sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Casa do Poeta de Canoas (Sarau Comemorativo 9. Aniversário)


A Casa do Poeta de Canoas convida para as atividades comemorativas ao seu 9º aniversário.

SARAU COMEMORATIVO 9º ANIVERSÁRIO

Sexta-feira - 30/9/2011 - 19h

Clube Cultural Canoense
Rua Dr. Barcelos, 1271 - Centro / Canoas

Contamos com o prestígio da presença de nosso associados, amigos e simpatizantes.

Maria Santos Rigo
Presidente da Casa do Poeta de Canoas

Fone: (51) 3476.4431 / 9669.4615
www.casadospoetas.com.br

poetas@casadospoetas.com.br

Fonte:
Casa do Poeta de Canoas

Calendário Poético de Mesa


A Editora Alcance realiza, pelo décimo ano, seu querido projeto Calendário Poético de Mesa.

Mais do que em livros, livrarias, internet, e-books, destacamos honrosamente suas poesias ilustradas com fotos, pinturas, desenhos.

Pelo Calendário Poético de Mesa os autores estarão presentes com sua arte, ao alcance dos olhos encantados de seus amigos e leitores em geral… o ano inteiro. Por 12 meses seus versos brilharão para todos. Nós cuidamos da criação, apresentação e impressão de sues trabalhos.

Características:
Calendário de mesa com 12 meses, impresso em papel couchê 180 gramas, tamanho 15x18 cm, com suporte e wiro. Um luxo!

Tiragem:
250 calendários ou mais, a combinar.

Data de Entrega:
Lançamento e autógrafos dos Calendários na Feira do Livro de Porto Alegre em novembro deste ano. Um belo presente ou comercialização junto ao seu público.

Prazo de Inscrições:
até o dia 07 de outubro de 2011.

Mais informações:
Fones: (51) 3346-5001/ e-mail: atendimentoalcance@gmail.com

Modelos do calendário acima.

Marcelo Spalding (Oficina de Escrita Criativa à Distância)


Faça do seu computador, de qualquer lugar do Brasil...

OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA À DISTÂNCIA

Curso de extensão Uniritter com 20 horas de duração

Técnicas de criação literária para a utilização em textos ficcionais ou não-ficcionais, narrativos e dissertativos. A oficina será integralmente realizada em ambiente EAD, com conteúdos postados ao longo de 8 semanas e interação entre os participantes.

Alguns dos temas abordados:
subtexto;
tipos de narrador;
verossimilhança;
tempo da narrativa;
concisão;
to show, not to tell.

ATENÇÃO:
não é vídeo-aula, é curso de verdade, com postagens periódicas, interação professor-aluno e interação entre os alunos da turma.

Ministrante: Marcelo Spalding (jornalista, escritor e professor)

Período: 07 de outubro a 25 de novembro/2011

Investimento: R$ 260,00 o curso todo

Inscrições pelo fone 51-3464-2000, com Elizabeth
ou pelo email marcelo@marcelospalding.com

VAGAS LIMITADAS

Fonte:
Marcelo Spalding

Olavo Bilac (Alma Inquieta: poesias) 3


VANITAS

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.
Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha... E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia...


TERCETOS


I

Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

“Espera ao menos que desponte a aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho...
E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho?!

Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!
Não arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade...
Espera! até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava...
Espera um pouco! deixa que amanheça!”

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.


II

E, já manhã, quando ela me pedia
Que de seu claro corpo me afastasse,
Eu, com os olhos em lágrimas , dizia:

“Não pode ser! não vês que o dia nasce?
A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta...
Que diria de ti quem me encontrasse?

Ah! nem me digas que isso pouco importa!...
Que pensariam, vendo-me, apressado,
Tão cedo assim, saindo a tua porta,

Vendo-me exausto, pálido, cansado,
E todo pelo aroma de teu beijo
Escandalosamente perfumado?

O amor, querida, não exclui o pejo...
Espera! até que o sol desapareça,
Beija-me a boca! mata-me o desejo!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava!
Espera um pouco! deixa que anoiteça!”

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.

IN EXTREMIS

Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! de um sol assim!
Tu, desgrenhada e fria,
Fria! postos nos meus os teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...

E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...

E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! e este medo!
Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,
A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte...

Eu, com o frio a crescer no coração, - tão cheio
De ti, até no horror do derradeiro anseio!
Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!

E eu morrendo! e eu morrendo
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! a delícia da vida!

A ALVORADA DO AMOR

Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:

“Chega-te a mim! entre no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
E, vendo-te a sangrar das urzes através,
Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés...
Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,
Ilumina o degredo e perguma o deserto!
Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,
Levo tudo, levando o teu corpo querido!

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:
- Tudo renascerá cantando ao teu olhar,
Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,
Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!
Rosas te brotarão da boca, se cantares!
Rios te correrão dos olhos, se chorares!
E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,
Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu,
Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah1 bendito o momento em que me revelaste
O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!
Porque, livre de Deus, redimido e sublime,
Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,
- Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!”

VITA NUOVA

Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!
Não me fales das lágrimas perdidas,
Não me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!

Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? Que importa,

Se ainda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!

MANHÃ DE VERÃO


As nuvens, que, em bulcões, sobre o rio rodavam,
Já, com o vir de manhã, do rio se levantam.
Como ontem, sob a chuva, estas águas choravam!
E hoje, saudando o sol, como estas águas cantam!

A estrela, que ficou por último velando,
Noive que espera o noivo e suspira em segredo,
Desmaia de pudor, apaga, palpitando,
A pupila amorosa, e estremece de medo.

Há pelo Paraíba um sussuro de vozes,
Tremor de seios nuns, corpos brancos luzindo...
E, alvas, a cavalgar broncos monstros ferozes,
Passam, como num sonho, as náiades fugindo.

A rosa, que acordou sob as ramas cheirosas,
Diz-me: “Acorda com um beijo as outras flores quietas!
Poeta! Deus criou as mulheres e as rosas
Para os beijos do sol e os beijos dos poetas!”

E a ave diz: “Sabes tu? Conheço-a bem... Parece
Que os Gênios de Oberon bailam pelo ar dispersos,
E que o céu se abre todo, e que a terra floresce,
- Quando ela principia a recitar teus versos!”
E diz a luz: “Conheço a cor daquela boca!
Bem conheço a maciez daquelas mãos pequenas!
Não fosse ela aos jardins roubar, trêfega e louca,
O rubor da papoula e o alvor das açucenas!”

Diz a palmeira: “Invejo-a! ao vir a luz radiante,
Vem o vento agitar-me e desnastrar-me a coma:
E eu pelo vento envio ao seu cabelo ondeante
Todo o meu esplendor e todo o meu aroma!”

E a floresta, que canta, e o sol, que abre a coroa
De ouro fulvo, espancando a matutina bruma,
E o lírio, que estremece, e o pássaro, que voa,
E a água, cheia de sons e de flocos de espuma,

Tudo, - a cor, o clarão, o perfume e o gorjeio,
Tudo, elevando a voz, nesta manhã de estio,
Diz: “Pudesses dormir, poeta! No seu seio,
Curvo como este céu, manso como este rio!”

DENTRO DA NOITE

Ficas a um canto da sala,
Olhas-me e finges que lês...
Ainda uma vez te ouço a fala,
Olho-te ainda uma vez;
Saio... Silêncio por tudo:
Nem uma folha se agita;
E o firmamento, amplo e mudo,
Cheio de estrelas palpita.
E eu vou sozinho, pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar.

Mas não sei que luz me banha
Todo de um vivo clarão;
Não sei que música estranha
Me sobre do coração.
Como que, em cantos suaves,
Pelo caminho que sigo,
Eu levo todas as aves,
Todos os astros comigo.
E é tanta essa luz, é tanta
Essa música sem par,
Que nem sei se é a luz que canta,
Se é o som que vejo brilhar.

Caminho em êxtase, cheio
Da luz de todos os sóis,
Levando dentro do seio
Um ninho de rouxinóis.
E tanto brilho derramo,
E tanta música espalho,
Que acordo os ninhos e inflamo
As gotas frias do orvalho.
E vou sozinho, pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar.

Caminho. A terra deserta
Anima-se. Aqui e ali,
Por toda parte desperta
Um coração que sorri.
Em tudo palpita um beijo,
Longo, ansioso, apaixonado,
E um delirante desejo
De amar e de ser amado.
E tudo, - o céu que se arqueia
Cheio de estrelas, o mar,
Os troncos negros, a areia,
- Pergunta, ao ver-me passar:

“O Amor, que a teu lado levas,
A que lugar te conduz,
Que entras coberto de trevas,
E sais coberto de luz?
De onde vens? Que firmamento
Correste durante o dia,
Que voltas lançando ao vento
Esta inaudita harmonia?
Que país de maravilhas,
Que Eldorado singular
Tu visitaste, que brilhas
Mais do que a estrela polar?”

E eu continua a viagem,
Fantasma deslumbrador,
Seguido por tua imagem,
Seguido por teu amor.
Sigo... Dissipo a tristeza
De tudo, por todo o espaço,
E ardo, e canto, e a Natureza
Arde e canta, quando eu passo,
- Só porque passo pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar...

Fonte:
BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a obra-prima de cada autor). Digitalizado por Anamaria Grunfeld Villaça Koch – São Paulo/SP

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 349)


Uma Trova Nacional

Por mais louca ... mais confusa ...
que eu esteja em meus anseios,
quem me dera ser a musa
dos teus doces devaneios!
-MARIA NELSI SALES DIAS/SP-

Uma Trova Potiguar


Buscando a felicidade
por este mundo sem fim...
Descobrir uma verdade:
Ela está dentro de mim!
-FRANCISCO MACEDO/RN-

Uma Trova Premiada


2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 8º Lugar

O ocaso... o ajuste da lente...
o clique... a fotografia:
- a imagem do sol poente,
nos braços do fim do dia...
-DARLY O. BARROS/SP-

Uma Trova de Ademar


A Saudade na pessoa
faz ela ficar doente;
por mais que saudade doa,
mas só quem ama é quem sente!
-ADEMAR MACEDO/RN-

...E Suas Trovas Ficaram


A igreja, as flores e o eleito,
ela de branco e eu tristonho;
foi o cenário perfeito
para o enterro de meu sonho.
-ALONSO ROCHA/PA-

Simplesmente Poesia

Descaminhos. (Para Ela)
-SERGIO SEVERO/RN-

Por que teimo em dirigir
minha atenção a Você,
que em "contra marchas", não vê,
todo o meu Amor fluir?

Que a Estrada do seu Porvir,
seja, quiçá, asfaltada,
e cada curva fechada,
bem lhe faça refletir.

Olhe a conversão na Via!
Não atropele a Poesia,
na contramão dos meus passos...

... e à margem da Compaixão,
deixar o meu Coração,
por inteiro, aos pedaços.

Estrofe do Dia

Se for um parlamentar
pode ter crime a vontade
que o dedo da impunidade
não deixa lhe investigar,
se alguém o denunciar
é sujeito a ser punido,
processado e ser tangido
pra o beco da emboscada;
toda lei ultrapassada
só favorece o bandido.
-GERALDO AMÂNCIO/CE-

Soneto do Dia


Página Virada
-REGINALDO ALBUQUERQUE/MS-

Tarde da noite, em meio à quietude das ruas,
encontro nesta banca há muito abandonada,
no entulho de jornais e traças junto à entrada,
revista masculina, expondo moças nuas.

E tremo ao desfazer a página virada...
No encarte especial, fotografias tuas
em poses sensuais dizem verdades cruas
que sangram cicatriz que imaginei curada.

A propaganda exalta algum lugar distante...
A lua espreguiçada em seu quarto minguante
lança cintilações sobre esta saudade oca...

Por um momento a banca agita a velha porta...
Se o teu vulto é ilusão ou real, o que importa?
Aplaco a minha dor beijando a tua boca...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) VII – Futuro e Presente


CAPÍTULO VII

Futuro e Presente

Ao entrar no gabinete iluminei-me todo por dentro. Estava miss Jane adiante do globo de cristal, absorvida com certeza na visualização de um corte anatômico. Um raio de sol coado pela vidraça transfazia em luz o louro de seus cabelos. Miss Jane era toda atenção. Seus olhos azuis verdadeiramente bebiam algum maravilhoso quadro. O professor Benson estacou á porta, fazendo-me gesto de silencio, e assim permaneceu até que a moça desse volta a um comutador e regressasse ao presente.

— Papai, exclamou ela, estou no fim da tragédia, no crepúsculo da raça. Dudlee ganhou uma estatua... Boa tarde, senhor Ayrton. Desculpe-me o estar dizendo a meu pai coisas que nem por sombras o senhor pode desconfiar o que sejam. Compreendo que é indelicado falar em língua estranha na presença de pessoas que a desconhecem...

A bondade de miss Jane encantou-me; e, como a jovem não me olhasse nos olhos, pude replicar:

— Mas tudo nesta casa me é linguagem estranha! O que acabo de ver assombra-me de tal maneira que tão cedo não me reconhecerei a mim mesmo.

— Está fazendo progressos, Jane, disse o professor. O amigo Ayrton compreendeu muito bem a parte teórica da minha exposição.

— Ou compreendi, exclamei, ou pareceu-me compreender. Aqui o professor fala com tal simplicidade e clareza que nem parece um sábio. Conheci um lá na cidade, e grande, a avaliar pela fama, com quem tive de tratar a mandado da firma. Pois confesso que não pesquei coisa nenhuma do que o homem disse. Esse, sim, parecia falar uma linguagem de mim nem sequer suspeitada...

— Não era um verdadeiro sábio, interveio miss Jane. Os verdadeiros são como meu pai, claros e fecundos como a luz do sol. Mas quer saber o senhor Ayrton o que eu fazia ha pouco?

— Não lhe contes ainda, Jane. Explica-lhe primeiro a função do porviroscopio, enquanto vou repousar um bocado. Sou velho e qualquer esforço além do habitual me cansa.

Antes que o professor Benson se retirasse, deu miss Jane um salto na cadeira, leve como a corça, e veio beijá-lo no rosto.

— Este querido paizinho! Murmurou, acompanhando-o com os olhos amorosamente.

Depois voltando-se para mim:

— Não é uma benção das fadas ter um pai destes? Como sabe conciliar a máxima inteligência com a máxima bondade!

— E com a máxima simplicidade! Acrescentei. Não caibo em mim de gosto ao ver o homem que podia ser dono do mundo, se quisesse, tratar-me como se eu fora alguém.

— Não se espante disso. Meu pai é coerente com as suas idéias.

Todos para ele somos meras vibrações do éter.

— Até miss Jane?

— Eu serei vibração de um éter especial, muito afim do que vibra nele, explicou ela a sorrir. Mas, sentemo-nos, senhor Ayrton, que ha muito que conversar.

Já disse que eu era um rapaz acanhado, sobretudo em presença de moças bonitas; mas o ambiente de familiaridade e franqueza daquela casa modificou-me logo. Cheguei até a suportar nos olhos os olhares da linda jovem, sem perder a tramontana como da primeira vez. É que nem remotamente lembrava aquele olhar o olhar malicioso das mulheres que eu conhecera. Fui percebendo aos poucos que de feminino só havia em miss Jane o aspecto. Seu espírito formado na ciência e seu convívio com um homem superior, dela afastavam todas as preocupações de coquetismo, próprias da mulher comum.

Isso me pôs á vontade. Sentia-me, não um moço em frente de uma donzela, mas um espírito diante do outro.

Aproveitei o ensejo para esclarecer-me a respeito do professor Benson. Soube que era descendente de um mineralogista norte-americano que um século antes viera ao Brasil estudar a composição de certa zona aurífera. Gostou da terra e nela se fixou, casando-se com a filha de um fazendeiro de S. Paulo.

— Desse consorcio, explicou miss Jane, só veio ao mundo meu pai, que cedo foi enviado á Europa, onde se dedicou a estudos científicos. Lá se casou tarde e lá residiu por certo tempo. Veio depois tomar posse dos bens deixados pelo meu avô — e aqui nasci eu. Mas não me lembro de minha mãe. Morreu muito moça, anos 9 anos... Desde essa época estabeleceu-se meu pai neste recanto e consagrou-se integralmente á sua invenção. Passou o nosso mundo a
resumir-se neste laboratório. Raras vezes vamos á cidade, pouco interesse, aliás, achando nós dois em seu tumulto.

— Pudera! Quem tem o passado e o futuro nas mãos...

— Realmente é isso. Este aparelho fornece-nos tamanhas maravilhas, que a bem dizer vivemos muito mais no porvir do que no presente. Meu gosto é realizar estudos dos anos mais remotos, e só lamento não ter um cérebro imenso qual o oceano para reter tudo o que vejo. Outra coisa que lamento é não podermos dar a publico a nossa invenção. A bondade de meu pai o impede.

— Não alcanço muito bem o porquê...

— Pretende ele, e com muita lógica, que a humanidade não está apta a suportar a revelação do futuro. Acha que a sua invenção cairia no poder de um grupo o qual abusaria da tremenda soma de superioridade que a descoberta lhe concederia. Fosse meu pai um homem vulgar, de pouca sensibilidade de coração, e ele mesmo assumiria o predomínio que receia ver na posse de outrem. Basta dizer que até hoje apenas se utilizou deste invento para reunir o dinheiro necessário á nossa vida e aos enormes dispêndios dos seus estudos.

— Agora me lembro, miss Jane, que lá fora é o professor Benson conhecido como um jogador de cambio que jamais perde.

— E assim é. Fizemos experiência com o marco e o franco e os fatos corresponderam com exatidão ás indicações deste aparelho. Mas meu pai limitou-se a ganhar o necessário para o trem de vida que leva. Estamos na posse de elementos para alcançar o que quisermos, para reunirmos nas mãos a maior soma de ouro com que se possa sonhar. Isso, porém, nos seria de todo inútil. Para que necessitamos da mesquinha riqueza do mundo se nada não nos dá ela que se aproxime do que temos aqui?

— Por mais espantosa, miss Jane, que seja a descoberta do professor Benson, espanta-me ainda mais o caráter das duas pessoas que estão no seu segredo. Podem ser tudo e não querem ser nada...

— Ser tudo!... Que significa ser tudo? Quando penso nas grandezas do mundo, rio-me delas...

Miss Jane conversou comigo por mais de um hora sobre os mais variados assuntos. E explicou-me depois o funcionamento do aparelho, recorrendo ás suas imagens habituais, tão pitorescas. A corrente perdia no globo de cristal a sua forma concentrada e visualizava-se como numa projeção de cinema, reproduzindo momentos de vida futura cora a exatidão que vai ter um dia.

— Ficamos na posição de um espectador imóvel num ponto. Só vemos e ouvimos o que passa ao alcance dos nossos olhos ou soa ao alcance dos nossos ouvidos. Isso ás vezes dificulta a compreensão de certos momentos da vida futura. Aparecem-nos coisas que não podemos compreender por falta dos elos anteriores da evolução. No ano 3.527, por exemplo, vi na população da França evidentes sinais de mongolismo. Os trajes não lembravam nada do que usam hoje as criaturas em parte nenhuma da terra, nem sequer pude perceber de que seriam feitos. Esqueci-me de dizer que o nosso aparelho não vai além do ano 3.527. Sua potencia pára aí. Focalizado para o ano de 3.528 já dá uma visão de tal modo baça que não distinguimos nada. Ficamos, eu e meu pai, perplexos ante aquele mongolismo da França. Só depois, fazendo cortes menos recuados e combinando uns com os outros, conseguimos decifrar o mistério. Tinham-se derramado pela Europa os mongóis e se substituído á raça branca.

Não pude conter um gesto de espanto, e fiz tal cara que miss Jane sorriu.

— Que horror! Vai então acontecer essa catástrofe? exclamei.

A jovem sabia respondeu com serena impassibilidade:

— Por que, catástrofe? Tudo que é tem razão de ser, tinha forçosamente de ser; e tudo que será terá razão de ser e terá forçosamente de ser. O amarelo vencerá o branco europeu por dois motivos muito simples: come menos e prolifera mais. Só se salvará da absorção o branco da America. E como esta, quantas revelações curiosas! Outra, que muito me impressionou, foi a transformação das ruas que se nota no ano 2.200 em diante. Cessa a era dos veículos. Nada de bondes, automóveis ou aviões no céu.

—Como pode ser isso, miss Jane? É quase um absurdo.

—Pois para lá caminhamos. Em cortes sucessivos que fiz de dez em dez anos observei a diminuição rápida dos veículos atuais. A roda, que foi a maior invenção mecânica do homem e hoje domina soberana, terá seu fim. Voltará o homem a andar a pé. O que se dará é o seguinte: o radio-transporte tornará inútil o corre-corre atual. Em vez de ir todos os dias o empregado para o escritório e voltar pendurado num bonde que desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará ele o seu serviço em casa e o radiará para o escritório. Em suma: trabalhar-se-á á distancia. E acho muito lógica esta evolução. Não são hoje os recados transmitidos instantaneamente pelo telefone? Estenda esse principio a tudo e verá que imensas possibilidades para vir trazê-lo. O progresso foi grande, mas repare quando á radiocomunicação se acrescentar o radio-transporte. Outrora, por exemplo, se o senhor Ayrton quisesse fumar um charuto tinha de mandar um criado buscá-lo á charutaria; hoje pede-o pelo telefone, mas o charuteiro ainda é obrigado a mobilizar um carregador para vir trazê-lo. O progresso foi grande, mas repare que atraso ainda! Mobilizar um homem, isto é, uma massa de 60 ou 70 quilos de carne, fazê-lo dar mil ou cinco mil passos, gastando vinte ou trinta minutos da sua vida. só para transportar um simples charuto! Chega a ser grotesco...

— Realmente. Mas no futuro?

— No futuro o senhor Ayrton fumará á distancia. Veja quanta economia de tempo e esforço humano!

Julguei que miss Jane estivesse a caçoar comigo e até hoje permaneço na duvida. Em seu rosto, porém, não vi a menor sombra de motejo.

—Pode ser, mas... duvidei.

—Esse mesmo "pode ser, mas..." diria um romano do tempo de Cesar se alguém lhe predissesse que um romano do tempo do óleo de rícino não precisaria sair de sua casa para conversar com um cidadão de Paris. Sabe o senhor Ayrton, no entanto, que isso é comezinho hoje e nem sequer admira a ninguém.

—Falar é uma coisa e fumar é outra.

—Hoje, que só temos a radio-comunicação. Mas chegará o dia da radio-sensação e do radio-transporte, com radical mudança do nosso sistema de vida. Os veículos ao sistema corrente desaparecerão um por um. Voltará o homem a caminhar a pé, por prazer, e as ruas se tornarão uma delicia. O senhor Ayrton sabe o que quer dizer uma rua hoje...

—Ninguém melhor do que eu, miss Jane, pois desde menino vivo nelas. Que angustia, que permanente inquietação! Temos que andar com cinquenta olhos arregalados, para prevenirmos trancos e atropelamentos.

— Tudo isso desaparecerá, e adquirirão as cidades uma calma deliciosa, como hoje a de certas aldeias. Vi New York nesse período. Que diferença do atropelado e doido formigueiro de agora!

— Deve miss Jane ter observado coisas maravilhosas!...

— Menos maravilhosas do que desnorteantes para as nossas idéias atuais. As invenções vão sobrevivendo no decurso do tempo, umas saídas das outras, e as coisas tomam ás vezes rumo muito diverso do que a lógica, com ponto de partida no estado atual, nos faria prever,

O professor Benson reapareceu nesse momento e a conversa tomou outro rumo. Eu me achava na situação de um homem que ingerisse um estupefaciente desconhecido. Estava com a minha capacidade de assimilação de idéias esgotada e já com uma ponta de dor de cabeça a dar sinal de que o cérebro exigia repouso. Sem que eu o dissesse, o velho sábio, mais sua filha, compreenderam-no perfeitamente e dali até o jantar só me falaram de coisas repousantes.

Á noite custei a conciliar o sono, o que era natural. Mas sinceramente o digo: o que mais me dançava na cabeça não era o desvendamento do futuro nem as suas abracadabrantes maravilhas, e sim a imagem de miss Jane. A estranha criatura loura, de olhos tão azuis, impressionara por igual meu cérebro e meu coração. Comecei a ver nela o verdadeiro tudo; e se me dessem a opinar entre a posse da descoberta do professor Benson e o tê-la ao meu lado para o resto da vida, não vacilaria um instante na escolha.

Dormi por fim e, em vez de sonhar com o mundo futuro entrevisto na palestra da moça, sonhei no encanto do presente, todo resumido em conjugal convivência com o meigo anjo sábio.
---------------
continua… VIII – A Luz que se Apaga

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 348)


Uma Trova Nacional

Exilio, os sonhos da gente
perdidos na multidão,
numa vaga simplesmente
de um quartinho de pensão.
–NILTON MANOEL/SP–

Uma Trova Potiguar

Nos percalços desta vida,
quando a maldade nos corta,
é graça bem recebida
se alguém nos abre uma porta.
–REINALDO AGUIAR/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Belo Horizonte/MG
Tema: GRAÇA - Venc.

Quem cumpre as metas que traça,
sem perder de vista o norte,
tem em suas mãos a graça
dos rumos da própria sorte.
–WANDA HORILDA DE LIMA/MG–

Uma Trova de Ademar

A distância cria uns laços
que enrosca qualquer um bamba.
A saudade não tem braços,
mais aperta pra caramba!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Não sabe, quem não aceita
as cruzes que carregamos,
que a nossa vida é colheita
daquilo que nós plantamos.
–ALICE ALVES NUNES/DF–

Simplesmente Poesia

Preservação
R. C. LIMA/PB

Tudo estava preservado,
cada cor no mesmo tom.
O mesmo jarro quebrado,
o mesmo sofá marrom.
Mesmo tapete vermelho,
e aquele adeus no espelho
que ela “escreveu” com batom.

Estrofe do Dia

Eu não creio em quem faz economia
passa fome com pena de gastar,
vê um pobre faminto e não lhe dar
um pedaço do pão de cada dia,
tem dinheiro, tem terra e vacaria
nega um copo de leite a uma criança,
junta tudo que pode e ainda avança
pra tomar um pedaço do alheio;
pode até se salvar mas eu não creio
só se Deus der um toque na balança.
–DIMAS BIBIU/PB–

Soneto do Dia

Os Parceiros
–MARIO QUINTANA/RS–

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insite em quê? Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro… eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Hermoclydes Siqueira Franco (Proposições a um Vocabulário em Trovas) LETRA “A”


NOTA EXPLICATIVA

Em novembro de 1985, por ocasião da festa de encerramento dos JOGOS FLORAIS DE NITERÓI, tive ocasião de conhecer JACY PACHECO.

Realizava, então, o talentoso membro da Academia Niteroiense de Letras, o lançamento do trabalho a que denominou ‘VOCABULÁRIO EM TROVAS” – algo de novo no campo das trovas – composto de mais de 300 trovas e abrangendo mais de 400 vocábulos.

Em sua “nota ao leitor” esclarecia que, compulsando o trabalho, “... o leitor encontrará, em meio ao rigor das rimas e da métrica, ora o significado exato de um termo, ora o disparate, proposital, capaz de provocar o riso e quebrar o tom severo e característico dos dicionários...”

A transcrição acima é necessária para esclarecer que foi sob o contágio da beleza, espirituosidade e precisão da obra de Jacy, e com a preocupação de captar-lhe o espírito e a forma, que elaboramos, como contribuição ao seu trabalho, cerca de 130 trovas, incluindo 222 vocábulos novos, de tal forma que poderiam ser, perfeitamente, inseridos nos espaços permitidos pela ordem alfabética seguida pelo excelente bardo fluminense.

Esta nossa NOTA EXPLICATIVA é importante para que, agora, 25 anos passados da elaboração deste nosso trabalho, que infelizmente não pôde ser adicionado ao Vocabulário de JACY, em face de seu falecimento, possam os leitores compreender alguns pormenores incluídos nos verbetes que criamos e, também, a razão da escassez de palavras que poderiam ampliar o âmbito da nossa PROPOSIÇÃO AO VOCABULÁRIO EM TROVAS.

Hermoclydes S. Franco - Texto de 1986 resumido em 2011

ABRIL: Mês da reverência
A Tancredo e Tiradentes;
Liberdade, Inconfidência
E alegrias pertinentes...

AÇUCAR: É a sacarose;
Doçura, (quase lhaneza).
ACUPUNTURA: É uma dose
De agulhadas, à chinesa.

ADEUS: Triste interjeição,
Diz quem parte, diz quem fica.
Quase sempre é rejeição.
Quase sempre não se explica.

AGÔSTO: Mês singular,
Que marca bem nosso inverno.
Traz as ressacas ao mar
E ao céu um luar eterno...

ALABASTRO: É uma gipsita
Que tem alvura translúcida.
ÁLACRE: Alegria (aflita)
De gente nem sempre lúcida.

ALAMBIQUE: Que destila.
ALAMEDA: Arborizada,
Qual “Boulevard” lá da Vila,
Por Noel eternizada.

ÁLBUM: Família vistosa.
ALBUMINA: A proteína
Que dizem ser perigosa
Quando encontrada na urina.

ALCATRA: Carne de boi;
Boa de panela ou tacho.
ALCATRÃO: Se não é, foi
O conhaque do borracho.

ÁLCOOL: Um líquido forte,
Derruba qualquer valente.
ALCÓOLATRA: Ser, ser sorte,
Que esbarra, sempre, na gente.

ALMAÇO: Papel de prova
Que nos relembra o passado.
ALMEJAR: Vencer com trova
Que não tenha “pé-quebrado”.

ALMIRANTE: É oficial
Mesmo depois do “pijama”.
ALMOÇAR: No “natural”
Sem engordar um só grama.

ALMOFADINHA: Rapaz
Que se traja com apura.
ALMOTOLIA: É o que faz
O óleo entrar, mesmo no escuro.

AMÉRICA: O Novo Mundo
Descoberto por Colombo.
AMESTRAR: Treinar, a fundo,
Sem dar lambadas no lombo.

ARQUITETO: É o engenheiro
Que dizem que até deu certo.
ARQUIVO: Só de dinheiro;
E há tanto ladrão por perto.

Fontes:
Trovas enviadas pelo autor
Imagem - O Trovadorismo

Olavo Bilac (Alma Inquieta: poesias) 2


NOTURNO

Já toda a terra adormece.
Sai um soluço da flor.
Rompe de tudo um rumor,
Leve como o de uma prece.

A tarde cai. Misterioso,
Geme entre os ramos o vento.
E há por todo o firmamento
Um anseio doloroso.

Áureo turíbulo imenso,
O ocaso em púrpuras arde,
E para a oração da tarde
Desfaz-se em rolos de incenso.

Moribundos e suaves,
O vento na asa conduz
O último raio da luz
E o último canto das aves.

E Deus, na altura infinita,
Abre a mão profunda e calma,
Em cuja profunda palma
Todo o Universo palpita.

Mas um barulho se eleva...
E , no páramo celeste,
A horda dos astros investe
Contra a muralha da treva.

As estrelas, salmodiando
O Peã sacro, a voar,
Enchem de cânticos o ar...
E vão passando... passando...

Agora, maior tristeza,
Silêncio agora mais fundo;
Dorme, num sono profundo,
Sem sonhos, a natureza.

A flor-da-noite abre o cálix...
E, soltos, os pirilampos
Cobrem a face dos campos,
Enchem o seio dos vales:

Trêfegos e alvoroçados,
Saltam, fantásticos Djins,
De entre as moitas de jasmins,
De entre os rosais perfumados.

Um deles pela janela
Entre no teu aposento,
E pára, plácido e atento,
Vendo-te, pálida e bela.

Chega ao teu cabelo fino,
Mete-se nele: e fulgura,
E arde nessa noite escura,
Como um astro pequenino.

E fica. Os outros lá fora
Deliram. Dormes... Feliz,
Não ouves o que ele diz,
Não ouves como ele chora...

Diz ele: “O poeta encerra
Uma noite, em si, mais triste
Que essa que, quando dormiste,
Velava a face da terra...

Os outros saem do meio
Das moitas cheias de flores:
Mas eu saí de entre as dores
Que ele tem dentro do seio.

Os outros a toda parte
Levam o vivo clarão,
E eu vim do seu coração
Só para ver-te e beijar-te.

Mandou-me sua alma louca,
Que a dor da ausência consome,
Saber se em sonho o seu nome
Brilha agora em tua boca!

Mandou-me ficar suspenso
Sobre o teu peito deserto,
Por contemplar de mais perto
Todo esse deserto imenso!”

Isso diz o pirilampo...
Anda lá fora um rumor
De asas rufladas... A flor
Desperta, desperta o campo...

Todos os outros, prevendo
Que vinha o dia, partiram,
Todos os outros fugiram...
Só ele fica gemendo.

Fica, ansioso e sozinho,
Sobre o teu sono pairando...
E apenas, a luz fechando,
Volve de novo ao seu ninho,

Quando vê, inda não farto
De te ver e de te amar,
Que o sol descerras do olhar,
E o dia nasce em teu quarto...

VIRGENS MORTAS

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velo engaste azul do firmamento:
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós, quando anoitece,
Cuidado! – o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,
- Piedade! elas vêem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras!

O CAVALEIRO POBRE
(Pouchkine)

Ninguém soube quem era o Cavaleiro Pobre,
Que viveu solitário, e morreu sem falar:
Era simples e sóbrio, era valente e nobre,
E pálido como o luar.

Antes de se entregar às fadigas da guerra,
Dizem que um dia viu qualquer cousa do céu:
E achou tudo vazio... e pareceu-lhe a terra
Um vasto e inútil mausoléu.

Desde então, uma atroz devoradora chama
Calcinou-lhe o desejo, e o reduziu a pó.
E nunca mais o Pobre olhou uma só dama,
Nem uma só! nem uma só!

Conservou, desde então, a viseira abaixada:
E, fiel à Visão, e ao seu amor fiel,
Trazia uma inscrição de três letras, gravada
A fogo e sangue no broquel.

Foi aos prélios da Fé. Na Palestina, quando,
No ardor do seu guerreiro e piedoso mister,
Cada filho da Cruz se batia, invocando
Um nome caro de mulher,

Ela rouco, brandindo o pique no ar, clamava:
“Lumen coeli Regina!” e, ao clamor dessa voz,
Nas hostes dos incréus como uma tromba entrava,
Irresistível e feroz.

Mil vezes sem morrer viu a morte de perto,
E negou-lhe o destino outra vida melhor:
Foi viver no deserto... E era imenso o deserto!
Mas o seu Sonho era maior!

E um dia, a se estorcer, aos saltos, desgrenhado,
Louco, velho, feroz, - naquela solidão
Morreu: - mudo, rilhando os dentes, devorado
Pelo seu próprio coração.

IDA

Para a porta do céu, pálida e bela,
Ida as asas levanta e as nuvens corta.
Correm os anjos: e a criança morta
Foge dos anjos namorados dela.

Longe do amor materno o céu que importa?
O pranto os olhos límpidos lhe estrela...
Sob as rosas de neve da capela,
Ida soluça, vendo abrir-se a porta.

Quem lhe dera outra vez o escuro canto
Da escura terra, onde, a sangrar, sozinho,
Um coração de mão desfaz-se em pranto!

Cerra-se a porta: os anjos todos voam...
Como fica distante aquele ninho,
Que as mães adoram... mas amaldiçoam!

NOITE DE INVERNO


Sonho que estás à porta...
Estás – abro-te os braços! – quase morta,
Quase morta de amor e de ansiedade...
De onde ouviste o meu grito, que voava,
E sobre as asas trêmulas levava
As preces da saudade?

Corro à porta... ninguém! Silêncio e treva.
Hirta, na sombra, a Solidão eleva
Os longos braços rígidos, de gelo...
E há pelo corredor ermo e comprido
O suave rumor de teu vestido,
E o perfume subtil de teu cabelo.

Ah! se agora chegasses!
Se eu sentisse bater em minhas faces
A luz celeste que teus olhos banha;
Se este quarto se enchesse de repente
Da melodia, e do clarão ardente
Que os passos te acompanha:

Beijos, presos no cárcere da boca,
Sofreando a custo toda a sede louca,
Toda a sede infinita que os devora,
- Beijos de fogo, palpitando, cheios
De gritos, de gemidos e de anseios,
Transbordariam por teu corpo afora!...

Rio aceso, banhando
Teu corpo, cada beijo, rutilando,
Se apressaria, acachoado e grosso:
E, cascateando, em pérolas desfeito,
Subiria a colina de teu peito,
Lambendo-te o pescoço...

Estrela humana que do céu desceste!
Desterrada do céu, a luz perdeste
Dos fulvos raios, amplos e serenos;
E na pele morena e perfumada
Guardaste apenas essa cor dourada
Que é a mesma cor de Sírius e de Vênus.

Sob a chuva de fogo
De meus beijos, amor! terias logo
Todo o esplendor do brilho primitivo;
E, eternamente presa entre meus braços,
Bela, protegerias os meus passos,
-Astro formoso e vivo!

Mas... talvez te ofendesse o meu desejo...
E, ao teu contacto gélido, meu beijo
Fosse cair por terra, desprezado...
Embora! que eu ao menos te olharia,
E, presa do respeito, ficaria
Silencioso e imóvel a teu lado.

Fitando o olhar ansioso
No teu, lendo esse livro misterioso,
Eu descortinaria a minha sorte...
Até que ouvisse, desse olhar ao fundo,
Soar, num dobre lúgubre e profundo,
A hora da minha morte!

Longe embora de mim teu pensamento,
Ouvirias aqui, louco e violento,
Bater meu coração em cada canto;
E ouvirias, como uma melopéia,
Longe embora de mim a tua idéia,
A música abafada de meu pranto.

Dormirias, querida...
E eu, guardando-te, bela e adormecida,
Orgulhoso e feliz com o meu tesouro,
Tiraria os meus versos do abandono,
E eles embalariam o teu sono,
Como uma rede de ouro.

Mas não bens! não virás! Silêncio e treva...
Hirta, na sombra, a Solidão eleva
Os longos braços rígidos de gelo;
E há, pelo corredor ermo e comprido,
O suave rumor de teu vestido
E o perfume subtil de teu cabelo...

Fonte:
BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a obra-prima de cada autor). Digitalizado por Anamaria Grunfeld Villaça Koch – São Paulo/SP