segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 318)


Uma Trova Nacional

Após busca pertinaz,
descobri, um dia, a esmo:
– Só hei de encontrar a paz
na renúncia de mim mesmo!
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP–

Uma Trova Potiguar

De beijar-te tenho ânsia,
pois vivemos separados...
"o beijo é a menor distância
entre dois apaixonados".
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Ribeirão Preto/SP
Tema: UNIVERSO - 5º Lugar.

Meu Peito que é só pedaço,
na dor cruel que o invade,
não sabe onde arruma espaço
“pra” colocar mais saudade!
-MANOEL NAHAS NETO/SP-

Uma Trova de Ademar

Entre sonos e cochilos,
numa deslumbrante rota,
meus sonhos voam tranquilos
nas asas de uma gaivota...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Quem parte devagarinho,
mas vai de rumo traçado,
ao começar seu caminho,
tem meio caminho andado.
–WALDIR NEVES/RJ–

Simplesmente Poesia

Acróstico...
–JOÃO BATISTA XAVIER/SP–

Amanhecer com seus versos na tela
Devaneio nas cores da paisagem;
Enalteço o arrebol que na passagem
Mistura os brilhos em linda aquarela.
Aurora potiguar, a luz mais bela,
Resplandecendo em bênçãos sua imagem.

Manhãs floridas na semana inteira:
Alento que balsama nossa lida;
Convite e busca à alegria perdida
Exalando os aromas da roseira.
Desperta a cadência em rima fagueira
O Poeta do Amanhecer à vida!!!

Estrofe do Dia

Seu poema é como a foz
dos sentimentos escritos,
por isso são mais bonitos
do que sua própria voz,
só não canta como nós
mas se quisesse podia,
o verso é Deus quem lhe envia
como o mar manda a maré;
patativa do Assaré,
gênio imortal da poesia.
NONATO COSTA/CE–

Soneto do Dia

O Que é a Vida.
–CLARISSE BARATA SANCHES/PT–

A Vida é uma pluma espaço fora…
Uma nuvem no Céu a deslizar;
Primavera vestida de Luar,
Aurora que deslumbra e não demora!

A Vida é uma luz de tempo e hora,
Uma ilusão que dura até chegar
Ao Átrio de Amor, sonhado Lar,
Onde termina a mágoa de quem chora!

A Vida é um abrir e fechar de olhos…
Um barco a navegar em mar de abrolhos
Para ancorar na Terra da Verdade!

A Vida é uma graça de momento;
Um perfume de rosa em movimento:
- Segredo a desvendar na Eternidade!..

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Esio Antonio Pezzato (Antologia Poética)


COLCHA DE RETALHO

A minha velha colcha de retalho,
Feita por minha Mãe, na minha infância,
(Tempo este já perdido na distância...)
Hoje, ainda, me serve de agasalho...

Altas noites friorentas, e eu, em ânsia,
Busco-a e me cubro – feito um espantalho –
E a ela coberto lembro-me o trabalho
Que teve minha Mãe em longa estância...

Muito mais que meu corpo, ela me aquece
O coração, que bate como prece
E mais parece guizo de um chocalho...

Não quero, não, uma coberta nova,
Do amor de minha Mãe – é eterna prova,
A minha velha colcha de retalho!
22.09.2001

EXORTAÇÃO

Canta, Poeta, os versos que fabricas
Como as águas correntes, junto ás bicas
Que correm cristalinas, pelo mato;
Canta em versos perfeitos e sonoros
A inspiração que brota de teus poros
Tirando da beleza todo o extrato!

Canta, Poeta, o amor justo e perfeito,
A sinfonia que exacerba o peito
Em alvorada multicolorida;
Canta a Graça, a Ternura, a áurea Esperança,
Canta o Amor, canta a Paz, canta a Bonança,
Canta toda a Beleza que há na vida!

Canta, Poeta, às luzes da alvorada,
O que te deixa de alma apaixonada
Num sorriso fremente, num sorriso
Que contém dentre as armas – mais poderes,
O que traz sonhos a milhões de seres
Que almejam alcançar o paraíso!

Canta, Poeta, em versos benfazejos,
Os soluços de amor dos sertanejos
Dedilhando, na tarde, uma viola;
Canta toadas com a simplicidade
De quem sabe encontrar felicidade
E de quem, entre afagos, se consola!

Canta, Poeta, em qualquer tempo, canta!
Pois tuas rimas servem-nos de manta
Tuas estrofes são nossos escudos;
Enquanto em versos soltas tua Lira,
Em nossos corações acende a pira
E a tua voz – permanecemos mudos!
14.10.1998
SEXTILHAS SOBRE O CORVO

Cada vez mais de Poe, o negro corvo,
Na minha vida anda causando estorvo
A guturar seus versos sepulcrais...
É que seu negro, atro e nefasto grito,
– Eco de sombra a ungir todo o Infinito! –
Em minh’alma crocita:– nunca mais!

Este grito de morte me atordoa,
No mais fundo de mim, lúgubre soa,
Como o verso da morte que me vem
E arrepiam-me peles e cabelos,
Iguais horripilantes pesadelos
Que caminho, na noite, sem ninguém.

A noite fere em luz pingos de estrelas,
Eu – solitariamente andando pelas
Noites de horror que estão dentro de mim,
Avisto em meio aos trôpegos destroços,
Um punhado de brancos, podres ossos,
Das vidas todas que tiveram fim.

Alem, perdida num moirão da estrada,
Eis a ave negra e funeral, pousada
Alertando meus rumos a seguir:
Armadilhas estão em cada canto,
– Fico parado, pálido de espanto,
Talvez pelo final de meu porvir!

Perscruto o olhar de lince... Calmamente
A passos lerdos vou pisando em frente
E o corvo fica a me seguir no olhar.
Está dentro de mim um denso medo!
Mas vou a desvendar este segredo
Embora sinta enorme falta de ar.

Os passos alardeiam-me a presença,
E o corvo negramente, em sua crença,
Repete-me seus ecos guturais.
É noite. Vou perdido no caminho,
E ao desespero deste andar sozinho
É o corvo crocitando:– nunca mais! –

15.11.1997

PESCADOR

(para meu filho Esio, pescador convicto)

O pescador passa as horas
Sentando á beira do rio

O sol corre o espaço aberto
E o pescador distraído
Sentando á beira do rio
Não vê o tempo passar

Tranqüilo calmo em seu mundo
As horas lerdas se arrastam

E dentro de seu silêncio
No lento arrastar das horas
O pescador pensativo
Brinca ao silêncio do tempo

Na água lerda da corrente
Navega a sua ilusão

A brisa mansa e serena
Cheia de sonhos repisa
Momentos e horas passadas
Em cardumes de esperanças

Escamas brilham em lua
Com os braços do pescador

O denso suor escorre
Pelos caminhos vincados
Das faces contemplativas
Tentando a luta vencer

O samburá prende sonhos
Dourados jaús pintados

Mas a vida provisória
Da cadeia de bambu
Prolonga a hora da morte
Para o instante da partida

Silêncio pede silêncio
Quando retesam-se as linhas

Formando um longo trapézio
Entre as mãos os pés e a água
O reflexo mais parece
Um triângulo escaleno

Equilibra-se na angústia
Do percebido e não visto

A luta submersa trava-se
Com a vontade infinita
De vencer a vida aquática
Com anzóis de aço e de fisgas

Luta – fieira de silêncio
Para a vitória do nada

Mas o pescador bem sabe
Que além da aquática luta
Há o caminho para a casa
E á vida – maior disputa

14.10.1998

BALADA INSPIRADA

Há na minh’alma a inspiração
De oferecer a ti, amada,
Aos sons do amor, uma canção,
Para mostrar que – apaixonada,
Ela anda em plena madrugada
A repetir este refrão:
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

Por isso, em plena comoção,
Dentro da noite enluarada,
Vou aos teus pés – com devoção,
Oferecer-te esta balada.
És minha Musa, és minha Fada,
Hino de vida e de razão.
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

Ardo de amor como o verão
Que deixa a vida incendiada.
E vivo sempre na estação
Que a vida faz iluminada.
Contemplo em luzes a alvorada
Que traz-me o sol com explosão.
– Sem ti, querida, não sou nada
E a vida é apenas ilusão.

OFERTA


És minha fruta açucarada!
Provo-te o sumo em emoção!
– Sem ti, querida, não sou nada,
E a vida é apenas ilusão!

14.08.2002

CONSIDERAÇÕES

Minha poesia já não traz o encanto
Da passada e esmaecida mocidade.
Hoje é tangida em cordas da saudade
E é sem sonoridade este meu canto.

Poucos anos separam o passado
Deste presente insípido e tristonho.
O porvir não me traz ridente sonho
E fica em pesadelo transformado.

A primavera vai perdendo as flores
E o verão antecipa a cor do outono.
As folhas vão rolando no abandono
E o inverno se transmuda em frias cores.

A exclamação do corpo belo e altivo,
Numa interrogação atroz se tange.
A costa arqueada lembra um frio alfanje,
Das intempéries fica-se cativo.

Tudo é veloz de mais... a loura aurora
Alcança o sol a pino e traz a arde...
O fogo do desejo já não arde
E o que era doce e lindo... vai-se embora...

O entardecer de dúvidas se fere,
O olhar se torna baço e se enevoa...
E a silenciosa sombra sempre soa
Num ritual de triste miserere...
13.11.2000

DESESPERANÇA

Pelas sombras, nas trevas, solitário,
Coração perambula no caminho,
Na tortura de sempre estar sozinho
Lembra Alguém que seguiu atroz calvário.

Como é triste, Senhor, o itinerário
De quem, na vida, já não tem carinho.
Ave que foi expulsa de seu ninho
Já não tem mais encantos de canário...

Mudo e tristonho vou, sem esperanças,
Carregando farrapos de mil sonhos
Pelos ermos perdidos das lembranças...

O outrora céu azul da mocidade
Hoje contém relâmpagos medonhos
E anuncia terrível tempestade...

23.10.2000

CANTO NOTURNO
(1982)

Em pleno dia o Pássaro da Noite
Cortou, felino, a tua trajetória:
E calou tua voz
E levou teu sorriso
Também tua esperança
Longe de todos nós.
– Teus sonhos de criança
Anseios de mulher,
Projetos do futuro
Lembranças do passado;
– Está tudo acabado.

A morte veio e entrou na tua vida
Deixando em todos nós, uma saudade:
Saudade dos teus cantos
E da agressividade
Junto às canções de brasa
Que soubeste cantar:
Ódio, raiva, delírio,
Amor, fogo, paixão,
Desespero inflamado
No ato da louvação
Ao cantar o passado.

Anjos cheirando a cocaína e álcool
Desmoronaram o teu corpo físico,
E a dor da morte paira
No tédio da saudade,
No palco do Teatro,
No pranto de um amigo,
Que agora, a recordas,
Lembra do paraíso
Na voz do teu sorriso
Que era maior que o mar.

Basta de soluções e mil hipóteses
Para sair da Noite a tua morte.
Melhor será lembrar-te
No palco cintilante,
Porque tudo na vida

Brilha a falsa brilhante,
E a transversal do Tempo
Não tem curva ou retorno,
E a história tão-somente
Seguindo a longa estrada,
Jamais e esquecerá.
Basta de conjecturas, pois as tramas,
Ficarão, para sempre, no segredo:
Fatos – serão passados,
Fotos – serão guardadas;
E os cantos, na magia
De tua voz perfeita,
Agradarão ouvidos
Num poema feliz
E todos, ao ouvi-los,
Relembrarão saudosos:
– Esta voz é da Elis!

25.01.1982

Fonte:
Esio Antonio Pezzato. Colcha de Retalhos. 2002.

domingo, 28 de agosto de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 5


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 317)


Uma Trova Nacional
Uma Trova Potiguar

Se todos fossem honestos,
ninguém veria, na praça,
mendigos comendo restos
do pão que a miséria amassa!
–CLARINDO BATISTA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - ATRN-Natal/RN
Tema: MOTIVOS ECOLÓGICOS - 8º Lugar

Na angústia das mais estranhas,
estão chorando as cascatas:
são murmúrio das montanhas
refletindo a dor das matas.
–CLÁUDIO DE CÁPUA/SP–

Uma Trova de Ademar

Mesmo na terceira idade
busco fontes de prazer;
amemos pois, de verdade...
Não há mais tempo a perder!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Dizem que, dos tempos idos
no pelourinho da praça,
ainda se escutam gemidos
de torturas de uma raça...
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

Ontem...
–MANOEL RODRIGUES DE LIMA/SP–

Ontem não haveria sol
conforme anunciara o homem do tempo.
Não haveria chuva,
não haveria vento.
O que haveria em mim era a solidão.

Ontem não haveria risos,
conforme anunciara os velhos palhaços.
Não haveria alegria.
Haveria sim, mil pedaços,
desse meu sofrido e pobre coração.

Ontem não haveria cantos,
conforme anunciara a própria natureza.
Não haveria revoadas.
Haveria sim, tristeza
demonstrada em minha desilusão.

Ontem não haveria festa,
conforme anunciara o meu interior.
Haveria pranto,
haveria dor.
Haveria o silencio dentro de mim.

Estrofe do Dia

Olho os mares, os vejo revoltados
quando o vento fugaz transtorna as brumas
e as ondas raivosas lançam espumas
construindo castelos encantados,
as sereias se ausentam dos pecados
que nodoam as almas dos humanos
e tiram notas das cordas dos pianos
que o bom Deus ocultou nos verdes mares,
e gorjeiam gravando seus cantares
na paisagem abismal dos oceanos.
–DINIZ VITORINO/PB–

Soneto do Dia

Sobre as Ondas
–MARIO BARRETO FRANÇA/PE–

Era noite. O alto mar se enfurecia...
Para o barco veloz que à morte avança,
não restava uma simples esperança
de incólume rever a luz do dia...

Entre as brumas, porém, da noite fria
aparece uma sombra, calma e mansa...
Era um fantasma? – Não! – era a bonança
que em Jesus, como bênção, se anuncia.

Inda hoje o mar do mundo se encapela;
e, no barco da vida, já sem vela,
não nos resta sequer uma ilusão...

Mas – Senhor! – sobre as ondas revoltadas,
volta a trazer às almas torturadas
o consolo da tua salvação!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Nilto Maciel (Duzentos Livros Indispensáveis…)


Will Durant – filósofo, historiador, escritor americano – fez, há muitos anos, uma lista dos cem livros que ninguém, culto, poderia deixar de ter lido. Mas o rol me pareceu, de imediato, muito sujeito ao lugar e à época em que nasceu e viveu seu autor, donde deduzi que uma relação minha teria de ser em grande parte diferente da dele. E aqui está ela, a pedido do poeta de Ilhéus, Fabrício Brandão, claro que sujeita às minhas limitações. Uma delas foi a de que não consegui levantar cem, mas duzentas obras sem as quais não poderíamos nos dar por satisfeitos.

Pra começo de conversa: que obras teríamos em comum com o mundo de Durant? 1) a Bíblia, como base da cultura religiosa de nossos povos; 2) a Ilíada e 3) a Odisseia, clássicos do grego Homero, fonte primeira de toda a visão do mundo ocidental. Aí teríamos de incluir em nossas leituras, pelo menos uma peça de cada autor da grande tríade do teatro helênico: o Prometeu Acorrentado, de Ésquilo (4); o Édipo Rei, de Sófocles (5); e Medeia, de Eurípedes (6), para não falar de todas outras grandes tragédias, além de comédias do ciclo. A História, de Heródoto (7), é obrigatória por estabelecer os fundamentos da ciência que estuda a passagem do Homem pelo tempo e pelo espaço. E seria terrível deixar a Grécia de lado, agora, sem conhecermos pelo menos um livro de cada um de seus dois maiores filósofos, como A República, de Platão(8), e a Política, de Aristóteles (9), com grande esforço meu pra omitir outras obras dessas duas sumidades, como O Banquete, do primeiro e a Poética, do segundo.
Do Império Romano não se sai sem passar pela Eneida (10) de Virgílio, pela Guerra das Gálias (11) de Júlio César, pelo Asno de Ouro (12) de Apuleio, por um dos muitos volumes das Vidas Paralelas, de Plutarco - a exemplo do César e Alexandre (13) -, além da comédia Anfitrião (14) de Plauto, As Catilinárias (15) de Cícero, As Odes (16) de Horácio, A Arte de Amar (17) de Ovídio, a História (18) de Tito Lívio, e A Vida dos Doze Césares (19) de Suetônio.

Com isso já temos muito de nossa base estabelecida.

Aí podemos saltar para As Confissões (20) de Santo Agostinho, a Suma Teológica (21) de Tomás de Aquino, o Leviatã (22) de Hobbes, o Discurso sobre o Método (23) de Descartes, a Ética (24) de Spínoza. Por outro lado, seria uma lacuna de grande porte desconhecermos o Príncipe (25) de Maquiavel e o Elogio da Loucura (26) de Erasmo de Roterdã. E, é claro, temos de dar uma parada em Shakespeare. Seria impossível limitarmo-nos a apenas uma das 36 peças, dele. Hamlet (27)? Muito bem. Mas não dá pra passar por cima de Rei Lear (28), de Macbeth (29), Júlio César (3o), Henrique V (31) e Romeu e Julieta (32)... pelo menos. Fora da Inglaterra, não se pode omitir, jamais, a Divina Comédia (33) do italiano Dante, o Fausto (34), do alemão Goethe, A Vida é Sonho (35) e o Don Quixote (36), dos espanhóis Calderón de La Barca e Cervantes, além de Os Lusíadas (37), do português Camões.

Há uma série de filósofos – Locke, Berkeley, Hume, Diderot, Rousseau, Fichte, Schelling, – importantíssimos, claro, mas cujas ideias uma boa História da Filosofia Ocidental, como a de Bertrand Russell (38), pode resumir, situar e interpretar melhor do que nós. Sem falar que essa História lhe entregará bastante simplificado o pensamento de outras figuras essenciais mas bastante complexas, como Kant, Hegel e Heidegger. É indispensável, também, uma boa História da Arte (39 ) como as de Sheldon Cheney, Élie Faure, W. H. Janson ou Gombrich. Para atualizá-la, é necessária a colossal Arte Moderna, de Giulio Carlo Argan (40), e a Arte Contemporânea (41) de Klaus Honnef. Para penetrar nos mecanismos da pintura, nada melhor do que Universos da Arte (42), de Fayga Ostrower. Não se pode esquecer, nesse levantamento, a importância da fotografia, conforme se pode ver no Icons of Photography (the 20th) century (43) da editora Prestel.

Há outros nomes que não podem ser passados às pressas. Descartes com seu Dicionário Filosófico (44), Schopenhauer com seu O Mundo como Vontade e Representação (45), Marx com O Capital (46), Nietzsche com seu Assim Falava Zaratustra (47), Bergson com seu Evolução Criadora (48).

Paralelamente, você tem que conhecer a Teoria da Evolução com A Origem das Espécies (49) de Darwin, tem de entender o liberalismo clássico na economia com o Riqueza das Nações, de Adam Smith (50), repassar a história da economia até os anos 70, com A Era da Incerteza (51) de John Kenneth Galbraith, e a História do século XX, com A Era dos Extremos (52) de Eric Hobsbawm.

Freud não pode ser descartado, claro. A Interpretação dos Sonhos (53) é uma obra fundamental. Também Psicopatologia da Vida Cotidiana (54), como todos os outros livros do Pai da Psicanálise. De seu discípulo - depois dissidente - Jung, temos Tipos Psicológicos (55) e O Eu e o Inconsciente (56). Importantíssimo, também, o livro organizado por ele, O Homem e seus Símbolos (57).

A Rússia do século XIX nos deixou uma literatura poderosa. Aí temos as obras de Tólstoi, principalmente Guerra e Paz (58) e Ana Kariênina (59); as de Dostoiévsky, com destaque para Irmãos Karamazov (60) e Crime e Castigo (61); o teatro (62) e os contos (63) de Tchécov; o Capote (64) de Gogol, e A Mãe (65) de Górki. A Rússia do século XX produziu Dr. Jivago (66) de Pasternak, O Arquipélago Gulag (67) e O Pavilhão dos Cancerosos (68) de Soljenitsin, o 150.000.000 (69) do poeta Maiakóvski. Pra entender a Revolução de 1917, são indispensáveis a densa História da Revolução Russa (70) de Trótsky, e Dez Dias que Abalaram o Mundo (71) de John Reed.

Marcante, no século XX, foi o poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht, com seus Poemas (72) e inúmeras peças, como Galileu Galilei (73), Mãe Coragem (74), Os Fuzis da Senhora Carrar (75), Terror e Miséria no Terceiro Reich (76) e muitas outras. Alemão notável, também, foi Hermann Hesse, pelos romances Demian (77), O Lobo da Estepe (78) e O Jogo das Contas de Vidro (79). Thomas Mann marcou também forte presença com Buddenbrock (80), A Montanha Mágica (81), Morte em Veneza (82) e Doutor Faustus (83).

A França tem uma infinidade de nomes significativos, como Corneille, Racine, Molière, Montaigne, Rabelais, Ronsard, Montesquieu, Verlaine e Mallarmé, mas podemos nos ater a romances como Os Miseráveis (84) de Victor Hugo, O Germinal ( 85), de Zola, Os Três Mosqueteiros (86) de Dumas, O Vermelho e o Negro (87) de Stendhal e Madame Bovary (88) de Flaubert. Balzac tem uma obra romanesca imensa, englobada sob o título geral de A Comédia Humana, mas podemos destacar dela os romances Ilusões Perdidas (89), A Mulher de Trinta Anos (90), Pai Goriot (91) e Eugênia Grandet (92). Ah, claro, não podemos eliminar os grandes poetas Baudelaire, com Flores do Mal (93), e Rimbaud, com Uma Temporada no Inferno (94). No século XX, marcaram presença Proust, com os sete volumes do Em Busca do Tempo Perdido (95), Camus , com os romances O Estrangeiro (96) e A Peste (97), mais a bela peça teatral Calígula (98); Sartre, com suas obras filosóficas - que, como as de Camus e Wittgenstein, prefiro ver resumidas e analisadas por Bryan Magee, por exemplo, em sua História da Filosofia (99) – Sartre tem como suas mais notáveis criações seu romance A Náusea (99), seu livro de contos O Muro (100), além das peças A Prostituta Respeitosa (101) e Mortos sem Sepultura (102).

A Itália vem de longe com o Decameron de Boccaccio(103), o Orlando Furioso (104) de Ariosto, o Jerusalém Libertada (105) de Tasso, e chega ao século XIX e XX com a peça Seis Personagens em busca de um Autor, de Pirandello(106), além dos romances O Conformista ( 107) de Moravia e O Leopardo (108) de Lampedusa.

Da velha Inglaterra destacam-se Ivanhoé (109) de Walter Scott; Orgulho e Preconceito (110) de Jane Austen; Jane Eyre (111) de Charlotte Brontë, e O Morro dos Ventos Uivantes (112) de Emily Brontë. Computem-se aí, ainda, A Ilha do Tesouro (113) e Dr. Jeckyll e Mr. Hyde (114), de Robert Louis Stevenson.

Como pude me esquecer do francês Júlio Verne e de sua prole inumerável de sucessos, entre os quais Vinte Mil Léguas Submarinas (115), Miguel Strogoff (116), A Volta ao Mundo em Oitenta Dias (117), Da Terra à Lua (118) e Viagem ao Centro da Terra (119)? E do inglês George Bernard Shaw, com suas peças teatrais Santa Joana (120) e Pigmalião (121)? E do também inglês Oscar Wilde, com seu romance O Retrato de Dorian Gray (122) e peças como Salomé (123) e A Importância de se chamar Ernesto (124)? E da também inglesa Virginia Woolf, com seus belos romances Orlando (125) e Mrs Dalloway (126)? E de Anthony Burgess com seus romances Laranja Mecânica (127) e Sinfonia Napoleão (128)?

Dos Estados Unidos vêm, enormes, o Folhas de Relva (129) de Walt Whitman, o romance de James Fenimore Cooper – O Último dos Moicanos (130), os Poemas (131) de Edgar Allan Poe (incluindo o famosíssimo O Corvo), bem como seus Contos (132), entre os quais se incluem O Poço e o Pêndulo, Os crimes da rua Morgue, e A Queda da Casa de Usher. Há Mark Twain, com seus fabulosos Tom Sawyer (133) e Huckleberry Finn (134). Há Melville, com Moby Dick (135). Há Theodore Dreiser e seu romance Uma Tragédia Americana (136), e Steinbeck com As Vinhas da Ira (137). E Eliot com a poesia intensa de Terra Devastada (138).

Hemingway tem pelo menos quatro obras-primas indispensáveis: Adeus às Armas (139), Por Quem os Sinos Dobram (140), O Velho e o Mar (141) e O Sol Também se Levanta (142). Como se não bastasse, Faulkner criou Enquanto Agonizo (143), O Som e a Fúria (144), Luz em Agosto (145), etc, etc.

Não se pode omitir, também, Lorca, na Espanha, com suas peças densas – Bodas de Sangue (146), A Casa de Bernarda Alba (147) e Yerma (148), sem falar da Antologia Poética (149), envolvendo poemas como Romancero Gitano, Ode a Walt Whitman, Poema del Cante Jondo, etc, etc.

E o inglês Aldous Huxley, com seus romances Contraponto (149) e Admirável Mundo Novo (150)?

E o francês Teilhard de Chardin, com seu profético O Fenômeno Humano (151)? E temos Einstein, com seu Como vejo o Mundo (152). Temos o irlandês James Joyce com seu monumental Ulisses (153), seus maravilhosos Dublinenses (154) e Retrato do Artista enquanto Jovem (155). Já nem me atrevo a falar do Finnegans Wake... porque esse romance nunca esteve, está ou estará ao meu alcance.

E há o argentino José Hernández, com seu poema clássico Martin Fierro (152); e o chileno Pablo Neruda, com seu Canto Geral (153) e seus Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada (154); e o argentino Jorge Luís Borges, com seus livros de contos – Ficções (155), Aleph (156), O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam (157) , além de sua fantástica Obra Poética (158).

E há Cortázar, com seus romances Jogo da Amarelinha (159), Os Prêmios (160) e Livro de Emanuel (161), mais os livros de contos Bestiário (162), Final de Jogo (163), Todos os Fogos o Fogo (164), A Volta ao Dia em Oitenta Mundos (165), Octaedro (166), Queremos tanto a Glenda (167).

Claro: temos o Gabriel García Marquez, lá da Colômbia, com Cem Anos de Solidão (168), considerado por Eric Hobsbawm, na supramencionada A Era dos Extremos, como o último romance de consenso universal.

Resta-nos o Brasil. Aqui temos, indispensáveis, o Casa Grande & Senzala (169) de Gilberto Freire; Raízes do Brasil (170), de Sérgio Buarque que Holanda; Macunaíma (171) e Pauliceia Desvairada (172), de Mário de Andrade; Oito Anos de Nassau no Brasil (173), de Gustavo Barleus; a História do Brasil (174) de Frei Vicente do Salvador; O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade na Restauração de Pernambuco (175), de Frei Manuel Calado; Os Sermões (176) do Padre Vieira; Geografia da Fome (177), de Josué de Castro; Os Sertões (178) de Euclides da Cunha; o Grande Sertão:Veredas (179) do Guimarães Rosa; o Vidas Secas (180), do Graciliano Ramos; Fogo Morto (181) e Menino de Engenho (182) de José Lins do Rego. E ainda há o Eu (183) do Augusto dos Anjos. Morte e Vida Severina (184) de João Cabral de Melo Neto. Que País é Este? (185), de Affonso Romano de Sant´Anna. Poema Sujo ( 186), de Ferreira Gullar.
Há o Estrelas de Couro – A Estética do Cangaço, de Frederico Pernambucano de Mello (187). Formação Econômica do Brasil (188), de Celso Furtado. O Dilema da América Latina (189), de Darcy Ribeiro.

Ia me esquecendo de As Veias Abertas da América Latina (190), de Eduardo Galeano! Claro, nenhum brasileiro pode deixar de ler alguns romances de Machado de Assis, como Memórias Póstumas de Brás Cubas (191) e Dom Casmurro (192). Nem os Poemas (193) de Castro Alves, em que se incluem o Navio Negreiro e Espumas Flutuantes. Nem os Poemas (193) de Manuel Bandeira. Nem os Poemas (194) de Carlos Drummond, em que se incluem José, Claro Enigma e Rosa do Povo. Ariano Suassuna, claro, comparece com A Pedra do Reino (195) e O Auto da Compadecida (196).

O teatro brasileiro tem no Vestido de Noiva ( 197), do Nelson Rodrigues, sem dúvida, um divisor de águas para a modernidade. E a educação tem na Pedagogia do Oprimido (198), do Paulo Freire, uma saída que a ditadura desestruturou. Chatô, o Rei do Brasil (199), de Fernando Morais, retrata com fidelidade um personagem paraibano que revolucionou o país.

Ah: e as Poesias (200) de Fernando Pessoa, pra fechar a relação com chave de ouro!
Claro que ao rememorar todas essas obras de um jato só, sem me dar tempo de correções ou inclusões, devo ter cometido omissões imperdoáveis. Ah, faltaram os portugueses Eça de Queiroz, Camilo de Castelo Branco, Saramago, Florbela Espanca; faltaram os brasileiros José J. Veiga, Antonio Torres, Érico Veríssimo, Ubaldo Ribeiro, ... e Jorge Amado, caramba! O paraibano Paulo Pontes!!!
Chega!

Fonte:
Nilto Maciel

Caldeirão Poético do Goiás I


Aidenor Aires
A ESPERA

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
meu rosto espera pronto
os dentes do teu arado.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
minhas mãos assistiram,
quais raízes,
a morte azul
das flores e dos ventos.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
antes que alguém
vibre na noite
gemidos de Chopin,
vem.

Tu, que hás de vir um dia,
o céu de maio é doloroso e belo,
as flores começam a morrer.

Vem, antes que o Scherzo
da agonia vibre
o amaríssimo clamor
dos seus acordes
e eu queira vida.

Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?

É maio,
é belo o dia.

Aidenor Aires
PRESENÇA

Ter que ficar aqui
no meio da rua testemunhando a vida
quando todas as ruas estão mortas.

Vir para o meio do mundo
e dizer do alto das escadas
que a poesia é triste
e que a vida é feita de estradas.

Vir para o meio do mundo
quando já não cabe no mundo
a chave da sua porta.

Alberto Vilela Chaer
CAFÉ

mil anos depois

a porcelana
toca teus lábios

é lá
onde vou buscar
a nova especiaria

ferver
os grãos mais nativos
na infusão de teu vestido

revelar uma Gazela
te levar embora para a Abissínia

lá sou amigo das cabras
vou coar o oriente
pelos teus poros
teu brilho perderá o sono

Bandeira passou perto

Abissínia fica depois de Pasárgada

Alberto Vilela Chaer
SANDÁLIAS

sejam as pedras
portuguesas
de São Tomé
ou de Pirenópolis

todas as calçadas
cochicham
os teus passos

aprendi com elas
a escutar os sussurros
das tuas pernas

para abafar
a espera acústica
desta alma mascate
um coração estendido
tapete persa
mosaicos do descompasso

teus pés sempre estarão nus
nas cerâmicas
das minhas mãos frias

os ladrilhos
se esta rua
se esta rua fosse minha

Alexandre Bonafim
QUARESMEIRAS

Por entre as paredes
da memória
desenhado a giz
um menino teima
em brincar
com as sombras
do silêncio.

Quaresmeiras
latejantes de cor
também insistem
em fincar raízes
no que se perdeu.
ao adentrares a brancura
dessa página
folhas e húmus
hão de enredar
o teu nome
o teu passado.

A brancura desse poema
há de mergulhar
a tua voz
nas origens
de todo
esquecimento.

Por entre os muros
da palavra
uma criança teima
em desenhar
na existência
um rosto de chuva
para sempre iluminado.

Alexandre Bonafim
O PAVÃO

As penas do pavão
guardam as entranhas
da luz
as raízes da água.
Olhos do inominado
pupilas do silêncio
as penas do pavão
desvelam a lua
na arquitetura
do arco-íris.
E tudo se silencia
tudo se cala
ante a fulguração
do mistério:
a estranheza
o susto
toda a perplexidade
se petrificam
ante a cintilação
do real.
Aos pés
daquela esfinge
tombam perguntas
ocas
ecos de ecos
sem voz.
As penas do pavão
abrem o ministério
como um leque
de brisas insanas.

Alice Spíndola
SEMPRE BUSCANDO A CANÇÃO ESQUECIDA

No frêmito da ventura,
a fuga e o retorno da imagem
do pequeno barco.
Imagem — fonte e oráculo —
mergulhada na insularidade
do mar de gestos e de palavras.

Com a alma seqüestrada
pela beleza do rio
e pelo rumor de suas águas,
o menino procura a canção esquecida.

Menino parisiense voga nas milhas do sol.

Alice Spíndola
A CHAVE

No meio da noite, configura
a fragrância das palavras mágicas
Na chave da noite, a ternura,
pluma que verte enigmas

Nas mãos do tempo,
o arado que rasga os mistérios
do sentimento que define
O homem da meia noite,

em seu caminho de volta
que faz

ao adentrar a meia lua
das unhas dos enigmas.
A mão da noite destrava a chave
da fragrância das palavras mágicas

Angélica Torres Lima
DE LOBOS E ANJOS II

O que é que eu faço, Anjo?
Quer que eu corra, que eu dance
que eu morra? que me levante
e cante uma ode à insõnia?

Não vê que o crepúsculo
já faz muito se desfez?
Que a lua é selada
em céu negro-martírio?

E não guarda o meu sono
nem me faz companhia,
Cruel, que só me inspira
elegias!

Angélica Torres Lima
TRILHAS PARA O ALTAR

Face de maçã trincada na manhã de louça.
Lâminas de agulhas negras fatiam
o altiplano azul no sonho das cabeças

A pedra engastada em prateleiras
oculta o segredo de gestos e passos
: corpos estagnados de anseio.

Antonio Carlos Machado
ANUNCIAÇÃO

Urubús em vôo altaneiro
— quem os sabe —
Planando em tarde estival
(morte consumada!)

Andorinhas prenunciadoras
— quem as esperava —
o verão tão distante
as esperanças sepultadas.

Antonio Carlos Machado
AMOR QUE SE ESCOA LENTO

Que eu durma,
enquanto repousas!

Que a memória permaneça,
enquanto passamos!

Que a dor silencie,
enquanto não partimos!

Que os cães ladrem,
é noite, apenas!

Que a neblina as adormeça,
vagas estrelas testemunhas.

E a lua, o cavalo, o êxtase,
o silêncio solidário?

Antonio Geraldo Ramos Jubé
BURITI

Buriti, buriti da verde várzea.

A saudade é paisagem, água quérula.
O céu, redoma azul sobre a planura,
no espaço claro de manhã de pérola.

Buriti, buriti ancião, decrépita
testemunha de coisas e mudanças.
Que fizeram contigo? Edifícios
te afogaram, em sombras e lembranças.

Foram-se os anos te deixando, apenas,
nos campos invadidos, espectral.
Antes, a água bebida nas raízes,
agora, um pranto podre no canal.

Buriti, buriti da verde várzea,
testemunha calada da mudança.
Ainda estás de pé em meio ao tráfego.
Em volta a fúria, a fúria urbana avança.

Antonio Geraldo Ramos Jubé
AS SEARAS

I

Arrozal, verde vento, verdes chuvas
plantadas nesta água verdemente.
A esperança cavalga aéreas nuvens,
germina nos segredos da semente.

Veranicos dardejam sóis, presente
o dinamismo oculto das saúvas.
Nos cachos do arrozal o dia acende
seu coração de luz sob áureas luvas.

Deus vê crescer a planta: ela precisa
de iguais rações de sol e chuva. E o tempo
amadurece o grão na mão da brisa.

Agora ei-lo saudoso de sua haste
chino cristal de leite simplesmente.
Dando graças à terra em que o plantaste.

II

Em fila o milharal ergue cocares
cor de ouro na manhã de papagaio.
E as folhas lanceoladas de guerreiros
armados para a guerra, perfilados.

O verde milharal sobe da terra
para o espaço de sol, todo lavado.
Em torno gira a festa buliçosa
das jandaias e dos maracanãs.

Rebentam as bonecas promissoras
com seu cabelo ruivo, de entre a palha.
— Doce milho que chega à nossa mesa
envolvido nas palhas da pamonha.

III

Do canavial as verdes lanças
e o verde mel nos colmos acondicionado.
A doçura do caldo a ferver nas tachas,
depois no alambique, elaborando
a cachaça e a rapadura.

De onde vem essa essência doce,
essa seiva nutriz?

Do suor do lavrador no eito?
Da mansidão do boi na canga?
Do carro moroso a gemer no eixo?
Da tortura da engrenagem no engenho
gira-girando no sereno da madrugada?

Esse gosto de mel de moenda...

Fonte:
Antonio Miranda
Imagem = criação por José Feldman

Machado de Assis ("Uso dos Bonds")


4 de Julho de 1883

OCORREU-ME compor umas certas regras para uso dos que freqüentam bonds. O desenvolvimento que tem sido entre nós esse meio de locomoção, essencialmente democrático, exige que ele não seja deixado ao puro capricho dos passageiros. Não posso dar aqui mais do que alguns extratos do meu trabalho; basta saber que tem nada menos de setenta artigos. Vão apenas dez.

ART. I — Dos encatarroados

Os encatarroados podem entrar nos bonds com a condição de não tossirem mais de três vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro.

Quando a tosse for tão teimosa, que não permita esta limitação, os encatarroados têm dois alvitres: — ou irem a pé, que é bom exercício, ou meterem-se na cama. Também podem ir tossir para o diabo que os carregue.

Os encatarroados que estiverem nas extremidades dos bancos, devem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no próprio bond, salvo caso de aposta, preceito religioso ou maçônico, vocação, etc., etc.

ART .II — Da posição das pernas

As pernas devem trazer-se de modo que não constranjam os passageiros do mesmo banco. Não se proíbem formalmente as pernas abertas, mas com a condição de pagar os outros lugares, e fazê-los ocupar por meninas pobres ou viúvas desvalidas, mediante uma pequena gratificação.

ART. III — Da leitura dos jornais

Cada vez que um passageiro abrir a folha que estiver lendo, terá o cuidado de não roçar as ventas dos vizinhos, nem levar-lhes os chapéus. Também não é bonito encostá-los no passageiro da frente.

ART. IV — Dos quebra-queixos

É permitido o uso dos quebra-queixos em duas circunstâncias: — a primeira quando não for ninguém no bond, e a segunda ao descer.

ART. V — Dos amoladores

Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência, se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar-se-lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés. Sendo provável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve imediatamente pespegá-los. No caso aliás extraordinário e quase absurdo, de que o passageiro prefira a narração, o proponente deve fazê-lo minuciosamente, carregando muito nas circunstancias mais triviais, repetindo os ditos, pisando e repisando as coisas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra.

ART. VI — Dos perdigotos

Reserva-se o banco da frente para a emissão dos perdigotos, salvo nas ocasiões em que a chuva obriga a mudar a posição do banco. Também podem emitir-se na plataforma de trás, indo o passageiro ao pé do condutor, e a cara para a rua.

ART. VII — Das conversas

Quando duas pessoas, sentadas a distância, quiserem dizer alguma coisa em voz alta, terão cuidado de não gastar mais de quinze ou vinte palavras, e, em todo caso, sem alusões maliciosas, principalmente se houver senhoras.

ART. VIII — Das pessoas com morrinha

As pessoas que tiverem morrinha, podem participar dos bonds indiretamente: ficando na calçada, e vendo-os passar de um lado para outro. Será melhor que morem em rua por onde eles passem, porque então podem vê-los mesmo da janela.

ART. IX — Da passagem às senhoras

Quando alguma senhora entrar o passageiro da ponta deve levantar-se e dar passagem, não só porque é incômodo para ele ficar sentado, apertando as pernas, como porque é uma grande má-criação.

ART.X — Do pagamento

Quando o passageiro estiver ao pé de um conhecido, e, ao vir o condutor receber as passagens, notar que o conhecido procura o dinheiro com certa vagareza ou dificuldade, deve imediatameme pagar por ele: é evidente que, se ele quisesse pagar, teria tirado o dinheiro mais depressa.

Fonte:
Machado de Assis. Balas de Estalo.
Texto digitalizado por NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística Universidade Federal de Santa Catarina

José Geraldo Neres (Oficina De Criação Literária: A Subversão Da Realidade)


Coordenação: José Geraldo Neres.

Atividade Gratuita –

Local: OFICINA DA PALAVRA CASA MÁRIO DE ANDRADE

12 a 27/9 - segundas, terças e quintas-feiras – 19h às 22h.

Público: interessados em literatura contemporânea e criação literária.

Inscrições: 8/8 a 6/9.

As inscrições podem ser feitas pessoalmente ou o interessado pode solicitar a ficha pelo email: casamariodeandrade@oficina​sculturais.org.br

Seleção: análise de textos (contos ou poemas) de autoria do candidato.

15 vagas.

A oficina trabalhará sobre as relações entre escrita/narrativa e a cidade, estimulando a criatividade, a análise crítica e o diálogo com os principais representantes da literatura contemporânea.

José Geraldo Neres é poeta, ficcionista e roteirista. Publicou: Pássaros de papel (2007), Outros Silêncios (2009, realizado com o apoio da Fundação Biblioteca Nacional e do ProAC) e Olhos de barro (2010, menção especial na 3ª edição do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura).

OFICINA DA PALAVRA CASA MÁRIO DE ANDRADE
Rua Lopes Chaves, 546 – Barra Funda - São Paulo - SP
Fone: (11) 3666-5803 / 3826-4085
e-mail:
casamariodeandrade@oficina​sculturais.org.br

Funcionamento: segunda a sexta-feira, das 13h às 22h; sábado, das 10h às 14h.

Hans Christian Andersen (A Colina dos Elfos)


Umas ágeis lagartixas correram pelas fendas do tronco de uma velha árvore. Entendiam-se muito bem, pois todas falavam a língua de lagartixa.

- Que barulheira tem havido lá na velha Colina dos Elfos! - disse uma delas - já lá vão duas noite que não prego olho, por causa do alarido lá em cima. Eu podia estar na cama com dor de dente, que dava na mesma: em tal situação também não consigo dormir.

- Há qualquer coisa lá dentro - disse outra lagartixa - ficam na Colina, onde se erguem os quatro pilares vermelhos, até a hora do galo cantar. Estão limpando tudo, e as jovens elfas aprenderam novos bailados. Preparam alguma coisa, na certa.

- Falei com uma minhoca de minhas relações - informou uma terceira lagartixa - ela vinha diretamente da colina, onde cavara a terra noite e dia. Ouvira muita coisa, pois ela apenas ouve: não vê, não enxerga, a coitada. Só se vale mesmo do tato, para ajudar a audição. Esperam visitantes na Colina, visitantes ilustres. Quem são, a minhoca não quis dizer. Ou simplesmente não sabia. Todos os fogos-fátuos foram convocados, para realizarem uma marcha de archores. Ouro e prata, que não faltam lá na colina, estão sendo polidos e postos a enxugar sob a luz da Lua.

- Quem poderão ser esses visitantes? - perguntaram todas as lagartixas - o que irá haver por lá? ouçam: que zoada! Que burburinho!

Naquele momento abriu-se a Colina dos Elfos e saiu uma velha elfa solteirona, sem costas (segundo a mitologia escandinava, os elfos, embora muito graciosos e bonitos de frente, não têm costas: são ocos por trás), mas muito bem vestida, andando num passinho miúdo e rápido. Era a velha governanta do Rei dos Elfos. Tinha certo parentesco, embora remoto, com a família real, e trazia, como insígnia, um coração de âmbar na frente. Como andava depressa! Em seu passinho curto, as perninhas não paravam. Ela foi direto ao pântano, onde morava o Engole-Vento.

- O sr. está convidado a ir à Colina dos Elfos esta noite - disse ela - mas peço-lhe a gentileza de fazer-nos primeiro um grande serviço. Peço-lhe que se encarregue de distribuir os convites. Já que o sr. mesmo não tem casa, pode fazer-nos esse favor. Vamos receber visitas, gente muito nobre e ilustre, duendes de alta linhagem, e o velho Rei dos Elfos quer apresentar a todos eles o que há de melhor.

- Quem será convidado? - perguntou o Engole-Ventos.

- Para o grande baile pode vir todo o mundo, até seres humanos, contanto que saibam falar dormindo ou conheçam um pouco de outras artes nossas. Mas, para a festa inicial, haverá rigorosa seleção: só queremos a fina flor da sociedade, o que há de mais aristocrático. Já discuti com o Rei, pois, a meu ver, nem mesmo os fantasmas devemos convidar. O Tritão e suas filhas devem ser convidados em primeiro lugar; não gostam de ficar no seco, mas poderão receber, cada um, uma pedra molhada para sentar, ou coisa ainda melhor. Espero que assim não se recusem a vir dessa vez. A seguir, devem ser convidados todos os velhos duendes de primeira categoria, os de cauda, o Homem do Ribeirão e os anões. Penso também que não podemos deixar de convidar o Porco do Sepulcro, o Cavalo da Morte e o Gnomo da Igreja (segundo a superstição popular, na Dinamarca, em baixo de cada igreja que é construída, deve ser sepultado um cavalo vivo; o fantasma deste cavalo é o Cavalo da Morte, que anda à noite, mancando, pois tem só três pernas, e vai às casas onde alguém está para morrer. Em algumas igrejas era enterrado um porco vivo, e o fantasma desse porco era chamado o Porco do Sepulcro). Eles pertencem ao clero, não são, na verdade, gente nossa, mas, enfim, têm o seu cargo. Além disso, sempre nos visitam. Logo, creio que devem ser lembrados.

- Croááá... - disse o Engole-Vento, que antes tinha os apelidos Noitibó e Curiango.

E saiu voando, para convidar o pessoal.

As moças elfas já dançavam na Colina. Bailavam com um xale longo, tecido de névoa e luar, o que é lindo para os olhos que apreciam coisa assim. No centro da Colina dos Elfos, o grande salão estava muito bem arrumado e enfeitado. O chão fora lavado com luar e as paredes polidas com ungüento de feiticeira, o que as deixara brilhantes como pétalas de tulipa diante da luz. A cozinha estava abarrotada de iguarias finas - como rãs no espeto, peles de cobra-d'água, dedinhos de criança pequena, saladas de semente de chapéu-de-cobra, focinhos de camundongo molhados em cicuta, cerveja fabricada pela Bruxa do Charco, vinho cintilante de salitre das câmaras mortuárias subterrâneas, enfim: todos os manjares mais substanciais e deliciosos. Pregos enferrujados e cacos de vidraça de igreja figuravam entre as sobremesas.

O velho Rei dos Elfos mandou polir sua coroa de ouro com lápis de lousa. Era o lápis de um primeiro aluno da classe, coisa muito difícil de obter para o Rei dos Elfos. No dormitório penduravam cortinas e as prendiam com saliva de cobra-d'água. Havia, de fato, grade azafama, um interminável burburinho.

- Agora é defumar tudo com crina e cerdas de porco queimadas, e creio que fiz minha parte - disse a velha elfa solteirona.

- Paizinho! - suplicou a mais nova das elfas - irei afinal saber quem são os nobres visitantes?

- Está bem - disse o pai - não tenho outro remédio senão revelá-lo. Duas de minhas filhas têm de estar prontas para o casamento. Duas vão certamente nos deixar, para casar. Virá aqui, com os seus dois filhos, que devem escolher mulher, o Duende-Ancião lá de cima, da Noruega, residente na velha montanha de Dovre e senhor de muitos castelos, situados nas rochas, e de uma mina de ouro que vale mais do que se pensa. Ele é o verdadeiro tipo do velho norueguês, honrado, alegre e simples. Conheço-o dos velhos tempos, quando bebíamos juntos e fizemos camaradagem. Ele tinha vindo cá, buscar sua esposa, que já é morta. Era a filha do Rei das Penedias de Moen. Tenho muita saudade do velho duende norueguês. Os filhos, dizem, são uns rapazes malcriados e fanfarrões. Mas, quem sabe? Talvez não seja verdade. Além disso, eles podem mudar com o tempo. Vamos ver se minhas filhas os põem no bom caminho.

- E quando vêm eles? - perguntou uma das filhas.

- Depende dos ventos e do tempo - disse o Rei do Elfos - eles fazem uma viagem econômica. Vêm de navio. Eu queria que viessem pela Suécia, mas o velho não gosta daqueles lados. Ele não acompanha a evolução do tempo, e isso, a meu ver, é o seu único defeito.

Naquele momento vieram pulando dois fogos-fátuos, um mais depressa que o outro, por isso chegou primeiro.

- Eles vêm vindo! Eles vêm vindo! - avisou.

- Dai-me minha coroa e deixai-me ficar no lugar! - disse o Rei.

As filhas ergueram os longos xales e inclinaram-se até o chão.

Lá estava o Duende-Anão de Dovre, com sua coroa de pontas de gelo endurecidas e cones de pinheiros polidos. Trajava uma pele de urso, e calçava botas de inverno; os filhos, porém, vinham de pescoço descoberto e sem suspensórios, pois eram homens fortes.

- Isso é Colina? - perguntou o mais novo dos rapazes, apontando a Colina dos Elfos - na Noruega chamamos a isso um buraco!

- Meninos! - disse o velho - buracos vão para dentro, colinas vão para cima! Não tendes olhos para ver?

Só de uma coisa se admiravam: entenderam, sem dificuldade, a língua do lugar.

- Não nos façais de tolos! - disse o velho - devia-se crer que ainda cheirais a cueiros!

Entraram assim na Colina dos Elfos, onde se achava reunida a seleta e festiva companhia. Mas parecia reunida às pressas, como amontoada pelo vento. No entanto, tinham cuidado do conforto individual de cada um. A gente do mar estava à mesa, sentada em grandes vasilhas de água, e diziam que se sentiam como em casa. Todos observavam a etiqueta, com exceção dos dois jovens duendes noruegueses, que punham os pés sobre a mesa, convencidos de que para eles tudo ficava bem.

- Tirem as patas de cima da mesa! - disse o velho duende, e os rapazes obedeceram, embora com relutância.

Com os cones de pinheiros que traziam nos bolsos, faziam cócegas nas damas, suas vizinhas de mesa. Em seguida, tiraram as botinas, para ficarem mais à vontade, e deram-nas a uma das damas, para segurar. O pai, o velho Duende de Dovre, sim, era diferente. Sabia contar coisas bonitas das altas montanhas norueguesas, de cachoeiras que despencavam, brancas de espuma, com um fragor que parecia trovão e música de órgão misturados. Falou do salmão, que salta contra a água da correnteza, quando o génio das águas dedilha sua harpa de ouro; falou das brilhantes noites hibernais, quando soam as campainhas dos trenós e os rapazes correm, com archotes acesos, sobre os lisos campos de gelo - gelo tão transparente que as pessoas vêem, a seus pés, os peixes fugirem espavoridos. Sabia narrar com tanta vivacidade que se via e ouvia o que ele contava. Era como se escutassem as serrarias em movimento, os rapazes e moças cantando e dançando. De repente, arrebatado, o velho duende beijou a velha elfa solteirona - mas foi como um beijo de tio, embora nem fossem parentes.
Chegou a vez de as moças dançarem - não só simples bailados como sapateados. Seguiram-se bailados artísticos, individuais, e como sabiam elas usar as penas! No auge da dança, não se sabia mais o que era um lado e o que era outro, o que eram braços e o que eram pernas. Giravam com tal rapidez que o Cavalo-da-Morte até se sentiu mal e teve de sair da mesa.
- Prrrr! - disse o velho Duende - que festa de pernas!

Mas o que sabem elas, além de dançar, levantar as pernas e fazer remoinhos?

- Já o saberás! disse o Rei dos Elfos.

E chamou a mais jovem de suas filhas, fina e clara como o luar, a mais delicada dentre as irmãs. Ela tomou na boca uma varinha branca, e praticamente desapareceu. Era esta a sua arte.

O Duende-Ancião, porém, disse que não apreciava aquele tipo de arte em uma esposa, e que, segundo acreditava, também seus filhos não haveriam de apreciá-la.

A outra moça conseguia andar ao lado de si própria, como se projetasse uma sombra, coisa que os duendes não têm.

A terceira era completamente diferente: trabalhava na cervejaria da Feiticeira do Charco e sabia lardear nós de amieiro com pirilampos.

- Esta dará uma boa dona de casa - disse o Ancião, piscando os olhos.

Seguiu-se a quarta moça. Trazia consigo uma grande harpa de ouro, e, quando feriu a primeira corda, todos ergueram a perna esquerda, pois os duendes são canhotos; quando feriu a segunda corda, todos tiveram de fazer o que ela queria.

- Mulher perigosa! - opinou o Duende-Ancião.

Seus dois filhos saíram da Colina entediados com tudo aquilo.

- E o que sabe fazer a filha seguinte? - perguntou o velho.

- Aprendi a gostar de tudo quanto é norueguês - disse ela - e só me casarei com a condição de poder ir a Noruega!

- É só porque ela ouviu dizer, numa canção norueguesa, que quando o mundo se acabar, os picos noruegueses ficarão, como monumentos do passado - cochicou ao Duende-Ancião a irmã mais nova - por isso ela quer ir lá para cima, pois vive com medo do fim do mundo.

- Ah! - disse o Duende-Ancião - então é por isso? Mas o que sabe fazer a sétima e última das moças?

- Antes da sétima vem a sexta! - retificou o Rei dos Elfos, que sabia calcular.

Mas a sexta não tinha grande vontade de aparecer.

- Só sei dizer a verdade a todos - disse ela, afinal - ninguém se importa comigo e tenho meu tempo ocupado em costurar minha própria mortalha.

Veio a sétima e última. Que sabia ela? Sabia contar fábulas, tantas quantas quisesse.

- Aqui estão todos os meus cinco dedos - disse o Duende-Ancião - conta-me uma história a respeito de cada um deles.

A moça tomou-lhe a mão, e ele riu-se a valer. Quando ela chegou ao Seu-Vizinho, que tinha anel de ouro na cintura, como se soubesse que ia haver noivado, disse o Duende-Ancião:

- Segura o que tens! A mão é tua! A ti eu mesmo quero por esposa.

A moça objetou que restava contar ainda a história de Seu-Vizinho e de Minguinho.

- Estas ouviremos no inverno - disse o Duende-Ancião - e ainda a história do pinheiro, a da bétula e a dos dotes das fadas e do frio cortante. Tu terás muitas histórias a contar, pois é coisa que ninguém sabe direito lá em cima. E nós ficaremos na casa de pedra, iluminada pela luz do archote, e tomaremos nosso vinho caseiro nos cornos de ouro dos antigos reis noruegueses. O génio da água presenteou-me com alguns. Lá nos virá visitar o Duente do Gar, que te contará todas as cantigas das pastoras. Será muito alegre! O salmão saltará na cachoeira, baterá na parede de pedra, mas não conseguirá entrar. Sim, podes crer, tudo é muito belo na querida e velha Noruega! Mas onde estão os rapazes?

Sim, onde estão os rapazes? Andavam correndo pelo campo e sopravam os fogos-fátuos, apagando-os, coitados, a eles que tinham vindo para realizar a marcha dos archotes.

- Isso é coisa que se faça? - censurou o Duende-Ancião - acabo de tomar uma mão para vós. Podeis tomar agora uma das tias.

Os rapazes, porém, disseram que preferiam fazer um discurso e beber, celebrando o acontecimento. Não tinham vontade de casar. Fizeram, pois, seus discursos, beberam e celebraram. Em seguida tiraram os casacos e deitaram-se na mesa, para dormir, sem a menor cerimónia. O ancião, no entanto, ficou andando em volta da sala, dançando com sua jovem noiva, e trocou de botina com ela, o que lhe parecia mais elegante que trocar de anéis.

- O galo está cantando! - anunciou a velha solteirona, dona da casa - temos de fechar as janelas, para que o Sol não brilhe aqui dentro.

E a Colina dos Elfos fechou-se.

Lá foram as lagartixas corriam para baixo e para cima, na árvore oca.

- Como gostei do Duende-Ancião norueguês! - disse a lagartixa à companheira.

- Pois eu gostei mais dos rapazes - revelou a minhoca.

A pobrezinha, porém, não enxergava: era um bicho insignificante.

Fonte:
Hans Christian Andersen. Fábulas. SP: Ática

Nilto Maciel (Vou ser Herói, Maria)


Transtornado, o homem recusava abrir a porta do elevador. Se do lado de fora estivesse um tigre à sua espreita? Vários tigres? Um horror! E tremia todo. Não conseguia nem sequer se manter em pé. Melhor sentar-se. E esperar, esperar, esperar. Passaria toda a noite, e quantas noites fosse preciso passar, dentro do elevador. Não, morreria de inanição e tédio. E se o tigre, os tigres abrissem a porta? De manhã os vizinhos, sua mulher só encontrariam alguns ossos. Nunca saberiam como e por que sumira tão misteriosamente. A ossada poderia ser de outro. Talvez de um cachorro grande. Nunca de um homem, dele. Não havia canibais na cidade. Nenhuma notícia deles.

Sossegou, buscou uma brecha na porta, olhos e ouvidos de caçador. Nenhum sinal de tigre. O bicho não chegara àquelas alturas. Com certeza continuava na rua.

Abriu um pouquinho a porta. Puxou-a para si. Melhor não confiar em nada. Felino é bicho traiçoeiro. Empurrou de novo a porta. E, de um pulo, lançou-se contra a porta do apartamento. Socorro, Maria, socorro! Do outro lado gritaram espere, espere. Até abrirem a porta o tigre o devoraria. Bateu com força as mãos na porta. Deu outro pulo e caiu no meio da sala. Bêbado, sem-vergonha, desgraçado. Fechassem a porta logo. O tigre podia entrar.

Não, não havia bebido nada? E o que era aquilo então? Ficara maluco de vez? Maluco é a mãe. Mais um minuto, e nunca mais o teriam visto. Comido, co-mi-do por um tigre, Dona Maria. Ela se pôs a rir. Riso de deboche. Depois gargalhou. As crianças também riram. O pai delirava? Ergueu-se do chão, ainda aflito. Prestassem atenção, muita atenção. Havia um tigre na rua. Debaixo do prédio. A mulher riu de novo. Não risse. Se não acreditasse e quisesse virar comida de tigre, abrisse a porta e descesse. As crianças já não riam e correram para a mãe.
Na televisão o locutor falava de crises, abacaxis e pepinos. Alta do trigo. O homem correu a apertar o botão do aparelho. Nada de barulho. O tigre poderia se irritar. De onde surgiu esse tigre, homem? Sei lá. Deve ter vindo da África. Não, pai, ele fugiu do circo. Deu na televisão. Mentira, gritou o outro filho.
O tigre estava doente e teve alta. Então é mais perigoso ainda. Tigre ferido é uma fera.

Maria deu um gritinho, as crianças se puseram a chorar. O homem criou coragem — foi trancar a porta já trancada. Arrastou os sofás para a porta. Onde estava o revólver? Não tinham revólver nenhum. Só os de brinquedo. Então buscassem as facas, todas as facas. Se o tigre se atrevesse a entrar, ele o esfolaria. Vou ser herói, Maria.

E apagou as luzes.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de girafa na poeira. Brasília: Secretaria de Cultura do DF, 1999.

Nicodemos Sena (O Prazer de Ler Nilto Maciel)

Nilto Maciel
“Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites comprimidas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios”, assim o escritor alagoano Graciliano Ramos começa o magistral romance Angústia, que conta à história de uma personagem miserável, vivendo numa das cidades nordestinas e vítima de todas aquelas desgraças circunstanciais. Graciliano costuma ser lembrado como o autor de Vidas secas e São Bernardo, livros que retratam a amargurada vida rural do povo nordestino, mas é Angústia a sua melhor obra. Nesse livro, ainda é o meio agreste que serve de pano de fundo para a narrativa, mas o drama se desloca do espaço social para o psicológico, onde é exposto o conflito íntimo do personagem-narrador Luís da Silva, humilde funcionário de repartição, a quem as dívidas e um ciúme doentio empurram para o crime.

Depois de Machado de Assis, esse romance de Graciliano é, na minha opinião, o mais profundo que surgiu na literatura brasileira, só encontrando paralelo em Os Ratos, do gaúcho Dionélio Machado. Em Angústia, Graciliano faz o drama interior das personagens transbordar o meio acanhado em que suas vidas se debatem. Com seu estilo despojado, preciso e correto, esse grande escritor fez escola, mas poucos seguidores souberam recriar, em linguagem sólida, o ambiente sombrio de Angústia, onde realidade, sonho e pesadelo se misturam.

No livro de contos Pescoço de Girafa na Poeira, (...) o também nordestino Nilto Maciel mantém viva a tradição narrativa iniciada por Graciliano Ramos em Angústia, pela qual o conflito humano gerado no meio físico e social acaba desaguando na psique das personagens, na sua alma. Embora não se trate de narrativa tipicamente onírica, há nela muita introspecção, como no conto “Reportagem”, do qual transcrevo o seguinte trecho: “Acordou, abriu os olhos. O sol já devia clarear tudo. Pôs-se a relembrar um sonho. Levantava-se, dirigia-se ao quintal. Onde andavam o galo e as galinhas? Lavava o rosto numa pia”. Nilto Maciel sabe criar tensão dramática na mesmice do cotidiano, como, por exemplo, no conto “As Ceias”, no qual a tensão é conseguida com a técnica do contraponto, que, ao mesmo tempo, adensa, encurta e mantém acesa a expectativa ao propor um enigma.

Embora inserido numa tradição, Nilto Maciel não é mero imitador. Seu estilo, de um verdadeiro criador, apresenta novidades que só a vivificam (pois o que pode matar uma tradição é a falta de avanços). Partindo do espaço social típico, o autor não se perde no pitoresco das situações. O enfoque é “realista” apenas na aparência, pois ao mistério que a vida representa é trazida a “certeza” das páginas mortas dos compêndios. A sua literatura, prenhe de vida, não desdenha da erudição, mas esta é destilada sutilmente, sem pedantismo nem invencionices que tantas vezes têm estragado o que poderia resultar em boa literatura. Há um Borges agreste em Nilto Maciel. “O que na aparência é simples relato, um conto, traz implícita a descoberta do Ser embutido do sujeito da oração e na linguagem”, bem observou Foed Castro Chama. O leitor encontra um ótimo exemplo disso no conto “A Pálida Visitante”.

Fica claro que Nilto Maciel, quando escreve, tenta ser fiel ao sonho e não às circunstâncias. Claro que suas estórias estão repletas de circunstâncias, mas são contadas com uma boa dose de inverdade. Pois que graça teria contar uma história como realmente ela aconteceu? O escritor de ficção não deve ter pretensão alguma à verdade, que não pertence ao universo da Literatura, mas da Vida. As coisas, ainda que insignificantes, devem ser mudadas, sob pena de deixarmos de ser artistas, para nos tornarmos meros jornalistas ou historiadores, embora Tolstoi já nos tenha ensinado, em Guerra e Paz, que todo historiador acaba sendo tão imaginativo quanto os romancistas.

Os contos de Pescoço de Girafa na Poeira revelam um autor maduro, que conhece a sua meta e os caminhos para chegar até ela. Sua frase é curta, mas rica em significado. Tanto o discurso direto quanto o discurso indireto confluem ao ponto almejado: O pensamento potencializado. Nilto Maciel não escreve pensando no leitor (este personagem imaginário). Não parece também pensar em si mesmo (pois o autor acaba sendo tão imaginário quanto o leitor). Ele, certamente, só pensa naquilo que tenta transmitir e disso não se afasta. Parece já ter passado daquela fase em que o escritor quer dizer tudo e só consegue ser confuso; já descobriu que, em vez de achar que pode encontrar a palavra exata para cada situação, ou a mais surpreendente metáfora, há mais eficiência na alusão, respeitando os direitos do leitor de “escrever” o seu próprio texto. Nós que um dia nos iludimos com caminhos largos e aparentemente seguros na Literatura, acabamos aprendendo à custa dos erros, que só os caminhos estreitos e espinhosos conduzem ao entendimento deste universo onde giramos que nem loucos. Nilto Maciel, autor de já ampla e importante obra, que vai do conto ao romance, publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês, é, sem dúvida, um mestre da nossa literatura de ficção, que merece ser lido por todos os brasileiros.

(Jornal “O Estado do Tapajós”, Santarém, Pará, 5/9/2002)

Fonte:
Texto enviado por Nilto Maciel

Jean de La Fontaine (Fábulas) Os Médicos

Desenho de Gustave Doré
Certo médico chamado,
De alcunha, o Tanto-melhor,
Foi visitar um doente,
Do qual o Tanto-pior
Era médico assistente.

O último, sempre funesto,
Que o doente morreria
Altamente sustentava,
E o Tanto-melhor dizia
Que o dobre enfermo escapava.

Houve sobre o curativo
Mui grande contestação;
Um aplicava calmantes,
O outro armava uma questão
Em favor dos irritantes.

No fim de tanto debate,
O enfermo a vida. perdeu,
E o Tanto-pior clamou:
- Vejam qual de nós venceu!
Se o meu cálculo falhou.

Tornou-lhe o Tanto-melhor,
Mostrando um vivo pesar:
- Pois eu sempre afirmarei
Que morreu por não tomar
Os remédios que indiquei.

Em quanto a mim, se os tomasse,
Morrer havia igualmente;
Mas é desgraça maior
Cair um pobre doente
Nas mãos de um Tanto-pior.

Fonte:
La Fontaine. Fábulas. SP: Martin Claret, 2005.

Umberto Eco (Na Era da Globalização, o que Deveríamos Ler?


“O Cânone Ocidental” de Harold Bloom define o cânone literário como “a escolha de livros em nossas instituições de ensino”, e sugere que a verdadeira questão que ele suscita é: “o que o indivíduo que ainda deseja ler deveria tentar ler, a essa altura da História?” E ele observa que, na melhor das hipóteses, dentro do tempo de uma vida é possível ler somente uma pequena fração do grande número de escritores que viveram e trabalharam na Europa e nas Américas, sem contar aqueles de outras partes do mundo. Mesmo nos atendo somente à tradição ocidental, quais são os livros que as pessoas deveriam ler? Não há dúvidas de que a sociedade e a cultura ocidentais foram influenciadas por Shakespeare, pela “Divina Comédia” de Dante, e – voltando atrás no tempo – por Homero, Virgílio e Sófocles. Mas será que somos influenciados por eles porque os lemos de fato em primeira mão?

Isso lembra o argumento de Pierre Bayard, em “Como Falar Sobre Livros que Você Não Leu”, de que não é essencial ler de fato um livro de capa a capa para entender sua importância. Por exemplo, é nítido que a Bíblia teve uma profunda influência tanto sobre a cultura judaica como sobre a cristã no Ocidente, e mesmo sobre a cultura de não-crentes – mas isso não significa que todos aqueles que foram influenciados por ela a tenham lido do começo ao fim. O mesmo pode se dizer sobre os escritos de Shakespeare ou James Joyce. É necessário ter lido o Livro dos Reis ou o Livro dos Números para ser uma pessoa culta ou um bom cristão? É necessário ter lido Eclesiastes, ou basta simplesmente saber em segunda mão que ele condena a “vaidade das vaidades”?

Sendo assim, a questão do cânone não é homóloga à do currículo escolar, que representa o conjunto de obras que um estudante deverá ter lido ao fim de seus estudos. Hoje o problema é mais complicado do que nunca e, durante uma recente conferência literária internacional em Mônaco, houve um debate sobre o lugar do cânone na era da globalização. Se roupas de marca “europeias” são produzidas na China, se usamos computadores e carros japoneses, se até em Nápoles comem hambúrgueres em vez de pizza – resumindo, se o mundo encolheu a dimensões provincianas, com estudantes imigrantes em todo o mundo pedindo para aprender sobre suas próprias tradições – então como será o novo cânone?

Em certas universidades americanas, a resposta veio na forma de um movimento que, mais do que “politicamente correto”, é politicamente estúpido. Como temos muitos estudantes negros, algumas pessoas sugeriram ensinar-lhes menos Shakespeare e mais literatura africana. Uma ótima piada à custa de todos aqueles jovens destinados a saírem pelo mundo sem entender referências literárias universais como o solilóquio do “ser ou não ser” de Hamlet – e, portanto, condenados a permanecerem à margem da cultura dominante. Se tanto, o cânone existente deveria ser expandido, e não substituído. Como foi sugerido recentemente na Itália, a respeito de aulas semanais de religião nas escolas, os estudantes deveriam aprender algo sobre o Corão e os ensinamentos do Budismo, bem como sobre os Evangelhos. Assim como não seria mau se, além de suas aulas sobre a civilização grega antiga, os estudantes aprendessem algo sobre as grandes tradições literárias árabe, indiana e japonesa.

Não faz muito tempo, fui a Paris para participar de uma conferência entre intelectuais europeus e chineses. Foi humilhante ver como nossos colegas chineses sabiam tudo sobre Immanuel Kant e Marcel Proust, sugerindo paralelos (que poderiam estar certos ou errados) entre Lao Tsé e Friedrich Nietzsche – enquanto a maioria dos europeus entre nós mal conseguia ir além de Confúcio, e muitas vezes com base somente em análises em segunda mão.

Hoje, no entanto, esse ideal ecumênico esbarra em certas dificuldades. Você pode ensinar a jovens ocidentais a “Ilíada” porque eles ouviram algo sobre Heitor e Agamêmon, e porque seus rudimentos de cultura incluem expressões como “o julgamento de Páris” e “calcanhar de Aquiles” (embora em um recente exame de admissão de uma universidade italiana um candidato tenha pensado que o termo “calcanhar de Aquiles” se referia a uma doença, como cotovelo de tenista). Ainda assim, como conseguir fazer com que esses estudantes se interessem pelo poema épico sânscrito “O Mahabharata”, ou pelos poemas dos “Rubaiyat de Omar Khayyam” de forma que essas obras permaneçam em suas memórias? Será que realmente podemos adaptar o sistema educacional a um mundo globalizado quando a vasta maioria dos ocidentais cultos ignora totalmente que, para os georgianos, um dos maiores poemas na história literária é “O Cavaleiro na Pele de Pantera” de Shota Rustaveli? Quando acadêmicos não conseguem nem concordar se, na versão georgiana original, o cavaleiro do poema está na verdade usando uma pele de pantera e não de tigre ou de leopardo? Chegaremos sequer a esse ponto, ou continuaremos simplesmente a perguntar: “Shota o quê?”

Fonte:
The New York Times. Tradução: Lana Lim
Uol Notícias.

Umberto Eco (O Nome da Rosa)


análise feita por: Kledson Bruno Camargo

Estranhas mortes começam a ocorrer num mosteiro beneditino localizado na Itália durante a baixa idade média, onde as vítimas aparecem sempre com os dedos e a língua roxos. O mosteiro guarda uma imensa biblioteca, onde poucos monges tem acesso às publicações sacras e profanas. A chegada de um monge franciscano , incumbido de investigar os casos, irá mostrar o verdadeiro motivo dos crimes, resultando na instalação do tribunal da santa inquisição.

INTRODUÇÃO

A Baixa Idade Média (século XI ao XV) é marcada pela desintegração do feudalismo e formação do capitalismo na Europa Ocidental. Ocorrem assim, nesse período, transformações na esfera econômica (crescimento do comércio monetário), social (projeção da burguesia e sua aliança com o rei), política (formação das monarquias nacionais representadas pelos reis absolutistas) e até religiosas, que culminarão com o cisma do ocidente, através do protestantismo iniciado por Martinho Lutero na Alemanha em 1517.

Culturalmente, destaca-se o movimento renascentista que surgiu em Florença no século XIV e se propagou pela Itália e Europa, entre os séculos XV e XVI. O renascimento, enquanto movimento cultural, resgatou da antigüidade greco-romana os valores antropocêntricos e racionais, que adaptados ao período, entraram em choque com o teocentrismo e dogmatismo medievais sustentados pela Igreja.

No filme, o monge franciscano representa o intelectual renascentista, que com uma postura humanista e racional, consegue desvendar a verdade por trás dos crimes cometidos no mosteiro.

1. Contextualização

Discussão dos elementos formadores da cultura moderna, o surgimento do pensamento moderno, no período da transição da Idade Média para a Modernidade.

A História

O Nome da Rosa pode ser interpretado como tendo um caráter filosófico, quase metafísico, já que nele também se busca a verdade, a explicação, a solução do mistério, a partir de um novo método de investigação. E Guilherme de Bascerville, o frade fransciscano detetive, é também o filósofo, que investiga, examina, interroga, duvida, questiona e, por fim, com seu método empírico e analítico, desvenda o mistério, ainda que para isso seja pago um alto preço.

O Tempo

Trata-se do ano 1327, ou seja, a Alta Idade Média. Lá se retoma o pensamento de Santo Agostinho (354-430), um dos últimos filósofos antigos e o primeiro dos medievais, que fará a mediação da filosofia grega e do pensamento do início do cristianismo com a cultura ocidental que dará origem à filosofia medieval, a partir da interpretação de Platão e o neoplatonismo do cristianismo. As teses de Agostinho nos ajudarão a entender o que se passa na biblioteca secreta do mosteiro em que se situa o filme.

Doutrina Cristã

Neste tratado, Santo Agostinho estabelece precisamente que os cristãos podem e devem tomar da filosofia grega pagã tudo aquilo que for importante e útil para o desenvolvimento da doutrina cristã, desde que seja compatível com a fé (Livro II, B, Cap. 41). Isto vai constituir o critério para a relação entre o cristianismo (teologia e doutrina cristã) e a filosofia e a ciência dos antigos. Por isso é que a biblioteca tem que ser secreta, porque ela inclui obras que não estão devidamente interpretadas no contexto do cristianismo medieval. O acesso à biblioteca é restrito, porque há ali um saber que é ainda estritamente pagão (especialmente os textos de Aristóteles), e que pode ameaçar a doutrina cristã. Como diz ao final Jorge de Burgos, o velho bibliotecário, acerca do texto de Aristóteles – a comédia pode fazer com que as pessoas percam o temor a Deus e, portanto, faz desmoronar todo esse mundo.

2. Disputa de Filosofia

Entre os séculos XII e XIII temos o surgimento da escolástica, que constitui o contexto filosófico-teológico das disputas que se dão na abadia em que se situa O Nome da Rosa. A escolástica significa literalmente "o saber da escola", ou seja, um saber que se estrutura em torno de teses básicas e de um método básico que é compartilhado pelos principais pensadores da época.

2.1 Influência aos Pensamentos

A influência desse saber corresponde ao pensamento de Aristóteles, trazido pelos árabes (mulçumanos), que traduziram muitas de suas obras para o latim. Essas obras continham saberes filosóficos e científicos da Antigüidade que despertariam imediatamente interesses pelas inovações científicas decorrentes.

2.2 Consolidação Política

A consolidação política e econômica do mundo europeu fazia com que houvesse uma maior necessidade de desenvolvimento científico e tecnológico: na arquitetura e construção civil, com o crescimento das cidades e fortificações; nas técnicas empregadas nas manufaturas e atividades artesanais, que começam a se desenvolver; e na medicina e ciências correlatas.

2.3 Pensamento Aristotélico

O saber técnico-científico do mundo europeu era nesta época extremamente restrito e a contribuição dos árabes será fundamental para este desenvolvimento pelos conhecimentos de que dispunham de matemática, de ciências (física, química, astronomia, medicina) e de filosofia. O pensamento agora (Aristotélico) será marcado pelo empirismo e materialismo.

3. A Época

O enredo desenvolve-se na ultima semana de 1327, num monastério da Itália medieval. A morte de sete monges em sete dias e noites, cada um de maneira mais insólita - um deles, num barril de sangue de porco, é o motor responsável pelo desenvolvimento da ação. A obra é atribuída a um suposto monge, que na juventude teria presenciado os acontecimentos.

Este filme é uma crônica da vida religiosa no século XIV, e relato surpreendente de movimentos heréticos. Para muitos críticos, o nome da rosa é uma parábola sobre a Itália contemporânea. Para outros, é um exercício monumental sobre a mistificação.

4. O Título

A expressão "O nome da Rosa" foi usada na Idade Média significando o infinito poder das palavras. A rosa subsiste seu nome, apenas; mesmo que não esteja presente e nem sequer exista. A " rosa de então" , centro real desse romance, é a antiga biblioteca de um convento beneditino, na qual estavam guardados, em grande número, códigos preciosos: parte importante da sabedoria grega e latina que os monges conservaram através dos séculos.

5. Biblioteca do Mosteiro

Durante a Idade Média umas das práticas mais comuns nas bibliotecas dos mosteiros eram apagar obras antigas escritas em pergaminhos e sobre elas escreve ou copiar novos textos. Eram os chamados palimpsestos, livretes em que textos científicos e filosóficos ma Antigüidade clássica eram raspados das páginas e substituídos por orações rituais litúrgicos.

O nome da rosa é um livro escrito numa linguagem da época, cheio de citações teológicas, muitas delas referidas em latim. É também uma crítica do poder e do esvaziamento dos valores pela demagogia, violências sexuais, os conflitos no seio dos movimentos heréticos, a luta contra a mistificação e o poder. Uma parábola sangrenta patética da história da humanidade

Baseado: No romance de mesmo nome de Umberto Eco.

5.1 - Pensamento

O pensamento dominante, que queria continuar dominante, impedia que o conhecimento fosse acessível a quem quer que seja, salvo os escolhidos. No O nome da Rosa, a biblioteca era um labirinto e quem conseguia chegar no final era morto. Só alguns tinham acesso. É uma alegoria do Umberto Eco, que tem a ver com o pensamento dominante da Idade Média, dominado pela igreja. A informação restrita a alguns poucos representava dominação e poder. Era a idade das trevas, em que se deixava na ignorância todos os outros.

6. História

Em 1327 William de Baskerville , um monge franciscano, e Adso von Melk , um noviço que o acompanha, chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália. William de Baskerville pretende participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários assassinatos que acontecem no mosteiro. William de Baskerville começa a investigar o caso, que se mostra bastante intrincando, além dos mais religiosos acreditarem que é obra do Demônio. William de Baskerville não partilha desta opinião, mas antes que ele conclua as investigações Bernardo Gui , o Grão-Inquisidor, chega no local e está pronto para torturar qualquer suspeito de heresia que tenha cometido assassinatos em nome do Diabo. Considerando que ele não gosta de Baskerville, ele é inclinado a colocá-lo no topo da lista dos que são diabolicamente influenciados. Esta batalha, junto com uma guerra ideológica entre franciscanos e dominicanos, é travada enquanto o motivo dos assassinatos é lentamente solucionado.

O ano é 1327. Representantes da Ordem Franciscana e a Delegação Papal se reúnem num monastério Beneditino para uma conferência. Mas a missão deles é subitamente ofuscada por uma série de assassinatos. Utilizando sua brilhante capacidade de dedução, o monge franciscano William de Baskerville , auxiliado pelo seu noviço Adso de Melk , se empenha para desvendar o mistério. Mas antes que William possa completar sua investigação, o monastério é visitado pelo seu antigo desafeto, o Inquisidor Bernardo Gui . O poderoso Inquisidor está determinado a erradicar a heresia através da tortura e se William, o caçador, persistir na sua busca, também se tornará caça. Mas à medida que Bernardo Gui se prepara para acender a fogueira da Inquisição, William e Adso voltam à biblioteca labirintesca e descobrem uma verdade extraordinária ...

Resumo de O Nome da Rosa

Do ponto de vista do que hoje está sendo abordado, notamos que a história passa em um mosteiro na Itália Medieval. A idade média assistiu, em sua agonia um grande debate Filosófico Religioso. Perdido o equilíbrio do tomismo, o homem medieval caiu em dois extremos opostos.

De um lado os humanistas racionalistas Frei Guilherme de Ockham, um édito moderno. Tais humanistas cultivaram o antropocentismo julgaram que graças Pa ciências e a técnica, o homem seria capaz de vencer todas as misérias do mundo, até criar uma era de grande prosperidade material e de completa felicidade natural.

De outro lado místicos com visão extremamente pessimista da realidade. Para eles o mundo era intrinsecamente mau e irredimível por ser obra de um DEUS perverso, distinto da divindade. Acreditavam que a razão humana era má e só seria desejável perder-se no nada divino.

No mosteiro, sete monges morrem estranhamente, isto aborda muito a violência.

Há também uma violência sexual, no qual mulheres se vendem aos monges em troca de comida e muitas vezes depois são mortas.

Movimentos ecléticos do século XIV, a luta contra a mistificação, o poder, o esvaziamento de valores pela demagogia, são mostrados em um cenário sangrento sobre a política da historia da humanidade.

BIBLIOGRAFIA

Filme O Nome da Rosa , Globo Filmes e Produçoes

Livro O Nome da Rosa, Autor.: Umberto Eco

Fonte:
Cola da Web