domingo, 10 de julho de 2011

Renato Benvindo Frata (As Botinas de Couro Cru)


Quarta das cinco cronicas vencedoras do V Concurso Literário “Cidade de Maringá” (Cronicas Vencedoras) Troféu Laurentino Gomes.
Renato Benvindo Frata é de Paranavaí/PR.
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Juvenal correu para a vitrine cobiçar o belo par de botinas de couro cru ali exposto. Fazia tempo que ele as vira e se apaixonara à primeira vista. Encostou-se no vidro, correu o palito entre os dentes e pensou: – vocês vão ser minhas, bichinhas… Ato contínuo, foi fazer seu serviço de entregar couve à freguesia.

Tarefa cumprida, voltou à venda e pediu para vê-las. Alisou-as, cheirou-as, imaginou-se com elas nos pés diante do altar a receber as bençãos do casamento. Sorriu de orgulho pelo amor de Julinha, a noiva, que também fazia seu enxoval. Confirmou o preço, fez as contas e viu que ainda não tinha o suficiente.

Na lerdeza do pangaré que puxava a carroça, foi matutando para encontrar o meio de conseguir o dinheiro das botinas. Não poderia vender as galinhas, já que elas eram poedeiras, e os ovos, o seu sustento; nem a cabrita Lindoca, que lhe fornecia o leite diário e um queijinho de vez em quando. – Êta pobreza! – excomungou -, até que lhe surgiu uma idéia fabulosa: e se vendesse o leitão que o futuro sogro comparara para o casamento? – Não, – refutou – não daria certo. Se descobrisse a velhacagem, o sogro desfaria tudo, até o casamento; e sem Julinha não conseguiria viver. Mas as danadas das botinas não lhe saíam da cabeça. Volta e meia se via calçado com elas a rodopiar no salão improvisado no celeiro que o sítio abrigava.

Pelo sim, pelo não, resolveu: levou o porco do outro lado da cidade e o vendeu. E com ar muito sério contou que o bicho havia sumido. – Que fazer? – perguntou triste o sogro, ao que Juvenal remendou: – o povaréu que se farte com o que for servido, ora essa. – E Saiu, para não encompridar a conversa.

À véspera do casamento, com o dinheiro contado, correu à venda e comprou as botinas. Nem deixou que as embrulhassem: e feliz da vida iria se preparar para a felicidade completa junto de Juliana. Experimentou o terno, arrumou o nó da gravata, enfiou o par de meias e se sentou para calçar as botinas. Puxa daqui e dali, exclamou: – Ô diabo! Estavam apertadas. Mais um puxão e elas entraram machucando os pés, que não suportariam por muito tempo. O casamento estava chegando, e trocá-las por outras não poderia…

Bom matuto. Juvenal encheu-as com milho e despejou em cima um caneco de água. A umidade faria os grãos incharem, e com isso o couro ficaria mais frouxo. Levou-as à um quaradouro à porta do celeiro – já enfeitado para a festa -. para que o sereno ajudasse no inchaço dos grãos de milho, e dormiu sonhando com a vida nova, com Julinha pelada, com as couves, com as botinas e com o sucesso que fariam.

No raiar do sol pulou nas calças, e de chinelos nos pés saiu para pegá-las e calçá-las. Parou estupefato. Lindoca, na escada do celeiro, mastigava com paciência de cabra o último pedaço do segundo pé.

Fonte:
AGULHON, Olga e PALMA, Eliana. V Concurso Literário “Cidade de Maringá”. Maringá: Academia de Letras de Maringá, 2011.
Imagem = Calçados da Serra

Adolfo Coelho (História do Compadre Rico e do Compadre Pobre)


Moravam numa aldeia dois compadres. Um era pobre e o outro rico, mas muito miserável. Naquela terra era uso todos quantos matavam porco dar um lombo ao abade. O compadre rico, que queria matar porco sem ter de dar o lombo, lamentou -se ao pobre, dizendo mal de tal uso. Este deu-lhe de conselho que matasse o porco e o dependurasse no quintal, recolhendo-o de madrugada, para depois dizer que lho tinham roubado.

Ficou muito contente com aquela ideia e seguiu à risca o que o compadre pobre lhe tinha dito. Depois deitou-se com intenção de ir de madrugada ao quintal buscar o porco. Mas o compadre pobre, que era espertalhão, foi lá de noite e roubou-lho.

No dia seguinte, quando o rico deu pela falta do porco, correu a casa do compadre pobre e muito aflito contou -lhe o acontecido. Este, fazendo -se desentendido, dizia-lhe:
«Assim, compadre! Bravo! Muito bem, muito bem! Assim é que há-de dizer para se esquivar de dar o lombo ao abade!»

O rico cada vez teimava mais ser certo terem-lhe roubado o porco; e o pobre cada vez se ria mais, até que aquele saiu desesperado, porque o não entendiam.

O que roubou o porco ficou muito contente e disse à mulher:
«Olha, mulher, desta maneira também havemos de arranjar vinho. Tu hás-de ir a correr e a chorar para casa do compadre, fingindo que eu te quero bater; levas um odre debaixo do fato, e quando sentires a minha voz, foges para a adega do compadre e enquanto eu estou falando com ele, enches o odre de vinho e foges pela outra porta para casa.»

A mulher, fingindo-se muito aflita, correu para casa do compadre, pedindo que lhe acudisse, porque o marido a queria matar. Nisto ouviu a voz do marido e correu para a adega do compadre, e enquanto este diligenciava apaziguar-lhe a ira, enchia ela o odre. Tinha-lhe esquecido, porém, um cordão para o atar, mas tendo uma ideia gritou para o marido:
«Ah! Goela de odre sem nagalho!»

O marido, que entendeu, respondeu-lhe:
«Ah, grande atrevida!... Que se lá vou abaixo, com a fita do cabelo te hei-de afogar!»

Ela, apenas isto ouviu, desatou logo o cabelo, atou com a fita a boca do odre e fugiu com ela para casa. Desta maneira tiveram porco e vinho sem lhes custar nada, e enganaram o avarento do compadre.

Fonte:
Portal Domínio Público

Adolfo Coelho (1847 – 1919)


Francisco Adolfo Coelho (Coimbra, 15 de Janeiro de 1847 — Carcavelos, 9 de Fevereiro de 1919), filólogo, escritor e pedagogo, autodidata, que foi uma das figuras mais importantes da intelectualidade portuguesa dos finais do século XIX.

Teve uma infância repleta de dificuldades. Contava apenas 19 meses quando o seu pai morreu.

Frequentou o liceu em Coimbra, tendo-se matriculado com 15 anos em Matemática na Universidade. Insatisfeito com o ambiente que aí encontrou, dois anos depois abandona os estudos universitários. Impôs então a si próprio um programa de estudos centrado em autores alemães, aprendendo para o efeito a língua alemã.

Ao longo da sua vida realizou notáveis trabalhos em pedagogia, linguística, etnografia e antropologia.

Foi professor no Curso Superior de Letras, onde ensinou Filologia Românica Comparada e Filologia Portuguesa e assistiu à sua transformação em Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Foi diretor da Escola Primária Superior de Rodrigues Sampaio, criada por sua iniciativa.

Exerceu também atividades docentes na Escola Normal Superior de Lisboa.

Participou em várias comissões de ensino médio e superior, como vogal ou presidente, tendo nessa qualidade elaborado importantes relatórios.

Germanista, insurgiu-se contra a ignorância generalizada da língua e da cultura alemãs no opúsculo A ciência alemã e a ignorância portuguesa, de 1870.

Proferiu nas célebres Conferências do Casino, organizadas por Antero de Quental e Jaime Batalha Reis, a conferência "A Questão do Ensino" (1871), onde propôs uma reforma do ensino baseada na separação do Estado e da Igreja e no princípio da liberdade de consciência; estes pressupostos viriam a fazer escândalo entre os jornais conservadores da época.

Em seu livro homônimo publicado no ano seguinte, Adolfo Coelho fala sobre a necessidade e fins do ensino; examina as formas e tipos; o ensino em Portugal em decadência pela aliança entre Igreja e Estado; defende a separação entre ambos e a promoção da liberdade do pensamento.

As suas concepções pedagógicas assentavam na convicção que através da educação seria possível regenerar o país.

Colaborou igualmente em periódicos como O Cenáculo e O Positivismo.

Combateu a submissão do ensino às ideias religiosas.

Organizou um importante Museu Pedagógico na Antiga Escola do Magistério Primário de Lisboa.

Bibliografia:

Da sua vastíssima obra dispersa por vários tipos de publicações, destacam-se:
A Língua Portuguesa, 1868;
Teoria de conjugação em Latim e em Português, 1871;
Bibliografia Crítica de História e Literatura, 1873-1875 (crítica literária);
Contos Populares Portugueses, 1879;
Contos Nacionais para Crianças, 1882;
Jogos e Rimas Infantis, 1883;
Os Ciganos de Portugal, 1892;
A Pedagogia do Povo Português , in Portugália Vol. 1, 1898;
Alfaia Agrícola Portuguesa , in Portugália Vol. 1, 1901;
Educação e Pedagogia, 1905;
Cultura e Analfabetismo, 1916

Fonte:
Wikipedia
Infopedia

Antonio Brás Constante (Apedeuta (eu, tu, ele, nós, vós ou eles?))


Meia-noite de domingo. Frio pra chuchu aqui na região sul (continuo sem saber o que o chuchu tem de especial para descrever algo tão frio quanto o clima de inverno aqui do sul). Estou soterrado sob camadas de cobertores. A cama parecendo uma lasanha quentinha, onde eu seria parte do recheio (um tipo de azeitona ou coisa parecida).

Seria um momento ótimo para qualquer um dormir, sonhar, talvez roncar. Mas algo me impedia de adormecer, talvez o motivo fosse porque dormi até as dez horas da manhã daquele domingo frio (tendo ido dormir antes das vinte e três horas da noite anterior), ou talvez ainda, as outras três horas de sono tiradas por mim na tarde daquele mesmo domingo, ou talvez ainda mais, tenha sido a xícara super quente de café que bebi antes de deitar (ou teriam sido três xícaras?). Sinceramente não sei dizer, não sou especialista em insônia, sou apenas um usuário ocasional escolhido por ela.

O problema de se estar deitado na cama sem conseguir dormir é que os pensamentos aparecem para nos fazer visitas, bater um papinho e dificultar ainda mais a chegada do sono. E foi assim do nada que a tal palavra apareceu em meus pensamentos: APEDEUTA.

Não me lembro de onde escutei, o que era, por que veio e, principalmente, o que queria comigo naquele momento, onde meu maior objetivo era dormir, sonhar, blá, blá, blá. E não descobrir o que raios era um apedeuta.

Seria meu subconsciente me Xingando? Acho que sim, a expressão “apedeuta” tinha toda sonoridade de um xingamento. Um tipo de palavrão requintado, que ofendia o caluniado duas vezes, primeiramente pela ignorância de não se saber o que aquilo significava, e segundamente (o texto é meu e escrevo “segundamente” a hora que eu quiser, ok?), quando a pessoa finalmente olhasse o dicionário e descobrisse do que foi ofendida.

Eu poderia, teoricamente, acabar com aquela dúvida facilmente (mas na prática as coisas nunca são tão fáceis assim). Bastava me levantar da cama quentinha e enfrentar um frio glacial indo até o escritório, tropeçando no que encontrasse pela frente (durmo, ou pelo menos tento dormir no breu escuro da mais completa escuridão), pegar o dicionário, acender a luz do escritório, ou vice-versa, o que fosse mais fácil, e procurar a palavra enquanto tremia de frio e batia os dentes de forma descontrolada.

Apesar de naquele momento não saber ainda o significado da palavra (pois neste meu momento atual enquanto escrevo, que não é o seu momento atual de leitor, eu já fui verificar no dicionário o que era um apedeuta), de certo modo eu simpatizava com a tal palavrinha, afinal ela também começava com “a”, de Antonio, “a” de amor, “a” de amizade, “a” de helicóptero (que mesmo não tendo “a” no corpo de sua palavra, tem “a” nos acentos, nas alavancas, e até em sua aerodinâmica de aviãozinho de rosca). Acabei dormindo sem descobrir ou tentar descobrir o que era um apedeuta, já que fiquei com tanta preguiça de levantar no frio que adormeci.

Enfim, pesquisando nos dicionários da web descobri que eu era um apedeuta, não um apedeuta completo, mas um apedeuta em saber o significado de apedeuta. Para quem também não sabe, apedeuta seria uma pessoa ignorante, sem instrução. Ou seja, todos somos apedeutas em maior ou menor grau (e os fabricantes de dicionários agradecem por isso), já que ninguém sabe tudo sobre tudo. FIM (Final, terminou, encerrou, acabou o texto, vai procurar outra coisa para ler ou fazer, ok? Senão vão acabar chamando você de improfícuo. Bye).

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Desenho = Espirito de Escritora

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Augusto Meyer)


– In Memoriam –
Falecimento do poeta em 10.7.1970


Foi poeta gaúcho dos Chorões,
do Negrinho do Pastoreio e a Gaita,
e também cultuando as tradições,
“Guia do Folclore Gaúcho”, retrata...

E no “Prosa dos Pagos” nos ressalta
autores vários cá destes rincões;
“Cancioneiro Gaúcho”, sem bravata,
compila muitas trovas e canções.

Augusto Meyer, foi da Academia
Brasileira de Letras, o escritor
que nos representou com fidalguia.

Suas poesias, sua prosa, estão
a demonstrar acervo de valor,
imortal para nossa geração !

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Augusto Meyer (Do Leitor)


Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objetivo para viver noutro mundo. A janela iluminada noite adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro da vida subjetiva. Árvores ramalham. De vez em quando passam passos. Lá no alto estrelas teimosas namoram inutilmente a janela iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da lâmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade vegetativa do seu corpo, está suspenso no ponto ideal de uma outra dimensão, além do tempo e do espaço. No tapete voador só há lugar para dois passageiros: Leitor e autor.

Os rumores do momento não conseguem despertar o sonâmbulo encantado, a caminhar sem vacilações sobre o fio invisível da fantasia. Descobriu, pela mão do autor, outro mundo, sublimado e depurado, e dentro dele alguém gritou: terra! terra! Volveu a si mesmo.1

O leitor ingênuo é simplesmente ator. Quero dizer que, num folhetim ou num romance policial, procura o reflexo dos seus sentimentos imediatos, identificando-se logo com o protagonista ou herói do romance. Isto, aliás, se dá mais ou menos com qualquer leitor, diante de qualquer livro; de modo geral, nós nos lemos através dos livros.

Mas no leitor ingênuo, essa lei dos reflexos toma a forma de um desinteresse pelo livro como obra de arte. Pouco importa a impressão literária, o sabor do estilo, a voz do autor. Quer divertir-se, esquecer as pequenas misérias da vida, vivendo outras vidas desencadeadas pelo bovarismo da leitura. E tem razão. Há dentro dele uma floração de virtualidades recalcadas que, não encontrando desimpedido o caminho estreito da ação, tentam fugir pela estrada larga do sonho. No fundo, o João mais resignado pensa como os seus demônios: ou César, ou nada!

A leitura, nesse caso, será um anestésico dos complexos de humilhação e parece dizer, como o nosso poeta.:

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz.2

No leitor ingênuo, é mais acentuada a dissociação entre realidade e fantasia. O mundo presente, complexo de sensações importunas, mal consegue romper o círculo da sua concentração. A posição incômoda na cadeira, o peso do livro, todos os tropeços que estorvam a abstração da leitura, não sacodem o distraído nem despertam o dorminhoco. Está roncando o seu lindo sonho

O tipo representativo do leitor ingênuo é o devorador de romances que salta capítulos inteiros para chegar ao fim e saber de uma vez qual foi o prêmio do herói, se o moço casou com a moça e o dedo de Deus castigou o mau. De tal modo se identificou com o herói, passando a viver da sua existência sublime, que deseja saber o seu destino como quem quer desvendar o próprio futuro. Ele, simples João, é o conde de Monte-Cristo. Agigantado, corre nas suas veias outro sangue, mais generoso. Enquadra na grande aventura as suas desventuras. Os olhos ávidos, arrastados linha a linha, página a página, pelo galope da fantasia, estão dizendo: esta é a verdadeira vida, a outra não passa de um pesadelo. Inconscientemente, repete o gesto simbólico de Rubião em Quincas Borba - com uma coroa de brisa, ele próprio se coroa rei.

A imaginação, velha dueña experiente que protege os amores da vida e do sonho, não é aquela "folle du logis" proverbial. Bem sabe que tudo depende do contrato entre o cinismo e a esperança. Vende ilusões. Cobra caro, às vezes, mas quem poderá pagar uma ilusão? Quando Alonso Quijano deixou de ler os livros de cavalaria andante, amargou saudades de si mesmo.

E aí está o exemplo clássico da identificação do leitor com a personagem fictícia. Alonso Quijano enganchou-se à garupa dos cavaleiros andantes e tentou viver as suas leituras. Aos quinze anos, quem já não foi mosqueteiro de Dumas, perdendo, porém, o penacho aos primeiros desmentidos da realidade?

Relendo, por volta dos quarenta, os romances devorados na adolescência, quando o mundo é enorme e parece inesgotável a disponibilidade da fantasia, compreendemos a importância da educação sentimental contida nos livros de ficção.

O que predominava no leitor monstruoso que já fomos um dia, era a delícia de criar, acima da realidade, um ambiente de refúgio, onde tudo palpitava de uma vida mais intensa. A larva dos desejos, dos incertos e impuros desejos, vestia as asas do sonho, e abrir o livro era liquidar os cuidados importunos, cortando qualquer nó de um só golpe, ao simples virar das folhas.

Tudo isso repetido vezes sem conta e criado o hábito da fuga, é claro que volvíamos a este mundo estreito com uma vaga saudade do outro, onde não havia sabatinas complicadas nem deveres urgentes para com a família.

É quase sempre no ginásio, aliás, que a sedução dos primeiros romances começa a exercer seu império sobre o adolescente. A monotonia mesmo da rotina escolar serve nesse caso de contraste oportuno; de súbito, no meio da análise lógica, a "Prece" do Guarani, ou qualquer página de grande escritor, destinada a agitar a imaginação entorpecida, cai sobre o incauto como um doce raio de luz, provoca a fermentação dos devaneios, e o livro cartonado e sujo, que parecia a bíblia do tédio, abre-se em perspectivas de mistério e delícia. Começa uma vida nova para o leitor que desabrochou agora mesmo no estudante bisonho.

Gula das leituras intermináveis, noite adentro, acompanhando a sorte dos heróis com verdadeira angústia, enquanto os aborrecimentos rondavam a concentração do visionário, sem licença de entrar. Era uma ebrieza como a outra e deixava, ao passar, um gosto melancólico de cabo de guarda-chuva - a nostalgia de um paraíso perdido.

Ainda hoje as edições Garnier de capa vermelha me perturbam como velhas fraquezas mal recalcadas. Não dizer a ninguém, rumino comigo, quanto sonho está enterrado naquelas relíquias, nem o mal que me fizeram aos quinze anos.

É em vão, por exemplo, que Alencar se reveste de outra roupagem e ressurge sob a cor da folha morta nesta edição Melhoramentos por sinal bastante melhorada, como feitura gráfica e revisão do texto. Quando abro o volume, tenho a impressão de retomar o mesmo volume antigo, e apesar da brochura e da cor, parece que é a mesma capa encarnada que estou sentindo entre as mãos.

Mas o leitor mudou. Apalpa desconfiado o miolo do livro, talvez com medo de não encontrar mais a ilusão de outros tempos, quando passava horas no ópio literário e vivia, estirado na cama, as aventuras de Arnaldo Loredo, o sertanejo, ou do altivo Estácio das Minas de prata. Parafraseando o provérbio alemão, ninguém passa impunentemente à sombra das palmeiras de Alencar.

[...]

Às vezes, tão intenso era o prestígio da ficção, que, entre uma cena comovente apenas imaginada ou lida e o espetáculo real das misérias humanas, a lágrima não hesitava: escolhia os olhos do leitor. Parece que a feiúra da realidade, com seus dramas em carne e osso, a estancava logo, por não sei que absurdo mistério da contradição. No fundo, a piedade hipócrita de um lascivo amador de sensações.

What’s Hecuba to him or he to Hecuba

That he should weep for her?

Eu pergunto e passo: constato apenas o prestígio dos fantasmas e um dos extremos de aberração a que pode chegar o leitor, espécie de ator potencial, sob a influência do espírito romanesco.

Assim éramos nós então, por não sabermos ler nas entrelinhas. E daquela primeira fase de educação sentimental, que parecia inevitável como as espinhas, passava quase sempre o jovem monstro para uma crise de hipercrítica. Devido à necessidade de um restabelecimento de equilíbrio, o excesso engendrava o excesso contrário. A pouco e pouco os românticos perdiam terreno em proveito dos naturalistas. Dava-se uma verdadeira subversão de valores na escala da sensibilidade e a fantasia comprazia-se em derrubar os antigos ídolos. Formava-se muitas vezes, coincidindo com manifestações mórbidas que são do domínio da psicanálise, um pedantismo da clarividência, tão nocivo como a intemperança imaginosa ou sentimental, e talvez mais ingênuo, pois refletia um ressentimento de namorado ainda ferido nas suas primeiras ilusões.

Proust escreveu páginas admiráveis sobre o encanto da leitura, ao prefaciar a sua tradução de Sesame and Lilies, V. John Ruskin, Sésame et les Lys, traduction, notes et préface par Marcel Proust, quatrième ed. Paris, Mercure de France, 1906.

Manuel Bandeira, Libertinagem, 1930.

(À sombra da estante, 1947.)

Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Imagem = Conversa de Menina

Augusto Meyer (1902 – 1970)


Augusto Meyer, poeta e ensaísta, nasceu em Porto Alegre, RS, em 24 de janeiro de 1902 e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 10 de julho de 1970.

Era filho de Augusto Ricardo Meyer e de Rosa Meyer, imigrantes alemães. Fez os estudos na cidade natal, mas deixou os cursos regulares para estudar línguas e literatura, dedicando-se a escrever. Colaborou com poemas e ensaios críticos em diversos jornais do Rio Grande do Sul, especialmente Diário de Notícias e Correio do Povo.

Estreou na literatura em 1920, com o livro de poesias intitulado A ilusão querida, e foi com os livros Coração verde, Giraluz e Poemas de Bilu que conquistou renome nacional. Esses livros e outras obras posteriores foram depois reunidos em Poesias (1957). Pseudônimo: Guido Leal.

Em 1926 fundou com Teodomiro Tostes, Azevedo Cavalcante, João Santana e Miranda Neto a revista Madrugada. Foi diretor da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, de 1930 a 1936.

Transferiu-se para o Rio e com o grupo de intelectuais gaúchos trazido por Getúlio Vargas organizou o Instituto Nacional do Livro, em 1937, tendo sido seu diretor por cerca de trinta anos.

Detentor do Prêmio Filipe de Oliveira (memórias) em 1947 e do Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, em 1950, pelo conjunto da obra literária.

Dirigiu a cadeira de Estudos Brasileiros na Universidade de Hamburgo, Alemanha, e foi adido cultural do Brasil na Espanha.

Augusto Meyer é parte do modernismo gaúcho, introduzindo uma feição regionalista na poesia. Há também em seus versos uma linha lírica, quando evoca a infância, num misto de memória e autobiografia. Completa com Raul Bopp e Mário Quintana a trindade modernista do Rio Grande do Sul.

Como ensaísta, deixou estudo sobre Machado de Assis, um dos trabalhos exegéticos mais importantes sobre o escritor maior das letras brasileiras, que tanto admirava. Sua obra de crítico abrange uma vasta gama de interpretações, de autores nacionais e estrangeiros, que divulgou no Brasil.

A literatura e o folclore do Rio Grande do Sul também foram estudados em obras fundamentais. Cultivou uma espécie de memorialismo lírico em Segredos da infância e No tempo da flor. Com recursos de poeta e de pintor, o memorialista impõe, presença de fantasmas familiares, e daí passa aos da sua roda, aos da cidade, aos do mundo.

Sexto ocupante da Cadeira 13, da Academia Brasileira de Letras, eleito em 12 de maio de 1960.

Bibliografia

Poesia: A ilusão querida (1923); Coração verde (1926); Giraluz (1928); Duas orações (1928); Poemas de Bilu (1929); Sorriso interior (1930); Literatura & poesia, poema em prosa (1931); Poesias 1922-1955 (1957); Antologia poética (1966).

Crítica e Ensaio: Machado de Assis (1935); Prosa dos pagos (1943); À sombra da estante (1947); Le Bateau ivre. Análise e interpretação (1955); Preto & Branco (1956); Gaúcho, história de uma palavra (1957); Camões, o bruxo e outros estudos (1958); A chave e a máscara (1964); A forma secreta (1965).

Memórias: Segredos da infância (1949); No tempo da flor (1966).

Folclore: Guia do folclore gaúcho (1951); Cancioneiro gaúcho (1952). Seleta em prosa e verso (1973).

A Academia Brasileira de Letras publicou em 2002 uma antologia de Augusto Meyer - Os Pêssegos verdes - com introdução e organização de Tânia Franco Carvalhal.

Fonte:
Academia Brasileira de Letras

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) VI – Viagem ao céu


Daquela brincadeira do telescópio nasceu uma idéia — a maior idéia que jamais houve no mundo: uma viagem ao céu! A coisa parecia impossível, mas era simplicíssima, porque ainda restava no bolso de Pedrinho um pouco daquele pó de pirlimpimpim que o Peninha lhe dera na viagem ao País das Fábulas. A quantidade existente bastava para levar seis pessoas.

— O bom seria irmos todos — propôs a menina. — Todos menos vovó, coitada. Sofreu tanto lá com o Pássaro Roca, que bem merece um bom descanso-de-lagarto.

— Mas Tia Nastácia não há de querer ir — lembrou Pedrinho. — É a maior das medrosas.

— Pois levemo-la à força — sugeriu Emília.

— Como?

— Muito fácil. Ninguém lhe diz nada dos nossos projetos. Na hora de partir, Narizinho faz cara de santa e lhe dá uma pitada do pó dizendo que é rapé. Ela adora o rapé...

— Não está mal pensado — disse Pedrinho. — E o Burro Falante? Vai ou fica?

— Vai — decidiu Narizinho. — Vamos ter muita necessidade dele na Lua. E se lá vive o cavalo de São Jorge, pode muito bem viver um burro.

Tudo bem assentado, puseram-se a cuidar dos preparativos. Dessa vez Emília não pensou em levar a sua canastrinha. Levou outra coisa — uma coisa que ninguém pôde descobrir o que era. Um “bilongue” pequenininho, embrulhado em papel de seda e amarrado com um fio de lã cor-de-rosa. Narizinho insistiu em saber o que era.

— Não digo, não! — respondeu a boneca. — Se eu disser vocês caçoam. É uma idéia muito boa que eu tive...

No dia seguinte, bem cedo, levantaram-se na ponta dos pés e saíram para o terreiro, enquanto Narizinho se dirigia ao quarto de Tia Nastácia. Tinha de enganá-la, mas como? Pensou, pensou e afinal resolveu-se.

— Tia Nastácia! — gritou do lado de fora da janela. — Venha ver que manhã linda está fazendo.

A negra estranhou a novidade. Levantarem-se cedo assim não era comum, e ainda menos Narizinho convidá-la para “ver a manhã”, uma coisa tão à toa para uma negra que se levanta sempre às cinco horas. Mas foi ao terreiro ver o que era, com aqueles resmungos de sempre. Lá encontrou todos reunidos em redor do Burro Falante e a cochicharem baixinho:

— Hum! Temos novidade — murmurou a preta consigo, já na desconfiança. — Qual é a “peça” de hoje, Pedrinho?

— Nada, boba! Que peça havia de ser? É que nos deu na cabeça levantarmos muito cedo para assistirmos ao nascer do sol e agora estamos brincando de espirrar com este rapé que arranjei na cidade.

— Rapé? Rapé? — repetiu a preta, que era doidinha por uma pitada de rapé. — Será daquele que o Coronel Teodorico, compadre de Dona Benta, usa?

O Coronel Teodorico, fazendeiro vizinho de Dona Benta, aparecia por lá de vez em quando a visitá-la. Era compadre de Dona Benta, homem dos bem antigos, dos que até rapé ainda tomam. O tal rapé não passa de fumo torrado e moído; quem o aspira pelo nariz espirra — e parece que o gosto é esse: espirrar... Napoleão foi um grande tomador de rapé. Hoje pouca gente usa tal coisa, só os homens muito carrancas e conservadores, como aquele compadre de Dona Benta.

— Pois quero experimentar, sim — disse a negra. — O coronel chupa esse rapé com tanto gosto que sempre tive desejo de ver se a marca é boa — e assim falando tomou o pó que o menino lhe apresentava e sem desconfiança nenhuma aspirou-o. Assim que a negra fez isso, os outros fizeram o mesmo, inclusive o burro e... mais nada! Veio aquele fiunnn no ouvido, e depois a tonteira própria do pó de pirlimpimpim, e todos perderam a consciência. Estavam voando pelo espaço com a velocidade quase da luz.

Súbito, perceberam que haviam chegado. Começaram a abrir os olhos. No começo nada viram. Tudo muito embaralhado. Por fim as coisas se foram aclarando e puderam olhar em torno. Estavam numa terra esquisitíssima, sem gente, sem vida, toda cheia de picos de montanhas em forma de crateras de vulcões extintos. Todos haviam voltado a si, menos Nastácia. A pobre negra, que pela primeira vez naquele dia aspirava o pó de pirlimpimpim, estava escarrapachada no chão, com os olhos arregaladíssimos — mas sem ver nem sentir coisa nenhuma.

— Temos de esperar que ela acorde — disse Pedrinho. — Parece que a boba tomou dose dupla...

Esperaram alguns minutos, até que a negra começou a dar mostras de estar voltando a si. Passou a mão pela cara, esfregou os olhos e, correndo-os em torno, disse com voz sumida:

— Que será que me aconteceu? Amode que caí num poço...

— Não caiu nada, bobona. Você está conosco num astro qualquer no céu.

— No céu?!... — repetiu a preta, arregalando ainda mais os olhos. — Deixem de pulha. Para que enganar uma pobre velha como eu?

— Não estamos enganando ninguém, Nastácia — disse Pedrinho. — Estamos, sim, no céu, num astro que ainda não sabemos qual é.

O assombro da negra foi tamanho que não achou palavra para dizer. Nem o seu célebre “Credo!” ela murmurou. Quedou-se imóvel onde estava, a olhar ora para um, ora para outro, de boca entreaberta.

— Eu acho que isto aqui é o Sol — declarou Emília. — Apenas estou estranhando não ver nenhuma floresta de raios.

— O disparate está de bom tamanho! — caçoou Pedrinho. — Não sabe que o Sol é mais quente que todos os fogos e que se estivéssemos no Sol já estávamos torrados até o fundo da alma? Pelo que vovó nos explicou, isto está com cara de ser a Lua — mas não tenho certeza. De longe é muito fácil conhecer a Lua — aquele queijo que passeia no céu. Mas de perto é dificílimo. O melhor é mandarmos o Doutor Livingstone a um astro próximo para de lá nos dizer se isto é mesmo a Lua ou o que é.

Uma pequena dose do pó de pirlimpimpim foi enfiada no nariz do antigo Visconde, o qual imediatamente se sumiu no espaço. Emília deixou passar uns segundos e gritou para o ar:

— É a Lua ou não, Doutor Livingstone?

Mas nada de resposta. A distância devia ser muito grande, de modo que a vozinha rouca do Doutor Livingstone não podia chegar até eles.

— Que asneira fizemos! — exclamou Pedrinho. — Devíamos ter pensado nisso — que era impossível que a vozinha do Visconde pudesse varar a imensidão do espaço. Além disso, para onde será que ele se dirigiu? Em que astro foi parar? Há milhões e milhões de astros por essa imensidade afora...

— Milhões e milhões, Pedrinho? Não acha meio muito? — duvidou a menina.

— Pois é o que dizem os astrônomos. O espaço é infinito. Sabe o que é ser infinito? É não ter fim, nunca, nunca, nunca. Quem sair voando em linha reta por essa imensidade não volta jamais ao mesmo ponto. Fica a voar eternamente.

Emília interrompeu-o:

— Achei um jeito de resolver o caso de saber que astro é este. Basta fazermos uma votação. Se a maioria votar que isto é a Lua, fica sendo a Lua. É assim que os homens lá na Terra decidem a escolha dos presidentes: pela contagem dos narizes.

Não havendo outro meio de saírem daquela incerteza, fizeram a votação. Pedrinho foi tomando os votos.

— Você, Narizinho?

— Lua!

— E você, Emília?

— Luíssima!

— Eu, Pedrinho, também Lua. E você, Tia Nastácia?

A negra, ainda tonta, olhou para o menino com expressão idiotizada e respondeu:

— Para mim, nós estamos na Terra mesmo; e tudo que está acontecendo não passa de um sonho de fadas.

— Três narizes a favor da Lua e um a favor da Terra! — gritou Pedrinho. — A Lua ganhou. Estamos na Lua. Viva a Lua!...

A negra sentiu um calafrio. Se a maioria tinha decidido que estavam na Lua, então estavam mesmo na Lua. E isso de estar na Lua parecia-lhe um enorme perigo. A única coisa que Tia Nastácia sabia da Lua era que lá morava São Jorge a cavalo, sempre ocupado em espetar na sua lança o dragão. Com São Jorge, que era um santo, ela poderia arranjar-se. Mas que fazer com o dragão? E a pobre negra pôs-se a tremer.

— Meu Deus! — suspirou ela. — Tudo é possível neste mundo...

— Como sabe? — perguntou Emília espevitadamente.

— Se você nunca esteve neste mundo, como sabe que nele tudo é possível?

— Quando eu digo este mundo, falo do meu mundo, do mundo onde nasci e sempre morei — explicou a preta.

— Bom. Se você se refere ao mundo em que nasceu e sempre morou, deve dizer naquele mundo, porque este mundo é a Lua, e neste mundo da Lua não sabemos se tudo é possível.

Enquanto Emília argumentava com a preta, Pedrinho afastou-se para examinar a paisagem. Sim, tudo exatamente como Dona Benta dissera. Aparentemente, nada de água e, portanto, nada de vegetação e vida animal como na Terra. Sem água não há vida. Todas as vidas são filhas da água. E o número de crateras não tinha fim.

Pedrinho ia levando o burro pelo cabresto e com ele trocava impressões.

— Se não há água neste astro, então também não há capim — dizia o pobre animal. — Não haver capim!... Que absurdo! O capim é o maior encanto da natureza. É uma coisa que me comove mais que um poema.

— E qual é a sua opinião, burro, sobre a formação da Lua? Há várias hipóteses.

— Sim. Uns sábios acham que a Lua foi um pedaço da Terra que se desprendeu no tempo em que a Terra ainda estava incandescente. Outros acham que o planeta Saturno foi vítima duma tremenda explosão causada pelo choque dum astro errante. Fragmentos de Saturno ficaram soltos no céu, atraídos por este ou aquele astro. Um dos fragmentos foi atraído pela Terra e ficou a girar em seu redor.

— E sabe que tamanho tem a Lua?

— O volume da Lua é 49 vezes menor que o da Terra. A superfície é treze vezes menor. A superfície da Lua é de 38 milhões de quilômetros quadrados — mais que as superfícies da Rússia, dos Estados Unidos e do Brasil somadas.

Pedrinho admirou-se da ciência do burro. Não havia lido astronomia nenhuma e estava mais afiado que ele, que era um Flammarionzinho... Mas não querendo ficar atrás, disse:

— Pois eu também sei uma coisa da Lua que quero ver se é certa. O peso de tudo aqui é mais de seis vezes menor que lá na Terra. Um quilo lá da Terra pesa aqui 154 gramas. Eu, por exemplo, que lá em casa peso 46 quilos, aqui devo pesar 7 quilos!... É pena não termos uma balança para verificar isso.

— Há um jeito — lembrou o burro. — Dê um pulo e veja se pula seis vezes mais longe que lá no sítio.

Pedrinho achou excelente a idéia. Os melhores pulos que ele havia dado no sítio foram: pulo de altura, 1 metro e 20; e de distância, 5 metros. Se ali na Lua ele pulasse seis vezes e pouco mais longe que no sítio, então estavam certos os cálculos dos astrônomos.

Pedrinho amarrou o burro numa ponta de pedra, marcou um lugar no chão, deu uma carreira e pulou — e foi parar exatamente a 33 metros de distância, mais de seis vezes o seu pulo recorde lá no sítio! E no pulo de altura alcançou mais de 8 metros. Um assombro!...

Depois de feitas as medições, Pedrinho ficou radiante.

— É verdade, sim! — gritou ele. — Aqui na Lua eu pulo melhor que qualquer gafanhoto da Terra — e começou a brincar de pular. Deu vinte pulos de altura; e depois em cinco pulos chegou ao ponto onde estavam os outros — uma distância total de 165 metros.

— Que é isso, Pedrinho? — exclamou a menina. — Virou pulga?

— Aqui toda gente vira pulga — respondeu ele. — Experimente pular. Veja que gostosura.

Narizinho pulou e viu que estava levíssima. Emília também pulou como um grilo. E ainda estavam entretidos naquele pula-puía, quando Tia Nastácia apareceu, muito aflita, com a pacuera batendo.

— Um bufo! — exclamou a pobre preta, toda sem fôlego. — Ouvi um bufo! Há de ser do dragão...

Pedrinho riu-se.

— Dragão nada, boba. Isso de dragão é lenda. Como poderia um dragão vir da Terra até aqui, se na Terra não há dragões? Tudo é fábula. E se acaso pudesse um dragão vir da Terra até aqui, como viver num astro que não tem água nem vegetação? Isso de dragão na Lua não passa de caraminhola de negra velha...

Apesar dessas palavras, novo bufo soou. Todos voltaram-se na direção do som e com o maior dos assombros viram sair de dentro duma das crateras a monstruosa cabeça do dragão de São Jorge.

— Lá está o malvado! — berrou Emília. — Enxergou o burro e vem comê-lo.

Tia Nastácia ia dando um berro de pavor, que Narizinho teve tempo de evitar tapando-lhe a boca. “Louca! Se você grita, ele ouve e vem devorar-nos. Por enquanto só viu o burro. Temos de esconder-nos numa das crateras.”

O dragão ia lentamente saindo de sua toca. Breve puderam vê-lo todo de fora — um comprido corpo de lagarto recoberto de escamas verdes e com uma enorme cauda de serra com ponta de flecha no fim. Tal qual Emília o descrevera ao telescópio. A língua também, muito vermelha, terminava em ponta de flecha.

Todos se encolheram dentro dum buraco próximo e ficaram a espiar por uma rachadura da pedra. Falavam aos cochichos.

— Ele está na Lua há séculos — sussurrou Pedrinho — e há séculos que não come coisa nenhuma. Agora viu o burro. Sua fome despertou. Olhem como está lambendo os beiços com aquela língua de flecha...

— Mas não podemos deixar que coma o nosso burro — murmurou Narizinho. — Vovó ficaria danada. Temos de salvá-lo...

— Como?

— Indo procurar São Jorge. Se existe o dragão, há de existir também São Jorge.

— Sim, mas onde morará ele? Nalguma cratera também? O dragão aproximava-se cada vez mais, embora muito lentamente. Parece que com os séculos de imobilidade passados ali seus músculos tinham enferrujado.

— E o burro está amarrado pelo cabresto a uma ponta de pedra. Não pode fugir! Que estupidez a minha, amarrar um burro daqueles...

— Pois é desamarrá-lo — sussurrou Emília. — Não vejo outro jeito.

— E quem vai fazer isso?

— Eu, que sou de pano — e sem mais discussão Emília saiu do buraco e correu na direção do burro, o qual já estava dando visíveis sinais de terror.

O que valeu foi o emperramento dos músculos do dragão. Vinha vindo como fita em câmera lenta. Emília num instante alcançou a ponta de pedra, desfez o nó do cabresto e gritou para o burro: “Fuja, senão está perdido para sempre! Esse dragão há séculos que não come coisa nenhuma”.

Com grande surpresa, porém, Emília viu que o pobre burro, paralisado pelo terror, não se mexia do lugar.

— Vamos! — gritava ela. — Mova-se! Raciocine e fuja...

E o burro imóvel, paralisado de movimentos, não conseguia nem raciocinar, quanto mais fugir!

O dragão vinha vindo, vinha vindo, balançando a língua de ponta de flecha para a direita e para a esquerda. Mais uns segundos e chegava — e adeus, Burro Falante!...

Na sua aflição Emília teve uma grande idéia. Correu a buscar com Pedrinho uma pitada de pó — e de volta assoprou-o nas ventas do pobre burro paralisado. Isso exatinho no momento em que a ponta da língua do dragão já se armava para fisgar. Ouviu-se um fiunnn e o burro lá se foi pelos espaços, que nem um cometa.

Vendo-se logrado, o dragão desferiu um urro medonho, ao mesmo tempo que jatos de fogo espirraram de seus olhos.

Nem de propósito. São Jorge, que estava cochilando longe dali, ouviu o estranho urro, pulou no cavalo e veio de galope.

Assim que o viu chegar, o dragão baixou a cabeça com grande humildade e foi tratando de recolher-se à sua cratera.

— Já, já para a toca, seu malandro! — gritou São Jorge sacudindo no ar a lança.

Depois, vendo por ali aquela boneca, abriu a boca, espantadíssimo.
–––––––––––-
Continua … VII – Coisas da Lua
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Agradecimento pelos Livros Recebidos



Agradeço aos escritores por me enviarem ou entregarem pessoalmente seus livros

A. A. de AssisCantando ao som das setilhas
Trovas Brincantes II
Vida, verso e prosa

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Literatura: Revista do Escritor Brasileiro set 2008 - n. 35

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Resistência e Intervenção nas literaturas pós-coloniais

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XVI Jogos Florais Troféu Gledis Tissot - 2010
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Valter M. de ToledoAntologia dos Acadêmicos da Academia de Letras José de Alencar - 60 anos
Revista do Centro de Letras do Paraná - n. 53 - agosto 2009
Jurisprudência e Doutrina Maçonica
Direito, cultura & Civismo: textos seletos

Vânia Maria Souza Ennes
Paraná em Trovas
União Brasileira de Trovadores (Estatuto - História)

Vicência Jaguaribe
Ancoragem em porto aberto

Além de revistas, boletins, cds, dvds e jornais enviados por Kleber Leite Ribeiro, Terezinha Dieguez Brisolla, Vânia Maria Souza Ennes, Nilto Maciel, Secretaria de Cultura de Minas Gerais, Dinair Leite.

Obrigado.

sábado, 9 de julho de 2011

Alexandre Herculano (A Tempestade)


Sibila o vento: os torreões de nuvens
Pesam nos densos ares:
Ruge ao largo a procela, e encurva as ondas
Pela extensão dos mares:
A imensa vaga ao longe vem correndo
Em seu terror envolta;
E, dentre as sombras, rápidas centelhas
A tempestade solta.
Do sol no ocaso um raio derradeiro,
Que, apenas fulge, morre,
Escapa à nuvem, que, apressada e espessa,
Para apagá-lo corre.
Tal nos afaga em sonhos a esperança,
Ao despontar do dia,
Mas, no acordar, lá vem a consciência
Dizer que ela mentia!

As ondas negro-azuis se conglobaram;
Serras tornadas são,
Contra as quais outras serras, que se arqueiam,
Bater, partir-se vão.
Ó tempestade! Eu te saúdo, ó nume
Da natureza açoite!
Tu guias os bulcões, do mar princesa,
E é teu vestido a noite!
Quando pelos pinhais, entre o granizo,
Ao sussurrar das ramas,
Vibrando sustos, pavorosa ruges
E assolação derramas,
Quem porfiar contigo, então, ousara
De glória e poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro,
Turbar-se o claro rio?

Quem me dera ser tu, por balouçar-me
Das nuvens nos castelos,
E ver dos ferros meus, enfim, quebrados
Os rebatidos elos.
Eu rodeara, então o globo inteiro;
Eu sublevara as águas;
Eu dos vulcões com raios acendera
Amortecidas fráguas;
Do robusto carvalho e sobro antigo
Acurvaria as frontes;
Com furacões, os areais da Líbia
Converteria em montes;
Pelo fulgor da Lua, lá do norte
No pólo me assentara,
E vira prolongar-se o gelo eterno,
Que o tempo amontoara.
Ali, eu solitário, eu rei da morte,
Erguera meu clamor,
E dissera: «Sou livre, e tenho império;
Aqui, sou eu senhor!»

Quem se pudera erguer, como estas vagas,
Em turbilhões incertos,
E correr, e correr, troando ao longe,
Nos líquidos desertos!
Mas entre membros de lodoso barro
A mente presa está!...
Ergue-se em vão aos céus: precipitada,
Rápido, em baixo dá.

Ó morte, amiga morte! é sobre as vagas,
Entre escarcéus erguidos,
Que eu te invoco, pedindo-te feneçam
Meus dias aborridos:
Quebra duras prisões, que a natureza
Lançou a esta alma ardente;
Que ela possa voar, por entre os orbes,
Aos pés do Omnipotente.
Sobre a nau, que me estreita, a prenhe nuvem
Desça, e estourando a esmague,
E a grossa proa, dos tufões ludíbrio,
Solta, sem rumo vague!

Porém, não!... Dormir deixa os que me cercam
O sono do existir;
Deixa-os, vãos sonhadores de esperanças
Nas trevas do porvir.
Doce mãe do repouso, extremo abrigo
De um coração opresso,
Que ao ligeiro prazer, à dor cansada
Negas no seio acesso,
Não despertes, oh não! os que abominam
Teu amoroso aspeito;
Febricitantes, que se abraçam, loucos,
Com seu dorido leito!
Tu, que ao mísero ris com rir tão meigo,
Caluniada morte;
Tu, que entre os braços teus lhe dás asilo
Contra o furor da sorte;
Tu, que esperas às portas dos senhores,
Do servo ao limiar,
E eterna corres, peregrina, a terra
E as solidões do mar,
Deixa, deixa sonhar ventura os homens;
Já filhos teus nasceram:
Um dia acordarão desses delírios,
Que tão gratos lhes eram.
E eu que velo na vida, e já não sonho
Nem glória nem ventura;
Eu, que esgotei tão cedo, até às fezes,
O cálix da amargura:
Eu, vagabundo e pobre, e aos pés calcado
De quanto há vil no mundo,
Santas inspirações morrer sentindo
Do coração no fundo,
Sem achar no desterro uma harmonia
De alma, que a minha entenda,
Porque seguir, curvado ante a desgraça,
Esta espinhosa senda?
Torvo o oceano vai! Qual dobre, soa
Fragor da tempestade,
Salmo de mortos, que retumba ao longe,
Grito da eternidade!...

Pensamento infernal! Fugir covarde
Ante o destino iroso?
Lançar-me, envolto em maldições celestes,
No abismo tormentoso?
Nunca! Deus pôs-se aqui para apurar-me
Nas lágrimas da terra;
Guardarei minha estância atribulada,
Com meu desejo em guerra.
O fiel guardador terá seu prémio,
O seu repouso, enfim,
E atalaiar o sol de um dia extremo
Virá outro após mim.
Herdarei o morrer! Como é suave
Bênção de pai querido.
Será o despertar, ver meu cadáver,
Ver o grilhão partido.

Um consolo, entretanto, resta ainda
Ao pobre velador:
Deus lhe deixou, nas trevas da existência,
Doce amizade e amor.
Tudo o mais é sepulcro branqueado
Por embusteira mão;
Tudo o mais vãos prazeres que só trazem
Remorso ao coração.
Passarei minha noite a luz tão meiga,
Até o amanhecer;
Até que suba à pátria do repouso,
Onde não há morrer.

Fontes:
Portal de Domínio Público
Imagem = http://www.marcusmv.com.br

Vicência Jaguaribe (A Decisão)


Não valia a pena ficar batendo boca. Ela via o mundo de maneira diferente. Tinha uma vida para fora. Tinha outra vida para dentro. A vida para fora, ela a vivia de acordo com as normas sociais e com os valores da família. A vida para dentro, ela a vivia seguindo suas próprias leis. O diabo era quando essas duas vidas se chocavam. Abria-se um campo de batalha. Mas ela sabia que logo logo precisaria decidir.

O conflito maior ela travava com o noivo, que desejava casar sem demora. Era juiz em começo de carreira, fora nomeado para uma cidadezinha nos confins do estado e queria assumir a comarca já com a esposa do lado. Ela terminava o Curso Médio e queria ingressar na universidade. Mas, pelo que estava vendo, era uma coisa ou outra.

Gostava do noivo, isto é, gostava de conversar com ele, de estar com ele, mas não sentia a paixão de que as amigas falavam. Nem se imaginava em uma cidadezinha do interior, limpando a casa, cozinhando para o marido e, um pouco mais adiante, cuidando de filhos. Quando via uma família feliz – pai, mãe e filhotes –, arrepiava-se. Não. Não nascera para isso. Podia até ser que, mais adiante, encontrasse alguém com quem pudesse dividir alguns momentos da vida. Dividir a vida toda, não, muito menos a casa. Seria cada um no seu muquifo. Mas o namorado tinha pressa, e os pais – meu Deus! – não admitiam nem em sonho que rejeitasse aquele partido.

Partido! Por que chamam as pessoas casadouras de partido? O bom e o mau partido! Pelo que ela sabia, essa palavra se originara, por derivação imprópria ou conversão, do adjetivo partido, isto é, algo quebrado, fragmentado, que se dividiu em partes. Vem a palavra da fonte latina – part/us, que significa “que partilhou, que tomou o seu quinhão”. Isso pode querer dizer que em um casamento os cônjuges devem partilhar tudo: o material e o imaterial; o que é bom e o que é ruim. Mas pode significar também que devem tomar para si parte do outro. Não, ela não queria dividir-se como se divide um espólio, para que alguém se tornasse dono de uma parte do seu ser. Ela se queria inteira, para tomar suas decisões, para resolver o que fazer de sua vida.

Fora criada ouvindo que o destino da mulher é o casamento. É a procriação. Uma mulher sem marido e sem filhos é uma mulher incompleta. Ela não pensava assim. É verdade que não desejava viver sozinha, mas ainda não era hora para tomar uma decisão tão radical. Acabara de completar dezoito anos e ia prestar vestibular, disputando uma vaga no curso de História. Tinha certeza de que seria aprovada. Aí, então, largaria tudo, para casar e morar longe dos centros intelectuais? Para que, então, estudara tanto, dedicara-se tanto aos livros. Não fazia sentido. A mãe já dissera que, se ela decidisse pelos estudos e despachasse o noivo, teria que arranjar um emprego para se sustentar enquanto fizesse a faculdade. Contasse somente com casa, comida e roupa lavada e engomada. Mais nada.

A mãe apostava no seu gosto por roupas e sapatos caros, na sua ânsia de comprar, principalmente livros e discos. Jurava que ela não seria capaz de renunciar à vaidade, à vida fácil; trabalhar e privar-se das coisas de que gostava. Mas a mãe se enganava. Mostraria aos pais que tinha um objetivo na vida, que desejava crescer como pessoa, por seus próprios méritos. O casamento ficaria para depois.

Queria falar com o noivo pessoalmente. Não lhe daria a notícia por carta nem por telefone, por isso esperou que ele fizesse uma de suas viagens periódicas para visitar a família e revê-la. Por mais que temesse sua reação, preferia falar cara a cara. Sabia que ele sofreria, pois sempre a amara muito. Tinha certeza de que ele tentaria o impossível para dissuadi-la. Mesmo assim, preferia enfrentá-lo. E tiveram a conversa definitiva.

A reação do rapaz foi surpreendente. Parecia até que já aguardava aquele desfecho. Agiu como se ela fosse mais uma namoradinha de fim de semana, com quem não tivesse nenhum compromisso mais sério. Desejou-lhe boa sorte nos estudos. Deixou-a perplexa, mas ao mesmo tempo tranquilizada. O problema a enfrentar não seria tão grande quanto pensara. Teria que entender-se somente com os pais. Mas no fundo achava que a reação dele não fora normal. Havia alguma coisa de que ela não sabia naquela história. Ah! se havia!

Não foi surpresa nem para ela nem para ninguém sua aprovação no vestibular. Também não foi surpresa para ela – mas só para ela – a notícia de que ele estava de casamento marcado com a filha única de um fazendeiro rico da região. Bem que desconfiara de que havia alguma coisa por trás daquela sua reação, melhor dizendo, da sua falta de reação ao fim do compromisso com ela. Dizer que ela não sentiu nada quando soube seria mentir. Sentiu, sim, uma leve mordida em seu amor próprio, mas foi coisa de momento. Logo mergulhou de cabeça nos estudos, conheceu gente nova, fez amizades e sentiu que tomara a decisão certa. Logo se engajou em pesquisas e assim que o tempo permitiu candidatou-se a uma bolsa de iniciação científica, que lhe rendia algum dinheiro todos os meses.

Lembrava-se do ex-namorado? Cada vez menos. E, sempre que isso acontecia, a lembrança vinha acompanhada de uma sentença que ouvira muitas vezes de uma pessoa da família: Coração de homem é terra que ninguém pisa.

Fonte:
Texto enviado pela autora

J.B.Xavier (O Camelô)


Tá vendo esse vidro, seu moço?
Ele é meio esverdeado,
Mas num é que foi pintado,
É que lá dentro ele tinha
Mastruço de qualidade,
Misturado com Arnica
Com essa nem vô rimá,
Mas só quero te alembrá
Que esse chá muda a idade
Do véio mais incapais,
E depois de dois, três gole
Ele aumenta sua prole
Como se fosse um rapais!

Pois te digo ainda mais:
Tenho Gengibre Moída,
Pomada prarca caída,
Cipó Mil Home também!
Tenho chá de Erva Cidrêra,
Chá de Boldo e Agrião,
Chá de Losna e de Alfavaca
E chá para dor nas cadêra.
Remédio pro coração?
Tenho de tudo, variado,
Um oleozinho dormido
Que tu tem que acreditá
Que é o meu mais vendido.
Com ele já vi curá
As cicatriz das chifrada
De muito home traído.

Veja só esse outro aqui
Noutro dia até vendi
Pruma madame embuchada
Que queria se livrá
Daquela baita enrascada.
Tu sabe que isso é difícir!
E que bom é só fazê
Mais depois da coisa feita
Quem fica assim, na suspeita
Costuma se escafedê.
Tasquei esse óinho nela!
Depois dei um chá de Losna
Arrematei com Alecrim,
Misturei então Banchá
Depois botei Camomila
E de Alcachofra um pouquinho,
E fui picanu miudinho
A Folha de Abacateiro
Cum folha de laranjêra.
Dei uma esquentada ligêra,
Misturei Erva do Bicho
Com Raiz de Carrapicho
Mais Erva de Macaé,
Juntei um pouco de Guaco
E pus mais Alho Moído,
Te digo, tava fedido,
E prá mode miorá
Aquele fedor disgramado,
Misturei com Guaçatonga
E um pouco de Guaraná.
Bati tudo com Canela
Tornei batê e dei préla.
E esperei ela tomá.
A mulé saculejô,
Saiu fumaça do ovido,
E dispois fumaceou,
Como o trem da minha terra
Fumaceia quanu sobe
As rampa daquelas serra.
E ficô toda amarela,
Depois foi ficanu inchada
Pensei que fosse morrê.
E deu três passo prá trais
Arregalô bem os zóio,
Como quem viu satanais
Depois pegou esse óio
Pagô e deitô a corrê.
Não tenho curpa de nada,
Porque foi ela que quis,
Mas daquela infeliz
Nada mais há de nascê.

Tenho tamém Carobinha
Depurativo do sangue,
Que é bom tamém pro intestino,
Tamém tenho Cavalinha
Que prá mim é como ouro,
Mió que o Carapiá!
Tenho até Chapéu de Couro
Que melhora até o fel,
E que diz que cura tudo.
Tenho tamém esse Mel
Que é santo se for tomado
Com chá de Cipó Cabeludo.

Prá quem tem o sangue doce,
Eu faço a combinação:
Pata de Vaca, Ipê Roxo,
Pedra ume e Graviola,
Com carqueja e com Gervão.
Tá tudo nesse potinho
Que mermo pequenininho
Prá diabete é a solução!

Gervão, é tamém pros figo!
Vô te contá como amigo:
Não fica perto de gente
Quando tomá o Gervão,
Se tu tem prisão de ventre.
Tamém tenho Quina-Quina
E Casca de Romã Seca,
Tenho Salvia e Sabugueiro
Sassafrás, Salsaparrilha
Que combate até a gota.
E se tu tem dor na vrilha
Ou tem bolinha na boca
Leva aqui Sete Sangria
Toma um pôco todo dia
Que tu há de miorá.
Mas presta muita atenção,
Tu não vá me errá a mão
Na hora de misturá.
Mió levá Unha de Gato,
Que pode sê reumatismo,
Mais se o pobrema fô sangue
Ou até dor de barriga
Mió tu levá Urtiga
E dela fazê um chá!
Mais ó, prestenção e num teima
Num vai nela se encostá
Porque essa danada queima!
Vai levá? Pois pêra aí,
Que a bula eu vô buscá
Onde está as instrução
De como se misturá!

E o sinhô, que tá tossinu?
Chega mais perto mermão!
E pode tirá o capuz!
Essa gripe vai embora
Assim que o sinhô comprá
Esse chá de Alcaçus!
O seu pobrema é de pele?
Meu amigo, não se afoba,
Veja aqui nesse vidrinho
Um chazinho de Andiroba.
Esse acaba inflamação,
E acaba as doença no cerne,
Pois mesmo assim, diluidinho
Ele acaba até com verme.

Tenho Óleo de Aroeira,
Chá de Arruda e Assa-Peixe,
Só te peço que não deixe
De tomá na hora certa.
Tenho Chá de Cajueiro,
Pomada de Boldo Chileno,
Cana do Brejo e Carqueja .
Tarvez, quem sabe tu teja
Precisanu de um laxante,
Que é prá mode tu sortá!
Cipó de Cascara Sagrada,
É que faz dá uma sortada...
Então tenho aqui prá tu
Essa bebida arretada
Que vai te sortá o...pé!
Ô será que teu pobrema
É só dá uma levantada
Para podê namorá?
Tenho aqui a solução,
Que co teu pobrema acaba,
Contra a falta de tesão
Tome chá de Catuaba.

Eu tenho Cordão de Frade
Que é pramode tu mijá,
Tenho Garra do Diabo,
Capim Cidrão, Fayuiá,
Tem Erva de Macaé,
Passiflora, Pitangueira,
E Semente de Butiá.
Tenho Calêndula e Tília
Milefólio e Douradinha,
Tenho Artemísia e Bardana
Que é prá boa digestão,
Pirapora e Carobinha,
E Erva de São João.
Chegue mais perto seu moço,
Prás moça não escuitá.
Mas tenho tamém picão!
Que apesar do nome feio
Só serve prá digestão!
E ainda tenho solução
Feita só para quem ama,
Seu nome é marapuama
Que deixa forte e machão!

E tu, de mão levantada
Pode falá, senhorita!
No que posso lhe servi?
Como? Repete a pergunta
E chega mais perto, se junta
Aqui, com esse povão.
Isso! Agora me diga
Prá o que a minha amiga
Deseja uma solução?

“Ouvi que o senhor tem remédio
para quem está amando!
Pois eu to amando, seu moço,
Sofrendo no coração!
Eu tô no fundo do poço!
Tô querendo alguma erva
Que acabe co que me enerva
E me tire desse fosso!”

Pois óia aqui senhorita,
A erva mais milagrosa
A menina já tomô.
Nunca vi erva mais forte
do que a erva do amô...
O amô não vem em vidrinho,
As veis vem devagarinho,
Otras veis num furacão.
Depois ele toma conta
E arrasa co coração!
O amô foi Deus que inventô
Quando o mundo Ele criô
Prá vida ficá bonita!
E dessa remediarada
Que tenho aqui nessa mala
Se não quizé num acredita,
Não tem nenhum pro seu caso.
Num vá pensá que é descaso
De camelô deslexado!
É que o amô foi inventado
Lá pelo sexto dia.
Deus tava em grande euforia
Quando acabô de inventá,
Mas tamém tava cansado,
E parô prá descansá.
Aí veio o sétimo dia,
Que fez virá feriado!
No oitavo dia o Senhor
Foi embora deste mundo
Deixando o amô criado,LinkEsperando vê ele crescê.
Mas Deus, muito atarefado,
Se foi sem ter ensinado
Como um amô desfazê!

Fontes:
JB Xavier
Imagem = Wikipedia

Cantando ao Som das Setilhas (Debate pela Internet) Parte 1


Este debate pela Internet em Setilhas, originou um livro de 245 estrofes. Cantando ao Som das Setilhas que serão publicadas no blog, em 18 partes.
A Introdução foi feita por Carolina Ramos (SP).

São 7 poetas:
A. A. (Antonio Augusto) de Assis (PR),
Arlindo Tadeu Hagen (MG),
Delcy Rodrigues Canalles (RS),
Gislaine Canales (SC),
José Lucas de Barros ((RN),
Prof. Garcia (Francisco Garcia de Araújo) (RN),
Thalma Tavares (Vicente Líles de Araújo Pereira) (SP)

01 – ZÉ LUCAS (RN)
Este primeiro de agosto
nos trouxe nova alegria:
teremos sete poetas
versejando em parceria,
e eu, acordando mais cedo,
abro a luta, mas com medo
de cansar na travessia.

02 – GISLAINE CANALES (SC)
O desafio do dia
unirá bem mais a gente,
este septeto em setilhas,
sinto, vai ser comovente,
com versos do coração,
transbordantes de emoção…
Sigamos, irmãos, em frente!

03 – PROF. GARCIA (RN)
Neste torneio se sente
que esta luta é um grande bem;
em qualquer canto ela está,
de todo canto ela vem,
é o verso de sul a norte,
tornando o vate mais forte
na força que o verso tem.

04 – DELCY CANALLES (RS)
Cada setilha que vem
trazer, de modos diversos,
uma alegria estonteante,
através de lindos versos,
nos causa imensa emoção,
planta, em nós, uma afeição,
que nos leva a universos!

05 – A. A. DE ASSIS (PR)
Na poesia os sete imersos,
sigamos, irmãos, em frente,
enlaçando os nossos elos
numa sólida corrente,
na esperança de ao final
ver crescer o capital
da amizade que une a gente.

06 – ARLINDO TADEU HAGEN (MG)
Se a amizade é que une a gente,
em nome desta amizade,
eu que nunca fiz setilha
troquei a serenidade
dos quatro versos da Trova
pelos sete e a idéia nova
me encheu de felicidade!

07 – THALMA TAVARES (SP)
Estou feliz, é verdade
e este debate promete.
eu já estive entre os quatro
e agora estou entre os sete;
aluno entre professores
nesta escola de primores,
no milagre da Internet.

08 – ZÉ LUCAS
Iremos “pintar o sete”
num quadro de sete cores,
porque, na tinta dos versos,
nós somos sete pintores
seguindo as melhores trilhas
e colorindo setilhas
que são pétalas de flores

09 – GISLAINE CANALES
Esquecendo quaisquer dores,
nossas setilhas serão
como um arco-íris de versos,
com perfumes de paixão…
Nesse jardim diferente,
de uma forma bem luzente,
nascerá muita emoção.

10 – PROF. GARCIA
Cada verso é uma oração,
e é bom que o poeta sinta;
se meu pincel não falhar
vou mostrar como se pinta,
pintando linda aquarela
e em cada canto da tela
um verso com cada tinta.

11 – DELCY CANALLES
O nosso trabalho pinta
tal como um descobridor
de afeição e de amizade,
quase uma forma de amor,
que nos desperta ternura,
que nos conduz à ventura,
que nos iguala em valor!

12 – A. A. DE ASSIS
Que bom que volta o calor
aqui neste Sul gelado…
Agosto chegou tal qual
no Nordeste tem estado:
rapazes pensando em praia,
as moças de minissaia,
deixando o mantô de lado.

13 – ARLINDO TADEU HAGEN
O tempo anda bem mudado:
se está quente… logo esfria…
se está frio… logo esquenta….
No Sudeste – quem diria -
se a gente bem reparar,
é possível desfrutar
as quatro estações num dia!

14 – THALMA TAVARES
É preciso valentia,
ter saúde de leão
para aguentar em São Paulo
a mudança de estação.
Eu, que sou lá do Nordeste,
padeço mais do que a peste
com tamanha variação.
===========
continua…
–––––––––-
Fonte:
José Lucas e parceiros. Cantando ao som das setilhas. Natal/RN: 2011.

Amosse Mucavele (Carta do Aniversariante no dia em que não se fará a festa)


Ontem foi o dia do meu aniversário, comemorei com as 4 paredes que ladeiam o meu quarto,

E hoje, dia em que os Astros advogaram sem uma causa justa, mas com um aviso prévio sendo este o verdadeiro dia do meu aniversário

24 anos completam-se em mim, e eu nem estou ai, neste instante procuro refúgio na imensidão deste poema-assim o julgo eterno.

Tal como a as palavras que o guiam, eu deambulo no vazio do suco que refresca o bolo que vos ofereço

Desculpe a todos que esperavam uma festa.

Agora vos digo – eu não sei organizar uma festa, assim sendo tenho da vossa companhia motivos suficientes para estarmos em festa.

Que zanguem os homens das gargantas abertas, os das barrigas vazias, pois não há mais nada a dizer, por isso sintetizo – eu não sei organizar uma festa,

Depois de uma conversa afiada com a minha mãe no cemitério, onde ,eu fui lhe dar uma água, uma flor, um beijo, e jurar perante ela que eu já sou homem crescido e novo,

Já não sou aquele menino tal como o pai que destruía lares e eu, sendo filho de peixe, sabia nadar até no arreal, e em contrapartida desmanchava prazeres das meninas, brincava com os sentimentos delas. Agora sou um novo homem, 24 poemas me esperam,,, desde já, juro fidelidade às garrafas e aos livros.

E mulheres preciso daquelas divorciadas, humilhadas, mal amadas, pois ontem á noite recebi o antídoto para este veneno chamado traição, e as minhas namoradas do passado que o presente tornou-as Ex. Nem sei onde foi o buscar este prefixo e o futuro chama-as por amigas, elas me amaram e eu as violentei domesticamente no meu pobre quarto de madeira e zinco.,No momento diziam me machucar, eu puxava-lhes as mechas, dava-lhes palmadas, e não tinham onde queixar pois pediam que as machucasse. Ponto final! Eu já não quero brincar ou fazer orgias com os virgens sentimentos destas miúdas.

O que me espera agora é viajar no silêncio de uma garrafa de whisky Old Pascas.

Fonte:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://cronicamendes.blogspot.com/2010_11_01_archive.html

João Scortecci (Eu Sou um Livro)


Eu sou um livro.Justificar

Um exemplar do romance de nome Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor Joaquim Maria Machado de Assis que nasceu no dia 21 de junho de 1839 e morreu em 29 de setembro de 1908, considerado o maior nome da literatura brasileira.

Fui impresso no ano de 1881, nas Oficinas da Tipografia Nacional, na Cidade do Rio de Janeiro. Tenho pouco mais de 127 anos, muitas páginas e uma belíssima encadernação de luxo. Uma unanimidade em primeira edição com autógrafo e dedicatória em bico de pena.

Estou catalogado no acervo da biblioteca de um importante bibliófilo apaixonado por leitura.

Tive sorte, muita sorte na sua escolha dele por mim. Não sei se vocês sabem, somos nós “livros” que escolhemos leitores. Antes de ganhar notoriedade e referência de obra rara passei um longo tempo em um sebo jogado literalmente às traças. Já escapei de um incêndio, de vazamento de água bem na minha cabeça e de uma ameaça de reciclagem imprudente. Minha morte seria um crime. Felizmente escapei com a sorte de poucos.

Um livro precisa de amigos. Sofremos com destruição por fanatismo religioso e político, roubos, falsificações, reciclagem e contaminação por fungos e bactérias.

Não sou forte e resistente como antigamente. Minhas páginas estão amareladas. É o desgaste natural causado pelos excessos à luz, umidade, temperatura inadequada e inimigos predadores como cupins, traças e roedores.

Gostamos de ficar em prateleiras em local afastado das paredes, ordenados verticalmente, sem acúmulo excessivo. Ventilação e limpeza são indispensáveis para nossa sobrevivência. Não gostamos de muito calor e aperto.

22° C está perfeito. Não precisa também exagerar! Temperatura excessiva faz com que as fibras de celulose percam as suas propriedades de Elasticidade, Flexibilidade e Resistência.

A umidade relativa do ar não deve ultrapassar 60%. Iluminação ambiental de 50 watts é a correta. A luz artificial mais utilizada é a fluorescente. Nunca utilizar luz ultravioleta. Os segredos e mistérios de um livro estão no seu conteúdo.

Dia 29 de outubro é o meu Dia Nacional. Foi escolhido por ser a data de aniversário da fundação da Biblioteca Nacional, que nasceu com a transferência da Real Biblioteca portuguesa para o Brasil.

Um dia de todos os dias e de todos nós. Não se ama um livro vez por outra e muito menos com lapsos de memória.

Eu sou um livro. E você?

Fonte:
Amigos do Livro

Ialmar Pio Schneider (Soneto Póstumo para Vinícius de Moraes)


(data de aniversário do seu falecimento – 9.7.1980)

Quando partiu naquela madrugada,
Vinícius de Moraes, poeta ardente,
Deixou-nos a poesia apaixonada
De alguém que tanto amou, infindamente...

Poemas e sonetos, obra alada
Voando aos corações de toda a gente,
Que do cupido sente uma flechada
Para viver apaixonadamente...
Link
Em todos os momentos convividos
Com suas musas, escreveu os versos
Que todo sempre permanecerão...

Porque jamais hão de ser esquecidos
Estes cânticos belos e diversos
Que entoou o Poeta da Paixão !

Fontes:
Soneto enviado pelo autor
Imagem = Samba Suburbano

Efemérides Literárias de Julho


01 - Morte do escritor e jornalista Carlos Pena Filho (Carlos Souza Pena Filho), em 1960

01 - Morte do advogado, jornalista, professor, escritor e orador Antonio da Silva Jardim, Capivari de Cima (atual Silva Jardim), Nápoles, Itália, em 1891

02 - Nascimento do educador, professor, administrador e ensaísta Antônio de Arruda Carneiro Leão, em Recife, PE, em 1887

02 - Nascimento da escritora Zélia Gattai, em São Paulo, SP, em 1916

02 - Morte do poeta, jornalista e tradutor Paulo Mendes Campos, Rio de Janeiro, RJ, em 1991

03 - Nascimento do escritor José Lins do Rego Cavalcanti, Engenho Corredor, município de Pilar, Paraíba, em 1901

04 - Morte do escritor Monteiro Lobato (José Bento Monteiro Lobato), em 1948

04 - Nascimento do poeta Emílio de Menezes (Emílio Nunes Correia de Menezes), em Curitiba, PR, em 1866

05 - Fundação da Academia Taguatinguense de Letras, em 1986. Patrono da Academia: Castro Alves

05 - Nascimento do antropólogo, professor, biblioteconomista e museólogo Luiz de Castro Faria, em São João da Barra, RJ, em 1913

06 - Morte do poeta Castro Alves (Antônio Frederico de Castro Alves), em 1871

07 - Nascimento do poeta, jornalista, contista e teatrólogo Artur de Azevedo (Artur Nabantino Gonçalves Belo de Azevedo), em São Luís, MA, em 1855

09 - Nascimento do poeta Joaquim de Sousa Andrade, Vila dos Guimarães, MA, em 1833

09 - Morte do poeta, diplomata e compositor Vinicius de Moraes (Marcus Vinicius da Cruz Mello de Moraes), Rio de Janeiro, RJ, em 1980

10 - Morte do jornalista, poeta, ensaista, memorialista e folclorista Augusto Meyer, Rio de Janeiro, RJ, em 1970

11 - Nascimento de Sérgio Buarque de Holanda, em São Paulo, SP, em 1902

11 - Morte do Advogado, jornalista, poeta, ensaísta e tradutor, Guilherme de Andrade de Almeida, em São Paulo, SP, em 1969

11 - Morte de Afonso Celso (Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior) no Rio de Janeiro, RJ, em 1938

12 - Nascimento da escritora e dramaturga Edla Van Steen, Florianópolis, SC, em 1936

12 - Nascimento do jornalista, contista, novelista, romancista e ensaísta Orígenes Lessa, em Lencóis Paulista, SP, em 1903

13 - Morte do jornalista, contista, novelista, romancista e ensaísta Orígenes Lessa, no Rio de Janeiro, RJ, em 1986

16 - Morte do jornalista, escritor e acadêmico, Barbosa Lima Sobrinho (Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho), em 2000

18 - Dia do Trovador, em homenagem ao poeta carioca Gilson de Castro (que, mais tarde, adotaria o pseudônimo literário de Luiz Otávio)

18 - Morte de Gilberto Freyre (Gilberto de Mello Freyre), no Recife, PE, em 1987

22 - Nascimento do jornalista e escritor José Rodrigues Leite e Oiticica, em 1882

22 - Nascimento do sociólogo, político marxista, professor e escritor Florestan Fernandes, São Paulo, SP, em 1920

24 - Nascimento do advogado, jornalista, poeta, ensaísta e tradutor Guilherme de Andrade de Almeida, em Campinas, SP, em 1890

24 - Nascimento do filósofo, escritor anti-materialista e anti-relativista Raimundo de Farias Brito, São Benedito, CE, em 1862

25 - Dia Nacional do Escritor

26 - Nascimento do jornalista, poeta e ensaísta Cassiano Ricardo Leite, São José dos Campos, SP, em 1895

26 - Nascimento do economista, escritor, pensador e político, Celso Monteiro Furtado, em Pombal, PB, em 1920

26 - Morte do jornalista, jurista e Academico Clóvis Beviláqua, aos 84 anos, Rio de Janeiro, RJ, em 1944

28 - Nascimento do historiador Manuel Querino (Manuel Raimundo Querino), em Santo Amaro, Bahia, em 1851

29 - Nascimento do antropólogo Roberto DaMatta (Roberto Augusto DaMatta), em Niterói, RJ, em 1936

30 - Nascimento do poeta Mário Quintana (Mário de Miranda Quintana), Alegrete, RS, em 1906

30 - Morte do jornalista, escritor, folclorista e antropólogo, Luis da Câmara Cascudo, Natal, RN, em 1986

31 - Nascimento do jornalista e escritor Ignácio de Loyola Lopes Brandão, em Araraquara, SP, em 1936

31 - Morte do poeta José Basílio da Gama, em Lisboa, Portugal, em 1795

Fontes:
Amigos do Livro
Imagem = http://www.enlaescuelademabel.com/

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) V – O Telescópio


Por longo tempo lá ficaram na varanda ouvindo as histórias do céu. Dona Benta parecia um Camilo Flammarion de saia. Esse Flammarion foi um sábio francês que escreveu livros lindos e explicativos. “Quem não entender o que esse homem conta”, costumava dizer Dona Benta, “é melhor que desista de tudo. Seus livros são poemas de sabedoria, claríssimos como água.”

Quem mais se interessou por aqueles estudos foi Pedrinho. Sonhou a noite inteira com astros e no dia seguinte pulou da cama com uma idéia na cabeça: construir um telescópio! “Que é, afinal de contas, um telescópio?”, refletiu ele. “Um canudo com uns tantos vidros de aumento dentro. Esses vidros aumentam o tamanho dos astros, de modo que eles parecem ficar mais próximos — foi como disse vovó.”

E logo depois do café da manhã tratou de construir um telescópio. Canudos havia no mato em quantidade — nas moitas de taquara; e vidros de aumento havia no binóculo da vovó. Pedrinho serrou os canudos necessários, de grossuras bem calculadas, de modo que uns se encaixassem nos outros, colocou lá dentro as lentes do binóculo de Dona Benta e fez uma armação de pau onde aquilo pudesse ser manobrado com facilidade, ora apontando para este lado, ora para aquele.

Enquanto ia construindo o telescópio, dava aos outros, reunidos em redor dele, amostras da sua ciência.

— O telescópio saiu da luneta astronômica inventada por aquele italiano antigo, o tal Galileu. Um danado! Inventou também o termômetro e mais coisas.

— Mas telescópio é invenção que até eu invento — disse Emília. — É só cortar canudos de taquara e grudar uns monóculos dentro...

Pedrinho ia respondendo sem interromper o serviço.

— Parece fácil, e é fácil hoje que a coisa já está sabida. Mas o mundo passou milhões de anos sem conhecer este meio tão simples de ver ao longe, até que Galileu o inventou. Também para tomar a temperatura das coisas nada mais simples do que fazer um termômetro — um pouco de mercúrio dentro dum tubinho de vidro, mas foi preciso que Galileu o inventasse. Tudo na vida são “ovos de Colombo”.

Depois de pronto o telescópio, houve discussão quanto ao astro que veriam primeiro.

— Eu acho que o primeiro tem que ser o Sol, que é o pai de todos — disse Narizinho.

— E eu acho que deve ser a Grande Ursa, porque é um bicho raro — propôs Emília.

Pedrinho riu-se com superioridade.

— A Grande Ursa não pode, boba, porque fica nos céus do norte. Estes céus aqui são os céus do sul. E o senhor que acha, Doutor Livingstone? — perguntou ele ao Visconde.

O Doutor Livingstone respondeu batendo na bibliazinha.

— Deus fez por último as estrelas, como diz aqui o Gênesis, mas Cristo disse que os últimos serão os primeiros. Logo, temos de começar pelas estrelas.

Todos se admiraram daquela sabedoria, mas Pedrinho não se contentou. Quis também consultar Tia Nastácia lá na cozinha.

— E você, Tia Nastácia, que acha? — perguntou-lhe.

A negra, que acabava de matar um frango, foi de opinião que o bonito seria começar pela Lua, “onde São Jorge vive toda a vida matando um dragão com sua lança!”

A idéia foi recebida com palmas e berros.

— O dragão! O dragão! Viva São Jorge!... — exclamaram todos — e a lembrança de Tia Nastácia foi vencedora. Uma linda lua cheia estava empalamando no céu. Pedrinho apontou para ela o telescópio. Espiou e nada viu. Emília, porém, viu coisas tremendas.

— Estou vendo, sim! — gritou ela. — Estou vendo um dragão verde, tal qual lagarto, com uma língua vermelha de fora. Língua de ponta de flecha. São Jorge, a cavalo, está espetando a lança no pescoço do coitado...

— Será possível? — exclamou Pedrinho, afastando-a do telescópio para espiar de novo — mas continuou a não ver nada.

— Você está sonhando, Emília. Não se vê nem a Lua, quanto mais o dragão.

— Pois eu vejo tudo com o maior “perfeiçume” — insistiu Emília voltando ao telescópio. — Um dragão de escamas... Com unhas afiadas... Um rabo comprido dando duas voltas.

Os meninos entreolharam-se. Verdade ou mentira? A boneca tinha fama de possuir uns olhos verdadeiramente mágicos — mas quem podia jurar sobre o que ela afirmava? A ânsia de ver coisas, porém, era maior que a dúvida, de modo que resolveram aceitar como verdade as afirmações da Emília e nomeá-la a “olhadeira do telescópio”. Ela que fosse vendo tudo e contando aos outros.

Emília começou. Depois de enumerar todas as coisas que viu na Lua, apontou o telescópio para uma estrela qualquer.

— Xi — exclamou fazendo cara de espanto. — Como é peluda!... E tem dois ursinhos ao colo... Está brincando com um de cara preta... Agora franziu a testa... Parece que percebeu que estamos apontando para lá... Com certeza pensa que este telescópio é espingarda... A Grande Ursa é enormíssima...

— A Grande Ursa não é estrela daqui, Emília. Vovó já disse. Você está nos bobeando — gritou Pedrinho meio zangado.

Mas Emília continuou a ver coisas e a insistir que era realmente uma estrela Ursa. “Com certeza cansou-se dos gelos polares e chegou cá a estes céus do sul para esquentar o corpo...”

Pedrinho deu-lhe um peteleco.
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Continua … VI – Viagem ao Céu
–––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa