segunda-feira, 2 de maio de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 203)



Uma Trova Nacional

Desato o nó da lembrança
e um facho de luz sem fim,
me traz de volta a criança
que um dia fugiu de mim.
–RITA MOURÃO/SP–

Uma Trova Potiguar

Este amor que nos afaga,
no silêncio de nós dois,
é uma luz que não se apaga,
nem agora, nem depois...
–ULISSES FREITAS JUNIOR/RN–

Uma Trova Premiada

1989 - São Paulo/SP
Tema: SEGREDO - Venc.

Este amor mal disfarçado
em teu olhar de esperança,
é segredo mal guardado
num cofre sem segurança.
–THALMA TAVARES/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

De minha alma, nas dobrinhas,
a sua alma se aninhou...
As duas parecem minhas,
no ambíguo que eu hoje sou!
FERNANDO VASCONCELOS/PR–

Simplesmente Poesia

–ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE/RJ–
Pecante

Não importa o quanto pecas.
O que eu quero é sentir o teu calor,
o inebriante perfume do teu corpo,
passear por toda extensão de tuas curvas.

Não importa o quanto pecas.
É irresistível a tua beleza,
o sabor dos teus lábios,
o brilho dos teus olhos.

Tu és divina
Perfeita
Uma obra de arte
Doçura.
Não importa o quanto pecas.

Estrofe do Dia

Canta o galo o pinto pia
toda passarada canta,
a cabocla se levanta
vai lutar durante o dia,
enche o pote de água fria
tira a cinza do fogão,
passa a vassoura no chão
faz o fogo ajeita a brasa,
ferve o leite arruma a casa
faz café cata o feijão.
–OTACÍLIO BATISTA/PE–

Soneto do Dia

–GERALDO AMÂNCIO/CE–
Eu Quero

Eu quero o som de etéreas orações
nas catedrais da fé sedimentada,
e a crença pura em Deus sem ser atada
ao nó ferrenho das religiões.

Vaga-lumes flutuando em procissões
deixando a noite suave iluminada.
Eu quero arco-íris na manhã raiada
bordando a aurora com irradiações.

E depois de escutar pelas campinas
o sussurro das brisas matutinas
quero ouvir a heróica melodia

da canção libertária dos kilombos,
e a placidez de um revoar de pombos
enchendo o céu de paz e de poesia.
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AREIA BRANCA

Areia Branca é um município brasileiro localizado no interior do estado do Rio Grande do Norte, localizado na região da Costa Branca. Na cidade encontra-se a Ponta do Mel, único lugar do mundo onde o sertão encontra o mar.[Por estar na foz dos rios Mossoró, Apodi-Mossoró e Ivypanin, os quais se intercedem nos extremos da cidade e, juntamente ao Oceano Atlântico, circundam-na, Areia Branca caracteriza-se como uma ilha.

Encontra-se a 330km da capital do estado, Natal, e tal qual sugerido pelo seu nome, a cidade de Areia Branca é conhecida pelas suas belas praias paradisíacas de areias brancas, dunas e falésias, além de uma porção territorial dominada pelo sertão, apresentado uma das mais ricas e variáveis formações geográficas do estado do Rio Grande do Norte. Areia Branca também é lembrada pela sua massiva produção de sal, a qual rendeu-lhe o título de "Terra do Sal".

A cidade de Areia Branca é uma ilha, cercada de salinas e gamboas, por todos os lados, situada à margem direita do rio Mossoró. Passando nas Pedrinhas e, ao largo da praia do Upanema, a estrada penetra na cidade pela antiga Ilha, onde se localizavam, outrora, pequenas granjas que recebiam o nome genérico de “cercados’”.

Informam os historiadores que, por volta de 1860/1870, o território da futura cidade ainda era todo coberto por uma espessa mata de imburanas, quixabeiras, espinheiros e outras espécies vegetais. Com a seca de 1877, legiões de flagelados invadiram a ilha e devastaram toda a vegetação, a fim de construir casebres onde passaram a morar.

Com a devastação da mata, o solo ficou exposto à erosão dos ventos que levantava nuvens de pó e as transformava depois em pequenas dunas de areia, que alcançavam às vezes até dois metros de altura. Fenômeno interessante, decorrente dessa ação eólica, ocorria com o morro do Pontal, Localizado à entrada da barra do rio Mossoró. Periodicamente, o morro desaparecia da paisagem, para reaparecer anos depois, como num passe de mágica. Os mesmos ventos que levavam. Traziam-no de volta.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), sua população em 2010 é de 25 263 habitantes. Área territorial de 358 km².

O município foi emancipado de Mossoró através da Lei nº 10, de 16 de fevereiro de 1892.

Limita-se com os municípios de Grossos (oeste), Mossoró e Serra do Mel (sul) e Porto do Mangue (leste). Ao norte é banhado pelo Oceano Atlântico.

O município faz parte do POLO COSTA BRANCA, associação dos Município da Costa Branca AMUCOSTA formada pelos municípios a seguir: Caiçara do Norte, São Bento do Norte, Galinhos, São Rafael, Carnaubais, Assu, Tibau, Grossos, Itajá, Areia Branca, Mossoró, Porto do Mangue, Serra do Mel, Macau, Guamaré e Pendências.

O Polo Costa Branca é uma forma de desenvolvimento do turismo na região.

A ocupação de Areia Branca iniciou-se quando vários pescadores decidiram estabelecer-se nas "Areias Brancas", na ilha de Maritaca, nos idos de 1860.

Durante a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), as Areias Brancas foram utilizadas como abrigo para os que fugiam ao recrutamento militar, para ali enviados por Francisco Gomes da Silva, o "Chiquinho Gomes da Barra", residente na barra do rio Mossoró.

Quem primeiro ergueu casa de alvenaria de tijolo nas Areias Brancas foi Georgino Ferreira de Carvalho, em 1867. Um pouco mais tarde, em 1873, foi erguida a primeira escola e a Capela de Nossa Senhora da Conceição, que permaneceu de pé até ao ano de 1877. Em 1885, oito anos após a demolição, a capela foi reconstruída pelos fiéis.

Em 1872, Areias Brancas constituía-se em distrito de nº 10, de 16 de fevereiro, Areia Branca foi desmembrado de Mossoró e elevado à condição de município.

TURISMO

Areia Branca apresenta cenários deslumbrantes, com imensas dunas, enormes falésias de terra avermelhada, praias belíssimas e vegetação da caatinga com o sertão indo de encontro ao mar. São 42 quilômetros de litoral e de verdadeiro paraíso, como as praias de Ponta do Mel, Cristóvão, Redonda, Morro Pintado, São José, Baixa Grande, Upanema, entre outras.

TURISMO RELIGIOSO

turismo religioso é um diferencial no calendário de eventos de Areia Branca. De 5 a 15 de agosto a cidade se transforma num símbolo de devoção e fé. Uma multidão só comparada a do carnaval participa da festa de Nossa Senhora dos Navegantes, a padroeira dos marítimos. São 10 dias de festejos. Paralelo a programação religiosa, que é intensa, a prefeitura monta uma estrutura semelhante à do carnaval, inclusive no mesmo local, o Largo da Folia. A estimativa de público é superior a 150 mil pessoas em mais de uma semana de programação de palcos com apresentações de grandes nomes da música e shows religiosos e culturais.

Fontes:
MENSAGENS POÉTICAS
Colaboração de Ademar Macedo

AREIA BRANCA
Wikipedia

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XXV – O Veado e o Sapo



Um veado e um sapo queriam casar com a mesma moça. Para decidirem a questão fizeram uma aposta.

— Temos aqui esta estrada compridíssima. Vamos correr — propôs o veado. — Quem chegar primeiro, casa com a moça.

O sapo concordou, e marcaram a prova para o dia seguinte.

O veado saiu dali dando boas risadas. Um pobre sapo ter a pretensão de apostar corrida com quem? justamente com ele, que era o animal de maior velocidade que existe! Ah, ah, ah!...

Mas o sapo usou da esperteza. Reuniu cem companheiros, aos quais contou o caso, combinando o seguinte: de distância em distância, à beira da estrada, ficaria escondido um sapo, com ordem de gritar Gulugubango, bango, lê, sempre que o veado passasse por ele e cantasse Laculê, laculê, laculê. Enquanto isso, o sapo apostador ficaria, no maior sossego, esperando o veado no fim da estrada.

Assim foi. Chegada a hora da corrida, o veado disparou que nem uma bala. Cem metros adiante cantou o Laculê, certo de que o sapo, lá atrás, nem ouviria. Mas com grande assombro ouviu a resposta adiante dele: Gulugubango, bango, lê.

— Será possível? — pensou consigo o veado, e deu maior velocidade às canelas. Voou mais cem metros e cantou: Laculê, laculê, laculê, e ouviu adiante a resposta: Gulugubango, bango, lê.

O veado começou a suar frio. Deu ainda maior velocidade às pernas, avançando mais duzentos metros, rápido como o relâmpago — e cantou o Laculê. Mas ouviu pela terceira vez, adiante, o Gulugubango, bango, lê.

E desse modo até o fim da estrada, onde, mais morto que vivo, com as pernas a tremerem do grande esforço, o veado cantou pela última vez, com voz de quem não agüenta mais: La... eu... lê... Mas ouviu de novo a voz descansada do sapo, que respondia, adiante, sossegadamente: Gulugubango, bango, lê. Fora vencido.

O veado jurou vingar-se. Na noite do casamento foi ao quintal do sapo e encheu de água fervendo a lagoa onde ele nadava. Altas horas o sapo teve saudades da lagoa e veio tomar seu banho. Tchi-bum! — pulou dentro e morreu escaldado. O veado, então, muito contente da vida, casou-se com a viúva.
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— Ora, até que enfim aparece um veado esperto! — gritou Emília.

— Esperto e perverso — disse Narizinho. — ; Bem merecia ser comido pela onça. Pobre sapo!

— Isso não! — contrariou Pedrinho. — Desde que o sapo logrou o veado, o veado ficou com direito de pagar na mesma moeda.

— Mas pagou em moeda diferente — disse a menina. — Se ele se limitasse a enganar o sapo, estava bem. Mas matou-o. Isso foi crueldade.

— Mas também quem manda sapo casar com moça? — observou Emília. — Sa com sa, mo com mo, diz o ditado.

— Que ditado é esse, Emília?

— Sapo com sapa, moço com moça. Sapo que encasqueta casar-se com moça, só mesmo cozinhado em água fervendo.

— E não se casou com ela o veado?

— Bom, isso é diferente. Veado é um animalzinho dos mais bonitos. Mas sapo... — e Emília deu uma cuspida de nojo.
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Continua… XXVI – A Onça e o Coelho
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Ana Elisa Ribeiro (Ler, Escrever e Fazer Contas, Só Que Hoje)



Faço um esforço grande e não me lembro das primeiras lições de leitura. Não tenho mais ideia de como foi meu trajeto em direção a ela (com compreensão). Sequer consigo me lembrar das aulas de letrinhas, sílabas e outras dificuldades. Nem posso dizer que tenham sido fáceis ou frustrantes, já que nem disso guardei memória. Se é assim, pode ser sinal de que não deixou cicatriz. Se tivesse sido sofrido, eu saberia, ao menos vagamente.

Lembro-me com vaguidão do nome da professora. Era Fátima. Lembro melhor da compleição do corpo do que do rosto, que era redondo. A mulher não me parecia dura, nem carrasca. Deve ter dado bons ensinamentos de caligrafia, embora eu os tivesse esquecido em seguida.

Naquela época (terrível esta expressão), aprendia-se a ler em cartilhas. A minha se chamava Acorda, dorminhoca, e só disso é que me lembro. Talvez da capa, meio laranja. E mais nada.

Aprendia-se a ler no pré-primário ou prezinho, como chamam até hoje. Eram oito os anos de ensino fundamental e a alfabetização no pré era privilégio. Estudávamos em jardins privados e tínhamos acesso ao mundo das letras, pelo menos ali, na portinha da entrada. Daí a entrar e passear, são outros quinhentos. Nadar de braçada, então... só pagando para ver.

A "tia" ensinou muitas coisas para a garotada. E me ensinou a ler. Não tenho qualquer memória das lições. Só me lembro de começar a ler outdoors e de pedir ao meu pai para dirigir mais devagar.

Saber decifrar as letras, as sílabas ou os textinhos, no entanto, não era tudo e não significava, de forma alguma, dominar a escrita. Esta foi galgada a passos curtos, letra a letra, em cadernos de pautas diferenciadas. Desenhar o A, o B, o C e o difícil O. Alcançar linhas de cima e de baixo. Não espelhar letras e números. Treinamento árduo. Consolidar uma caligrafia própria, a "minha letra", reconhecível pelos amigos, pelos pais, por mim mesma e pela perícia.

Ter letra, ter estilo, ter tom. Naquela era, completamente tomada pela cultura escrita impressa, o máximo do arranjo profissional era escrever a máquina, com letra "de imprensa".

Da letra manuscrita fartamente treinada, em todos os níveis escolares, até a primeira máquina passaram-se décadas. Ter uma Olivetti ou qualquer outra máquina para datilografar era coisa de quem se metia muito a escrever. Ninguém tinha uma dessas à toa. E minha primeira experiência foi com uma Hermes Baby, modelo portátil (com mala de mão), laranja, curiosamente, com letras que imitavam o manuscrito. Só mais tarde veio a portátil com letra de imprensa, em que eu adorava usar fita de duas cores. Ter uma máquina dessas em cima da mesa significava, de alguma forma, uma proximidade qualquer, íntima, com a escrita.

Mas eis que o computador chega perto (nos anos 1990, junto com o 486 e o Windows) e se mostra um jeito novo de escrever. Apesar das operações para ligar, abrir, arquivar e das novas mediações, todas metafóricas e virtuais, o PC tinha seu charme. A sedução da formatação fácil, quase profissional, transformava qualquer texto em uma obra de gráfico. A parte chata era dispensada, como separar sílabas e calcular, no olho, onde a linha deveria acabar para garantir o alinhamento da mancha. Mais sedutor ainda era poder desfazer, apagar, desistir, recortar e colar sem ter de escrever tudo de novo. Impressionante era só imprimir quando o texto chegava a bom termo (ainda que escapassem uns desacertos). Sem papel amassado e sem lixeira cheia, o escritório parecia sempre pouco sofrido.

A "tia" Fátima nem sonhava em nos ensinar a escrever no computador. Ela se esforçava por nos ensinar a fazer letras redondas, legíveis e a entender como separar palavras. E nós percebíamos que a língua e os textos serviam para fazer muitas coisas na vida.

Como se alfabetiza alguém hoje? Por que caminhos segue uma criança nascida na década dos tablets? Fôssemos nós nascidos dentro de computadores, certamente veríamos neles uma paisagem como qualquer outra. Isso precisa ficar claro e óbvio. Não se trata de que nasçam hoje seres mais espertos e inteligentes. Mas, de fato, nascem seres que têm contato com artefatos dos quais nos apropriamos.

Eu, um ser da década de 1970, nasci vendo TV e joguei videogame muito jovem. Tive alguma notícia do computador quando já era adolescente, mas ele nos parecia uma máquina lendária, intocável, para engenheiros trancafiados em laboratórios secretos. E fomos nos aproximando dessas máquinas (e elas de nós) muito lentamente, de acordo com as necessidades que o trabalho e a escola nos impunham.

As crianças que nascem hoje podem conhecer, bem cedo, as funções de um notebook, de um telefone celular ou de um tablet, normalizando, portanto, sua interação com esses objetos. Não significa, no entanto, que seus pais sejam leitores e escritores contumazes, mas pode ser que sim.

Em trabalhos científicos e mesmo na experiência empírica, é possível observar a beleza das crianças aprendendo a ler e a escrever neste mundo de mais possibilidades (de forma alguma quero dizer que sejam necessariamente melhores). Ao que parece, é bastante precoce aprender as letras no teclado e digitá-las na metáfora da folha que surge na tela. Aprender a deletar surte efeito curioso quando a criança percebe sua dificuldade de apagar em folhas de papel, substância onde as marcas ficam por baixo das outras, o palimpsesto, o gesto de ir e vir da escritura que tem genética.

Crianças gostam de digitar, acham gostoso ver letras bonitas na tela, ficam felizes por terem apenas o trabalho de apertar um botão para ter como recompensa uma letra inteirinha. Aos 5 ou 6 anos, traçar um A ou um O não é brincadeira. Por outro lado, é impossível dispensar o aprendizado da própria letra, do desenho das palavras, porque há situações cotidianas em que o texto precisa existir analogicamente.

Crianças aprendem letras de "imprensa" na tela, lidando com Times New Roman ou com Arial. Encantam-se com tipos mais divertidos e aprendem cedo a formatar. Essas operações tão múltiplas na linguagem, essa verdadeira educação visual para o texto, no entanto, não dispensa a consolidação de um jeito próprio de escrever, de uma letra, uma espécie de identidade.

Lá vai o garoto aprendendo o próprio nome, "fazendo a ficha", descobrindo suas vogais e consoantes, alinhando ao seu os nomes da mãe, do pai, dos avós. Lá vai a menina trocando as letras, refazendo a linha, pensando em como resolver problemas com acentos e nasais. E lá vão eles se indispondo com o computador ou com o lápis. O lápis, dizem eles, é mais rápido. Com ele, é só riscar um traço no papel e pronto. No computador, preciso catar as letras, já que não sou ágil em digitar.

De qualquer desses cenários decorre que é preciso aprender que o texto escrito (e lido) tem poder, função, regras, parâmetros, serventias, segredos. Independentemente da ferramenta usada, escrever bem, por exemplo, é um desafio infinito, que a muitos custa uma vida inteira (e que a maioria abandona bem cedo).

A quantidade dos modos de ler e escrever aumentou significativamente nas últimas décadas. A cultura escrita abriu espaço para diversas tecnologias e as pessoas, a intervalos cada vez menores, vão se apropriando e se seduzindo por esses modos de fazer. Não se engane, no entanto, quem pensa que é a ferramenta que faz o ferreiro. É preciso mais do que caneta ou iPad para ser escritor ou leitor, nas melhores acepções dos termos.

Fontes:
Colaboração de Digestivo Cultural 29 abril 2011.

Imagem = Saber20

Ana Célia Ellero (Olhos Vermelhos)




Depois de rolar várias vezes na cama tentando inutilmente dormir, Lúcia se levantou e foi à cozinha vasculhar o armário procurando encontrar biscoitos doces.

Sem sucesso em sua busca e sentindo seus olhos pesados, dirigiu-se ao banheiro e mirou-se no espelho na intenção de verificar como os mesmos estavam. Assim que a iluminação tomou conta do pequeno cômodo da casa que era composto por um vaso sanitário, um chuveiro exposto sem a proteção de um box e um pequeno jogo de pia e espelho, ela olhou para fora da janelinha que se abria deste banheiro para o telhado da casa vizinha.

Lá estava ele: branco, raquítico, alerta, olhos vermelhos — um gato albino.

O primeiro sentimento que a acometeu foi o de a mais profunda repulsa. A imagem daquele ser lhe era miserável, o resumo da inadaptação, do erro genético, do caminho oposto ao do comovente movimento harmonioso da Natureza.

Lúcia se esforçou para conseguir continuar a encará-lo e ambos permaneceram imobilizados por algum tempo. Depois desse momento de paralisia, o passo, enfim, foi dado pelo mais forte daquele encontro: saltando para o outro lado do telhado, o gato desapareceu.

Diante disso, ainda inebriada pela mescla da imagem bizarra do gato ao estado de insônia que sempre a deixava confusa, Lúcia voltou para seu quarto. Sentou-se na cama e passou supor, então: o gato albino deveria se esconder o dia todo para não ser agredido pela luminosidade do sol. Sairia somente à noite para se alimentar. Caminharia pela madrugada fuçando restos, sempre sozinho para que não tivesse que disputar o lixo com os outros animais fuçadores de lixo. Devido a sua compleição física, teria dificuldades em arranjar comida. Em uma disputa pelo alimento, a desvantagem sempre seria sua, já que não tinha forças para lutar. Difícil era receber a empatia de algum insone ou de um notívago disposto a lhe oferecer comida. Sempre expulso, carregaria pelas ruas escuras da cidade a sua imagem repugnante. Com sorte, após a batalha para adquirir pelo menos o mínimo que o permitiria estabelecer-se em pé, o herói da sobrevivência, voltaria para seu bueiro, com seu pequeno quinhão no estômago, sempre com suas costelas a se destacar, onde permaneceria até que a luz do dia não ferisse mais seus olhos.

Depois de se deixar envolver por essas breves, porém, intensas conjecturas, Lúcia sentiu-se impregnada de algo que lentamente se aproximava de uma manifestação emocional, cuja palavra mais próxima no sentido de descrevê-la seria “empatia”.

Esfregou seus olhos agressivamente, pois a falta de sono fazia com que os mesmos ficassem irritados. Sentiu-os como se os mesmos estivessem vermelhos e, com isso, uma comparação entre ela e o gato albino passou a configurar-se: também ela se considerava inapta diante da vida, também ela era a esquálida diante das pessoas que lhe cercavam. O cotidiano lhe era uma agressão: durante seu trabalho, concentrava-se apenas em realizar o que lhe era solicitado, buscando não se embrenhar em conversas que considerava tolas ou fazer parte da estrutura que exigia a competição selvagemente felina entre os seus.

Acostumara-se a essa sua condição e convivia com uma enorme comiseração por si mesma, todos os dias. Com a sensação de ser um grande blefe da vida, voltava para casa (bueiro?) com o alívio de mais um dia ter chegado ao fim.

Lúcia percebeu, porém, nesse momento que algo fundamental lhe diferenciava do gato albino. Este, em meio a sua luta para manter-se vivo, demonstrou uma solidez em seu ser não físico que pôde transmitir no olhar enviado a ela antes de saltar e ir embora. Olhar contrastante de um ser de pulsão forte em corpo frágil. Lúcia não tinha as estratégias de sobrevivência que pudessem torná-la também uma heroína em seu mundo, transformando sua inconsistência e seu desencanto em algo que a pudesse fortalecer diante da vida.

Ainda hoje, Lúcia busca todas as noites encontrar o gato albino no telhado ao lado de seu banheiro, com a expectativa de quem aguarda uma aparição divina. Pensa que se isso acontecer, ela poderá levá-lo para sua cama e oferecer-lhe leite morno. Poderá abraçá-lo, acariciá-lo, encará-lo em seus olhos vermelhos e aprender com ele.

Ela deseja intensamente que o gato albino volte, mas ele ainda não mais a visitou. Resta a Lúcia a fantasia de que, naquela noite em que se viram pela primeira e única vez, ela o acolheu para sempre como seu.
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Ana Célia Ellero é educadora com graduação e mestrado em Educação pela Unicamp. Já atuou em sala de aula e, trabalha como Assistente na Coordenadoria Setorial de Formação - Departamento Pedagógico, da Secretaria Municipal de Educação de Campinas. Já publicou um conto na Revista da Associação de Leitura do Brasil - ALB, sediada na UNICAMP, denominado “Praga Urbana”.

Fontes:
Projeto Releituras
Webartigos.com
Imagem = Colivre

Pedro Aparecido de Paulo (Poesias Avulsas)




MÃE, O MUNDO ENCANTADO

Sua doutrina Bendita
faz a vida mais bonita
mesmo na dificuldade.
Seu olhar tão meigo e puro
traz o seu filho seguro,
irradia felicidade.

Sua face tão serena,
de uma coisa tão pequena
faz transformação total.
A primeira frase do filho
faz-se seu nome estribilho
e o transforma em festival.

Suas mãos acariciam
seus afagos contagiam
trazendo tranquila paz.
Atrai a felicidade
amor e sinceridade
vejam, do que ela é capaz.

Seu coração envolvente
faz do seu filho inocente
um mar de sabedoria.
Ensina-o a cada passo
defendendo-o do fracasso
com prazer e alegria.

Pode ser uma rainha
ou uma mãe pobrezinha
não importa a diferença.
Se ela não tem riqueza
não sabe o que por na mesa
a Deus pede providência

TESTE DE PINCEL

Em você, o meu primeiro visual,
comecei a pintá-la, tornando-a imortal,
diante de seu corpo desnudo;
curvas e traços confundidos,
qual beleza inigualável em tudo.
Ao iniciar não revisei a tela,
não imaginei uma forma assim tão bela,
pois fora apenas um teste de pincel.
Riscos e cores traçados devagar,
não havia em mim razão para pintar,
pois seria somente em teste, o meu papel.
Aos primeiros traços que foram surgindo,
mudou tudo enfim, que quadro tão lindo,
arrumei a tela com profunda emoção!
Ao ver o seu corpo retratado ali
É indescritível tudo o que senti,
pois pintava alguém em meu próprio coração.
Vi com outros olhos pincéis e tela;
consertei os riscos, deixando-a mais bela.
No quadro, então, moldei-a, enfim.
Completei com júbilo seu corpo sem igual!
Tão rara imagem tornou-se imortal,
tenho essa musa, bem juntinho a mim!

DIÁLOGO DE UM FILHO

Mamãe, onde estará meu pai neste momento,
faz tanto tempo que ele partiu, não mais voltou.
Disse-me ainda que eu era forte e de talento,
enxugou minhas lágrimas e chorando me abraçou.

Foi um momento tão difícil e muito triste,
eu não podia imaginar que fosse assim,
meus cinco anos não me ensinaram ver que existem
coisas que marcam com lembrança tão ruim.

O tempo passa, eu pergunto à mãe querida,
será que papai se lembra ainda que eu existo?
Já completei meus quinze anos de vida,
este meu sonho um dia ainda conquisto.

Quantas vezes vejo minha mãe chorando,
mas ao me ver ela tenta disfarçar,
sei que ela passa também o que estou passando
meu pai querido, volte logo ao nosso lar.

Porém a nossa fé ainda é imensa
e o Pai do Céu vai nos dar essa vitória,
em todo sofrimento haverá a recompensa
um dia com papai, exaltaremos a sua glória.
––––––––––––


Pedro Aparecido de Paulo é técnico em elevadores. Nasceu em Sertanópolis – PR, no dia 21 de julho de 1946. Autor de Um pouquinho de Deus, de ti e de mim; Pedras e pétalas e Crepúsculo de saudade. Ocupa a Cadeira nº. 02 – Patrono: Alberto de Oliveira, da Academia de Letras de Maringá.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Novos Cônsules de Poetas del Mundo


TCHELLO D'BARROS
Cônsul Itinerante
http://www.poetasdelmundo.com:80/verInfo.asp?ID=2654
tchellodbarros@yahoo.com
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JOSÉ FELDMAN
Cônsul de Maringá - PR
http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_america.asp?ID=6054
pavilhaoliterario@gmail.com
------
ANINHA CALIGIURI
Cônsul Zona Central de Maringá - PR
http://www.poetasdelmundo.com:80/verInfo.asp?ID=4020
aninhacaligiuri@gmail.com

Fonte:
Delasnieve Daspet - embaixadora de Poetas del Mundo, no Brasil

Coletânea do Núcleo Canoas/RS da UBE


31 de maio é o prazo máximo de inscrição para a Coletânea Coleção Amigos (Joaquim Moncks).

O Núcleo Canoas/RS da União Brasileira de Escritores (UBE), através de sua Coordenadora NEIDA ROCHA em parceria com a Editora Alternativa, está organizando a COLEÇÃO AMIGOS (Coletânea Cooperativada), cujo primeiro homenageado será o conceituado Escritor JOAQUIM MONCKS (*), cuja obra terá o título: "JOAQUIM MONCKS & AMIGOS”.

A participação é aberta a escritores em geral, com número ilimitado de páginas, cujos textos NÃO precisam ser inéditos (Artigos, Contos, Crônicas, Ensaios e Poemas) e tema livre.

O livro terá o formato 16x23 cm/capa plastificada e cuidadoso acabamento/encadernação costurada.

O custo será de R$ 74,00 por página (com direito a 4 exemplares por página).

O lançamento da obra COLETÂNEA "JOAQUIM MONCKS & AMIGOS" realizar-se-á em data e local a confirmar, em Jantar de Adesão em Porto Alegre e Sessão de Autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre de 2011, a maior da América Latina e lançamento no III Congresso de Escritores, em Ribeirão Preto.

Os textos, e breve currículo poderão ser enviados até 31.05.2011, devidamente revisados, para neidarocha@ube.org.br ou neidarocha@terra.com.br . O depósito derá ser feito no Banco do Brasil (ag. 2663-8 c/c 196.749-5).
Neida Rocha
(51) 9942-3898

Fonte:
Neida Rocha

domingo, 1 de maio de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 202)



Uma Trova Nacional

Lágrimas! Triste verdade
de uma ausência permanente,
é a presença da saudade
que fica dentro da gente!
–FERNANDO CÂNCIO/CE–

Uma Trova Potiguar

Lágrima, um suco de mágoa,
que os meus olhos dão vazão,
é uma dor que se faz água
sangrando do coração!...
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada

2001 - Taubaté/SP
Tema: PERDÃO - M/E

O meu perdão eu reforço
no momento em que consigo
ver as gotas de remorso
na lágrima do inimigo...
RENATA PACCOLA/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

Quem já foi homem de bem,
e se fez trapo na vida,
sabe as lágrimas que tem
cada copo de bebida...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

–CASSIANO RICARDO/SP–
Riso e Lágrima

Morre na alma um sorriso e a lágrima, sentida,
surge, treme, de leve, e traz à vossa face
o signo natural da tristeza que nasce
e não pode viver tão secreta, escondida.
Muitas vezes, porém, nas horas em que a vida
alegre se vos faz, como se se ocultasse
viverá – quem o sabe? – inútil, esquecida.
E assim, quando esqueceis a vossa desventura
a tristeza se esvai e a lágrima procura
ocultar-se, qual flor que nasceu entre abrolhos.
No entanto, para mim, há destas variedades:
passo a vida a cantar para matar saudades,
vivo sempre a sorrir com lágrimas nos olhos…

Estrofe do Dia

Sertanejo tira o pão
do pé de trigo mais duro
com seu suor escorrendo
trabalha até com escuro,
guarda lição para a vida
de uma lágrima escondida
por trás do riso mais puro.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Soneto do Dia

–FÉLIX PACHECO/PI–
Estranhas Lágrimas

Lágrimas... noutras épocas verti-as.
Não tinha o olhar enxuto como agora.
- Alma, dizia então comigo, chora!
Que assim minorarás as agonias!

Ah! Quantas vezes pelas faces frias,
umas, outras após, a toda hora,
gota a gota rolando elas, outrora,
marcaram noites e marcaram dias!

Vinham do oceano d’alma, imenso e fundo,
de espuma as ondas salpicando o flanco,
numa fremência amargurada e louca.

Nos olhos hoje as lágrimas estanco...
rolam, porém, sem que as descubra o mundo
sob a forma de risos pela boca.
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Caiçara do Rio do Vento
Caiçara do Rio do Vento, município no estado do Rio Grande do Norte (Brasil), localizado na microrregião de Angicos. De acordo com o censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no ano 2010, sua população é de 3.304 habitantes. Área territorial de 281 km².
Limita-se com os municípios de Jardim de Angicos (norte), Bento Fernandes e Riachuelo (leste), Ruy Barbosa e São Tomé (sul) e Lajes (oeste).

Na chamada Região do Potengi, nas proximidades do rio do Vento, antes conhecido com rio Novo, e cujas águas vão parar num afluente do rio Ceará- Mirim, nasceu um povoado chamado Caiçara. Palavra de origem indígena que significa cerca de proteção, curral ou tapume.

Nos idos de 1749, Manuel Pinheiro Teixeira já praticava atividades pastoris nas margens do rio do Vento.

Foi a família Pires e os incentivadores João Vitorino de Andrade e Manoel Bertoldo, que deram início ao povoado, portanto, considerados os fundadores da localidade. No ano de 1930, Caiçara tinha um arruamento com trinta casas e um considerável número de fazendas de criação de gado. Caiçara continuava seu desenvolvimento quando o grupo formado por Manoel Ribeiro de Lima, Luiz da Mata Teixeira, Manoel Antônio Bezerra, Antônio de Oliveira e Pedro Vitoriano de Andrade, partiu para a luta em defesa de sua emancipação política.

A luta deu bons resultados e no dia 19 de janeiro de 1963, por força da Lei nº 2.813, o povoado desmembrou-se de Lajes, tornou-se município com o nome de Caiçara do Rio do Vento, numa fusão do nome indígena Caiçara, com a marca maior da localidade que é o Rio do Vento.

Pontos Turisticos

O principal potencial turistico do municipio é a Serra da Gameleira com seu clima serrano propício para quem gosta de curtir um clima mais frio, lá podemos encontrar indícios do povoamento pré-colombiano em artes rupestres na gruta conhecida como "Pedra do Letreiro". Também na comunidade rural do Rio Novo, encontramos mais inscrições pré-colombianas incrustadas em lajedos "Boqueirão" as quais carecem ser catalogadas pelos órgãos competentes para evitar sua depredação.

Fontes:
Mensagens Poéticas : Enviadas por Ademar Macedo

Caiçara do Rio do Vento
Natal Trip
Wikipedia
Foto da Cidade = Max Bezerra

Jesus Barros Boquady (Poesias Avulsas)



PAISAGEM

Pode um cego descrever
uma paisagem, já que
lhe falta, não vou negar,
a vantagem de enxergar?
Tentarei, pois cego sou,
descrever uma paisagem,
segundo alguém me narrou.
Disse-me Clara que havia
estrada longa subindo
a velha cerca de varas
uma colina subindo,
prendendo bois na pastagem,
quanto mais longe da estrada.
Lento regato passava
sob a ponte ali plantada
por cima da qual passavam
muitos homens e mulheres,
como Clara me contava.
Paisagem em movimento,
cena se desenrolando:
era Clara quem dizia.
Não se trata de um quadro
onde tudo fixo estava,
pois a paisagem de Clara
tinha noite e tinha dia,
tinha tarde e madrugada,
como Clara me contava.
Uma paisagem de Clara
é simples. Pergunto a Clara:
Por que não falas das cores:
Será que um cego não tem
o privilégio das cores?
Clara me diz que entre as cores
da paisagem que ela avista
há uma bem espalhada
que os bois mansos vão comendo,
além da que o vento leva
recolhendo-a das estradas.
A nesga do céu que cobre
a paisagem, não importa,
muda de cor à distância,
como Clara me contava.
Por isso Clara, que diz
ser clara, mas amor não
tem cor, sem deixar de ser
real, esconde-me cores,
com o que não faz um mal.
Não se esquece de contar
que a paisagem é mui bela.
Assim descrita por Clara,
pois conforme ela me conta
há pouca coisa mais linda
do que dizer a um cego
a linguagem da paisagem de Clara,
enquanto nós nos amamos,
é paisagem sem igual.
Clara é toda uma paisagem
que minhas mãos descobriram.

MATURIDADE

(fragmento)

A maturidade chega-se
acompanhada de bombas
de hidrogênio unindo os homens.

Vem com bombas de cobalto
curando os homens irmãos.

E novas formas tomando
as velhas coisas do mundo.

E com velhos sentimentos
aos novos cedendo passo.

Maturidade de cego,
cego desde o nascimento,
é uma etapa construída
sobre campo de sofreres.

Preso a raízes profundas
avancei no campo oposto,
com asas de vôo cego,
feito anjo que foi deposto.

MORTE EM TRABALHO CONSIDERADA

em qualquer que seja a lida
há lances de queda, ritmo
que se perde em segmentos,
choque de aço no crescer
dos edifícios,
polias
fervilhantes,
com as lixas
percorrendo as faces ásperas
da madeira não mais virgem,
nervos,
sangue,
coração
de repente pára a vida,
um gesto que se interrompe,
o corpo tomba no espaço,
os braços vibram na luz
que subtrai silhuetas
e,
no declive,
paisagens
correm enquanto crescendo
o chão aguarda calado
o fruto que se desprende
dos galhos com parafusos
e soldagens de oxigênio
ligados ao tronco alado
do edifício em construção,
que sobe,
buscando as tardes
onde quer que elas se escondem,
pois as tardes vêm de cima,
envoltas em cinza e brasa,

ou só cinza quando chove
há caminhos que se traçam
no aclive, na descoberta
do espaço,
as vigas montadas
na invasão do quase vácuo,
mundo onde existem a brisas,
esses alimentos de pássaros
irmãos em asas dos anjos

os olhos, voltando vêem
lembranças de seus estágios
nos andares construídos,
onde se urdiram os sonhos
nas escaladas do céu,
o terraço,
a sombra,
a fome
sentida na hora do almoço,
a vontade de ir além
do andaime,
no elevador,
tocar as nuvens lá em cima,
olhar a cidade,
chão
em que deslizam os homens

dentro de instantes é a morte,
o baque surdo no asfalto,
a morte melhor que é,
morte em tempo passado,
e já — porque veio — aceita,
por isso considerada
em trabalho, mais nada

os olhos se comprimiram,
ao duro encontro da morte
as retinas se partiram

o verde dos olhos desce
agora mesmo da vida:
derrama-se pelo chão,
confunde-se com a grama
entre cal,
terra e cascalho,
em verde humano,
mas verde.

GAGÁRIN E SHEPARD
COMBATEREMOS O SOL

(Fragmento)

e tu Gagárin
darás o braço a Shepard
vossos rostos
finda a viagem
cosmo pontilhado
de luz
retornarão
iluminados de azul

tu gagárin
de asas leves
leve teu corpo
marcharás no tempo
e Shepard contigo
erguerá uma bandeira
porque o homem
fez

nós caminharemos
juntos
o homem
do brilho dos astros
construiremos escudos
e combateremos o sol
o sol
em missão de paz
porque o sol
é (será) próximo

nossas asas
gagárin e shepard
resistirão ao sol
e ícaro será
finalmente
vingado

a bandeira
que um dia plantaremos
na área isolada
do sol
terá seu nome

depois
iremos além
os homens
somos assim

RIOS

Fim de tarde, anoitecer
nas margens do rio goiano,
pequenina luz brilhando
de canoa que se vai,
o casco molhado e frio.

Canoeiro desce o rio,
num soluço que contém
lembranças do amor deixado
lá em cima, no povoado.

Quem olha o rio descendo,
rio lento ou violento,
nas corredeiras das pedras
pintadas na flor das águas
cortadas pela tristeza
do canoeiro saudoso,

nem lembra que há pouco instante
tinha ele o corpo da amante,
um corpo que dava gosto...

BOI-DE-CARRO

Mas um boi está guardado:
é boi de carro-de-boi
ou vai rodar as moendas
do engenho que lembra o tempo.

Não inteiro, esse foi sonso
vive no mundo vagando.
Os olhos e o coração
de boi castrado, que são?

Nas nuvens desaparece
o equilíbrio do carro
que vem do grito das rodas,
girando pelo infinito.

Fonte:
Antonio Miranda

Jesus Barros Boquady (1929 – 2002)




Nasceu em Crateús (CE), em 22 de abril de 1929, mas foi em Goiás que passou a maior parte de sua vida e onde cristalizou a parte mais importante de sua obra. Os últimos anos de sua vida foram passados em Brasília, cidade em que se aposentou por serviços prestados à Câmara dos Deputados e em que veio a falecer, em Brasília, 8 de dezembro de 2002.

Nasceu em Crateús (CE), em 22 de abril de 1929, filho de Alexandre Lucas Boquady e Albertina Vieira Boquady.



Transferiu-se para Goiás, morando em Filadélfia, Araguacema e Miracema do Tocantins, municípios hoje pertencentes ao estado do Tocantins.

Em Miracema, em 1934, começou seus estudos primários. Chegou em Goiânia em 1941, onde bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1954) e licenciou-se em Letras Modernas pela Faculdade de Filosofia.

Na mesma cidade, atuou no jornalismo como redator e secretário de redação da Folha de Goiás, redator do Diário da Tarde e do Diário do Oeste, dirigindo suplementos literários desses jornais antes citados e do Jornal de Notícias. Com os jornalistas Genaro Maltez e Antônio Geraldo Ramos Jubé, fundou em Brasília, em 1959, os jornais Primeira Hora e Hora de Brasília.

Por concurso público, tornou-se fiscal e inspetor do trabalho. Foi professor de literatura brasileira, na Faculdade de Filosofia, da Universidade Católica de Goiás.
Em Brasília, foi membro da Associação Nacional de Escritores, trabalhou como delegado de polícia, professor da Secretaria de Educação do Governo do Distrito Federal, professor do Centro Universitário de Brasília (CEUB), e finalmente como Analista Legislativo da Câmara dos Deputados Federal, por onde se aposentou.

Em 1990, ganhou o 2º lugar do Prêmio Serzedello Corrêa, de monografias do Tribunal de Contas da União - TCU, com o título O Tribunal de Contas da União e a República.

Foi um dos primeiros a fazer experiências concretistas em Goiás, e parte de sua obra está inserida conceitualmente na Geração de 45, sobretudo pelo seu livro de estréia, que traz traços cabralinos. Trata-se de uma poesia que, inegavelmente, contribuiu, pela ousadia de abarcar avanços estilísticos em prática em outras regiões, para oxigenar com o ar da modernidade a poesia goiana.

Bibliografia:
O cego, Bolsa de Publicações da Associação Brasileira de Escritores/seção de Goiás, 1959;
Goiânia: sonho & argamassa, Companhia Editora Social Indústria e Comércio, 1959;
Gagárin e Shepard/combateremos o sol, s/editora, 1961;
Canções do adivinho, 1968; e
Romanceiro Goiano, s/editora, 1971.

Fontes:
Wikipedia.
Antonio Miranda.