quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte IX


FIGURAS DE LINGUAGEM.

À procura de melhor expressar seus sentimentos, emoções e pensamentos, a fim de procurar uma linguagem que seja mais expressiva, original ou criativa, os trabalhadores da palavra valem-se de figuras estilísticas.

FINALIZAR.

Evite finalizar sua redação (é o principal defeito), principalmente com as expressões: em resumo, enfim, finalmente, por fim. Termine-a naturalmente, sem se utilizar de chavões.

FORMA.

Sempre que possível, ao usar a mesma relação ou idéia num texto, varie a forma de expressá-la.

Como aperfeiçoar a forma? Pelo exercício constante e cuidadoso! Exercitar-se quer dizer escrever e ler bons autores.

Cada estudante tem sua maneira de escrever. Não possui um sentido definido. Porém, é inegável que já tem um jeito próprio.

Por forma, entende-se o desembaraço de expressão, a procura de imagens e comparações, a busca da palavra apropriada, a utilização, enfim, dos recursos mais eficientes e belos na transmissão das idéias. Forma é harmonia e sonoridade da frase.

Há palavras que ninguém emprega. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-se desdentadamente, em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas... Pobre velhinho!

A guerra sempre traz destruição e morte. No entanto, depois dessa cruel forma de demonstrar a superioridade do vencedor, os vencidos levantam a cabeça, enchem-se de um patriotismo vibrante e se empenham em levantar seu país.

FRASES ADEQUADAS.


ERRADO……………………………………………….CERTO
…grande número de mortos…_____________muitos mortos…
Todo mundo gostou.___________________Todos gostaram.
…causou desastre na agricultura.__________…causou prejuízos à agricultura.

FRASES COMPLETAS.

Escreva as frases com sentido completo.

FRASES COM SENTIDOS INCOMPLETOS
Chegando lá, fomos para o apartamento. (Apartamento de quem?).
Fui à capital. (Que capital?).

CORRIJA-AS PARA
Chegando lá, fomos para o apartamento de uma amiga.
Fui a Salvador, ao Rio de Janeiro, etc.

FRASES CURTAS.

Use frases curtas e inteligentes. Com elas, tropeçará menos nas vírgulas, nos pontos ou nas reticências. “Uma frase longa”, ensinou Vinícius de Moraes, “não é nada mais que duas curtas.”

Só em discursos é que se usam períodos longos.

FRASES FRAGMENTADAS.

Evite as frases fragmentadas, que separam indevidamente o sujeito do predicado.

TEXTOS COM FRASES FRAGMENTADAS
Comi o doce e gostei.
Disse que faria e fez.
Tentei convencê-lo. Ele estava com a razão.
Entrou em pânico. O elevador trancara. Havia faltado luz.
O Amazonas possui recursos inesgotáveis. O maior estado do Brasil.

CORRIJA-OS PARA
Comi o doce e gostei dele.
Disse que faria o serviço e realizou-o a contento.
Tentei convencê-lo de que estava certo.
Entrou em pânico porque o elevador trancara com a falta de luz.
O Amazonas, que é o maior Estado do Brasil, possui recursos inesgotáveis.

FRASES INTRINCADAS E DESCONEXAS.

O estudante deve ser orientado a escrever com clareza. Não há lugar numa redação para períodos confusos, de difícil entendimento. Nem para a repetição de palavras, frases, idéias e períodos demasiadamente longos. São eles os maiores inimigos da clareza.

FRASES REPETIDAS.

Evite usar frases desnecessárias ou repeti-las.

FRASES REPETIDAS
Um mundo de sonhos era o mundo em que ela vivia.
Depois de todos esses dias que passei lá, que foram uns dias maravilhosos…
Os policiais, que são agentes da polícia, entraram no banco armados com armas pesadas.

CORRIJA-AS PARA
Ela vivia num mundo de sonhos.
Depois de todos esses dias que passei lá, que me foram maravilhosos…
Os policiais entraram no banco com armas pesadas.

FRASES. ESTRUTURA.

Erros de concordância nos tempos verbais, fragmentação da frase, separando sujeito de predicado, utilização incorreta de verbos no gerúndio e particípio são algumas das falhas mais comuns nas redações. Esses erros comprometem a estrutura das frases e prejudicam a compreensão do texto.

GENERALIZAR.

Evite empregar os seguintes vocábulos genéricos: coisa, dar, fazer, ninguém, nunca, sempre, ser, ter, todo mundo, etc.

Em se tratando de dissertação, é sempre pecado mortal generalizar conceitos, pois acabam soando como preconceitos. Idéias muito ampliadas nada significam.

Não generalize. Seja específico, utilize argumentos concretos, fatos importantes. Uma redação cheia de generalizações demonstra falta de cultura e de conhecimentos gerais de seu autor. Uma maneira prática para solucionar o problema é a leitura de qualquer gênero, como jornais, revistas e livros. Assista a programas de reportagens, a filmes, a documentários. Interesse-se pela cultura. Alimente sua inteligência.

GENERALIZAÇÕES QUE PECAM PELA IMPRECISÃO:

As crianças são inocentes.
Os homens batem nas mulheres com freqüência.
Os homossexuais são desavergonhados.
Todo político é ladrão.
Os velhos são sábios.

GERÚNDIO.

Evite a predominância do uso do gerúndio, pois este empobrece o texto. Prefira orações desenvolvidas ou o verbo na forma infinitiva mais conjunção.

Use o verbo no gerúndio somente quando quiser caracterizar os seres enfatizando suas ações.

GÍRIA.

As gírias são um meio de expressão perfeitamente aceitável em certos momentos de textos narrativos, em especial nos diálogos travados por alguns personagens. Tornam-se, entretanto, completamente inadequadas quando usadas em uma dissertação.

Jamais use gírias ou qualquer outra variação lingüística que limite o entendimento do texto.

Somente use gírias se o assunto e suas personagens exigirem na situação apresentada. Com isso, poderá aumentar o realismo da narração.

FRASES COM GÍRIAS
O marmanjo bolou um jeito maneiro de se pirulitar.
O cara deve procurar sacar se a lei está com ele ou não.
Fiquei gamado naquele broto porque ela é bacana pra chuchu.
O deputado pisou na bola e deu a maior bandeira no seu depoimento.

PREFIRA
O homem criou uma forma inteligente de fugir da situação.
O cidadão deve procurar certificar-se de que está agindo dentro da lei.
Fiquei apaixonado por aquela garota, porque ela é muito simpática e atraente.
O deputado cometeu um erro e acabou se comprometendo no seu depoimento.

GRAFIA.

Prefira as palavras de grafias fáceis (mais fáceis de serem escritas). Lembre-se de que a língua portuguesa é muito rica em sinônimos.

Tome cuidado com a grafia de palavras que não conheça. Quando tiver dúvidas, consulte o dicionário. Se não for possível, substitua a palavra por outra cuja grafia você conheça bem. Portanto, descarte palavras de grafia duvidosa.

EM VEZ DE_______________PREFIRA
Escassa________ __________Rara
Neném ___________________Criança
Sucinto___________________Breve
Exíguo ___________________Pequeno
Expor____________________Mostrar
Parcimoniosa_____ _________Econômica
Submissa________ _________Obediente
Nódoa____________________Mancha

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Nemésio Prata Crisóstomo (Queimadas)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 417)

Por Do Sol Em João Pessoa/Pb- "Jurandy Do Sax" Toca Bolero De Ravel
Uma Trova Nacional

Tristeza, estresse, por que?
Tenha uma vida sadia!
- Participe da UBT,
faça uma Trova por dia.
–NEOLY VARGAS/RS–

Uma Trova Potiguar

Felicidade é somente
uma visita apressada
que aparece de repente
e parte sem dizer nada.
–APARÍCIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Algarve-Portugal
Tema: LIVRE - 2º Lugar.

Quem cultiva uma amizade
dentro do seu coração
pode morrer de saudade
mas nunca de solidão.
–OLYMPIO COUTINHO/MG–

Uma Trova de Ademar

É tão grande o seu sofrer
que ela busca na bebida
todo tipo de prazer
numa renúncia de vida...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Faço preces... Leio salmos...
E buscando a calma em Deus,
encontro em teus olhos calmos
a paz que falta nos meus!...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

Pra Não Dizer Que Não Falei das Dores.
–HELENICE PRIEDOLS/SP-

Que me perdoem
os vanguardistas e os moderninhos
Os punks e os góticos
Os downs e os undergrounds
Não tenho vocação
Nem pra rebeldia
nem pra depressão
Eu visto rosa e tomo sol
Não vejo novela nem tomo coca-cola
Dou comida a quem tem fome
Mas não alimento
a exploração das dores do mundo
Onde houver o bem
Não haverá lugar para o mal
Acredito na paz
E ainda tenho esperança no homem
Minha revolta é subliminar.

Estrofe do Dia

A cantoria é cultura
Espalhada nesse mundo
Educando em um segundo
Sem precisar formatura
O poeta tem candura
Fala da vida e da dor
Da tristeza e do amor
Das coisas do coração
Viola, verso e canção
São armas de um cantador.....
–HUGO ARAUJO/PE–

Soneto do Dia

De Volta aos Quintais.
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–

Mesmo corrido o tempo guardo apreço
Aos meus passos cansados, desiguais,
Que sempre me levaram sem tropeço
Ao refúgio da infância nos quintais.

Nada mudou! De longe reconheço
A confraria alegre dos pardais
E as mesmas roupas claras nos varais:
- Nunca tirei dali meu endereço!

Apenas me ausentei de casa cedo,
Qual criança que se afasta do folguedo
Para mais tarde o aconchegar a si.

Eu sou esse menino arrependido
E quero o meu brinquedo envelhecido
Para brincar no tempo que perdi!

Fonte:
Textos e Imagem enviados pelo autor

Guerra Junqueiro: Contos para a Infância (Duas Palavras)


A alma de uma criança e uma gota de leite com um raio de luz.

Transformar esse lampejo numa aurora, eis o problema.

A mão brutal do pedagogo áspero, tocando nessa alma, e como se tocasse numa rosa: enodoa-a.

Para educar as crianças e necessário amá-las. As escolas devem ser o prolongamento dos berços. Por isso os grandes educadores, como Froebel, têm uma espécie de virilidade maternal.

O leite é o alimento do berço, o livro o alimento da escola. Entre ambos devera existir analogia: pureza, fecundidade, simplicidade.

Livros simples! nada mais complexo. Não são os eruditos gelados que os escrevem; são as almas intuitivas que os adivinham.

Este livro, em parte, esta nesse caso. Reuni Para ele tudo o que vi de mais singelo, mais gracioso e mais humano. É um ramo de flores, mas não de flores extravagantes, com coloridos insensatos e aromas venenosos e diabólicos. Para o compor não andei por estufas; andei pelos campos, pelas sebes frescas e orvalhadas, pelos trigais maduros onde riem as papoilas, pelas encostas vestidas de pâmpanos, e pelos arvoredos viçosos e fragrantes, cobertos de frutos, mosqueados de sol e estrelados de ninhos.

É um ramo de florinhas cândidas, que as mães, à noite, deixarão sem temor na cabeceira dos berços.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Guerra Junqueiro (1850 – 1923)


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de Setembro de 1850 — Lisboa, 7 de Julho de 1923) foi bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República.

Talvez o poeta mais popular da sua época, embora hoje se lhe reconheçam contradições e efeitos fáceis. Mas não deve esquecer-se o que há de original e poderoso na sua obra: o extraordinário sentido de caricatura, uma capacidade quase primitiva de exprimir as idéias em símbolos vivos e, ainda, a riqueza verbal e de imagens com que contribuiu para a renovação do verso português.

Nasceu em Freixo de Espada à Cinta, Portugal a 17 de Setembro de 1850, filho do negociante e lavrador abastado José António Junqueiro e de sua mulher D. Ana Guerra. A mãe faleceu quando Guerra Junqueiro contava apenas 3 anos de idade.

Estudou os preparatórios em Bragança, matriculando-se em 1866 no curso de Teologia da Universidade de Coimbra. Compreendendo que não tinha vocação para a vida religiosa, dois anos depois transferiu-se para o curso de Direito. Terminou o curso em 1873.

Entrando no funcionalismo público da época, foi secretário-geral do Governador Civil dos distritos de Angra do Heroísmo e de Viana do Castelo.

Em 1878, foi eleito deputado pelo círculo de Macedo de Cavaleiros.

Faleceu em Lisboa a 7 de Julho de 1923.

Guerra Junqueiro iniciou a sua carreira literária de maneira promissora em Coimbra no jornal literário "A folha", dirigido pelo poeta João Penha, do qual mais tarde foi redactor. Aqui cria relações de amizade com alguns dos melhores escritores e poetas do seu tempo, grupo geralmente conhecido por Geração de 70.

Guerra Junqueiro desde muito novo começou a manifestar notável talento poético, e já em 1868 o seu nome era incluído entre os dos mais esperançosos da nova geração de poetas portugueses. No mesmo ano, no opúsculo intitulado "O Aristarco português", apreciando-se o livro "Vozes sem eco", publicado em Coimbra em 1867 por Guerra Junqueiro, já se prognostica um futuro auspicioso ao seu autor.

No Porto, na mesma data, aparecia outra obra, "Baptismo de amor", acompanhada dum preâmbulo escrito por Camilo Castelo Branco; em Coimbra publicara Guerra Junqueiro a "Lira dos catorze anos", volume de poesias; e em 1867 o poemeto "Mysticae nuptiae"; no Porto a casa Chardron editara-lhe em 1870 a "Vitória da França", que depois reeditou em Coimbra em 1873.

Em 1873, sendo proclamada a República em Espanha, escreveu ainda nesse ano o veemente poemeto "À Espanha livre".

Em 1874 apareceu o poema "A morte de D. João", edição feita pela casa Moré, do Porto, obra que alcançou grande sucesso. Camilo Castelo Branco consagrou-lhe um artigo nas Noites de insónia, e Oliveira Martins, na revista "Artes e Letras".

Indo residir para Lisboa foi colaborador em prosa e em verso, de jornais políticos e artísticos, como a "Lanterna Mágica", com a colaboração de desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro. Em 1875 escreveu o "Crime", poemeto a propósito do assassínio do alferes Palma de Brito; a poesia "Aos Veteranos da Liberdade"; e o volume de "Contos para a infância". No "Diário de Notícias" também publicou o poemeto Fiel e o conto Na Feira da Ladra. Em 1878 publicou em Lisboa o poemeto Tragédia infantil.

Uma grande parte das composições poéticas de Guerra Junqueiro está reunida no volume que tem por título A musa em férias, publicado em 1879. Neste ano também saiu o poemeto O Melro, que depois foi incluído na Velhice do Padre Eterno, edição de 1885. Publicou Idílios e Sátiras, e traduziu e coleccionou um volume de contos de Hans Christian Andersen e outros.

Após uma estada em Paris, aparentemente para tratamento de doença digestiva contraída durante a sua estada nos Açores, publicou em 1885 no Porto A velhice do Padre Eterno, obra que provocou acerbas réplicas por parte da opinião clerical, representada na imprensa, entre outros, pelo cónego José Joaquim de Sena Freitas.

Quando se deu o conflito com a Inglaterra sobre o "mapa cor-de-rosa", que culminou com o ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890, Guerra Junqueiro interessou-se profundamente nesta crise nacional, e escreveu o opúsculo Finis Patriae, e a Canção do Ódio, para a qual Miguel Ângelo Pereira escreveu a música. Posteriormente publicou o poema Pátria. Estas composições tiveram uma imensa repercussão, contribuindo poderosamente para o descrédito das instituições monárquicas.

Guerra Junqueiro foi um grande poeta e um grande peregrino.

Obras Principais

Pátria
Finis Patrie
Musa em Férias
Os Simples
A Velhice do Padre Eterno
Horas de Combate
A Morte de D. João

Fontes:
http://www.laurapoesias.com/poetas/guerra_junqueiro_biog.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Junqueiro

Paraná em Trovas Collection - 22 - Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 21

SÚCUBO

Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas…

Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sobre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas…

E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!

Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a boca!

VERSOS DOURADOS

La beauté est une promesse de bonheur.
Stendhal

Eu não te posso ver, que não sinta o desejo
De te envolver assim num luminoso beijo,
Num grande beijo nu, a pele cetinosa,
De uma frescura ideal de pétalas de rosa...
E tamanho prazer o coração me inunda,
Em te vendo, de luz, de embriaguez profunda,
Que doido desse amor, bêbado desse vinho,
Não sei mais onde estou, não sei onde caminho.
Sigo. Vou por aí, pela deserta rua,
Sem ver que anoiteceu e que nasceu a Lua,
Sem ver mais nada, sem ter olhos nem ouvido,
Cego, completamente cego, e aturdido,
Dentro dessa visão inquietamente bela
Que fulge como se fosse a luz de uma estrela...
E distante afinal de todos e de tudo,
Envolto no ouro de um silêncio de veludo,
Coroado, como um deus, dos pâmpanos de enganos
E das rosas em flor dos vinte e poucos anos,
Radiante de me ver, sozinho, ao fundo desta
Solidão, como quem entra um palácio em festa,
Que bom de me entregar num êxtase risonho,
Num êxtase sem fim, num êxtase de sonho,
À lembrança, à loucura, à volúpia esquisita,
Ao luxo de sentir que uma mulher bonita
Tem no expressivo olhar, que brilha quando passa,
O dom de oferecer, como uma fina taça,
Para os meus olhos nus, por um instante ao menos,
Os delírios do amor e da embriaguez de Vênus!
Janeiro – 1911

À TOI!

É num dia de sol que te escrevo esta carta,
No meio de uma luz radiosamente farta,

Loira, seca, sutil, aromada, ideal,
Assim como se fosse um vinho oriental.

Escrevo-te ao correr da pena, quase a esmo,
Como vivo afinal: tão fora de mim mesmo...

E confesso-te, flor, ó doce flor-de-lis,
Que te escrevo porque não me sinto feliz.

Eu te amo, vê, porém eu te amo de tal arte
Que te amo muito mais do que devera amar-te.

Muito mais! muito mais! O meu amor é tal
Que o bem de te querer, às vezes, me faz mal.

Causa-me raiva até e me deixa doente:
Fico a chorar e a rir, mas incoerentemente,

Sem poder definir o que é que eu sinto, enfim,
Francamente, a não ser que eu nunca amei assim.

Nunca! Tu para mim és como uma bebida,
Onde um dia eu encontro a embriaguez e a vida,

E noutro, o desespero, a tragédia cruel,
A dúvida sombria e amarga como fel...

É que somente tu tens a força marmórea,
O condão, o poder, a beleza e a glória,

De transformar-me assim, com os teus olhos nus,
Maravilhosamente, ou em lama, ou em luz.

E por isso, também, ó flor abençoada,
Em te vendo passar, não quero ver mais nada.

Tão radiante me vejo, e tão feliz, direi,
Como se fosse rico ou me tornasse um rei.

Hoje, porém, não sei que sombras e que mágoa
Perpassam-me através dos olhos rasos d’água.

Sinfonias de luz andam vibrando no ar,
Mas eu, não sei por que, eu quase a soluçar

Sinto que a destruição, o tédio e o desengano
Me invadem como se eu fosse o império romano.

Ando nervoso, mau, doente, quase hostil,
Debaixo deste céu mirífico de abril.

E, volúpia imortal, delicioso beijo,
Prazer que me destrói, ó rútilo desejo,

Essa tristeza vã, esse histerismo todo,
Tudo isso é só porque te quero como um doido!

GRAÇAS TE RENDO...

Graças te rendo aqui, preciosa Senhora,
Que, num simples olhar de ternura, tiveste
O dom de me elevar, assim como o fizeste,
Entre os brasões do amor e as púrpuras d’aurora...

O dom de me fazer acreditar que veste
O humano coração, como acredito agora,
Não o lodo, porém o linho que se adora,
O linho que fulgura em pleno azul-celeste...

Sei que os votos que são trabalhados com arte
Hão de os deuses cumprir, ó luz maravilhosa:
– Sê, pois, bendita, sê bendita em toda parte!

Que onde fores pisar, que por onde tu fores:
A lama se transforme em pétalas de rosa,
As víboras, em fruto, os espinhos, em flores!

ADULTÉRIO DE JUNO

Ao Reinaldo Machado

Un paysage, c’est um état d’âme.
Amiel

I

Juno, a beleza em flor da primavera,
Mas a deusa de olhar quase sombrio,
Quando tinha ciúme, era uma fera,
Mais furiosa que uma loba em cio.

Cada vez que esse Júpiter tonante
Se transformava numa chuva de ouro,
Para as conquistas de uma nova amante,
Num alvo cisne, ou simplesmente em touro,

Ai da ninfa culpada, albor de neve,
Por mais jovem que fosse, por mais bela,
Ia mudar em corça dentro em breve,
Quando não fosse pois numa cadela!

Juno, porém, tamanho orgulho tinha,
Um tamanho amor próprio desmarcado,
Na sua aurifulgência de rainha,
Que nem por isso dava um passo errado.

Por toda parte palpitavam beijos,
Mais lindos do que a flor do asfodelo,
E os desejos mais sôfregos, desejos
De despir esse corpo e de mordê-lo...

Vendo-a através do linho, que flutua,
A mocidade grega sempre fátua,
Não podendo morder-lhe a espádua nua,
Babujava-lhe o mármore da estátua...

Vênus era a primeira a dar-lhe o exemplo
De quanto vale uma mulher devassa:
O seu templo de amor não era um templo,
Era uma tasca, e Vênus, uma taça...

O Olimpo enfim era uma borracheira,
Era uma gargalhada, um grito insano;
Foi só para enganá-lo a vida inteira
Que Vênus se casou com o deus Vulcano.

Via o infiel correr, ébrio de vinho,
Náiades, hamadríades, e tudo
Quanto encontrava sobre o seu caminho,
Como se fosse um sátiro cornudo.

Via-se desejada como a fêmea
Cujo perfume era o da própria rosa,
Sua única irmã, sua irmã gêmea,
E entretanto teimava em ser virtuosa.

II

Vivendo sempre só quase que todo dia,
Tinha apenas consigo uma única alegria.
Toda linda manhã de sol saía de casa,
Ligeira, como quem é uma deusa e tem asa.
E dentro do seu coche azul, clara e florida,
Levada por pavões, corria a toda brida.
Era um voo através de campos verdejantes,
De palmeiras gentis, serros de diamantes,
Cidades ideais, como lírios na falda
De uma montanha de pérolas e esmeralda,
Rios, vales em flor, floresta colossal,
Lagos polidos como espelhos de cristal,
Nesse dourado mês de outubro, o mês risonho;
E ela passava assim como se fosse um sonho.

Nessa manhã, porém, de uma estranha beleza,
Juno quis passear, como qualquer burguesa.
A sandália nos pés, a fronte coroada,
A túnica sobre o corpo nu, e mais nada.
Mas por simples que fosse a deusa, no momento
Em que ela aparecia, era um deslumbramento.
Onde quer que pousasse o esquisito veludo
Daquele doce olhar, estremecia tudo.
Era como uma luz. A natureza, quase
Ébria, não tinha mais que uma única frase,
Não tinha mais que uma só exclamação,
E o êxtase, o silêncio, o gozo, a adoração.
Vendo-a passar por sobre as suas hastes em flor,
Inquietas de prazer, e histéricas de amor,
Diziam a sorrir lânguidas açucenas:
“Quem passou por aqui foi uma sombra apenas!”
Ia Juno, porém, de tal modo metida
No fundo do seu eu, da sua própria vida,
Que sem vê-las talvez, pálida e desdenhosa,
Calcava sob os pés a violeta e a rosa...

III

Ia indiferente,
Quase triste, quando
Olha, e de repente,
Como que sonhando,

Ela vê dormindo,
Num sono profundo,
O pastor mais lindo
Que havia no mundo.

Surpresa de vê-lo
Belo desse modo,
Beija-lhe o cabelo,
Quer beijá-lo todo...


Um pássaro:
– Ó flor mais branca do que a flor da laranjeira!

Outro pássaro:
– Só faltava uma vez para ser a primeira...

Um fauno:
– Ah! como Endimion, o pastor, é feliz!

Outro fauno:
– Pois pudera não ser... É o rei dos imbecis!

Uma dríade:
– Que força deve ter no azul dessa pupila
Para poder assim chamá-la e atraí-la...

Outra dríade:
– Vede o brilho que vem desse olhar através...

Um fauno:
– Tem mais força no olhar do que Hércules nos pés!

Beija-o como louca,
Mas com tais desejos,
Que enche aquela boca
De um furor de beijos.

Um sátiro:
– É um combate feroz, uma guerra da Helade...

Outro sátiro:
– Nunca se viu assim tanta escurrilidade...

Toda descoberta,
Sem nenhum receio,
Cada vez o aperta
Mais junto do seio...

Com tal abundância,
Com tal alvoroço,
Que ela é quem mais ânsia
Tem daquele moço.

Um jovem fauno:
– Somente para mim a sorte foi cruel:
Nunca pude gozar esse favo de mel...

Um pássaro:
– Despiu-se toda. Está inteiramente nua...

Um sátiro:
– Nua, de uma nudez mais nua do que a Lua...

Outro jovem fauno:
– Nunca o amor me quis. E, no entanto, vede,
Eu e Tântalo, os dois, temos a mesma sede...

E ambos, que loucura,
Ambos, que desordem,
Nessa luta obscura,
Como eles se mordem!

Que doce abandono,
Que esquisito choro,
As folhas d’outono
Caíam como ouro...

Outro jovem fauno:
– E eu que um dia lhe disse: ó meu amor imenso,
Quando te vejo sobre uma torre de incenso,
Toda coroada, assim, de mirtos e de rosas...

Sileno, bêbado, interrompendo:
– Doce paixão ideal, como me apoteosas!

Um fauno:
– Estão se mordendo, os dois, com tamanho furor,
Que até parece ser mais ódio do que amor...

Uma dríade:
– Ódio e amor são dois inimigos, porém
Onde vai o amor, vai o ódio também...

Um pássaro:
– Decerto Juno está completamente louca:
Introduziu-lhe em fogo a língua pela boca!

Que ódios a consomem,
Com que febre o quer,
Beija-o como um homem
Beija uma mulher...

E com que delírio
Tudo em roda estua
Dessa deusa nua,
Nua como um lírio...

Flora, que sorria,
Nunca ouviu talvez
Tanta melodia,
Tanta embriaguez.


Um fauno:
– É um horror, é um horror...

Outro fauno:
– Escândalo profundo...

Uma dríade:
– Se Júpiter souber, incendeia-se o mundo!

Como ela se entrega,
Como se enchafurda,
Cada vez mais cega,
Cada vez mais surda!

Outra dríade:
– Ah! se Júpiter vem aqui neste momento...

Coro de faunos, sátiros e dríades:
– Mandai esse castigo, ó numes, por quem sois!

Mal tinham dito, ergueu-se um rijo pé de vento,
E Júpiter caiu como um raio entre os dois!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Manoel de Barros (Poemas rupestres) Parte 1


Nesta obra, Poemas rupestres, Manoel de Barros recorre às lembranças de Mato Grosso, e de seus primeiros passos no Pantanal, para dar novos significados às palavras. O livro oferece uma oportunidade de apresentar aos leitores a vida de um dos mais importantes poetas contemporâneos. Um autor que surpreende, ao mesmo tempo em que intriga e comove ao leitor, com o despojamento de seus versos, tirados de chão, árvore, bicho, água e pedra.

Poemas Rupestres, como inscritos nas paredes das cavernas de todos nós, traz a voz sábia da infância, de uma falsa inocência estonteante cuja leitura escorre como riacho tantas vezes visitado por esta poética que nos torna meninos de novo que de tão a custo a gente se segura pra não sair pra rua pra fazer travessuras com o olhar de passarinho. Mas de repente, num verso, vem aquele travo amargor com gosto de vida real e o encantamento resvala pra consciência “vira mundo” e a poesia se transforma no road movie do poeta sábio que com sua experiência revela o que há pra ver por trás das palavras simples, das imagens claras.

O que essa poética tem é a capacidade de ver e traduzir um essencial tão ao avesso do colosso artificial da atual era do simulacro, fulcro de uma civilização medida por tonelada consumida. Ao se jeito de audição, de estória contada, se faz tato para a alma, já que “o tato é mais que o ver / é mais que o ouvir / é mais que o cheirar” e o êxtase táctil, mas também auditivo e visual , que o menino Manoel de Barros nos transmite com as suas poesias rupestres, que ficam pintadas em nossas retinas e na nossa memória muito depois de termos lido este livro.

Em Poemas rupestres, ele retorna aos elementos que marcam seu trabalho desde a primeira publicação, em 1937: a paisagem do Pantanal, a infância, a relação misteriosa que existe entre as coisas e os nomes que damos a elas.

Análise dos poemas

– Escritos na terra. A terra é o elemento primordial.

– Os mais elementares traços do homem querendo eternizar o tempo, o momento.

– A infância do homem, o seu retorno eterno na aprendizagem.

– Escritos primitivos jogados na terra como elemento primordial e convivente com o homem.

– Primeira relação reflexa mais elaborada. Sintomas da saída do nível instintivo para o reflexivo.

– Capacidade de retratar o elementar embutido no sentido valendo-se da força da terra e da capacidade primitiva.

– Fuga do controle do sistema límbico para a grande passagem para o neo-córtex cerebral.

– As atividades de sobrevivência cavalgam para a memória para sobreviver no tempo.

– As técnicas elementares do homem primitivo como expressão da força criadora.

– As margens dos percursos criativos, imaginativos denotam o seu percurso criador ou as técnicas à disposição.

– Rupestres indicam as paredes, as encostas, os painéis que a natureza oferece sem concorrência da elaboração humana. A oferta da natureza como possibilidade para o mundo imaginativo do homem das hordas.

– Rupestres, de ambíguas faces: dadas, impostas pela convivência e duradouras por sua natureza constitutiva. Com muita força porque imponente e difícil. Caráter de difícil acesso, de fixação da relação, mas promissora quanto à duração.

– Rupestres, pois não denotam que duas vertentes de influência: a natureza áspera e gritante; a “primevidade”, vale dizer, sem a mão ou presença de qualquer outro que não seja aquele que conseguiu atingir aquele lugar e soube ter acesso de convivência tão intenso que a natureza aceitou a sua firma, o seu sinete, mesmo que impessoal. Lá está e estará enquanto outro artista não transfigurar a natureza primitiva.

– Trata-se de um percurso longo às reações e percepções ancestrais para surpreender o segredo do lúdico, do primordial, do estado vital antes do primeiro reflexo.

– Assim cabe mesmo registrar que o poeta percorreu e atingiu um processo, uma época, um estágio que se mostrou inaugural, por sua origem e percurso.

"Rupestres" caracterizam um sonho do estado primordial quando nenhum gesto feito tinha sido fixado na memória, nos sentidos ou na reflexão do homem. Então o poeta convive com os albores do dizer humano tornado arte. Visão primordial oferecida em poemas que surgiram dos berços primitivos, da rusticidade intuitiva com que o poeta tratou as palavras e a vida.

"Rupestres" porque serão lembrados como revelações da ludicidade do poeta em estado de homem primitivo em completa sintonia e apreensão pela força da natureza, em estado de grande ludicidade também.

Primera Parte

CANÇÃO DE VER

Canção aqui é igual a um poema a ser proclamado ou cantado. Assim a canção “canta” o seu conteúdo, proclama a voz do ser que se expressa e se desdobra em cada verso; expressa também, a canção, sua harmonia nos sons das palavras e nas tonalidades suscitadas.

Canção, harmonia de um conjunto que se revela em tonalidades sonoras até e em cenários. A canção se refere aos sons como tais e aos tons – tonalidades – que compõem as frases da harmonia temática. A canção concretiza tonalidades das emoções enquanto se refere ao coração, às paisagens descobertas se refere à imaginação. Por fim, na combinação de vozes das palavras se se refere aos ouvidos como portadores do receptáculo do coração.

O autor/poeta combina canção com outro sentido muito claro e definido: o olhar. Compõe ele, canções para se ver. Admite e recria o sentido compondo-lhe canções que o educam e o tornam novo, capaz de harmonias pelas palavras vistas em si ou por imagens que os sons, os processos e as imagens constróem como cenários. Esses cenários para o poeta cantam canções para o olhar; oferece-se ao leitor como caminho e harmonia, como novidade e percurso que incluiu o leitor pelo olhar fantástico que a imaginação lhe oferece, integrando-o como um todo que participa e é percorrido pelo poema a partir do olhar.

O olhar passa a ser a porta que recebe o mundo inaugurado pelo poeta rupestre. A ludicidade envolve o leitor que se deixar levar pelo percurso, já se verá outro, o poema o transformou.

O olhar envolveu-o todo em estado de revelação.

1.

Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro —
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.

O menino e os pássaros vivem em igualdade de natureza por ter vivido muitos anos dentro do mato. Dessa nova modalidade de se viver, resultou uma maneira de ver – “contraiu visão fontana”.

O que é uma “visão fontana?” “Por forma que ele enxergava as coisas por igual / como os pássaros enxergam.” A primeira resposta é que a visão de um pássaro é uma visão Fontana, isto é, de uma variabilidade muito grande quanto ao ponto de partida e de um foco especial que os pássaros usam para seus vôos ou para sua sobrevivência.

As coisas e os pássaros são inominados. Os elementos da natureza antes de serem nomeados pelo homem – virgens da palavra / marca / identificação dada pelo homem. Assim antes ‘água' não era água / ‘pedra' não era pedra / ‘e tal' = tudo era sem nome.

Ao lado dos elementos / coisas da natureza, as palavras estavam livres e soltas em relação às regras gramaticais e significados fixos. Palavras eram coisas / elementos inominados, Palavras sem designação.

O menino de posse do olhar dos pássaros, vendo tudo sem nome e sem nexos, tornava-se um Menino / Poeta, podia inaugurar. Segundo o autor, o poeta tem que se voltar ao estado lúdico (infante) para se capacitar do mundo das coisas inominadas e então, após pertencer ao mundo da natureza em estado puro ou virgem em relação ao homem – de posse dessas condições ele torna-se poeta e inaugura.

Dessa forma o autor expõe o que ele entende ser um poeta e o que é fazer poemas. Inaugurar é sair da lógica e do sentido fixado, assim pedra = flor ou canto = sol.

O caminho para a reinauguração é introduzir-se na palavra em estado de coisa: “abrir a palavra abelha e entrar dentro dela. Esse percurso para o poeta representa repristinar a “infância da língua”.

O poeta inaugura quando se volta par o estado coisal, para a linguagem livre e virgem das coisas e das palavras. Para isso é necessário voltar ao estágio lúdico da infância. Da mesma forma, propõe o poeta, é necessário então voltar-se para a Infância da língua. Inaugura enquanto infante.

Poesia é a inauguração da linguagem. No poema o autor propõe o seguinte processo para se obter um poema:

a – voltar à natureza virgem coisal,
b – voltar à infância, ao estado lúdico,
c – descobrir a infância da língua,
d – saber que a infância da língua proclama que se deve ser livre das regras da gramática,
e – atinge-se a infância da palavra quando se deixar entrar dentro dela – ‘abrir a palavra abelha e entrar dentro dela'.

Para o poeta é necessário:

1 – atingir o mundo da natureza sem especificação para poder imaginar,

2 – considerar que nesse estágio as coisas são inanimadas,

3 – e que as palavras ainda não estão ligadas entre si, brincam soltas.

Portanto:
“Poesia é a inauguração do universo das palavras. Para isso o poeta tem que adquirir uma visão fontana!”

2.

A de muito que na Corruptela onde a gente
vivia
Não passava ninguém
Nem mascate muleiro
Nem anta batizada
Nem cachorro de bugre.
O dia demorava de uma lesma.
Até uma lacraia ondeante atravessava o dia
por primeiro do que o sol.
E essa lacraia ainda fazia uma estação de
recreio no circo das crianças
a fim de pular corda.
Lembrava a tartaruga de Creonte
que quando chegava na outra margem do rio
as águas já tinham até criado cabelo.
Por isso a gente pensava sempre que o dia
de hoje ainda era ontem.
A gente se acostumou de enxergar antigamentes.

Poema existencial à moda de Carlos Drummond em que se descreve o tempo parado e a vida preguiçosa a ponto de ‘as águas criarem cabelo'. Nesse lugar as coisas se repetem na mesmice de sempre. Tudo é nem e tudo é parado: ‘o dia demorava de uma lesma'.

Neste poema, a pasmaceira ou o tempo são medidos pela unidade do ser das coisas demoradas e insignificantes, assim o tempo é enorme comparado com a movimentação da lesma ou de uma lacraia. Exagerando a velocidade do dia, o poeta afirma: ‘até a lacraia é mais veloz que o sol. Dessa forma ele consegue obter uma densidade forte da morosidade do tempo.

Apesar da morosidade, o lúdico aparece em comparações envolvendo coisas e crianças, capazes de reinventar a vida.

Outras dicotomias na afirmação do poeta prolongam a percepção da morosidade: ‘a tartaruga de Creonte... as águas teriam criado cabelo. Pensava que o hoje era ontem... antigamentes'; são expressões que conseguem conferir densidade e muita morosidade ao tempo relacionado à vida das pessoas. Tempo relativo à morosidade na qual se vive ou se constroem as relações expressivas da vida.

Nessa perspectiva, a do poema, o tempo se volta para o mais fundo do passado, para a vida em um lugar sempre parado – existencialmente parado – e o momento somente é portador de uma demora sem fim do passado.

3.

Por forma que o dia era parado de poste.
Os homens passavam as horas sentados na
porta da Venda
de Seo Mané Quinhentos Réis
que tinha esse nome porque todas as coisas
que vendia
custavam o seu preço e mais quinhentos réis.
Seria qualquer coisa como a Caixa Dois dos
prefeitos.
O mato era atrás da Venda e servia também
para a gente desocupar.
Os cachorros não precisavam do mato para
desocupar
Nem as emas solteiras que despejavam correndo.
No arruado havia nove ranchos.
Araras cruzavam por cima dos ranchos
conversando em ararês.
Ninguém de nós sabia conversar em ararês.
Os maridos que não ficavam de prosa na porta
da Venda
Iam plantar mandioca
Ou fazer filhos nas patroas.
A vida era bem largada.
Todo mundo se ocupava da tarefa de ver o dia
atravessar.
Pois afinal as coisas não eram iguais às cousas?
Por tudo isso, na Corruptela parecia nada
acontecer.

Neste poema está presente uma tentativa do poeta de, perante uma vida veloz e apressada dos dias de hoje, trazer a vivência de um lugar onde a velocidade era medida pela coisas que perpetuavam a mesmice. A importância ou função de relevância das coisas/acontecimentos é referenciada a alguns acontecimentos que mostram a movimentação da vida neste lugar.

Assim as particularidades indicam as expressões para a vida e estas são medidas ou percebidas por estas particulares.

Dessa forma:

1 - o lugar de concentração da vida acontece ao redor da venda do Seo Mané Quinhentos Réis;

2 – os homens sentados na porta da venda sem fazer nada dão a dimensão do tempo e do paradão da vida ali;

3 – o mato atrás da venda se torna referência para as necessidades dos homens e dos animais, menos para os cachorros e para as emas;

4 – o povoado era de nove ranchos;

5 - o barulho das araras indica e prolonga a quietude;

6 – as atividades dos trabalhadores concorrem para sublinhar a falta de novidade ou a mesmice da vida ali: plantar mandioca ou fazer filhos.

O poema quer mostrar a vida em um tempo espichado e parado em uma vila do interior –‘A vida era bem largada!'

Existem palavras com significados próprios, como ‘ocupar ou desocupar'. E uma tarefa muito difícil era ver o dia atravessar, pois tudo / nada acontecia.

4.

Por forma que a nossa tarefa principal
era a de aumentar
o que não acontecia.
(Nós era um rebanho de guris.)
A gente era bem-dotado para aquele serviço
de aumentar o que não acontecia.
A gente operava a domicílio e pra fora.
E aquele colega que tinha ganho um olhar
de pássaro
Era o campeão de aumentar os desacontecimentos.
Uma tarde ele falou pra nós que enxergara um
lagarto espichado na areia
a beber um copo de sol.
Apareceu um homem que era adepto da razão
e disse:
Lagarto não bebe sol no copo!
Isso é uma estultícia.
Ele falou de sério.
Ficamos instruídos.

Neste poema que segue expondo a temática dos anteriores, o poeta tenta mostrar o olhar sobre o tempo ou ainda como o tempo é vivido ou percebido pelas pessoas.

A afirmação do autor – ‘a principal tarefa era aumentar o que não acontecia' – torna-se, de fato, sua tarefa principal enquanto, neste trabalho, polariza as interpretações: olhar o tempo sob a perspectiva das coisas e olhá-lo racionalmente.

Dessa forma:
1 – Seleciona quem tem a aptidão de aumentar o que não acontecia. Os guris e um colega que tinha olhar de pássaro eram os melhores em aumentar o que não acontecia. Atrás desta postura, todos os versos indicam uma vida desejada como pura expressão do lúdico, do imprevisível ou ainda uma vida independente de qualquer lógica ou seqüência lógica como são normalmente os acontecimentos.

2 – O colega que tinha ganho um olhar de pássaro mostrou o modo ideal de aumentar o que não acontecia: “um lagarto espichado na areia a beber um copo de sol.” Assim o mundo reinventado a partir do olhar dos pássaros era uma grandeza incomum.

3 – O homem adepto da razão com sua insistência sobre a lógica de fácil demonstração racional acabou com o encantamento da vida e eles ganharam a chancela negada pelo poeta: ‘ficamos instruídos!' Esse rótulo marca a força do racional sobre um mundo poético se o sujeito, o poeta ou outra pessoa somente movida pela ludicidade de repente perde tudo, pois instrução aí é deixar a vida ser organizada em termos de conhecimentos pela razão. Vale somente um conhecimento que se proclama racional. Ao passo que o poeta mostra outra maneira de entender e conhecer a vida e a realidade, poeticamente. Tudo deve ser reinventado a partir de outro olhar sobre o mundo, no caso, pelo olhar de um pássaro.

4 – Assim o poema é de profunda ironia entre a lógica da razão e a linguagem ou percepção poética da vida – a lógica inaugura um mundo oposto ou de valores opostos ao da instrução racional; vale para o poeta ser desinstruído racionalmente e sábio ‘no que não acontecia'.

5 – O mundo inaugurado pelo poeta é a percepção do des(acontecer), aquilo que não é susceptível de entendimento racionalmente; todo esse conhecimento provém da imaginação, da fantasia e da sensibilidade. Bem como aponta outro caminho de conhecimento, a incorporação sensual e lúdica.

6 – Dessa forma, instruídos racionalmente é estar aprisionado pela lógica e pelas seqüências em tudo na vida. Ao passo que instruídos pelo des(acontecer) indica que a pessoa goza de pura liberdade do inaugurar, do perceber e do sentir. Liberdade para criar outras relações que encantam e dão prazer pelo sensorial e pelo imaginário.

Fonte:
Portal das Letras - Pe. Afonso de Castro
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/p/poemas_rupestres

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte VIII


ESPAÇOS ENTRE LINHAS.

O cabeçalho da redação deve começar na primeira linha do papel. O título, uma ou duas linhas após a última linha do cabeçalho. A redação, uma ou duas linhas depois do título.

ESPAÇOS ENTRE PALAVRAS.

Use espaços normais entre as palavras, devendo estas ficar nem muito distanciadas nem muito próximas umas das outras.

ESQUEMA.

Antes de iniciar a redação (antes mesmo do rascunho), faça um esquema de um roteiro de idéias.

O esquema é um mapa e um guia, que evitará desvios ou retrocessos quando da elaboração do texto.

Esquematizar é planejar. É caminhar com os olhos abertos. É saber o terreno onde pisa. É dar à redação um destino, um sentido, um fim.

ESTÁTICA.

Sempre que quiser apresentar uma cena estática, evite a repetição dos verbos ser e estar e empregue frases nominais.

Papéis por toda a parte. Memorandos, relatórios, ofícios, anotações.

Roberto, paralisado, no meio da rua. Sentado. Olhar ao longe. Tristeza.

ESTÉTICA.

Capriche na parte estética de sua redação, ou seja, faça letras bonitas e bem legíveis, margens regulares, espaço uniforme no início do parágrafo, tudo isso sem qualquer tipo de rasura.

ESTICAR.

Expedientes muito usados para “esticar” uma redação, mas que não enganam ninguém, muito menos uma banca corretora: Letra muito grande ou espichada, nova margem, enormes margens de parágrafo, paragrafação excessiva, citações falsas ou impertinentes, etc.

ESTILO.

Você já ouviu alguém dizer que cada pessoa tem uma maneira diferente (estilo) de escrever? Paulo Mendes Campos, já falecido, que foi um dos maiores cronistas brasileiros, era um grande estilista.

Veja, a seguir, alguns textos deliciosos e imperdíveis!

ESTILO NÉLSON RODRIGUES.
Usava gravata cor de bolinhas azuis e morreu!

ESTILO INTERJETIVO.
Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno bairro de Ipanema! Um homem desconhecido! Coitado! Menos de quarenta anos! Um que morreu quando a cidade acordava! Que pena!

ESTILO COLORIDO.
Na hora cor-de-rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa Rodrigo de Freitas, quem via de cor preta encontrou o cadáver de um homem branco, cabelos louros, olhos azuis, trajando calça amarela, casaco pardo, sapato marrom, gravata branca com bolinhas azuis. Para este o destino foi negro.

ESTILO PRECIOSISTA.
No crepúsculo matutino de hoje, quando fulgia solitária e longínqua a Estrela-d´Alva, o atalaia de uma construção civil, que perambulava insone pela orla sinuosa e murmurante de uma lagoa serena, deparou com a lúrida visão de um ignoto e gélido ser humano, já eternamente sem o hausto que vivifica.

ESTILO SEM JEITO.
Eu queria ter o dom da palavra, o gênio de Rui e o estro de um Castro Alves, para descrever o que se passou na manhã de hoje. Mas não sei escrever, porque nem todas as pessoas que têm sentimentos são capazes de expressá-los. Mas eu gostaria de deixar, ainda que sem brilho literário, tudo aquilo que senti. Não sei se cabe aqui a palavra sensibilidade. Provavelmente não. Talvez seja uma tragédia. Não sei escrever, mas o leitor poderá perfeitamente imaginar o que aconteceu. Triste, muito triste. Ah, se eu soubesse escrever.

ETC.

Evite escrever o termo “etc”, por ser incompleto, a não ser em casos especiais, para determinadas sugestões.

EUFEMISMO.

É o mesmo que suavização ou abrandamento. Trata-se do uso de uma expressão menos áspera, rude e chocante com relação a uma realidade.

Ele deu seu último suspiro.

Você faltou com a verdade a um homem.

José desviou recursos dos cofres públicos.

EVITE.

Termos e expressões supérfluas (desnecessárias), excesso de adjetivos, intercalações desnecessárias, digressões inúteis (“enche lingüiça”), períodos extensos e confusos. Tudo isso leva à prolixidade, que deve ser evitada.

EXCLAMAÇÃO.

Não exclame a todo momento. Procure palavras fortes e convincentes.

EXEMPLOS.

Evite mau uso de exemplos, ilustrações, citações.

Aqui, os aposentados recebem vinte salários mínimos por mês. Dado incorreto, porque, na verdade, apenas alguns aposentados recebem a referida quantia.

Obedecer uma ordem cronológica é um maneira de se acertar sempre.
Parta do geral para o particular, do objetivo para o subjetivo, do concreto para o abstrato.
Use figuras de linguagem para que o texto fique interessante.
As metáforas também enriquecem a redação.

EXPERIÊNCIA.

Use sua experiência de vida para produzir textos. Ouse, incorpore personagens, envolva-se na trama, sinta, julgue, denuncie, critique, manifeste-se, viva o tema. Evite chavões e clichês.

EXPRESSÃO.

Nunca escreva uma expressão que desconheça, pois os erros de ortografia e acentuação tiram pontos preciosos de uma redação.

Não exagere no uso das expressões: a nível de, através de, devido a, face a, frente a, tendo em vista, etc.

EXPRESSÕES GASTAS.

Você pode ter conhecimento do vocabulário e das regras gramaticais e, assim, construir um texto sem erros. Entretanto, se reproduz sem nenhuma crítica ou reflexão expressões gastas, vulgarizadas pelo uso contínuo, a boa qualidade do texto fica comprometida.

EXPRESSÕES POPULARES.

Não use expressões populares e cristalizadas pela população, mormente na dissertação, que é um trabalho muito técnico.

EXTENSÃO.

Num exame vestibular, ou numa redação de colégio, o professor corrigirá ou avaliará, em curto espaço de tempo, centenas de redações. Por este motivo, pede-se que os candidatos ou alunos escrevam um número limitado de linhas.

Qualquer exagero representa um fator grandemente desfavorável ao estudante. Mais importante do que escrever muito é o candidato ou aluno ter tempo para rever a sua redação.

FÁBULA.

É uma pequena história (uma narrativa inverossímil), com fundo didático, que tem como objetivo transmitir uma lição de moral.

A VIÚVA.

Quando a amiga lhe apresentou o garotinho lindo dizendo que era seu filho mais novo, ela não resistiu e exclamou:

— Mas, como, seu marido não morreu há cinco anos?

— Sim, é verdade — respondeu a outra, cheia de compreensão, sabedoria e calor que fazem os seres humanos — mas eu não!

MORAL: NÃO MORRE A PASSARADA QUANDO MORRE UM PÁSSARO.

FANTASIA.

Para criar o tema de fantasia, dê preferência ao emprego do verbo no pretérito imperfeito.

Fazia tempo que não se encontravam, mas a memória continuava clara e, a qualquer momento, haveriam de estar novamente juntos, rememorando o feliz passado.

Era uma tarde de tempo feio e frio no norte da Virgínia, há muitos anos. A barba do velho estava coberta de gelo e ele esperava alguém para ajudá-lo a atravessar o rio. A espera parecia não ter fim.

FICÇÃO.

Quando sua redação for uma ficção, ou quando quiser fazer alusão a determinados tipos, aproveite os nomes próprios para auxiliar nas sugestões pretendidas.

Sempre se metia nas questões alheias, tentando encontrar uma solução. Era praticamente um dom-quixote de saias, tamanha ingenuidade.

Jonathan era um pequeno mirrado, pardinho, filho da catadora de papel. Mas a mãe lhe escolhera esse nome elegante, pois adorava assistir na sua TV em preto e branco, o Casal 20, série de sucesso dos anos 80.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Aventura do Príncipe – V – Valentias

Pedrinho fora dar uma volta com o capitão dos couraceiros vindos para a guarda do príncipe. Esses valentes soldados tiveram ordem de ficar fora da casa, para que tia Nastácia não se assustasse. Pedrinho fez logo boa camaradagem com o capitão, que era grande contador de proezas.

Contou duma terrível luta entre dois espadartes e duas baleias, a que ele assistiu de pertinho. Sua valentia consistira nisso — assistir de pertinho. Contou depois as suas próprias façanhas, lutas com lagostas, ataque a um filhote de peixe-espada.

Pedrinho tinha paixão por histórias de caçadas, guerras, lutas de boxe — aventuras de terra e mar, como dizia dona Benta. Ouvia com interesse as histórias do couraceiro e contava outras. Contou histórias de onças, tigres-de-bengala, leões do Uganda, jacarés do Amazonas.

— E qual o bicho da terra que acha mais perigoso — perguntou o couraceiro, que ignorava completamente tudo que não se referia ao mar. Dizem que é o leão.

— É e não é — respondeu Pedrinho para mostrar que entendia do assunto. — É porque é, e não é porque com uma boa bala na cabeça qualquer caçador dá cabo dum leão. Para mim o bicho mais perigoso é uma tal vespa que quando morde incha o lugar e arde que nem fogo.

O couraceiro não fazia a menor idéia do que fosse uma vespa.

— Mas com uma bala na cabeça qualquer caçador não dá cabo duma vespa? — perguntou.

— Se acertar, sim — respondeu o menino. Mas ainda está para existir um caçador que acerte uma bala na cabeça de vespa.

O couraceiro arregalou os olhos.

— Só se são encantadas...

— Pior que isso. São deste tamanhinho, e voam como umas danadas. Certa vez uma ferrou na ponta da língua de Narizinho. A coitada viu fogo! Vespa, sim, é um bicho danado. Eu, por exemplo, que não tenho medo de coisa nenhuma, confesso que respeito as vespas — e não sinto vergonha nenhuma de dizer isso.

O couraceiro, um dos caranguejos mais gabolas do mar, deu uma risada de desafio.

— Pois eu só queria encontrar-me com uma! Tenho tirado a prosa de muito bichinho valente e tirava a das vespas também.

Pedrinho riu-se.

— Sua valentia vem da couraça, capitão. Tire a casca e venha lutar com uma vespa, se é capaz!

Ofendido com o juízo que o menino fazia dele, o couraceiro replicou:

— Saiba que já me bati com uma grande lagosta e a venci em poucos minutos.

— Grande coisa! Pois eu já dei no Chiquinho Pé-de-Pato, que é o moleque mais temido lá da cidade, e no entanto corro de vespa. Corro e hei de correr, e nunca terei vergonha de contar isso, porque medo de vespa é o único medo que não desmoraliza ninguém.

Estavam nesse ponto quando Emília passou, muito requebrada no seu vestido de teia cor-de-rosa. Ia tão absorvida em altos pensamentos que nem os percebeu.

— Quem é esta senhora?

— Pois é a marquesa de Rabicó, não sabe? Uma das damas mais ilustres dos tempos modernos.

— Hum! — fez o couraceiro lembrando-se. — Se não me engano esteve lá no reino há muito tempo, em companhia de Narizinho. Mas naquela época usava camisola e tinha os cabelos pretos.

— Emília muda muito, não é como vocês que são sempre os mesmos. Cada vez que Narizinho se enjoa da cara dela, muda. Muda tudo. Muda a boca mais para baixo ou mais para cima. Muda as sobrancelhas, muda os olhos. Houve até uma vez em que Emília passou sem olhos cinco dias.

— Como assim?

— Narizinho estava mudando os olhos dela, que são de retrós, e já tinha arrancado os velhos para pôr novos, quando viu que não havia mais retrós no carretel. Até que alguém fosse à cidade e trouxesse mais retrós, a coitada ficou sem olhos, ceguinha num canto, sem enxergar coisa nenhuma...

Apesar de ser um guerreiro de coração duro, o caranguejo murmurou apiedado:

— Coitada! Como não havia de ter sofrido...

— Mas também — continuou Pedrinho — quando a linha veio e Narizinho botou-lhe olhos novos, bem arregalados, Emília tirou a forra. Passou o dia inteiro sem fazer outra coisa senão olhar, olhar, olhar.

— Tem filhos? — perguntou ainda o curioso capitão.

— Não. Narizinho não quer. Emília é sua companheira de passeios e viagens. Se tivesse filhos, teria de ficar em casa, a dar de mamar às crianças, a lavar fraldinhas — e adeus passeios...
––––––––
Continua... Aventura do Príncipe – VI – Os espantos do príncipe

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Trova 213 - Edmar Japiassu Maia (RJ)

Poemas: Bilhete


Mifori
BILHETE

No bilhete dizia, estou aqui no cerrado,
vivendo numa terra que garante,
muitas e muitas contradições.
O dia amanhece radiante,
e há alegria no azul do céu!
À tarde a brisa lenta
vem amenizar o calor sufocante...
E as noites?!... Cada um, a sua inventa!
=================================

Ilze Soares
BILHETE

As palavras dançavam à minha frente,
não conseguia entender o real significado!
Era um curto bilhete do namorado...
Nãodeu explicações,
nem adoçou o seu ato...
Dizia apenas Adeus, vou embora.
O papela ficou encharcado
das lágrimas fartas de emoções!
==================

Sandra Galante.
BILHETE

Escrevo-te aqui algumas palavras
Para que em ti fiquem bem gravadas
Desde o dia que te conheci,
Nada mais belo e fascinante vivi
Conheci o que é o verdadeiro amor...
Digo-te, que viver sem ti é conviver com a dor
Portanto, não me deixe nunca por favor
Prometo-te para sempre te dar o meu melhor...
=================

Giovânia Correia
BILHETE

Nessa vereda aqui estou.
Perdida, e em aflição.
Pois nada mais restou.
Dessa insana e doce ilusão.
Já nem sei se devo caminhar.
Pois perdi também meus anseios.
Finalizo sozinha a chorar.
Pois perdi todos os meios.
=========================

Humberto - Poeta
BILHETE

Meu coração se agitou
ao ler teu lindo bilhete,
mas inda não sei se vou
te amar em teu palacete;
só em pensar fico rendido
a um medo covarde e afoito
de ali surgir teu marido
me apontando um trinta e oito!
=========================

Dilma Suero
BILHETE

Encontrei, na cama amassado,
um curto bilhete, de papel rabiscado.
Peguei-o ansiosa... coração acelerado,
o que diria tal bilhete, seria do meu namorado?
Cheguei junto à janela com mais claridade,
um vento uivante arrancou-me das mãos
e levou-o embora para a eternidade.
==============

Gilson Faustino Maia
Petrópolis-RJ
FUGA

Sumir, foi o meu desejo,
algo que concretizei.
Aproveitei um ensejo
e nem bilhete eu deixei.
Mas hoje eu vivo tristonho,
parece ser tudo um sonho,
que ainda não acordei.
==================

Maria Zélia Gomes
O BILHETE QUE ESCREVI

Eu já te escrevi um dia
Um bilhete de amor
Ia nele nostalgia
Pedacinhos de magia
E restos de algum fulgor
Eram palavras sentidas
Ditadas pelo coração
Relatos … frases perdidas
Novas tristes … doloridas
Misto de dor e paixão
E o bilhete que escrevi
Que não leste e que eu li
Carregado de ansiedade
Ficou amarelecido
Era um relato sentido
Só restou dele … saudade!
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Marcial Salaverry
UM BILHETE DE AMOR

Minha amada querida,
amor de minha vida...
Peço-te não desapareça,
veja, por ti, perdi a cabeça...
Dominastes meus pensamentos,
tortura-me ficar só com meus lamentos...
E assim, enquanto tua ausência me desespera,
ouço-te quando simplesmente, diz...espera...
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Clara da Costa
BILHETE

Escrevi um bilhete quando a saudade doeu
no vazio daquelas noites solitárias,
na saudade que invadia me corpo
O bilhete que escrevi,
falava do meu amor,
desse inesquecível,
e insubstituível amor.

O bilhete que escrevi, resposta não teve...

Morro aos poucos,
sentindo teu cheiro
impregnado dentro de mim...
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Arianne Evans
BILHETE

Ele nem me conhecia e eu o amava...
Um dia decidi escrever num bilhete
os meus sentimentos e emoções, quando
o via, quando pensava nele; num papel
bem perfumado contei - lhe pormim ser
amado, masó decepção, o endereço que
eu tinha estava errado, o bilhete voltou
sem por ele ter sido tocado e ainda fechado...
E eu fiquei com aquele amor sufocado...
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Aliosha Cigana
Bragança Paulista
BILHETE

O amor passou por aqui
Voando feito anjo estabanado
Mal deu tempo de dizer
Tenho pressa, preciso ir
Deixo-lhe um bilhete
Sem endereço, remetente ou adereço
Possivelmente de alguém
acenando que é por ti apaixonado
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Beki Bassan
BILHETE

Deixo este bilhete para você,
porque percebi que você não me ama,
e como não sei se vou conseguir dizer,
o que penso sobre esta mentira que me tortura,
prefiro então nunca mais olhar no seu rosto.
Penso que você poderia ter sido honesto,
no amor não se manda e eu entenderia,
mas ao lhe ver aos beijos com outra,
você partiu meu coração.
Só te peço uma coisa não me procure mais.
ADEUS.
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Luiz Gonzaga Bezerra
BILHETE.

O bilhete expressava
Meus sentimentos e amores
Meu desejo imensurável
De tê-la nas loucas noites
Deitadinha ao meu lado
Amando-me e sendo amada.
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Marcos Toledo
BILHETE

Tentei escrever-lhe um bilhete de chegada,
mas, como sempre, virou uma carta de amor.
Escrever bilhete para você é dificil,
meu coração se intromete e desanda a falar.
Fala do amor que sinto por você.
De um simples bilhete, vira uma carta
recheada com amor/carinho/paixão/tesão.
Culpa do coração escritor que tenho.
amém
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Cibele Carvalho
BILHETE

Escrevi-lhe um bilhete
- que coisa mais antiquada,
nestes tempos de internet -
devo estar ultrapassada...
Dizia do bem que me faz
sua presença em minha cama,
e nada se compara à paz
que sinto quando a gente se ama.
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Maria Conceição de Paula (São José dos Campos/SP)
BILHETE

Há bem mais de meio século,
não havia, na zona rural,
caneta bonita e moderna.

Mas havia poesia no coração
de um aluno apaixonado.
Assim que aprendeu o b+a=ba
fez essa trova para quem admirava:

A tinta tirei dos olhos,
A pena do coração,
Pra escrever esta cartinha
Pra quem amo de paixão!
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Lora Saliba
BILHETE

Nesse bilhete transmito
Todo meu sentimento!
Digo-lhe, não minto
Não há nenhum impedimento,
Podemos conversar agora,
Aguardo, pode vir, por hora
Com sinceridade lhe transmito
Todo o amor que sinto!
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Nilza Stringhetta Rossi (Botucatu/SP)
BILHETE

Um livro iluminado na estante bem guardado
Há algum tempo eu não percebia
Tudo estava empoeirado
O livro cai num repente quase em cima de mim
Salta dele um bilhete dizendo assim
Meu amor és minha vida, por favor,
Encontra-me na avenida
Pego o celular, meu amado, hei de encontrar
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Nicola Araujo
BILHETE

Um bilhete timbrado
Recebi perfumado
Dobrado em quatro
No meio um laço

Marcado por lágrimas
Derribadas da alma
Que clama por um amor
Sem travas
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Enviar participação para:
ilzesoares@terra.com.br OU ilzesoares@gmail.com
Obrigada
CURTINHO= poema com NO MÁXIMO 8 versos

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 416)


Uma Trova Nacional

Sou tão triste e tão sozinha,
que o eco do meu lamento,
desta saudade tão minha,
escuto na voz do vento!
–GISLAINE CANALES/SC–

Uma Trova Potiguar

Janela do meu encanto,
de alcance manso e profundo...
À noite, levas meu pranto;
de manhã, trazes meu mundo!
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Ribeirão Preto/SP
Tema: MADURO - M/H

Na caminhada, maduro,
ponho fogo na fornalha,
quero deixar ao futuro,
as lições de quem trabalha.
–NILTON MANOEL/SP–

Uma Trova de Ademar

Quem pratica a caridade
ajudando aos irmãos seus,
tem um crédito...Na verdade,
no banco do amor de Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Se na estrada em que transponho,
só tem pesares daninhos,
eu peço carona ao sonho
e nem piso nos espinhos.
–LILA RICCIARDI FONTES/SP–

Simplesmente Poesia

Meu Tear...
–SUZETE TORRES/SP–

Aproveito os girassóis e os cravos
Nascidos da lama, as violetas coloridas,
entrecortadas de desejo, as rendas da lua,
As nuvens em forma de bolas desfiadas de algodão,
O vento apressado lá fora, a música que ouço
Em meu canto...para o desencantar de meus poemas,
Tecendo-os com o tear de sentimentos, numa mistura
De cores e formas...ora tristèsse, ora alegrèsse!!
Assim também, a vida a gente tece!

Estrofe do Dia

Foi à época de ouro em minha vida,
Vem de lá todo o meu aprendizado.
Convivendo com o meu pai amado
E mamãe que foi digna e tão querida.
Mas a vida pra ser evoluída
Tem que ter os estágios, eu bem sei...
Eles desencarnaram e eu fiquei
Na missão do planeta dos mortais.
As saudades que sinto dos meus pais,
São eternas, jamais esquecerei!
–DAMIÃO METAMORFOSE/RN–

Soneto do Dia

Ladrão de Almas.
(Contra o plágio)
–CARMO VASCONCELOS/PRT–

Se és mulher... podes, sem qualquer pudor, plagiar:
as minhas vestes, meus adornos, a pintura;
meu requebrar e jeitos próprios; a postura;
podes, até, sem medo, inteira me imitar!

E se homem és... meu corpo podes decalcar;
as minhas mãos no teu, em cópias de fartura;
sem relutância te prometo, sem censura,
deixar teus dedos minhas linhas desenhar!

Do vão corpóreo vos concedo a mais-valia!
- Que pouco vale, como vós, que em cobardia,
ousam roubar do nobre poeta a inspiração...

Mas o que brota da minh’alma vos recuso!
E sem piedade, ladrões de almas, vos acuso!
Que plagiador merece pena sem perdão!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Contos de Sempre: Jacob e Wilhelm Grimm (A Lua)


Em tempos que já lá vão havia uma terra onde a noite era sempre escura e o céu estendia-se sobre ela como um lenço negro, pois ali a Lua nunca subia e nenhuma estrela piscava na escuridão. Na altura da criação do mundo, a luz da noite era suficiente. Uma vez, saíram desta terra em peregrinação quatro rapazes e chegaram a um outro reino onde, quando à noite o Sol desaparecia atrás dos montes, havia uma esfera brilhante pendurada num carvalho, que deitava uma luz suave em todas as direcções. Devido a ela, era possível ver e distinguir tudo muito bem, embora não fosse uma luz tão forte como a do Sol. Os rapazes pararam e perguntaram a um lavrador, que passava por ali com o seu carro, que luz era aquela. "Aquilo é a Lua", respondeu ele, "o nosso prefeito comprou-a por três moedas e pendurou-a no carvalho. Tem de lhe deitar óleo todos os dias e mantê-la limpa, para que ela não deixe de brilhar. Por isso, pagamos-lhe umamoeda por semana."

Assim que o lavrador partiu, disse um deles: "Esta lanterna fazia-nos jeito, também lá temos um carvalho, tão alto como este, onde a podemos pendurar. Que grande alegria deixar de tropeçar na escuridão!"

"Sabem que mais?", disse o segundo, "precisamos de arranjar um carro e um cavalo e levar a Lua embora. As pessoas daqui bem podem comprar uma outra."

"Eu trepo com muita facilidade", disse o terceiro, "trago-a já para baixo!" O quarto trouxe um carro e um cavalo e o terceiro trepou pela árvore acima, fez um buraco na Lua, passou-lhe um fio e fê-la descer. Assim que a Lua brilhante ficou dentro do carro, deitaram-lhe um lenço por cima, para que ninguém se apercebesse do roubo. Levaram-na sem problemas para a sua terra e penduraram-na num alto carvalho. Velhos e novos alegraram-se, quando a nova lanterna começou a estender a sua luz sobre os campos e os quartos e salas se encheram dela. Os anões saíram dos seus buracos nas rochas e os pequenos elfos, com os seus casacos vermelhos, faziam rodas nos prados.

Os quatro rapazes tratavam da Lua com óleo, limpavam a mecha e recebiam a sua moeda semanal. No entanto, envelheceram e quando um deles adoeceu e se apercebeu de que a morte estava próxima, ordenou que o quarto da Lua que lhe pertencia fosse levado com ele para a sepultura. Quando morreu, o prefeito trepou à árvore e, com a tesoura da poda, cortou um quarto da Lua que meteu no caixão. A luz da Lua diminuiu, mas não muito. Quando morreu o segundo, foi-lhe dado o segundo quarto e a luz mingou. Mais fraca ficou ainda quando morreu o terceiro, que também levou o seu quarto e, quando o quarto homem foi sepultado, instalou-se de novo a velha escuridão. Sempre que as pessoas saíam à noite sem lanterna, batiam com as cabeças umas nas outras.

Porém, assim que os quartos da Lua se juntaram no inferno, os mortos, habituados à escuridão, agitaram-se e acordaram do seu sono. Ficaram espantados por poderem ver de novo: a luz da Lua chegava-lhes bem, pois os seus olhos estavam tão fracos que não teriam podido suportar a luz do Sol. Ergueram-se, alegraram-se e retomaram os seus hábitos de vida. Alguns deles dedicaram-se ao jogo e à dança, outros foram para as tabernas onde pediram vinho, embriagaram-se, vociferaram e lutaram e, por fim, pegaram em cacetes e bateram uns nos outros. O barulho era cada vez maior até que, por fim, chegou ao céu.

São Pedro, que guarda as portas do céu, calculou que o inferno se tinha revoltado e chamou as hostes celestes, que lutavam contra o maligno, porque este e os seus associados pretendiam assolar a morada dos abençoados. Como, porém, elas não vinham, São Pedro montou no seu cavalo, atravessou as portas do céu e foi ao inferno. Aí sossegou os mortos, fê-los voltar de novo à sepultura e levou com ele a Lua, pendurando-a no céu.

Fonte:
José António Gomes e Isabel Ramalhete (Seleção e coordenação). Contos de Sempre. Porto/Portugal: Porto Editora, Setembro de 2004.

Paraná em Trovas Collection - 21 - Roza de Oliveira (Curitiba/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 20


PARA OS QUE SE AMAM

Ao Américo Facó

Sobre esse lago azul, que um sussurro de brisa
Aquebranta de amor e encrespa de desejo,
Curvo e leve um batel docemente desliza,
Velas a palpitar radiantes como um beijo...

Dentro, amoroso, vê, um casal se entrelaça,
E enquanto sobre o azul dessas águas quietas
Voga o batel, os dois, com o mesmo ardor e graça,
Beijam-se, como faz um par de borboletas.

Amam-se. E em derredor do lago, que se ondeia,
Como uma flauta, que soluçasse em surdina,
Pelos ramos em flor um pássaro gorjeia,
E ansioso sobre os dois o próprio céu se inclina.

Ah! que doce frescor ideal de mocidade!
Para vê-los assim foi que se fez o mundo,
A alegria, o prazer, o ruído, a cidade,
A poesia, o luxo, aquele céu profundo...

Para gozar o amor dessas crianças, vê-las
Os lábios confundir no mesmo sorvedouro,
A noite se enfeitou de arrecadas de estrelas,
E pôs sobre a cabeça um diadema de ouro...

Primaveras em flor brotaram de repente,
Como romãs ideais, bocas luxuriosas,
E floriram canções madrigalescamente,
E encheram-se os jardins de lírios e de rosas...

Ó que frêmito bom, que beijo, e que alvoroço,
E que sonho ideal, e que róseos matizes!
Não há nada melhor do que ser belo e moço...

Senhor, vamos rezar pelos que são felizes!

A BOA ESTRELA

Ao Aluízio França

Em criança, um dia, consciência pura,
Mostraram-me a estrela da minha ventura.

Ansiado e doido, corri para vê-la...
E vi-a. Que linda, que dourada estrela!

Lembra-me: mais tarde, consciência langue,
Olhei-a. Ela estava coberta de sangue...

Afinal perdido de todo, quis eu
Inda olhar e vê-la. Desapareceu....

PARA QUE TODOS QUE EU AMO SEJAM FELIZES

Eu sei que o meu destino é como aquela espada
De Breno a reluzir sobre minha cabeça,
E por isso também, porque nada mereça,
Ó deuses, para mim, eu não vos peço nada.

Tudo que vier é bom: esta melancolia,
Esta tristeza atroz, esta invasão de mágoa,
A tortura que faz tremer os olhos d’água;
Tudo que vier é bom: é porque eu merecia.

Bendita seja, pois, a mão que me assassina,
Bendito o que me fere e o que me apunhala,
E encheu-me de pavor os caminhos de opala,
E fez cair os meus castelos em ruína...

Mas ao menos, ouvi, e eu por isso me inflamo,
Que do fundo do meu recolhimento eu possa
Pálidas mãos erguer e suplicar a vossa
Magnificência real para aqueles que eu amo.

Que não sendo feliz, ao menos possa vê-los
Felizes, a gozar o prazer que não pude:
O aroma dessa flor-de-lis da juventude,
A alegria de ser sempre moços e belos.

Sim, permiti que o mal que tenha porventura
De um dia os abater, como vítima imbele,
Caia por sobre mim, que eu sei que tenho a pele
Sobre os ossos, porém, insensível e dura.

E unidos, como se fosse num longo beijo,
Doce, espiritual, ansiosamente mudo,
Não compreendam jamais dentro desse veludo,
Dentro desse prazer, dentro desse desejo,

Que há serpentes cruéis e babas de serpente,
E monstros, e reptis, e charcos, e venenos;
Mas simplesmente, olhai, mulheres como Vênus,
Belezas ideais, beijos unicamente!

Que sobre eles, assim como uma auréola em brasas
Possa resplandecer o sonho de tal modo
Que nem toquem sequer com os pés sobre o lodo,
Por isso que sonhar é o mesmo que ter asas...

E que bem como faz à tarde uma andorinha,
De um para outro país, em vindo a primavera,
Emigrem: que isso foi minha melhor quimera,
E eram essas também as ambições que eu tinha.

E transpondo esse mar, que brame e ruge e espelha,
Julguem, sempre a sorrir, que tudo é um sonho vago,
E que esse mar não é senão um doce lago,
De ondulações azuis e bom como uma ovelha.

E sobretudo que, mais verde que uma palma,
Tragam o coração em flores de giesta
Sempre aberto, a florir para uma grande festa
Dentro desses salões ariádnicos d’alma.

E possam sempre ouvir o amor quando segreda,
Mas assim como se fosse um suspiro apenas,
Essas canções em flor, lânguidas açucenas,
Entre os álamos nus de sombria alameda...

E não vejam senão a doçura da vida,
E não ouçam senão o fresco idílio eterno:
Primavera, verão, outono, e o próprio inverno,
Como quem vive ao pé de uma mulher querida.

E sabendo que são puramente bondade,
Alegria, e canção, e luz, e alvoroço,
Não queiram ser jamais esse monstro e esse poço
Que sou, e sempre fui, de orgulho e de vaidade.

E tudo seja pois tão saboroso e rubro
Pomo, que de maduro em favos se derrete,
Tão azulado o céu, mas d’um azul-ferrete,
Cálido a enfebrecer de raiva o mês d’Outubro.

Que eles possam achar quase aos oitenta anos,
Envelhecidos, mas com o lábio risonho,
Que a existência lhes foi mais breve do que um sonho,
Tais as venturas e tão grandes os enganos...

E um dia, quando enfim, de longínquos países,
Chegar a morte, bem como uma dura algema,
Que eles possam dizer nessa hora suprema:
Glória aos céus imortais, que fomos tão felizes!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011