão de 7 de maio de 1910.

Obras

Ardentias 1885
Relicário 1888
Rosa, rosa de amor 1902
Poemas e canções 1908
Versos da mocidade 1909
Verso e prosa, incluindo o conto "Selvagem" 1909
Páginas soltas 1911
A voz dos sinos 1916
Luisinha, contos 1924

Os jardins da orla de Santos se devem em parte a Vicente de Carvalho. Em 1921 escreveu, junto a Américo Martins dos Santos e Benedicto Montenegro, uma Carta Aberta ao Presidente da República contra apropriações ilegais das áreas em frente à praia.

A poetisa santista Maria José Aranha de Rezende (Santos, 02/10/1911 - Santos, 17/06/1999) foi sua sobrinha-neta e pertenceu à Academia Santista de Letras.

Muitos de seus poemas foram traduzidos para o Italiano por Giusepina Stefani

Fontes: Biblioteca Virtual de Literatura.
Wikipedia.
Academia Brasileira de Letras.

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) IV – A Princesa Ladrona

Havia um pai com três filhos; um plantou um pé de laranjeira, outro plantou um pé de limeira e outro plantou um pé de limoeiro. Certo dia o mais velho foi ter com o pai e disse:

— Meu pai, já estou homem feito e quero sair pelo mundo.

O pai achou que era ainda cedo, mas o moço tanto insistiu que ele teve de concordar. E então disse:

— Pois saia, mas antes deve resolver se quer levar minha bênção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro.

O moço quis maldição com muito dinheiro — e o pai o amaldiçoou, depois de dar-lhe um saco de dinheiro. Antes de partir, esse moço disse aos irmãos que quando a sua laranjeira começasse a murchar isso era sinal de que se achava em grandes apuros — e eles que fossem socorrê-lo.

Combinado esse ponto, o moço partiu. Andou, andou, andou, e por fim, já muito cansado, viu uma fumaça ao longe. Encaminhou-se para lá. Era um palácio. A dona do palácio era uma princesa que o recebeu com grandes amabilidades. Jantou com ele e depois convidou-o a um passeio pela horta. Ao atravessar um riacho, a princesa ladrona ergueu o vestido de modo a mostrar o pé, e depois que voltaram à sala perguntou ao moço que é que havia visto de mais lindo na horta.

— As couves — respondeu o moço.

A princesa mordeu os lábios e convidou-o para um joguinho — e num instante ganhou todo o dinheiro que ele trazia. Depois disso mandou que seus criados o prendessem e só lhe dessem couve para comer.

Logo que isso aconteceu, lá em casa do pai do moço a laranjeira começou a murchar. O irmão do meio, vendo aquilo, foi ter com o pai e disse:

— Meu irmão está em grandes apuros e eu vou correr mundo para socorrê-lo.

O pai concordou e perguntou o que ele queria, bênção com pouco dinheiro ou maldição com muito dinheiro. Esse moço também preferiu maldição com muito dinheiro — e o pai o amaldiçoou, depois de lhe dar um saco de dinheiro — e ele lá se foi.

Andou, andou, andou até sentir-se exausto, e nesse momento viu ao longe uma fumaça. Encaminhou-se para lá. Era o palácio da princesa ladrona. A princesa recebeu-o com as amabilidades de sempre, e depois do jantar levou-o a passeio pela horta. Ao atravessar o riozinho mostrou o pé, e ao voltarem à sala fez-lhe a mesma pergunta.

— Então, que mais apreciou na minha horta?
— As alfaces — respondeu o moço.

A princesa pensou consigo que aquele era igualzinho ao outro; convidou-o para jogar, ganhou-lhe todo o dinheiro e o mandou prender, com ordem de só lhe darem alface.

Assim que isso aconteceu, lá na casa do pai do moço a limeira começou a murchar. O terceiro filho foi ter com o pai.

— Meu pai, quero sair pelo mundo em socorro dos meus irmãos; a laranjeira e a limeira estão dando sinal do grande perigo que eles correm.
— Pois vá — respondeu o pai — mas antes terá de decidir se quer minha bênção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro.
— Meu pai — respondeu o moço — quero sua bênção com pouco dinheiro.

O pai abençoou-o e ele partiu. Bem longe dali encontrou uma velhinha, que era Nossa Senhora disfarçada.

— Para onde vai, meu filho?
— Vou pelo mundo ganhar a vida e procurar meus irmãos — respondeu o moço.

A velhinha deu-lhe uma toalha, dizendo:
— Quando tiver fome meu filho, pegue esta toalha e diga: "Põe a mesa, toalha!" — e um banquete aparecerá.

Deu-lhe também uma bolsa, dizendo: "Esta bolsa faz o mesmo que a tolha." E deu-lhe ainda uma violinha dizendo' "Se perder a toalha e a bolsa, basta tocar nesta violinha que não sentirá fome, nem privação de nada."

O moço agradeceu os presentes e lá se foi pela estrada afora. Chegou afinal ao palácio da princesa ladrona, onde bateu e foi recebido com grandes amabilidades. Depois do jantar houve o tal passeio à horta, tudo exatinho como havia acontecido com os seus dois irmãos. De volta do passeio a princesa perguntou o que mais ele tinha apreciado.

— O lindo pé da senhora princesa — respondeu o moço gentilmente.

À princesa sorriu, como quem diz: Este me serve. Em seguida convidou-o para jogar e no jogo limpou-o do pouco dinheiro que ele trazia. E também mandou que o prendessem junto com os demais.

Lá pela tarde chegou a hora de dar comida aos presos, e uma preta apareceu diante das grades com um prato de couves.

— Muito obrigado — disse o moço. — Diga à sua senhora que não preciso de nada disso. — E estendendo a toalha teve o gosto de ver surgir um verdadeiro banquete.

A prisão estava cheia de prisioneiros, todos quase mortos de fome, de modo que o regalo foi grande. A negra, que trouxera a comida, abriu a boca, assombrada.

— Minha senhora — foi correndo dizer à princesa — aquele preso de ontem tem uma toalha mágica, que basta abrir para virar num banquete.

A princesa ficou logo desejosa de possuir tal toalha, e mandou a preta saber do moço se queria vendê-la. O moço respondeu que teria muito gosto em dá-la de presente, com a condição de dormir uma noite na porta do quarto da princesa do lado de fora. A princesa danou com a resposta, que lhe pareceu um grande desaforo, mas por fim concordou.

No dia seguinte, quando a negra foi levar a couve aos presos, o moço recusou de novo, e abrindo a bolsa fez aparecer um banquete mágico, de que todos comeram até não poder mais. A negra foi correndo dizer à princesa: "Minha senhora, ele tem uma bolsa ainda mais mágica que a toalha. Aquilo é que é uma bolsa de princesa."

A princesa mandou propor a compra da bolsa, e o moço disse que lhe dava a bolsa de presente, com a condição de dormir na porta do seu quarto, mas do lado de dentro. A princesa danou, mas a negra achou que ela devia aceitar, pois que dormiria na cama e ele no chão duro. Fez-se o negócio e o moço dormiu no quarto da princesa do lado de dentro, perto da porta.

No dia seguinte a negra foi de novo levar a couve aos presos e viu o moço pegar na violinha e começar a tocar. E todos os presos puseram-se a dançar como se não tivessem fome nenhuma. E até a negra pegou fogo e pôs-se a dançar também. A festa durou tanto tempo que a princesa mandou chamar a negra.

— Ah, minha senhora, o tal moço tem uma violinha que é mesmo a maior das maravilhas. Aquilo é que é viola de princesa!
— Pois vá saber dele se quer me vender a tal viola.

A negra foi e o moço respondeu que só daria a viola se a princesa se casasse com ele.

A princesa a princípio danou, mas depois resolveu aceitar a proposta e casou-se. Então todos os presos foram soltos e houve grandes festas.
**********
E tia Nastácia rematou a história repetindo o mesmo finzinho de sempre: "E eu lá estive e trouxe um prato de doces, que caiu na ladeira."

Entrou por uma porta
saiu por um canivete;
manda o rei meu senhor
que me conte sete.

— Que história de contar sete é essa? — perguntou Emília quando a negra chegou ao fim. — Não estou entendendo nada.

— Mas isto não é para entender, Emília — respondeu a negra. — É da história. Foi assim que minha mãe Tiaga me contou o caso da princesa ladrona, que eu passo para diante do jeito que recebi.

— E esta! — exclamou Emília olhando para dona Benta. — As tais histórias populares andam tão atrapalhadas que as contadeiras contam até o que não entendem. Esses versinhos do fim são a maior bobagem que ainda vi. Ah, meu Deus do céu! Viva Andersen! Viva Carroll!

— Sim — disse dona Benta. — Nós não podemos exigir do povo o apuro artístico dos grandes escritores. O povo... Que é o povo? São essas pobres tias velhas, como Nastácia, sem cultura nenhuma, que nem ler sabem e que outra coisa não fazem senão ouvir as histórias de outras criaturas igualmente ignorantes, e passá-las para outros ouvidos, mais adulteradas ainda.

— Outra coisa que noto nessas histórias, vovó — observou Narizinho — é que não dispensam reis e rainhas e príncipes e princesas encantadas. Por que é assim?

— Essas histórias, minha filha, vieram de Portugal, e são dum tempo em que em todos os países do mundo só havia reis. Isso de presidentes de república é coisa moderna. São histórias dos tempos dos reis. E para a imaginação do povo os reis, as rainhas e os príncipes eram a coisa mais maravilhosa que havia. Hoje tudo está mudado. Cada vez há menos reis, a não ser nos baralhos. E já não há aquele "cão", que quando via um rosário rebentava num grande estouro e fedia enxofre. O povo é muito conservador, de modo que as histórias que de pais a filhos a gente do povo conta são corocas, vêm do tempo da Idade Média, quando não existiam jornais nem livros.

— Pois cá comigo — disse Emília — só aturo essas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e bárbaras — coisa mesmo de negra beiçuda, como tia Nastácia. Não gosto, não gosto e não gosto...
–––––––––- Continua…V – O Pássaro Preto __________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Epopéias da Índia Antiga (O Mahabharata) VI – A Restauração e a Abdicação


A vitória de Kurukshetra assegurou a Yudhisthira a volta ao trono de seu pai.

Bhisma, o sábio e venerando guerreiro que caiu gravemente ferido no décimo dia da batalha, deu em seu leito de morte instruções a Yudhisthira a respeito dos deveres do rei, das quatro castas, das quatro etapas da vida humana, das leis do matrimônio, da concessão de favores etc., baseado nos ensinamentos dos antigos sábios. Explicou-lhe também as filosofias sankhya e yoga, relatando-lhe numerosas tradições referentes aos deuses, aos santos e aos reis.

Esses ensinamentos ocupam cerca da quarta parte da epopéia e são um verdadeiro arsenal de leis, costumes e códigos de moral da Índia antiga.

Pouco tempo depois, efetuou-se a coroação de Yudhisthira, em cujo coração pesava o sentimento do sangue derramado e a morte de tantos amigos, mestres e parentes. Por causa disso, aconselhado por Nyasa, celebrou o sacrifício de Ashvameda.

Após a batalha, Dhritarâshtra viveu no palácio real, durante quinze anos, honrado e obedecido por seus sobrinhos, os cinco Pândavas; ao cabo daquele tempo, sentindo-se velho e adoentado, retirou-se para o deserto com sua abnegada esposa e Kunti, a mãe dos Pândavas, para terminar seus dias no ascetismo.

Transcorrido trinta e seis anos, depois da restauração de Yudhisthira no. trono, chegou aos seus ouvidos a notícia de que Krishna, o sábio, seu amigo, profeta e conselheiro, havia morrido.

Arjuna apressou-se em ir a Devârahâ e voltou com a confirmação da notícia de que, realmente, Krishna e os Yadavas haviam morrido.

O rei e seus irmãos ficaram muito consternados e declararam que também a hora de sua partida havia chegado. Por essa razão Yudhisthira abdicou a coroa a favor de Parikshit, primogênito de Arjuna e, aconselhado pelos sábios, empreendeu a viagem chamada Mahâprasthana, uma modalidade de ascetismo ou sannyasa.

Em obediência à lei existente naquele tempo, quando um homem chegava à decrepitude, costumava renunciar a todas as coisas do mundo e empreender uma viagem a pé até os Himalaias, completamente em jejum e pensando sempre em Deus, de sorte que morria de inanição.

Essa era a viagem ao céu, porque segundo a antiga mitologia indiana, para ir ao céu era necessário atravessar os altos píncaros dos Himalaias, além dos quais se ergue o monte Meru, em cujo cume está o céu, morada dos deuses.

Os reis seguiam o mesmo costume que os outros homens e por isso Yudhisthira recebeu naturalidade o aviso para se dirigir ao céu.

Em virtude desse fato, os cinco irmãos e sua mulher Draupadi vestiram roupas simples e empreenderam a marcha sem a menor provisão de alimentos, pois deles não necessitavam naquela. viagem para a morte.

A caminho, notaram que um cão os acompanhava. Continuaram a marcha para os Himalaias, palmilharam a neve de seus cumes e avistara em sua frente o monte Meru, quando a rainha Draupadi caiu desfalecida para nunca mais levantar-se.

Yudhisthira, que ia abrindo caminho, não notou o acidente. Seu irmão Bhima, que havia assistido o fato, avisou-o dizendo:

- Ó rei a rainha nossa esposa morreu Yudhisthira chorou, sem volver o olhar e disse: - Vamos ao encontro de Krishna e não temos tempo de olhar para traz. Sigamos para frente.

Ao fim de algum tempo, Bhima exclamou:

- Acaba de morrer nosso irmão Sahadeva.

O rei, sem se deter, chorou e disse:

- Sigamos avante.

Assim, foram caindo mortos pela neve os quatro irmãos; entretanto, embora sozinho, o rei prosseguiu impávido a sua marcha. O cão o acompanhava fielmente. Ambos caminhavam pela neve e pelo gelo, subindo encostas, através de vales, de cume em cume, até chegarem às fraldas do monte, Meru, onde o rei ouviu celestes harmonias e foi agraciado por copiosa chuva de flores que os deuses derramaram sobre ele.

Então desceu do céu a carruagem dos deuses e Indra disse a Yudhisthira:

– Sobe nesta carruagem, õ tu que és o mais excelso mortal. Somente a ti é concedido entrar de corpo e alma no céu.

Yudhisthira respondeu:

- Não quero entrar no céu sem meus irmãos e nossa esposa.
- Já se encontram no céu teus irmãos e vossa esposa.

Yudhisthira, então, fez sinal ao cão para que subisse também na carruagem; Indra, porém, assombrado, exclamou:

- Como? Um cão? Afasta-o daqui! Os cães não podem ir ao céu. Que vais fazer, ó grande rei? Acaso enlouqueceste; tu que és o mais virtuoso da raça humana e a quem foi concedido o excepcional privilegio de entrar no céu de corpo e alma?

Em resposta, disse Yudhisthira:

- Este cão foi meu fiel companheiro, através do gelo e da neve. Ele não me abandonou, quando a rainha e meus irmãos morreram. Como poderei abandoná-lo agora?

Indra replicou:

- No céu não há lugar para homens acompanhados de cães. Deves abandoná-lo, sem receio de fazer-lhe injustiça.

Yudhisthira respondeu:

- Sem o cão não irei para o céu. Nunca abandonarei aquele que a mim se aliou e comigo estará enquanto eu viver. Jamais me afastarei da retidão, nem pelas delicias do céu, nem pelas insinuações de um Deus!

Disse Indra:

- Então, somente com uma condição o cão entrará no céu. Tu tens sido o mais virtuoso dos mortais e o cão tem sido um devorador da carne dos outros animais. Ele está cheio de pecados por haver destruído outras vidas. Renuncia tu ao céu e entre ele em teu lugar.

Yudhisthira disse:

- Aceito! Que o cão vá para o céu em meu lugar!

A cena transfigurou-se imediatamente. Ao ouvir as nobres palavras de Yudhisthira, o cão transformou-se no Deus Yama, o senhor do Dharma, da Justiça e da Morte. Este, que se havia disfarçado sob aquela aparência,
disse a Yudhisthira:

- Ó rei, jamais houve homem tão abnegado como tu, que quiseste renunciar ao céu e anular tuas virtudes embenefício de um cão, condenando-te ao inferno ao carregares seus pecados. És nobilíssimo, ó rei dos reis! Tens compaixão de toda criatura, ó digno representante dos Bhâratas! Desde já são tuas as regiões da felicidade permanente. Tu as conquistaste e o céu é teu!

Yudhisthira, Indra, Yama e outros deuses que haviam se aproximado para presenciar a cena, dirigiram-se para o céu na divina carruagem.

Lá, Yudhisthira passa pelas provas iniciáticas, banha-se no Ganges do Esvarga e adquire um corpo celestial. Encontra Draupadi e seus irmãos e gozam eterna felicidade.

Assim termina o Mahâbhârata.

Fontes: Vivekananda, Swami. Epopéias da Índia Antiga. Imagem = http://meumestreinterior.blogspot.com

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 177)


Uma Trova Nacional

Não faça mal a ninguém,
mesmo sendo seu rival.
Está na força do bem
toda a fraqueza do mal!
–LUIZ CARLOS CORREA/SP–

Uma Trova Potiguar

Meu "barco" vai navegando,
levando, à frente, esperanças;
e, para trás, vai deixando
saudade e muitas lembranças.
–TARCÍSIO LOPES FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

1994 : Niterói/RJ
Tema: PERFIL ; M/H

Assim banhada de lua,
em um silêncio encantado,
a velha matriz da rua
guarda o perfil do passado!...
–DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

A morte é o triste momento
de uma dívida assumida.
É o dia do vencimento
das quatro letras da VIDA!
–LAMARTINE BABO/RJ–

Simplesmente Poesia

–LUIZ DUTRA/RN–
"A Morte de Isabela"

Pela janela da vida
deixou a vida Isabela;
entrou na porta do céu,
virou estrela tão bela,
que lá a mais bela estrela,
ficou com ciúme ao vê-la
brilhando mais do que ela!!!

Da janela arremessada
ela subiu, não baixou
Isabela não morreu,
ela apenas se encantou;
jogada de uma janela
a bela e meiga Isabela
virou um anjo e voou!!!

Arremessada pra morte,
por aquele que a gerou;
pois o pai que deu-lhe a vida
foi o mesmo que a matou;
pra o pai da terra morreu,
para o pai do céu nasceu,
e uma estrela o céu ganhou!!!

Estrofe do Dia

Um galo canta afinado,
o guiné diz que ta fraco,
o peba cava o buraco
sem precisar de arado,
corre um tejo envenenado
bebe o leite do pinhão,
o burro com exatidão
dá a hora logo cedo;
a natureza em segredo
mostra a sua perfeição.
HÉLIO CRISANTO/RN–

Soneto do Dia

–MARIA NASCIMENTO CARVALHO/RJ–
Despedida

Longos anos passamos lado a lado,
vivendo tanto a dor quanto a ventura,
mas, apesar do tempo ultrapassado,
havia entre nós dois certa amargura...

O amor menos calor e mais ternura
gritava dentro, em nós, desesperado,
que tínhamos, no excesso de candura,
muitos momentos bons, desperdiçado...

E, um dia, quando em nossas despedidas,
sentimos separadas nossas vidas
e o sonho de ventura irrealizado,

nossos olhos banhados pelo pranto,
disseram tudo aquilo que, no entanto,
nossos lábios jamais tinham falado…

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo