sábado, 1 de outubro de 2011

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) VIII – A Luz que se Apaga


CAPITULO VIII
A Luz que se Apaga


No dia seguinte, logo pela manhã, soou-me aos ouvidos uma novidade desagradável. Não passara bem a noite o professor Benson.

— Estou velho, meu caro senhor Ayrton, disse-me ele ao encontrar-se comigo. Já sinto cá dentro a máquina funcionar com esforço. Jane ignora o meu estado, mas a pobre menina não me terá por muito tempo na terra. Ficará só. Dei-lhe, entretanto, tal educação, e possui ela tais qualidades de caráter, que morrerei feliz. Saberá agir no mundo como se contasse sempre comigo.

Veio-me aos lábios um ímpeto de confidência. Quis apresentar-me ao professor como o braço forte que se oferecia a miss Jane quando o de seu pai viesse a faltar. Contive-me a tempo. Lembrei-me da minha insignificância e do pouquíssimo que eu ainda era naquele lar. Limitei-me, pois, a confirmar as idéias do velho em relação á filha, dizendo:

— Pelo que com ela conversei ontem tive a mesma impressão. É miss Jane uma criatura superior, uma madame Curie capaz de prosseguir nos trabalhos de seu pai, se o quiser.

— Jane o quereria talvez, mas não posso consentir nisso. Bastam-lhe, para lhe encher a vida, as visões que já teve e a superioridade que adquiriu conhecendo o futuro próximo. Isso lhe permitirá por-se a salvo das contingências da necessidade. Possui Jane um caderninho onde anotou a cotação dos principais valores de bolsa nestes próximos cinquenta anos. Está assim habilitada a ser detentora do dinheiro que quiser. O dinheiro ainda é tudo para os homens. O estranho dote que deixo á minha filha se resume nesse caderninho de notas... Mas conheço Jane. Extremamente imune ás ambições que atormentam o comum das mulheres, levará um viver apagado, sem exterioridade, toda entregue á vida cerebral, que a tem intensíssima.

O professor fez uma pausa, como se o esforço daquelas confidencias o tivesse cansado. Depois, disse:

— Realizei o que jamais sonhara nos delirantes sonhos da minha mocidade — e me vejo forçado a levar para o tumulo o grande segredo... Jane não o revelará a ninguém e ainda que o faça não estará na posse da solução técnica. O senhor Ayrton, única testemunha presencial de tudo, também o não revelará a ninguém.

— Proibe-mo, professor?

— Não, não proíbo, já disse. Mas se algum dia tiver a ingenuidade de o revelar a alguém, passará por louco, e se insistir, por louco varrido, dos que os homens metem nos hospícios. O instinto de conservação e de sociabilidade é que o vai impedir de revelar o que está vendo aqui.

Miss Jane entrou nesse momento e notei que o velho sábio se contrafazia diante da moça para não denunciar o seu estado de saúde. Apesar disso ela observou.

—Um pouco pálido, meu pai...

—Sim, mas estou perfeitamente bem. Temos aqui o senhor Ayrton e compete a ti, minha filha, organizar o programa do dia. Pouco posso acompanhá-los. Uma delicada experiência vai absorver-me por algumas horas.

Miss Jane olhou-me com os seus lindos olhos claros e disse:

— Escolha, senhor Ayrton. Ontem foi a teoria, hoje começa a ser a pratica. Vai estudar uns córtex. Escolha um momento da vida futura que o interessa.

Miss Jane estava linda como uma rosa desabrochada naquela manhã na roseira próxima do meu quarto. Meus olhos envolveram-na num véu de enlevo e se o coração pudesse falar ter-lhe-ia eu dito que só me interessava o presente nela concentrado. Mas respondi de outro modo.

—Sou um leigo em matéria de futuro, miss Jane, e nem escolher posso. Deixo isso ao seu inteligente critério.

—Não tem vontade de ver o que se passará aqui, neste lugar onde estamos, no ano 3000?

—Já fizeste esse corte, Jane, interveio o professor.

—Fiz, sim, meu pai, mas será curioso repeti-lo para o senhor Ayrton.

—Perfeitamente, concordei. Ha sempre mais interesse para nós em ver assim futurizado um ponto nosso conhecido do que um desconhecido.

— Pois então, resolveu o professor Benson, comecem por aí e não contem comigo. Vou trabalhar.

Ergueu-se e saiu. Miss Jane acompanhou-o até á porta e ao tornar me disse:

— Acho meu pai um tanto abatido hoje. Já está nos setenta anos e velhice é doença...

Uma nuvem de melancolia sombreou-lhe os lindos olhos azuis e um breve suspiro lhe escapou do peito. Também eu no intimo me sombreei de tristeza, embora mentisse exteriormente, nesse intuito de consolação fácil que tais lances impõem.

— Qual! Exclamei. O professor é rijo. E com a vida calma que leva ainda viverá muito.

— Assim seja, murmurou Miss Jane, porque não sei o que será de mim sem ele. Acho-me tão identificada com meu pai...

Arrisquei urna pergunta indiscreta:

— Nunca pensou em casamento, miss Jane?

A moça entreparou, olhando-me entre admirada e divertida.

— Casamento? Ora que coisa interessante, senhor Ayrton!... Ha de crer que é a primeira vez que tal palavra soa nesta casa? Ca-sa-men-to!...

E repetiu-a diversas vezes como se repetisse uma palavra de som esquisito e nunca antes pronunciada.

— Sim, continuei eu, todas as moças se casam. O amor um dia vem e...

Miss Jane permaneceu alheada, como entregue a profundas cogitações interiores.

— "Todas as moças"... repetiu. Mas serei eu moça? Nunca me analisei, senhor Ayrton. Minha vida tem sido voar de século em século por esse futuro afora em companhia de meu pai. Sinto que sou apenas um espírito que observa e possui meios de visualizar o que está fora do alcance humano. Será isso ser moça? Amor?... Que é amor, senhor Ayrton? O seu vocabulário é tão novo para mim como deve ser para o seu espírito esta nossa mentalidade futurista. Mas vamos ao que serve. É tempo de operar um corte.

Miss Jane dirigiu-se ao gabinete do porviroscopio e eu acompanhei-a, tomado de espanto diante de um ser tão alheio ao seu tempo e á sua condição. Lá fora, amor e casamento constituem a obsessão única de todas as mulheres. Em criança, brincam de casar as bonecas. Núbeis, cuidam exclusivamente de casar a si próprias.

Velhas, cuidam de casar ou descasar as outras. Havia, pois, uma mulher no mundo, e formosíssima que não só não pensava em amor e casamento mas á qual tais expressões soavam como vozes inéditas... Era simplesmente prodigioso!

Diante do porviroscopio ela se deteve e depois de algumas explicações me fez colocar no ano 3000 o ponteiro. Em seguida viu num mapa a situação geográfica do ponto onde nos achávamos e ensinou-me a mover o ponteiro marcador das latitudes e longitudes.

— Pronto! exclamou. Basta agora abrir esta válvula. A corrente envelhecerá de 1074 anos, que são quantos vão do em que estamos ao ano 3000. Envelhecerá e nos dará sinal disso automaticamente. Mas como o envelhecimento de cada ano consome um minuto, teremos... Tomou de um lápis e calculou, rápida.

— Teremos de esperar 17 horas e 54 minutos. O relógio marca as nove e, pois, só conseguiremos ter cá o ano 3000 ás nossas ordens entre meia noite e uma da madrugada. Estou afeita a estas observações a qualquer hora da noite, mas não sei se para o senhor Ayrton não será incomodo...

— Absolutamente não. Só lamento não poder satisfazer já, já, a minha curiosidade. Ver um pedaço da nossa terra no ano 3000, que portentosa maravilha! Diga-me alguma coisa, miss Jane, do que me vai ser revelado...

— Não. Não quero prejudicar a sua surpresa. Prefiro falar de aspectos que vi em outros tempos e outros países.

Lances ha na vida absolutamente indeléveis. Essa tarde que passei com a filha do professor Benson, a ouvir-lhe as revelações do futuro, como esquecê-la jamais? Não poderei reproduzir aqui tudo quanto ela me disse; seria compor um catalogo sem fim. A invasão mongólica, o feroz industrialismo da Europa mudado em contemplativismo asiático, a evolução da America num sentido inteiramente inverso... quanta coisa formidável! Mas nada me interessou tanto como o drama do choque das raças nos Estados Unidos.

— Esse choque, disse miss Jane, deu-se no ano 2228 e assumiu tão empolgantes aspectos que reduzido a livro dá uma perfeita novela. Não sei se o senhor Ayrton é literato...

— Já fiz um soneto na idade em que todos desovam sonetos...

— Pois se não é poderá tornar-se. O principal para uma novela é ter o que dizer, estar senhor de um tema na verdade interessante. Ora, eu fornecerei os dados dessa novela e o senhor Ayrton terá oportunidade ótima para apresentar-se ao mundo das letras com um livro que a critica julgará ficção, embora não passe da simples verdade futura.

A idéia sorriu-me, e todo me lisonjeei com a opinião que miss Jane fazia das minhas capacidades artísticas.

— Quer tentar? insistiu ela. Contar-lhe-ei com a máxima fidelidade o que vai passar-se. De posse desse material, e depois de pessoalmente fazer vários cortes que o ajudem a formar idéia justa do ambiente futuro, atirar-se-á á tarefa. Desde já asseguro uma coisa: sairá novela única no gênero. Ninguém lhe dará nenhuma importância no momento, julgando-a pura obra da imaginação fantasista. Mas um dia a humanidade se assanhará diante das previsões do escritor, e os cientistas quebrarão a cabeça no estudo de um caso, único no mundo, de profecia integral e rigorosa até nos mínimos detalhes.

— Realmente! exclamei. Será romance como os de Wells, porém verdadeiro, o que lhe requintará o sabor. Quanta novidade!

— Os leitores andarão pulando de surpresa, e estou já a imaginar as caras de espanto que hão de fazer quando o senhor Ayrton falar, por exemplo, da cirurgia do doutor Lewis.

— Quem era?

— Oh, um mágico da anatomia, o primeiro que praticou o desdobramento do homem.

Franzi os sobrolhos.

— Desdobramento da personalidade? perguntei.

— Sim, mas desdobramento anatômico. O doutor Lewis, sábio que começou a surgir em 2201, teve a idéia de romper com o plano simétrico do corpo humano. Possuímos dois olhos e dois ouvidos que agem como a parelha de cavalos a puxar no mesmo rumo o carro. Lewis alterou isso. Por meio dum delicado processo cirúrgico, desligou — desxifopagou os nervos óticos e auditivos, dando autonomia aos dois ramos. Conseguiu destarte que o "desdobrado" pudesse ver uma coisa com o olho direito e outra com o esquerdo, e também ouvir ás duplas, com a audição assim desligada.

Miss Jane fez breve pausa, como a recordar. Depois disse:

— Lembro-me que no escritório do Intermundane Herald observei o primeiro desdobrado em ação, primeiro e único aliás.

— Intermundane Herald, miss Jane? Cheira-me isso a psiquismo...

— E cheira certo. Era um jornal de radiação metapsiquica, que veio atender á velha sede de liame com os vivos que os mortos sempre manifestaram. Em vez das pobres almas penadas andarem pelo mundo em busca de mesinhas falantes e médiuns, único meio que possuem hoje de conversar conosco, liam o Intermundane Herald.

— E como se manifestavam? Pois não posso crer que também colaborassem nesse jornal...

— Disso se encarregava a Psychical Corporation, dona de grande estação central de Detroit. Afluíam os espíritos para ali e chamavam os vivos pela linha metapsicotonica internacional, como hoje nos chamamos pela linha telefônica.

O meu assombro era grande, embora tocado de uma pontinha de desconfiança. Estaria miss Jane a mangar comigo? Olhei-a firme nos olhos. A lealdade que neles vi era a mesma de sempre.

— Mas, continuou ela, voltando ao meu homem desdobrado direi que pude observá-lo em ação no escritório do Herald. Estava á mesa de trabalho, a examinar com o olho direito uma gravura antiga e a consultar uma tabua de logaritmos com o esquerdo. Ao mesmo tempo ouvia a musica da moda com o ouvido direito e com o esquerdo atendia a um colaborador do jornal. Ocupava-se em quatro coisas diversas, valendo assim por quatro homens não desdobrados.

— H4...

— E não ficava nisso. Era bem um Homo elevado, não á quarta, mas á sexta potencia, porque ainda recolhia a queixa dum dos espíritos leitores do Herald — espírito rabugento, a avaliar por certos ímpetos nervosos da mão que estenografava.

— E com a outra mão que fazia?

— Alisava meigamente um gatinho que lhe sentara no colo.

Encarei-a de novo, firme. Miss Jane não piscou. Logo, era verdade. A experiência dos olhos que piscam sempre me pareceu infalível na pesca dos potoqueiros.

— Mas não foi coisa que se generalizasse, continuou a moça. A ruptura por intervenção humana dos planos normais da natureza nunca foi bem sucedida. Sobrevinham sempre complicações imprevisíveis á argúcia dos sábios, e irremediáveis. Esse pobre desdobrado, por exemplo, acabou logo depois de maneira trágica. Em vez de persistir na sua sexta potencia, empastelou-se, confundiu-se e acabou não sendo nem sequer um homem apenas, como antes da operação. A mais horrorosa demência veio destruir aquela obra prima da cirurgia de 2228. Por esta amostra vê o senhor Ayrton quantos episódios interessantes podem enriquecer a sua
novela, concluiu miss Jane.

Fiquei de olhos parados, a cismar.

— Outra coisa que muito me maravilhou foi o Teatro Onírico, prosseguiu ela.

— Que?

— O teatro dos sonhos.

— Fiquei na mesma...

— Descobriu-se um processo de fixar na tela os sonhos, como hoje o cinematografo fixa em filmes o movimento material. E dada a riqueza do nosso subconsciente, mar donde emana o sonho, e mar profundo do qual a consciência não passa da exígua superfície, pode o senhor Ayrton imaginar que maravilhosas representações não se davam nesse teatro. Nem as Mil e Uma Noites, nem Edgard Poe — nada valia um só desses espetáculos onde o contra-regra se chamava Imprevisto. Tornou-se a arte suprema, a mais deleitosa de toda — e ainda uma ciência. A alma humana só deixou de ser o enigma que hoje é depois que pôde ser assim fotografada em suas manifestações de absoluta nudez. Até então apenas lhe conhecíamos as manifestações vestidas pela Censura, isto é, as suas atitudes.

Miss Jane pausou um bocado, enquanto eu refervia. Era de maravilhar a transformação que se operava em mim! Vinte dias antes eu não passava de modesto empregado de rua duma casa comercial — e estava agora na iminência de tornar-me autor de um livro assombroso, capaz de cobrir meu nome de gloria. A idéia desvairou-me e a novela principiou a formar-se-me nos miolos com fragmentos de romances lidos em rodapé de jornais. O começo do primeiro capitulo chegou a traçar-se de chofre em minha cabeça:

— "Era por uma dessas tardes calmosas de verão, em que o astro rei, rubro como um disco de cobre," etc.

Estava eu nesse devaneio quando um criado penetrou de surpresa no gabinete. Chamou de parte miss Jane e disse-lhe algumas palavras agitadas. Sem pedir licença a moça retirou-se com precipitação.

Fiquei atônito, sem saber o que pensar. Delicada e fina como era, se assim se retirava de minha companhia sem o clássico e sorridente "com licença" é que algo de grave ocorria. Fiquei na minha poltrona ainda uns dez minutos com o ouvido atento aos menores rumores, tentando decifrar o mistério. O silencio era absoluto; nem sequer se ouvia o zum-zum do cronizador a trabalhar. Consultei o relógio.

— Dez e quinze. A corrente já está no ano 2001, pensei comigo, ano que não alcançarei. Mas meu filho Ayrton Benson Lobo o alcançará.

Pus-me a sonhar, e os sonhos logo me acalmaram a inquietação produzida pela inexplicável retirada de miss Jane. Vi-me amado de tão gentil criatura e com ela casado. Por esse tempo já não fazia parte deste mundo o professor Benson. Setenta anos tinha ele; era natural que não durasse muito. Miss Jane ficava só na terra, sem relações sociais, sem sonhos de grandeza mundana. E não seria eu nessa época apenas o pobre diabo que era, triste ex-empregado dos senhores Sá, Pato & Cia. Seria um autor, um romancista! Os jornais dariam meu retrato e me tratariam de "ilustre homem de letras". Talvez até cavasse a Academia. Uma situação social, sem duvida, e das mais bonitas. Poderia aproximar-me da inconsolável menina e oferecer-me para seu companheiro de vida. Claro que miss Jane aceitaria o meu coração. Viagens depois, mundo a correr — Paris, New York. Levaríamos conosco o caderninho das cotações...

— "Olá, senhor corretor, compro mil ações da Niágara Falls Company!"

A piedade do corretor vendo esta carinha chupada de brasileiro amarelo comprar ações de uma empresa cuja bancarrota estava iminente! Sorri-se lá consigo e vende-mas, piscando o olho para os seus auxiliares. No dia seguinte noticia nos jornais: Uma jazida de platina encontrada nas terras da Niágara! As ações da companhia centuplicam de valor. Reapareço no escritório do corretor atônito a fumar um charuto imponente, e vingo-me do seu sorriso de véspera.

— "Hoje vendo, meu caro palerma. O brasileirinho amarelo hoje vende, sabe?..." E lá deixo de novo as ações da Niágara e embolso milhões sonantes... Compro em seguida um iate, o mais belo e cômodo que houver...

No meu sonho julguei ser o capitão do iate e ia responder-lhe com uma ordem — "Rumo a boreste!", quando ao pé de mim vejo miss Jane, muito transtornada de feições.

— Senhor Ayrton, meu pai passa mal! Venha ve-lo...

Corri atrás dela, tomado de negros pressentimentos. Penetrei no quarto do professor. Lá estava o bom velho no fundo da cama, muito desfeito, dando mais a impressão de um defunto que de um ser vivo.

— Quer que vá buscar um medico? exclamei ansioso ao aproximar-me do enfermo.

— Não, respondeu lentamente a voz cava e débil do professor. É inútil. Conheço o meu estado e sei que chegou o momento...

A moça atirou-se-lhe aos braços e cobriu-lhe o rosto de beijos convulsos.

— Boa Jane, disse ele, é hora de separar-nos. Tenho confiança em ti e espero que passado o rude momento te conformes com a situação, buscando conforto no estoicismo que te ensinei e de que te dei exemplo em vida. Há já algum tempo que me sentia mal. Ocultava-o a ti para evitar-te um sofrimento inútil. Mas esta noite percebi que chegara o fim. Quando te deixei no gabinete com pretexto de concluir um trabalho, iludi-te, ou, melhor, vim fazer um trabalho muito diverso do que poderias supor. Vim destruir a minha descoberta. Queimei toda a papelada relativa e desmontei as peças mestras dos aparelhos. O que resta nenhuma significação possui e não poderá ser restaurado. Desfiz em meia hora o trabalho de toda uma vida. Da minha invenção restam apenas as impressões que te ficaram na memória. E quando por tua vez morreres, tudo se extinguirá...

— Meu pai! exclamou Jane achegando o seu rosto afogueado á face descorada do velho.

— Teu pai, teu amigo, teu companheiro de trabalho...

Não pude conter-me diante do doloroso lance e grossas lagrimas brotaram-me dos olhos. O moribundo não esqueceu o hospede.

Volveu com esforço um olhar para o meu lado e disse em voz cada vez mais fraca:

— Adeus, Ayrton. O acaso o trouxe aqui para me ver morrer. Seja amigo de Jane. Adeus...

Um impulso atirou-me de joelhos ao pé do leito do moribundo; tomei-lhe as pálidas mãos e beijei-as tão enternecido como se beijara as de meu próprio pai.

— Adeus, Jane!... foram suas derradeiras palavras.

Fechou os olhos e imobilizou-se. Minutos mais tarde estava apagada a luz daquele cérebro, o mais potente que ainda desabrochou no seio da humanidade...

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continua… IX – Entre Sá, Pato & Cia. e Miss Jane

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ialmar Pio Schneider (Soneto para a Alma Gêmea)


O poeta é aquele que vê mais longe:
pode saber de tudo ou quase nada....
Tanto é um pecador quanto é um monge,
vive numa caverna ou segue a estrada

dos sonhos. Às vezes parece um conde
a procurar sua alma gêmea, a maga
que num castelo medieval se esconde,
cuja lembrança a solidão lhe afaga.

Também não deixa de sofrer por isso
e nunca se conforta no prazer
de sempre se afastar do rebuliço;

assim é que pretende compreender
o destino que leva no feitiço
questionável do “ser ou do não ser” !

Canoas (RS), 01 de dezembro de 1999.
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Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 350)


Uma Trova Nacional

O perdão é tão sublime
que, por mais que a ofensa doa,
põe uma paz que redime
no coração que perdoa.
-ZENAIDE MARÇAL/CE-

Uma Trova Potiguar


Entre o amor e o sonho vão,
eu sei que foste, querida,
a chave de uma ilusão
na porta da minha vida.
-SEBASTIÃO SOARES/RN-

Uma Trova Premiada

2011 - ATRN-Natal/RN
Tema : VERTENTE - 1º Lugar

Quando ilusões apagaram
as luzes daquele encanto,
meus olhos se transformaram
numa vertente de pranto...
-ANGÉLICA VILLELA SANTOS/SP-

Uma Trova de Ademar


Tendo o verso em parceria
mesmo aqueles mais tristonhos,
fiz um sarau de Poesia
numa varanda de sonhos.
-ADEMAR MACEDO/RN-

...E Suas Trovas Ficaram


Ao lembrar que o teu brinquedo
é decifrar-me, sorrio...
- De nada vale o segredo
de um velho cofre vazio.
-ALONSO ROCHA/PA-

Simplesmente Poesia


No Prelo.
-ABÍLIO PACHECO/BA-

Se a minha palavra é a minha busca
de uma vida inteira em todo mundo
e ela dorme encantada à sombra
de um livro raro, quiçá
encontrá-la-ei num alfarrábio,
num sebo, numa biblioteca pública...
Quem sabe minha resposta ainda
esteja no prelo.

Estrofe do Dia :


"Para Maria Teresa, Filha de Delcy Canalles/Rs"

Bem cedinho eu olhando o calendário
descobri que hoje é dia de alegria,
pois Teresa hoje faz aniversário
e eu compus para ela esta poesia.
Com essa jovem senhora e sonhadora
grande Mãe, grande Avó, grande Pintora,
eu irei festejar, mesmo daqui;
e pelos anos que hoje ela completa
vai aqui os parabéns deste Poeta
e um beijo carinhoso de Delcy.
-ADEMAR MACEDO/RN-

Soneto do Dia


Soneto Para Teresa.
-DELCY CANALLES/RS-
"Para a filha Maria Teresa"

30 de setembro, hoje, eu gostaria
de poder te abraçar, filha querida!
Tu és a causa da minha alegria
e a maior emoção, por mim, sentida!

56 anos de Arte e Estesia,
me fazem esta mãe agradecida,
que pede a Deus, por ti, neste teu dia,
e em cada dia de uma longa vida!

Brilhas na profissão de jornalista
e assombras, na pintura, como artista!
As tuas telas são uma beleza!

Junto ao esposo, aos filhos e aos teus netos,
desejo que tu vivas entre afetos,
querida filha, MARIA TERESA!

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Florbela Espanca (Mensageira das Violetas) IV


RÚSTICA

Ser a moça mais linda do povoado,
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho...
Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho...

Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à "terra da verdade"...

Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de princesa,
E todos os meus reinos de ansiedade.

CONTO DE FADAS


Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento...
Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é d´ouro, a onda que palpita.

Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
- Eu sou aquela de quem tens saudade,
A princesa de conto: "Era uma vez..."

EU


Até agora eu não me conhecia,
Julgava que era eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim...

E não me via!
Andava a procurar-me - pobre louca!
- E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

PASSEIO NO CAMPO

Meu amor! Meu amante! Meu amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
Sinto-me alegre e forte! Sou menina!

Eu tenho, amor, a cinta esbelta e fina...
Pele dourada de alabastro antigo...
Frágeis mãos de madona florentina...
- Vamos correr e rir por entre o trigo!

Há rendas de gramíneas pelos montes...
Papoulas rubras nos trigais maduros...
Água azulada a cintilar nas fontes...

E à volta, amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras...

MENDIGA


Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas...
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol... quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de ouro espedaçou?

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando...

Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!...

SUPREMO ENLEIO


Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...

TOLEDO


Diluído numa taça de ouro a arder
Toledo é um rubi. E hoje é só nosso!
O sol a rir...Viv´alma...Não esboço
Um gesto que me não sinta esvaecer...

As tuas mãos tateiam-me a tremer...
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço,
É como um jasmineiro em alvoroço
Ébrio de sol, de aroma, de prazer!

Cerro um pouco o olhar, onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo
- Um grande amor é sempre grave e triste.

Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo...
Uma torre ergue ao céu um grito agudo...
Tua boca desfolha-me num beijo...

SER POETA


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de infinito!
Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

ALVORECER


A noite empalidece. Alvorecer...
Ouve-se mais o gargalhar da fonte...
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

Há andorinhas prontas a dizer
A missa d´alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe...um vulto que se esvai...
Em cada sombra Colombina trai...
Anda o silêncio em volta a q´rer falar...

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pálido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar...

Amar!


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui...além...
Mais este e aquele, o outro e toda a gente....
Amar!Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar.

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Fonte:
ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).

Hermoclydes S. Franco (Proposições a um Vocabulário em Trovas) Letra "B"


BABÁ: que não cause danos,
Para quaisquer afazeres...
BACALHÁU: Dos lusitanos
Eis o maior dos prazeres!

BACO: Grande Deus do vinho.
BAÇO: Glândula. Sem brilho.
BACORIM: É leitãozinho.
BAFEJO: A vida no trilho.

BAGUNÇA: Pândega; Inteira
E ruidosa reinação...
BAILE: Na côrte ou gafieira
Sempre a mesma animação.

BAITA: Grande; Bem crescido.
BAIXEL: Uma embarcação.
BAIXELA: Brinde querido
Que vira “de estimação”...

BANDA: Marcial ou “furiosa”,
Sons para todos os gostos.
Também rasteira maldosa
Que machuca muitos rostos...

BANDEIRA: A própria nação;
Símbolo para se amar;
Praça que, em pleno verão,
No Rio... parece o mar....

BOCEJO: Em marmanjo é sono
Mas, em nenê, é gracejo...
Enfado em que nem o dono
Da boca, doma-la, vejo.

BORDEL: Velho lupanar,
Ou melhor, casa suspeita.
(Depois do motel chegar,
agora, tudo se ajeita).

BOTE: Embarcação pequena
Que ajuda na pescaria...
De uma cobra que envenena
Deus nos livre! Ave-Maria!

Fonte:
O Autor

Silvia Araújo Motta (Envelhecer sem Notar)


Poema Nº 1582

Vejo nas folhas que caem
que o inverno vai chegar,
Nas estrelas que se apagam,
meu tempo de descansar.
Relógio? Desnecessário.
Valorizo minha hora,
no segundo extraordinário,
vivo pensando no "agora".
Meio século de vida
e os sete cumpro a somar...
na música, amor, poesia,
Trago a missão bem cumprida
com metas, planos de um dia...
Nos sonhos e fantasias,
um trabalho útil, honroso
de incontáveis alegrias,
fez-me o mundo prazeroso.
Valores transcendentais
aos minutos cultivados
a buscar cada vez mais
espíritos elevados...
Ficarei "sex"? Pois sim!
Com perfeita lucidez?
SEXagenária? Ah! Sim...
Daqui a pouco é minha vez!
SEXOxigenada nos cabelos...
Mais adolescente, talvez...
A história de cada saudade
dos momentos e pessoas...
Olhos miúdos!!!!!Verdade!
Muito para recordar!
Tantos fatos! Coisas boas!
Na infância e maturidade!
Meus quinze ou vinte anos!
Milagres! Maturidade!
Recebi e dei nos carinhos,
amor, atenção, compreensão!
Trabalhei com inteligência,
pra gostar do que fazia!
Filhos amados!...Meus amores!
Até netos... quem diria!
Lutei pra ter paciência!
Enfrentei tantos problemas!
Alguns consegui vencer
pela Fé que me carrega.
Meu espelho interior
Diz-me até...que já cresci!
Da gravidez... na balança,
faço o parto da alegria...
Agradeço todo dia
a Deus, pelo meu talento,
pelo amor, pela alegria
e pelo conhecimento.
O sol nasce acima das nuvens
e a lua inteira brilha no lago
porque alta vive, a cada dia!
Envelheci e não vi...por isso,
começaria tudo outra vez.

Fonte:
Poesia enviada pela autora

Raquel Amélia dos Santos (Ler com a Alma)


Ler é muito mais do que simplesmente decifrar o código escrito. A leitura plena e eficaz de qualquer tipo de texto, só acontece quando o que se dispõe a fazê-lo, assume-se participante do objeto da leitura no sentido de utilizar mais do que seus conhecimentos sobre o código.

É uma atividade complexa e carregada de possibilidades de criação, interação e interpretação entre indivíduos e contextos.

O leitor aplica ao ato de ler, conhecimentos linguisticos e gramaticais, que são internalizados durante sua trajetória e vivência com a linguagem escrita.

Além desses conhecimentos, ainda pode e deve contar com a imaginação, o raciocínio, a vontade, e uma flexibilidade suficiênte para deslocar-se para o ponto de vista do escritor.

Esse deslocamento acontece mesmo que seja inconsciente e provisório.

Vale lembrar também, que nem escritor, nem leitor estão neutros diante de uma produção textual, seja ela literária ou não.

Escritor e leitor são portadores de uma história e de uma bagagem cultural que acabam por determinar e porque não dizer, personalizar os modos de leitura, interpretação e aplicação do objeto lido.

Saber-se participante de uma produção textual, pode ser um bom caminho na construção da necessária flexibilidade que deve permear o ato de ler.

Por meio da leitura é possível conhecer novas e antigas idéias, rever, elaborar e reelaborar pensamentos, informações e conhecimentos.

O que é escrito em papel, numa tela de computador ou em qualquer outro portador, não traz consigo uma verdade absoluta e irrevogavel. Um texto escrito, comporta apenas parte de modos de pensar, parte de uma filosofia, parte de crenças e até parte da imaginação e fantasia de alguém.

O texto escrito, tem suas limitações. A linguagem escrita não pode contar com todos os elementos contextuais, com gestos, expressões faciais, movimentos ou expressões corporais. Apesar de seus limites, mobiliza tanto o que escreve como o que lê o que foi escrito.

Leitor e escritor fazem uma espécie de trabalho em equipe. E neste trabalho, há constante movimento.

O leitor lê, pode ler, reler, fazer anotações, pensar, comparar, parar a leitura, continuar e utilizar-se dela de várias maneiras. O escritor também conta a mobilidade de reelaborar, rever, repensar e reeditar suas produções. E em muitos casos, o faz em decorrência do retorno e interação gerados pelo público alvo de seu trabalho.

A mobilidade da qual escritor e leitor utilizam-se, promove aprendizagem mútua e aciona mais que a habilidade de reconhecer o código escrito e decifrá-lo, pois a relação que se estabelece entre esses agentes, é permeada de elementos pessoais, emocionais, sociais, intelectuais, culturais e até afetivos.

Vendo por este ângulo, pode-se afirmar que é possivel escrever e ler com a alma.
Ler com a alma é ler com a plenitude do ser. O ser é o que se é de fato, a essência. O que há de permanente na personalidade ou no caráter de cada pessoa.

É certo que há um estar sendo, uma parte de atitudes e pensamentos de cada pessoa, que é transitória. É o ser é quem decide sobre a parte transitória que há em cada um.

Pode ser que a leitura seja em alguns momentos motivada pelo ser, em outros momentos pelo estar sendo e as vezes pelos dois.

Um tema sobre o qual algum escritor decide escrever pode servir como alimento do ser ou do estar sendo.

Na perspectiva de alimentar a alma ou o intelecto por exemplo, a leitura é sempre motivada pelo desejo ou necessidade de cada pessoa, que são regidos pelo Ser.

No entanto, a necessidade por si só, nem sempre tem força para acionar o desejo. Já o desejo, atua com mais eficácia sobre o ser que o porta. Este atua mesmo não havendo necessidade.

O desejo é mais poderoso que a necessidade em muitos casos. Uma pessoa tem a necessidade de alimentar-se, mas pode não sentir fome ou vontade de comer. Neste caso, a necessidade pura e simples, não é suficiente para provocar a ação. Já o desejo, busca seus interesses, mesmo não havendo uma real necessidade.

A leitura é uma atividade que muitas vezes é tratada como mera necessidade. Como em muitos casos nos processos de ensino/aprendizagem na educação formal, em que a ação de ler é tratada unicamente objetivando a apreensão de conteúdos propostos em uma disciplina que compõe o currículo.

O desejo de ler, nem sempre apoia-se em razões bem claras e definidas. Mas também pode surgir por várias razões. Até por "razões mágicas", afirma Rubem Alves: "Ler é um ritual antropofágico. (...) A antropofagia não se fazia por razões alimentares. Fazia-se por razões mágicas. Quem come a carne do sacrificado se apropria das virtudes que moravam no seu corpo. (...) Cada leitura é um ritual mágico."

Desejo e necessidade, nem sempre andam juntos. Mas são elementos impulsionadores da alma humana.

Quando criança deleitava-me com uma professora que lia histórias em voz alta para a turma. A leitura feita por ela, continha aspectos singulares como, entonação de voz, ritmo e uma musicalidade que lhe eram próprias, fez toda diferença para minha formação como leitora.

Uma de minhas irmãs, Rute, lia para mim e para meus irmãos. Lia trechos da bíblia, histórias do livro "As mil e uma noites" e outros. Ela também me ensinou a ler. Quando entrei para a escola, já sabia ler.

Sua voz, postura e visão sobre os textos lidos nunca saíram da minha memória.
Ela despertou em mim disposição e desejos por "rituais mágicos", que são realizados através da poder proporcionado pela leitura.

Hoje assumo a ação de ler como necessidade movida pelo desejo.

Aprender a ler com a alma, é mais que uma necessidade, é ler com a plenitude do ser, tomando emprestado o desejo da alma de alguém, aliando-o ao próprio desejo. Pode ser forma mais flexível de viver e estar no mundo.

Fonte:
Texto enviado pela autora

Francisco Pessoa (De Pessoa para Pessoa)


2º lugar no Concurso Nacional (LITTERIS EDITORA - RJ) dentre 942 poesias concorrentes.

Comemoração do nascimento do grande Fernando Pessoa.

O concurso solicitava que se fizese uma poesia em alusão à sua mais comhecida poesia entre nós. " O poeta é um fingidor, finge tão.......!

Fernando Pessoa

Autopsicografia


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.


27/11/1930


Fco. José Pessoa De Pessoa para Pessoa

Poesia é um sonho e, se sonhado,
Sobre nuvens volutas, pictóricas,
Rédeas soltas sem bridas, metafóricas,
Faz do poeta um ser místico e alado.
Quem o lê, leia certo ou leia errado,
Sempre os versos encontram seu intento...
Lamentar cada um com seu lamento,
E sorrir cada um com seu sorriso,
Coração de poeta é sem juízo
E a razão de fingir é seu talento!
27/11/2009

Fonte:
Francisco Pessoa

Ialmar Pio Schneider (Soneto Quixotesco IV)


Nascimento de Miguel de Cervantes Saavedra 29 de setembro de 1547

Naquela tarde volta Dom Quixote
de um dos combates contra os moinhos
de vento e vem andando a largo trote,
em seu Rocinante, nos caminhos...

Sancho Pança o acompanha, o bom velhote,
não pertencia ao grupo dos mesquinhos,
vêm devagar sem que ninguém os note,
ouvindo gorjear os passarinhos...

O Cavaleiro Andante está cansado,
em vão tem combatido, tem lutado,
defendendo com fibra sua ideia...

Em que pensava assim andando a esmo?
Um sonho guarda dentro de si mesmo:
conquistar e viver com Dulcineia !

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Academia Sul-Brasileira de Letras (Sarau Poético-Musical)


CONVITE

Tenho a alegria de convidá-los para o Sarau Poético-Musical que a Academia Sul-Brasileira de Letras realizará no Auditório da Casa dos Conselhos, à rua 3 de maio, 1060, no próximo dia 04/10, às vinte horas e trinta minutos, tendo como fonte inspiradora São Francisco de Assis.

Encareço aos apreciadores das Letras levarem textos a serem lidos na ocasião, se assim o desejarem, para maior brilho do evento.

Após será servido coquetel.

Pelotas, 29 de setembro de 2010.

Olga Maria Dias Ferreira
Presidente
--
Fonte:
Ligia Leivas

Amosse Mucavele (Conversa do Pão e da Escrita)


Ao Marcelo Panguana*

Pão- Oi! Ví aquele homem que certa vez disse que conhecia o local onde foram sepultados os Ossos de Ngungunhane** a andar como um louco.

Escrita- Quando?

Pão- Ontem, ao fim da tarde! Acreditas que ele falava para si mesmo dizendo falta-me algo.

Escrita- O que é que fizeste para o ajudar?

Pão- Nada! Somente fiquei com pena dele,e é por isso que estou partilhando consigo este pesadelo, que não sai da minha cabeça mesmo acordado.

Escrita- Sabes! Deverias ter lhe arranjado um livro para ele (pro)ler.

Pão- Pareces que não conheces esta nossa cidade? Na avenida em que cruzei com ele não tem nem sequer uma bilbioteca,ou livraria, o que tem de mais são barracas,discotecas,e drogarias. Mas, amigo! O porquê do livro? Achas que a leitura poderia ter curado a loucura que o acompanhava naquela tarde?

ESCRITA- Sim! Lembro-me dele ter me segredado que quando encotra-se com os livros e lê, ele sente os seus pés a pisarem o chão das coisas que o rodeiam, e a sua alma a dançar a balada dos deuses, e quando anoitece convida o amigo à volta da fogueira, conversam com os seus antepassados e compartilham as estórias de reconciliação.

Pão- Oh,interessante! É por isso que o chamam a voz que fala verdades!A propósito, quando o encontrares, peça-o para me ensinar a tocar xipalapala.***
==============
Notas:

* MARCELO PANGUANA - escritor e jornalista moçambicano,Charrueiro,atualmente é diretor da Revista Proler Fundo Bibliográfico da Lingua Portuguêsa),onde assina uma coluna denominada Algum Algo. Xipalapala nome da coluna que assinava no Jornal Notícias na decada 90.

Publicou - As vozes que Falam de Verdade, 1987; A Balada dos Deuses, 1991; Os Fazedores da Alma, 1997 (com Jorge de Oliveira - entrevistas, Estórias de Reconciliação - com Ungulani Ba Ka Cossa, Os Ossos de Ngungunhane, 2006; Como um Louco ao Fim da Tarde, 2010,e tem no prêlo o livro O Pão e a Escrita.

** NGUNGUNHANE, Mdungazwe Ngungunyane Nxumalo, N'gungunhana, Gungunhana ou Reinaldo Frederico Gungunhana (Gaza, c. 1850 — Angra do Heroísmo, 23 de Dezembro de 1906) foi o último imperador do Império de Gaza, no território que actualmente é Moçambique, e o último monarca da dinastia Jamine. Cognominado o Leão de Gaza, o seu reinando estendeu-se de 1884 a 28 de Dezembro de 1895, dia em que foi feito prisioneiro por Joaquim Mouzinho de Albuquerque na aldeia fortificada de Chaimite. Já conhecido da imprensa europeia, a administração colonial portuguesa decidiu condená-lo ao exílio em vez de o mandar fuzilar, como o fizera a outros. Foi transportado para Lisboa, acompanhado por um filho de nome Godide e por outros dignitários. Após uma breve permanência naquela cidade, foi desterrado para os Açores, onde viria a falecer onze anos mais tarde

*** XIPALAPALA - Substantivo feminino e singular derivado de "Xi-pala-pala", termo incerto no idioma Ronga (também reconhecido como XiRonga) que é um dialecto do sudeste africano e da família Tswa-Ronga, especialmente audível nas regiões do sul de Moçambique e nordeste da África do Sul.


O vocábulo é designativo de uma corneta produtora de magnas sonoridades, sintetizada a partir de uma haste de um antílope cuja específica identificação é impala.

É muito comum em Moçambique, onde diversos povos nativos a utilizavam e ainda usam como meio de chamamento, de convocação para variados mas determinados fins; e.g., para juntar os líderes intelectuais e políticos em uma reunião importante onde cruciais assuntos eram e são debatidos ou, até mesmo, somente para unificar o povo em alguma celebração ocasional ou oficializada, alguma ocorrência espontânea ou preestabelecida.

Exemplo: O chefe da tribo fez soar a xipalapala, chamando todos os constituintes do grupo à sua presença.

Ele tem voz de xipalapala. Todo o bairro escuta suas profundas falas quando ele conversa na intimidade de sua casa com sua mulher


Fontes:
O Autor
NGUNGUNHANE e XIPALAPALA = wikipedia

Silvia Araújo Motta (Acróstico para O Voo da Gralha Azul numero 7)


Acróstico nº 3949 de agradecimento ao Presidente, Acadêmico José Feldman/PhI/ALB/Paraná.
Por Sílvia Araújo Motta/BH/ALB/MG.

O-O VOO da GRALHA AZUL nº SETE...

V-Veio do Paraná-Junho/Agosto de 2011.
O-O Acadêmico J.Feldman, na internete
O-Ostenta a Idealização, Seleção e Edição;

D-Digno de aplausos, em sua Presidência:
A-Academia de Letras do Brasil, do Paraná.

G-Garante o sucesso do excelente Blogspot,
R-Rico de pura e clássica LITERATURA...
A-Agora, em cento e sessenta e nove páginas,
L-Leva o ALMANAQUE que semeia cultura!
H-Hoje, pode colher seus sonhos plantados:
A-A Poesia e Prosa criam asas pela inspiração!

A-A Gralha Azul chegou silenciosamente...
Z-Zelosamente, trouxe de Sílvia Araújo Motta
U-Uma nota autobiográfica, em seis sonetos...
L-Liderando a esperança de mudança na rota.

---Muito Obrigada,Presidente J.Feldman!---

Fonte:
A autora

Casa do Poeta de Canoas (Sarau Comemorativo 9. Aniversário)


A Casa do Poeta de Canoas convida para as atividades comemorativas ao seu 9º aniversário.

SARAU COMEMORATIVO 9º ANIVERSÁRIO

Sexta-feira - 30/9/2011 - 19h

Clube Cultural Canoense
Rua Dr. Barcelos, 1271 - Centro / Canoas

Contamos com o prestígio da presença de nosso associados, amigos e simpatizantes.

Maria Santos Rigo
Presidente da Casa do Poeta de Canoas

Fone: (51) 3476.4431 / 9669.4615
www.casadospoetas.com.br

poetas@casadospoetas.com.br

Fonte:
Casa do Poeta de Canoas

Calendário Poético de Mesa


A Editora Alcance realiza, pelo décimo ano, seu querido projeto Calendário Poético de Mesa.

Mais do que em livros, livrarias, internet, e-books, destacamos honrosamente suas poesias ilustradas com fotos, pinturas, desenhos.

Pelo Calendário Poético de Mesa os autores estarão presentes com sua arte, ao alcance dos olhos encantados de seus amigos e leitores em geral… o ano inteiro. Por 12 meses seus versos brilharão para todos. Nós cuidamos da criação, apresentação e impressão de sues trabalhos.

Características:
Calendário de mesa com 12 meses, impresso em papel couchê 180 gramas, tamanho 15x18 cm, com suporte e wiro. Um luxo!

Tiragem:
250 calendários ou mais, a combinar.

Data de Entrega:
Lançamento e autógrafos dos Calendários na Feira do Livro de Porto Alegre em novembro deste ano. Um belo presente ou comercialização junto ao seu público.

Prazo de Inscrições:
até o dia 07 de outubro de 2011.

Mais informações:
Fones: (51) 3346-5001/ e-mail: atendimentoalcance@gmail.com

Modelos do calendário acima.

Marcelo Spalding (Oficina de Escrita Criativa à Distância)


Faça do seu computador, de qualquer lugar do Brasil...

OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA À DISTÂNCIA

Curso de extensão Uniritter com 20 horas de duração

Técnicas de criação literária para a utilização em textos ficcionais ou não-ficcionais, narrativos e dissertativos. A oficina será integralmente realizada em ambiente EAD, com conteúdos postados ao longo de 8 semanas e interação entre os participantes.

Alguns dos temas abordados:
subtexto;
tipos de narrador;
verossimilhança;
tempo da narrativa;
concisão;
to show, not to tell.

ATENÇÃO:
não é vídeo-aula, é curso de verdade, com postagens periódicas, interação professor-aluno e interação entre os alunos da turma.

Ministrante: Marcelo Spalding (jornalista, escritor e professor)

Período: 07 de outubro a 25 de novembro/2011

Investimento: R$ 260,00 o curso todo

Inscrições pelo fone 51-3464-2000, com Elizabeth
ou pelo email marcelo@marcelospalding.com

VAGAS LIMITADAS

Fonte:
Marcelo Spalding

Olavo Bilac (Alma Inquieta: poesias) 3


VANITAS

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.
Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha... E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia...


TERCETOS


I

Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

“Espera ao menos que desponte a aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho...
E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho?!

Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!
Não arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade...
Espera! até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava...
Espera um pouco! deixa que amanheça!”

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.


II

E, já manhã, quando ela me pedia
Que de seu claro corpo me afastasse,
Eu, com os olhos em lágrimas , dizia:

“Não pode ser! não vês que o dia nasce?
A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta...
Que diria de ti quem me encontrasse?

Ah! nem me digas que isso pouco importa!...
Que pensariam, vendo-me, apressado,
Tão cedo assim, saindo a tua porta,

Vendo-me exausto, pálido, cansado,
E todo pelo aroma de teu beijo
Escandalosamente perfumado?

O amor, querida, não exclui o pejo...
Espera! até que o sol desapareça,
Beija-me a boca! mata-me o desejo!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava!
Espera um pouco! deixa que anoiteça!”

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.

IN EXTREMIS

Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! de um sol assim!
Tu, desgrenhada e fria,
Fria! postos nos meus os teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...

E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...

E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! e este medo!
Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,
A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte...

Eu, com o frio a crescer no coração, - tão cheio
De ti, até no horror do derradeiro anseio!
Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!

E eu morrendo! e eu morrendo
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! a delícia da vida!

A ALVORADA DO AMOR

Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:

“Chega-te a mim! entre no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
E, vendo-te a sangrar das urzes através,
Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés...
Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,
Ilumina o degredo e perguma o deserto!
Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,
Levo tudo, levando o teu corpo querido!

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:
- Tudo renascerá cantando ao teu olhar,
Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,
Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!
Rosas te brotarão da boca, se cantares!
Rios te correrão dos olhos, se chorares!
E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,
Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu,
Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah1 bendito o momento em que me revelaste
O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!
Porque, livre de Deus, redimido e sublime,
Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,
- Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!”

VITA NUOVA

Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!
Não me fales das lágrimas perdidas,
Não me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!

Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? Que importa,

Se ainda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!

MANHÃ DE VERÃO


As nuvens, que, em bulcões, sobre o rio rodavam,
Já, com o vir de manhã, do rio se levantam.
Como ontem, sob a chuva, estas águas choravam!
E hoje, saudando o sol, como estas águas cantam!

A estrela, que ficou por último velando,
Noive que espera o noivo e suspira em segredo,
Desmaia de pudor, apaga, palpitando,
A pupila amorosa, e estremece de medo.

Há pelo Paraíba um sussuro de vozes,
Tremor de seios nuns, corpos brancos luzindo...
E, alvas, a cavalgar broncos monstros ferozes,
Passam, como num sonho, as náiades fugindo.

A rosa, que acordou sob as ramas cheirosas,
Diz-me: “Acorda com um beijo as outras flores quietas!
Poeta! Deus criou as mulheres e as rosas
Para os beijos do sol e os beijos dos poetas!”

E a ave diz: “Sabes tu? Conheço-a bem... Parece
Que os Gênios de Oberon bailam pelo ar dispersos,
E que o céu se abre todo, e que a terra floresce,
- Quando ela principia a recitar teus versos!”
E diz a luz: “Conheço a cor daquela boca!
Bem conheço a maciez daquelas mãos pequenas!
Não fosse ela aos jardins roubar, trêfega e louca,
O rubor da papoula e o alvor das açucenas!”

Diz a palmeira: “Invejo-a! ao vir a luz radiante,
Vem o vento agitar-me e desnastrar-me a coma:
E eu pelo vento envio ao seu cabelo ondeante
Todo o meu esplendor e todo o meu aroma!”

E a floresta, que canta, e o sol, que abre a coroa
De ouro fulvo, espancando a matutina bruma,
E o lírio, que estremece, e o pássaro, que voa,
E a água, cheia de sons e de flocos de espuma,

Tudo, - a cor, o clarão, o perfume e o gorjeio,
Tudo, elevando a voz, nesta manhã de estio,
Diz: “Pudesses dormir, poeta! No seu seio,
Curvo como este céu, manso como este rio!”

DENTRO DA NOITE

Ficas a um canto da sala,
Olhas-me e finges que lês...
Ainda uma vez te ouço a fala,
Olho-te ainda uma vez;
Saio... Silêncio por tudo:
Nem uma folha se agita;
E o firmamento, amplo e mudo,
Cheio de estrelas palpita.
E eu vou sozinho, pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar.

Mas não sei que luz me banha
Todo de um vivo clarão;
Não sei que música estranha
Me sobre do coração.
Como que, em cantos suaves,
Pelo caminho que sigo,
Eu levo todas as aves,
Todos os astros comigo.
E é tanta essa luz, é tanta
Essa música sem par,
Que nem sei se é a luz que canta,
Se é o som que vejo brilhar.

Caminho em êxtase, cheio
Da luz de todos os sóis,
Levando dentro do seio
Um ninho de rouxinóis.
E tanto brilho derramo,
E tanta música espalho,
Que acordo os ninhos e inflamo
As gotas frias do orvalho.
E vou sozinho, pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar.

Caminho. A terra deserta
Anima-se. Aqui e ali,
Por toda parte desperta
Um coração que sorri.
Em tudo palpita um beijo,
Longo, ansioso, apaixonado,
E um delirante desejo
De amar e de ser amado.
E tudo, - o céu que se arqueia
Cheio de estrelas, o mar,
Os troncos negros, a areia,
- Pergunta, ao ver-me passar:

“O Amor, que a teu lado levas,
A que lugar te conduz,
Que entras coberto de trevas,
E sais coberto de luz?
De onde vens? Que firmamento
Correste durante o dia,
Que voltas lançando ao vento
Esta inaudita harmonia?
Que país de maravilhas,
Que Eldorado singular
Tu visitaste, que brilhas
Mais do que a estrela polar?”

E eu continua a viagem,
Fantasma deslumbrador,
Seguido por tua imagem,
Seguido por teu amor.
Sigo... Dissipo a tristeza
De tudo, por todo o espaço,
E ardo, e canto, e a Natureza
Arde e canta, quando eu passo,
- Só porque passo pensando
Em teu amor, a sonhar,
No ouvido e no olhar levando
Tua voz e teu olhar...

Fonte:
BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a obra-prima de cada autor). Digitalizado por Anamaria Grunfeld Villaça Koch – São Paulo/SP

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 349)


Uma Trova Nacional

Por mais louca ... mais confusa ...
que eu esteja em meus anseios,
quem me dera ser a musa
dos teus doces devaneios!
-MARIA NELSI SALES DIAS/SP-

Uma Trova Potiguar


Buscando a felicidade
por este mundo sem fim...
Descobrir uma verdade:
Ela está dentro de mim!
-FRANCISCO MACEDO/RN-

Uma Trova Premiada


2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 8º Lugar

O ocaso... o ajuste da lente...
o clique... a fotografia:
- a imagem do sol poente,
nos braços do fim do dia...
-DARLY O. BARROS/SP-

Uma Trova de Ademar


A Saudade na pessoa
faz ela ficar doente;
por mais que saudade doa,
mas só quem ama é quem sente!
-ADEMAR MACEDO/RN-

...E Suas Trovas Ficaram


A igreja, as flores e o eleito,
ela de branco e eu tristonho;
foi o cenário perfeito
para o enterro de meu sonho.
-ALONSO ROCHA/PA-

Simplesmente Poesia

Descaminhos. (Para Ela)
-SERGIO SEVERO/RN-

Por que teimo em dirigir
minha atenção a Você,
que em "contra marchas", não vê,
todo o meu Amor fluir?

Que a Estrada do seu Porvir,
seja, quiçá, asfaltada,
e cada curva fechada,
bem lhe faça refletir.

Olhe a conversão na Via!
Não atropele a Poesia,
na contramão dos meus passos...

... e à margem da Compaixão,
deixar o meu Coração,
por inteiro, aos pedaços.

Estrofe do Dia

Se for um parlamentar
pode ter crime a vontade
que o dedo da impunidade
não deixa lhe investigar,
se alguém o denunciar
é sujeito a ser punido,
processado e ser tangido
pra o beco da emboscada;
toda lei ultrapassada
só favorece o bandido.
-GERALDO AMÂNCIO/CE-

Soneto do Dia


Página Virada
-REGINALDO ALBUQUERQUE/MS-

Tarde da noite, em meio à quietude das ruas,
encontro nesta banca há muito abandonada,
no entulho de jornais e traças junto à entrada,
revista masculina, expondo moças nuas.

E tremo ao desfazer a página virada...
No encarte especial, fotografias tuas
em poses sensuais dizem verdades cruas
que sangram cicatriz que imaginei curada.

A propaganda exalta algum lugar distante...
A lua espreguiçada em seu quarto minguante
lança cintilações sobre esta saudade oca...

Por um momento a banca agita a velha porta...
Se o teu vulto é ilusão ou real, o que importa?
Aplaco a minha dor beijando a tua boca...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) VII – Futuro e Presente


CAPÍTULO VII

Futuro e Presente

Ao entrar no gabinete iluminei-me todo por dentro. Estava miss Jane adiante do globo de cristal, absorvida com certeza na visualização de um corte anatômico. Um raio de sol coado pela vidraça transfazia em luz o louro de seus cabelos. Miss Jane era toda atenção. Seus olhos azuis verdadeiramente bebiam algum maravilhoso quadro. O professor Benson estacou á porta, fazendo-me gesto de silencio, e assim permaneceu até que a moça desse volta a um comutador e regressasse ao presente.

— Papai, exclamou ela, estou no fim da tragédia, no crepúsculo da raça. Dudlee ganhou uma estatua... Boa tarde, senhor Ayrton. Desculpe-me o estar dizendo a meu pai coisas que nem por sombras o senhor pode desconfiar o que sejam. Compreendo que é indelicado falar em língua estranha na presença de pessoas que a desconhecem...

A bondade de miss Jane encantou-me; e, como a jovem não me olhasse nos olhos, pude replicar:

— Mas tudo nesta casa me é linguagem estranha! O que acabo de ver assombra-me de tal maneira que tão cedo não me reconhecerei a mim mesmo.

— Está fazendo progressos, Jane, disse o professor. O amigo Ayrton compreendeu muito bem a parte teórica da minha exposição.

— Ou compreendi, exclamei, ou pareceu-me compreender. Aqui o professor fala com tal simplicidade e clareza que nem parece um sábio. Conheci um lá na cidade, e grande, a avaliar pela fama, com quem tive de tratar a mandado da firma. Pois confesso que não pesquei coisa nenhuma do que o homem disse. Esse, sim, parecia falar uma linguagem de mim nem sequer suspeitada...

— Não era um verdadeiro sábio, interveio miss Jane. Os verdadeiros são como meu pai, claros e fecundos como a luz do sol. Mas quer saber o senhor Ayrton o que eu fazia ha pouco?

— Não lhe contes ainda, Jane. Explica-lhe primeiro a função do porviroscopio, enquanto vou repousar um bocado. Sou velho e qualquer esforço além do habitual me cansa.

Antes que o professor Benson se retirasse, deu miss Jane um salto na cadeira, leve como a corça, e veio beijá-lo no rosto.

— Este querido paizinho! Murmurou, acompanhando-o com os olhos amorosamente.

Depois voltando-se para mim:

— Não é uma benção das fadas ter um pai destes? Como sabe conciliar a máxima inteligência com a máxima bondade!

— E com a máxima simplicidade! Acrescentei. Não caibo em mim de gosto ao ver o homem que podia ser dono do mundo, se quisesse, tratar-me como se eu fora alguém.

— Não se espante disso. Meu pai é coerente com as suas idéias.

Todos para ele somos meras vibrações do éter.

— Até miss Jane?

— Eu serei vibração de um éter especial, muito afim do que vibra nele, explicou ela a sorrir. Mas, sentemo-nos, senhor Ayrton, que ha muito que conversar.

Já disse que eu era um rapaz acanhado, sobretudo em presença de moças bonitas; mas o ambiente de familiaridade e franqueza daquela casa modificou-me logo. Cheguei até a suportar nos olhos os olhares da linda jovem, sem perder a tramontana como da primeira vez. É que nem remotamente lembrava aquele olhar o olhar malicioso das mulheres que eu conhecera. Fui percebendo aos poucos que de feminino só havia em miss Jane o aspecto. Seu espírito formado na ciência e seu convívio com um homem superior, dela afastavam todas as preocupações de coquetismo, próprias da mulher comum.

Isso me pôs á vontade. Sentia-me, não um moço em frente de uma donzela, mas um espírito diante do outro.

Aproveitei o ensejo para esclarecer-me a respeito do professor Benson. Soube que era descendente de um mineralogista norte-americano que um século antes viera ao Brasil estudar a composição de certa zona aurífera. Gostou da terra e nela se fixou, casando-se com a filha de um fazendeiro de S. Paulo.

— Desse consorcio, explicou miss Jane, só veio ao mundo meu pai, que cedo foi enviado á Europa, onde se dedicou a estudos científicos. Lá se casou tarde e lá residiu por certo tempo. Veio depois tomar posse dos bens deixados pelo meu avô — e aqui nasci eu. Mas não me lembro de minha mãe. Morreu muito moça, anos 9 anos... Desde essa época estabeleceu-se meu pai neste recanto e consagrou-se integralmente á sua invenção. Passou o nosso mundo a
resumir-se neste laboratório. Raras vezes vamos á cidade, pouco interesse, aliás, achando nós dois em seu tumulto.

— Pudera! Quem tem o passado e o futuro nas mãos...

— Realmente é isso. Este aparelho fornece-nos tamanhas maravilhas, que a bem dizer vivemos muito mais no porvir do que no presente. Meu gosto é realizar estudos dos anos mais remotos, e só lamento não ter um cérebro imenso qual o oceano para reter tudo o que vejo. Outra coisa que lamento é não podermos dar a publico a nossa invenção. A bondade de meu pai o impede.

— Não alcanço muito bem o porquê...

— Pretende ele, e com muita lógica, que a humanidade não está apta a suportar a revelação do futuro. Acha que a sua invenção cairia no poder de um grupo o qual abusaria da tremenda soma de superioridade que a descoberta lhe concederia. Fosse meu pai um homem vulgar, de pouca sensibilidade de coração, e ele mesmo assumiria o predomínio que receia ver na posse de outrem. Basta dizer que até hoje apenas se utilizou deste invento para reunir o dinheiro necessário á nossa vida e aos enormes dispêndios dos seus estudos.

— Agora me lembro, miss Jane, que lá fora é o professor Benson conhecido como um jogador de cambio que jamais perde.

— E assim é. Fizemos experiência com o marco e o franco e os fatos corresponderam com exatidão ás indicações deste aparelho. Mas meu pai limitou-se a ganhar o necessário para o trem de vida que leva. Estamos na posse de elementos para alcançar o que quisermos, para reunirmos nas mãos a maior soma de ouro com que se possa sonhar. Isso, porém, nos seria de todo inútil. Para que necessitamos da mesquinha riqueza do mundo se nada não nos dá ela que se aproxime do que temos aqui?

— Por mais espantosa, miss Jane, que seja a descoberta do professor Benson, espanta-me ainda mais o caráter das duas pessoas que estão no seu segredo. Podem ser tudo e não querem ser nada...

— Ser tudo!... Que significa ser tudo? Quando penso nas grandezas do mundo, rio-me delas...

Miss Jane conversou comigo por mais de um hora sobre os mais variados assuntos. E explicou-me depois o funcionamento do aparelho, recorrendo ás suas imagens habituais, tão pitorescas. A corrente perdia no globo de cristal a sua forma concentrada e visualizava-se como numa projeção de cinema, reproduzindo momentos de vida futura cora a exatidão que vai ter um dia.

— Ficamos na posição de um espectador imóvel num ponto. Só vemos e ouvimos o que passa ao alcance dos nossos olhos ou soa ao alcance dos nossos ouvidos. Isso ás vezes dificulta a compreensão de certos momentos da vida futura. Aparecem-nos coisas que não podemos compreender por falta dos elos anteriores da evolução. No ano 3.527, por exemplo, vi na população da França evidentes sinais de mongolismo. Os trajes não lembravam nada do que usam hoje as criaturas em parte nenhuma da terra, nem sequer pude perceber de que seriam feitos. Esqueci-me de dizer que o nosso aparelho não vai além do ano 3.527. Sua potencia pára aí. Focalizado para o ano de 3.528 já dá uma visão de tal modo baça que não distinguimos nada. Ficamos, eu e meu pai, perplexos ante aquele mongolismo da França. Só depois, fazendo cortes menos recuados e combinando uns com os outros, conseguimos decifrar o mistério. Tinham-se derramado pela Europa os mongóis e se substituído á raça branca.

Não pude conter um gesto de espanto, e fiz tal cara que miss Jane sorriu.

— Que horror! Vai então acontecer essa catástrofe? exclamei.

A jovem sabia respondeu com serena impassibilidade:

— Por que, catástrofe? Tudo que é tem razão de ser, tinha forçosamente de ser; e tudo que será terá razão de ser e terá forçosamente de ser. O amarelo vencerá o branco europeu por dois motivos muito simples: come menos e prolifera mais. Só se salvará da absorção o branco da America. E como esta, quantas revelações curiosas! Outra, que muito me impressionou, foi a transformação das ruas que se nota no ano 2.200 em diante. Cessa a era dos veículos. Nada de bondes, automóveis ou aviões no céu.

—Como pode ser isso, miss Jane? É quase um absurdo.

—Pois para lá caminhamos. Em cortes sucessivos que fiz de dez em dez anos observei a diminuição rápida dos veículos atuais. A roda, que foi a maior invenção mecânica do homem e hoje domina soberana, terá seu fim. Voltará o homem a andar a pé. O que se dará é o seguinte: o radio-transporte tornará inútil o corre-corre atual. Em vez de ir todos os dias o empregado para o escritório e voltar pendurado num bonde que desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará ele o seu serviço em casa e o radiará para o escritório. Em suma: trabalhar-se-á á distancia. E acho muito lógica esta evolução. Não são hoje os recados transmitidos instantaneamente pelo telefone? Estenda esse principio a tudo e verá que imensas possibilidades para vir trazê-lo. O progresso foi grande, mas repare quando á radiocomunicação se acrescentar o radio-transporte. Outrora, por exemplo, se o senhor Ayrton quisesse fumar um charuto tinha de mandar um criado buscá-lo á charutaria; hoje pede-o pelo telefone, mas o charuteiro ainda é obrigado a mobilizar um carregador para vir trazê-lo. O progresso foi grande, mas repare que atraso ainda! Mobilizar um homem, isto é, uma massa de 60 ou 70 quilos de carne, fazê-lo dar mil ou cinco mil passos, gastando vinte ou trinta minutos da sua vida. só para transportar um simples charuto! Chega a ser grotesco...

— Realmente. Mas no futuro?

— No futuro o senhor Ayrton fumará á distancia. Veja quanta economia de tempo e esforço humano!

Julguei que miss Jane estivesse a caçoar comigo e até hoje permaneço na duvida. Em seu rosto, porém, não vi a menor sombra de motejo.

—Pode ser, mas... duvidei.

—Esse mesmo "pode ser, mas..." diria um romano do tempo de Cesar se alguém lhe predissesse que um romano do tempo do óleo de rícino não precisaria sair de sua casa para conversar com um cidadão de Paris. Sabe o senhor Ayrton, no entanto, que isso é comezinho hoje e nem sequer admira a ninguém.

—Falar é uma coisa e fumar é outra.

—Hoje, que só temos a radio-comunicação. Mas chegará o dia da radio-sensação e do radio-transporte, com radical mudança do nosso sistema de vida. Os veículos ao sistema corrente desaparecerão um por um. Voltará o homem a caminhar a pé, por prazer, e as ruas se tornarão uma delicia. O senhor Ayrton sabe o que quer dizer uma rua hoje...

—Ninguém melhor do que eu, miss Jane, pois desde menino vivo nelas. Que angustia, que permanente inquietação! Temos que andar com cinquenta olhos arregalados, para prevenirmos trancos e atropelamentos.

— Tudo isso desaparecerá, e adquirirão as cidades uma calma deliciosa, como hoje a de certas aldeias. Vi New York nesse período. Que diferença do atropelado e doido formigueiro de agora!

— Deve miss Jane ter observado coisas maravilhosas!...

— Menos maravilhosas do que desnorteantes para as nossas idéias atuais. As invenções vão sobrevivendo no decurso do tempo, umas saídas das outras, e as coisas tomam ás vezes rumo muito diverso do que a lógica, com ponto de partida no estado atual, nos faria prever,

O professor Benson reapareceu nesse momento e a conversa tomou outro rumo. Eu me achava na situação de um homem que ingerisse um estupefaciente desconhecido. Estava com a minha capacidade de assimilação de idéias esgotada e já com uma ponta de dor de cabeça a dar sinal de que o cérebro exigia repouso. Sem que eu o dissesse, o velho sábio, mais sua filha, compreenderam-no perfeitamente e dali até o jantar só me falaram de coisas repousantes.

Á noite custei a conciliar o sono, o que era natural. Mas sinceramente o digo: o que mais me dançava na cabeça não era o desvendamento do futuro nem as suas abracadabrantes maravilhas, e sim a imagem de miss Jane. A estranha criatura loura, de olhos tão azuis, impressionara por igual meu cérebro e meu coração. Comecei a ver nela o verdadeiro tudo; e se me dessem a opinar entre a posse da descoberta do professor Benson e o tê-la ao meu lado para o resto da vida, não vacilaria um instante na escolha.

Dormi por fim e, em vez de sonhar com o mundo futuro entrevisto na palestra da moça, sonhei no encanto do presente, todo resumido em conjugal convivência com o meigo anjo sábio.
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continua… VIII – A Luz que se Apaga

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 348)


Uma Trova Nacional

Exilio, os sonhos da gente
perdidos na multidão,
numa vaga simplesmente
de um quartinho de pensão.
–NILTON MANOEL/SP–

Uma Trova Potiguar

Nos percalços desta vida,
quando a maldade nos corta,
é graça bem recebida
se alguém nos abre uma porta.
–REINALDO AGUIAR/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Belo Horizonte/MG
Tema: GRAÇA - Venc.

Quem cumpre as metas que traça,
sem perder de vista o norte,
tem em suas mãos a graça
dos rumos da própria sorte.
–WANDA HORILDA DE LIMA/MG–

Uma Trova de Ademar

A distância cria uns laços
que enrosca qualquer um bamba.
A saudade não tem braços,
mais aperta pra caramba!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Não sabe, quem não aceita
as cruzes que carregamos,
que a nossa vida é colheita
daquilo que nós plantamos.
–ALICE ALVES NUNES/DF–

Simplesmente Poesia

Preservação
R. C. LIMA/PB

Tudo estava preservado,
cada cor no mesmo tom.
O mesmo jarro quebrado,
o mesmo sofá marrom.
Mesmo tapete vermelho,
e aquele adeus no espelho
que ela “escreveu” com batom.

Estrofe do Dia

Eu não creio em quem faz economia
passa fome com pena de gastar,
vê um pobre faminto e não lhe dar
um pedaço do pão de cada dia,
tem dinheiro, tem terra e vacaria
nega um copo de leite a uma criança,
junta tudo que pode e ainda avança
pra tomar um pedaço do alheio;
pode até se salvar mas eu não creio
só se Deus der um toque na balança.
–DIMAS BIBIU/PB–

Soneto do Dia

Os Parceiros
–MARIO QUINTANA/RS–

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insite em quê? Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro… eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Hermoclydes Siqueira Franco (Proposições a um Vocabulário em Trovas) LETRA “A”


NOTA EXPLICATIVA

Em novembro de 1985, por ocasião da festa de encerramento dos JOGOS FLORAIS DE NITERÓI, tive ocasião de conhecer JACY PACHECO.

Realizava, então, o talentoso membro da Academia Niteroiense de Letras, o lançamento do trabalho a que denominou ‘VOCABULÁRIO EM TROVAS” – algo de novo no campo das trovas – composto de mais de 300 trovas e abrangendo mais de 400 vocábulos.

Em sua “nota ao leitor” esclarecia que, compulsando o trabalho, “... o leitor encontrará, em meio ao rigor das rimas e da métrica, ora o significado exato de um termo, ora o disparate, proposital, capaz de provocar o riso e quebrar o tom severo e característico dos dicionários...”

A transcrição acima é necessária para esclarecer que foi sob o contágio da beleza, espirituosidade e precisão da obra de Jacy, e com a preocupação de captar-lhe o espírito e a forma, que elaboramos, como contribuição ao seu trabalho, cerca de 130 trovas, incluindo 222 vocábulos novos, de tal forma que poderiam ser, perfeitamente, inseridos nos espaços permitidos pela ordem alfabética seguida pelo excelente bardo fluminense.

Esta nossa NOTA EXPLICATIVA é importante para que, agora, 25 anos passados da elaboração deste nosso trabalho, que infelizmente não pôde ser adicionado ao Vocabulário de JACY, em face de seu falecimento, possam os leitores compreender alguns pormenores incluídos nos verbetes que criamos e, também, a razão da escassez de palavras que poderiam ampliar o âmbito da nossa PROPOSIÇÃO AO VOCABULÁRIO EM TROVAS.

Hermoclydes S. Franco - Texto de 1986 resumido em 2011

ABRIL: Mês da reverência
A Tancredo e Tiradentes;
Liberdade, Inconfidência
E alegrias pertinentes...

AÇUCAR: É a sacarose;
Doçura, (quase lhaneza).
ACUPUNTURA: É uma dose
De agulhadas, à chinesa.

ADEUS: Triste interjeição,
Diz quem parte, diz quem fica.
Quase sempre é rejeição.
Quase sempre não se explica.

AGÔSTO: Mês singular,
Que marca bem nosso inverno.
Traz as ressacas ao mar
E ao céu um luar eterno...

ALABASTRO: É uma gipsita
Que tem alvura translúcida.
ÁLACRE: Alegria (aflita)
De gente nem sempre lúcida.

ALAMBIQUE: Que destila.
ALAMEDA: Arborizada,
Qual “Boulevard” lá da Vila,
Por Noel eternizada.

ÁLBUM: Família vistosa.
ALBUMINA: A proteína
Que dizem ser perigosa
Quando encontrada na urina.

ALCATRA: Carne de boi;
Boa de panela ou tacho.
ALCATRÃO: Se não é, foi
O conhaque do borracho.

ÁLCOOL: Um líquido forte,
Derruba qualquer valente.
ALCÓOLATRA: Ser, ser sorte,
Que esbarra, sempre, na gente.

ALMAÇO: Papel de prova
Que nos relembra o passado.
ALMEJAR: Vencer com trova
Que não tenha “pé-quebrado”.

ALMIRANTE: É oficial
Mesmo depois do “pijama”.
ALMOÇAR: No “natural”
Sem engordar um só grama.

ALMOFADINHA: Rapaz
Que se traja com apura.
ALMOTOLIA: É o que faz
O óleo entrar, mesmo no escuro.

AMÉRICA: O Novo Mundo
Descoberto por Colombo.
AMESTRAR: Treinar, a fundo,
Sem dar lambadas no lombo.

ARQUITETO: É o engenheiro
Que dizem que até deu certo.
ARQUIVO: Só de dinheiro;
E há tanto ladrão por perto.

Fontes:
Trovas enviadas pelo autor
Imagem - O Trovadorismo