quinta-feira, 17 de maio de 2012

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Teoria Literária) Parte 5


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

Diariamente estão sendo postados Resumos dos Simpósios que serão apresentados em 13 a 15 de junho, até totalizar os 25 a serem apresentados.

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.


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Lúcia Osana Zolin
Nincia Cecilia Ribas Borges Teixeira
REPRESENTAÇÃO/CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NA LITERATURA DE AUTORIA FEMININA BRASILEIRA


No âmbito dos estudos literários contemporâneos e, de modo especial, dos estudos de gênero, a noção de representação ocupa um espaço de incontestável importância. Isso porque, nas últimas décadas, a crítica literária tem refletido acerca de seu objeto a partir de vieses teóricos que problematizam insistentemente a relação texto-contexto. O conceito aponta significações múltiplas, entre elas, para o ato de fazer as vezes da realidade representada; ou para o de tornar uma realidade visível, exibindo-lhe a presença (GINZBURG, 2001).

De acordo com Chartier (1990), é “instrumento de um conhecimento mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por uma imagem capaz de o reconstituir em memória e de o figurar como ele é”. As representações são variáveis e determinadas pelos grupos ou pelas classes que as edificam; sendo que o poder e a dominação estão sempre presentes. Também para Bourdieu (1998), uma das principais problemáticas que envolvem a questão da representação reside nas imposições e lutas pelo monopólio da visão legítima do mundo social. O fato é que a identidade do ser ou da coisa representada, não raro, se resume à aparência dela, escamoteada que está por configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída.

O conceito foucaultiano de discurso, relacionado com o desejo e com o poder, traz, igualmente, importantes contribuições ao trabalho de identificação do modo como as “verdades” são edificadas. Tem contribuído com a crítica literária no sentido de investigar as fronteiras entre o real e o ficcional e refletir acerca do tema da representação dos seres e das coisas pela linguagem. Consideradas como “fatos”, as práticas discursivas e os poderes que as permeiam ligam-se a uma ordem imposta, cujas redundâncias de conteúdos reproduzem o sistema de valores das tradições de uma dada sociedade, em uma determinada época, autorizando o que é permitido dizer, de que maneira se pode dizê-lo, quem o pode dizer e a que instituição o que está sendo dito se vincula.

Para reverter esse estado de coisas, há que se promover o desnudamento das condições de funcionamento do jogo discursivo e de seus efeitos (Foucault, 2001). Se representar significa dar visibilidade ao outro, no dizer de Chartier (1990), pode significar, também, falar em nome do outro. Para ter assegurado o direito de falar, enquanto o outro é silenciado, o sujeito que fala se investe de um poder que lhe é doado por circunstâncias legitimadas pelo lugar que ocupa na sociedade, delimitado em função de sua classe, de sua raça e, entre outros referentes, de seu gênero os quais o definem como o centro, a referência, o paradigma, enfim, do discurso proferido. Historicamente, esse sujeito imbuído do direito de falar - e falar com autoridade - é de classe média-alta, branco, e pertencente ao sexo masculino. No âmbito da arte literária, até meados do século passado, os discursos dominantes vinham circunscrevendo espaços privilegiados de expressão e, consequentemente, silenciando as produções ditas “menores”, provenientes de segmentos sociais “desautorizados”, como as das minorias e dos/as marginalizados/as. No limite, o quadro comportava, de um lado, a visibilidade das obras canônicas, a chamada “alta cultura”, cujas formas de consagração guardam relações bastante estreitas com o modo de o mundo ser representado, com a ideologia aí veiculada e, também, é claro, com quem o está representando. De outro, o apagamento da diversidade proveniente das perspectivas sociais marginais, que incluem mulheres, negros, homossexuais, não-católicos, operários, desempregados...

Tendo isso em vista e, sobretudo, a tradição literária de mulheres que, no Brasil, nasce na segunda metade do século XIX, bem como as reflexões teóricas acerca da representação literária, empreendidas pelos teóricos/as empenhados em debater o tema, este simpósio propõe o debate da representação/construção de identidades na literatura de autoria feminina.

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Cecil Jeanine Albert Zinani
Salete Rosa Pezzi dos Santos
REPRESENTAÇÕES DO SUJEITO FEMININO: GÊNERO, SEXUALIDADE, IDENTIDADE, HISTÓRIA


No contexto cultural da pós-modernidade, destaca-se a voz feminina, na medida em que, apropriando-se da palavra, denuncia sua exclusão e defende seu direito de falar e de representar-se nos diferentes domínios tanto público quanto privado. Nos estudos sobre a mulher, ressalta a questão da sexualidade feminina, no sentido de verificar a relação existente entre sexualidade e dominação.

Para Foucault (1988, p. 46), a sociedade burguesa oitocentista é \"uma sociedade de perversão explosiva e fragmentada\". Nesse aspecto, complementa Giddens (1993, p. 30), \"o estudo e a criação de discursos sobre o sexo levaram ao desenvolvimento de vários contextos de poder e de conhecimento”. Rita Schmidt, em “Repensando a cultura, a literatura e o espaço da autoria feminina”(1995), destaca a importância da inserção da prática discursiva feminina no espaço do logos, classificando-a como um ato político, na medida em que a mulher desconstrói a sua imagem negativa projetada pelas práticas culturais masculinas que constituem a norma, o padrão.

Considerando essa perspectiva, assoma a relevância da obra literária, na medida em que ela faculta uma nova consciência receptora, visto abrir-se para o leitor outra possibilidade de percepção do mundo, tanto da realidade externa quanto interna. Assim, é possível pensar que narrativas que se movimentem em torno da representação do sujeito feminino poderão favorecer a problematização de vivências da mulher, desestabilizando mecanismos de poder e colocando em pauta a hierarquização de gêneros, cujas relações se estabelecem não apenas a partir da noção de diferença, mas também da concepção de inferioridade, marcadamente, feminina.

A identidade de gênero, como qualquer outro aspecto da identidade cultural, configura-se dentro de um processo socioistórico, não constituindo um componente fixo, permanente, mas móvel e transitório. Na medida em que os elementos formadores da cultura operam o movimento de articulação/desarticulação, a identidade modifica sua configuração, como também os próprios sujeitos, que, devido a sua vivência e experiência, re-inventam, ressignificando a sua identidade.

A construção da identidade feminina, num território periférico como a América Latina, está mediada por um sistema de representações culturais de características patriarcais e androcêntricas, tidas como naturais, ou seja, fundadas numa dominação legítima que precisa ser subvertida para que essa construção se efetive. Assim, é impraticável pensar essa identidade sem levar em consideração o sistema de gênero, uma vez que é esse sistema que vai codificar o comportamento e o desempenho dos sujeitos sociais tendo como base o fator biológico. Essa modalidade de representação, além de posicionar o sujeito no espectro social, caracteriza e dá significado ao sujeito, condicionando uma organização social assimétrica, em que o masculino define-se a partir do centro, do positivo, restando para o feminino a posição marginal (SCHNEIDER, 2000).

Questões fundamentais ligadas à história da literatura e às representações de gênero, identidade e sexualidade, perpassadas, transversalmente, pelo olhar da história e da psicanálise, constituem o objeto de problematização do presente simpósio.

23
Márcio Roberto do Prado
Jaime dos Reis Sant Anna
SOB O SIGNO DA CONVERGÊNCIA: ARTICULAÇÕES ENTRE TEORIA E PRÁTICAS DE SALA DE AULA NO ENSINO DE LITERATURA


Quando pensamos nos aspectos ligados ao estudo da literatura, sobretudo no meio universitário, não é raro que tenhamos uma cisão entre uma abordagem eminentemente teórica e outra de viés prático, voltada para a aplicação de conteúdos em sala de aula. Assim, a abordagem teórica destacaria a pesquisa e a produção de conhecimento científico para divulgação por meio de publicações de livros e periódicos especializados, ao passo que a prática visaria questões relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, tendo como foco a otimização de tal processo e o estabelecimento de estratégias e planos capazes de contribuir para semelhante cenário de eficiência.

Todavia, essa separação não existe em termos tão radicais, de modo que as questões ligadas à Teoria da Literatura e aquelas que lançam mão de uma prerrogativa didático-pedagógica acabam por se articular, cruzando-se várias vezes. De modo mais incisivo, podemos ainda destacar que semelhante “contaminação” contribui para o avanço nas duas frentes, uma vez que permite que se lance luz sobre aspectos que, diante de uma idealizada (e impossível) segmentação inquestionável, seriam, no mínimo, negligenciados. Tendo em vista este panorama, cumpre destacar que se trata de algo em perfeita consonância com as demandas atuais em termos que não se limitam ao contexto de pesquisa científica academicamente considerada e da sala de aula no âmbito do ensino de literatura. Nomes como Henry Jenkins apontam para a natureza de convergencial de nossa cultura (atingindo, assim, a atividade docente), na qual mídias, interesses e indivíduos encontram pontos de contato teleologicamente organizados, o que abarca inclusive a convergência teórico-prática. Outros, como Pierre Lévy, destacam o contexto cultural que emerge do impacto das tecnologias de informação e comunicação em nossas vidas, em suas mais variadas frentes (a “cibercultura”), mostrando como há uma urgência e uma obrigatoriedade de modificações em diversos de nossos paradigmas, não escapando dessa condição o próprio professor que, instigado por uma verdadeira revolução na dinâmica comunicacional, vê-se impelido a buscar novas possibilidades que, por seu turno, têm como condição incontornável uma reflexão teórica mais pormenorizada capaz de dar base a essas possibilidades que se abrem.

Assim, impõe-se um cenário em que o professor deve ir além (sem desconsideração) do tradicional tripé “giz-lousa-saliva” e lançar mão de recursos tecnológicos e das mídias deles emergentes, além de propostas de ensino e de verificações de aprendizagem capazes de utilizá-los de modo eficiente. Por seu turno, o pesquisador não pode fechar os olhos para tais inovações, uma vez que seu reflexo até mesmo em nossa concepção de arte e, portanto, de literatura, é por demais evidente, destacando a importância de inovações equivalentes em termos de instrumental teórico e crítico.

Deste modo, o presente simpósio pretende abordar variadas facetas de abordagem das questões suscitadas pela articulação entre Teoria da Literatura e Metodologia do Ensino de Literatura, destacando em especial aquelas que enfoquem a mediação de leitura e a formação do leitor, bem como as atuais demandas tecnológicas e comunicacionais, com o intuito de apresentar reflexões e experiências ilustrativas nesse sentido. Por fim, tomará forma uma visão mais colaborativa e interativa do professor e do pesquisador, visão esta capaz de ilustrar com eloquência que a prática sem teoria é diletantismo, ao passo que a teoria sem a prática é alienação.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) São Paulo

Wagner Marques Lopes/MG (O PERDÃO em trovas), parte 6


21

Sempre que alguém se aproxima
a rogar-nos o perdão,
vem claridade de cima -
luz ao nosso coração!

22

Não pode ser meritória
nenhuma glória do instante,
se o homem não traz a glória
do perdão ao semelhante.

23

As janelas do Infinito
se abrindo de par em par:
alguém, num gesto bonito,
por aqui vai perdoar.

24
O ódio sempre destoa... -
tornando a vida pequena.
Perdão – faz a vida boa,
engrandecida e serena.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Gelert, O Cão Real do País de Gales


Uma das vilas mais bonitas do País de Gales é Beddgelert, que fica na junção de três vales, no condado de Gwynedd.

Milhares de visitantes de todas as partes do mundo vão para lá todos os anos, mas não é devido aos jardins ornamentais ou pelas atraentes lojas de souvenir. Há uma razão especial para esta vila ser tão popular e tem tudo a ver com um incrível cão real.

O cão, Gelert, é uma das maiores lendas do País de Gales e sua estória aquece o coração dos amantes de animais. O nome da vila, Beddgelert, está fortemente ligada a esta estória romântica e se traduz literalmente como "o túmulo de Gelert"- o nome do leal cão do príncipe Llywelyn, que reinou esta parte do País de Gales muitos séculos atrás.

Gelert nasceu no castelo do rei John da Inglaterra, que reinou entre 1199 e 1216, e quando a filha do rei se casou com o príncipe Llywelyn, o filhote foi dado a eles como presente de casamento. Gelert cresceu e se tornou um cão de caça corajoso e conhecido por sua lealdade. Com o passar do tempo, Llywelyn ficou cada vez mais apegado ao cão e Gelert era sempre visto ao seu lado. Em um curto período de tempo Gelert foi nomeado líder da matilha de cães do príncipe, pois não havia outro que tivesse a sua persistência e força.

Cerca de um ano mais tarde, a esposa do príncipe deu a luz a um lindo garoto. Gelert se encantou com o bebê e ficava noite e dia ao lado do berço. Ele recusou-se a ir caçar com o príncipe um dia e parecia preferir ficar guardando o bebê enquanto ele dormia no berço. Embora Llywelyn sentisse muito a falta do animal, entendia que o cão precisava proteger a família e por isso não forçou Gelert a acompanhá-lo. Llywelyn sabia que no final do dia Gelert sempre estaria esperando no portão do castelo pelo retorno do seu senhor.

Um dia Llywelyn voltou para casa e encontrou seu fiel cão no portão. Ao se aproximar, ficou horrorizado em ver sangue no focinho e corpo de Gelert. O príncipe correu para dentro do castelo e para o quarto de seu filho. Não havia sinal do bebê, mas o berço estava virado e as cobertas da criança estavam caídas no chão, encharcadas de sangue.

O príncipe ficou com o coração partido e concluiu precipitadamente que Gelert, com ciúmes, matara o bebê enquanto estava caçando. Em um ataque de raiva, Llywelyn sacou sua espada e matou Gelert. Mas quando Llywelyn caiu de joelhos chorando, seus gritos foram respondidos pelo choro do bebê.

Llywelyn endireitou o berço e encontrou seu filho embaixo dele. O bebê não tinha sofrido mal algum e estava dormindo tranqüilamente dentro do emaranhado de cobertas no chão. Enquanto o príncipe colocava seu filho no berço pode ver a cauda de um animal embaixo de um dos cobertores. Lá estava o corpo de um grande lobo que havia sido morto por Gelert enquanto tentava atacar o bebê dentro do berço.

A estória conta os remorsos do príncipe. Tentando mostrar ao mundo o quão orgulhoso era de seu leal Gelert, enterrou o cão nos arredores do castelo e deu-lhe um enterro digno de um rei. É dito que o príncipe e seu filho visitavam o local freqüentemente e que ordenou que o local fosse conhecido como Beddgelert, em memória a seu amado cão.

Embora pareça uma estória triste, a lenda do corajoso Gelert tem lugar nos corações de gerações de amantes de cães ao redor do mundo. Ela continua sendo uma maravilhosa estória que toca os corações das milhares de pessoas que visitam o local. E a lealdade de Gelert, o verdadeiro cão real do País de Gales, vive nos corações de muitos.

Fontes:
http://www.pedigree.com.br/o-cao-real-do-pai-s-de-gales
STALL, Sam. 100 Cães que Mudaram a Civilização. 2. Ed. SP: Prumo, 2009.

Ricardo Azevedo (Histórias que o Povo Conta: Conto de Encantamento) O Rei que Ficou Cego


CONTO DE ENCANTAMENTO

É o famoso conto maravilhoso ou conto de fadas. É aquele tipo de história, por exemplo, em que um príncipe é transformado em monstro por uma bruxa, ou então sai pelo mundo enfrentando desafios impossíveis e acaba sendo ajudado por algum elemento mágico. O conto de encantamento quase sempre tem um final feliz.


O REI QUE FICOU CEGO

Era um rei muito poderoso. Certa manhã, ao acordar, reparou que tudo estava escuro. Tateando, cruzou o quarto e abriu a janela. Para sua surpresa, o céu estava negro, o chão estava negro, as árvores estavam negras e o mar estava negro.

Soltando um grito de dor, o rei compreendeu que tinha ficado cego.

Muitos médicos e feiticeiros foram chamados mas nenhum conseguiu trazer a luz de volta aos olhos do rei.

Um dia, um vulto encapuzado e curvo, coberto de panos, apareceu no palácio. Disse que no país do Quem-vai-lá-não-volta morava um gigante e que o tal gigante tinha uma fonte. Segundo o vulto, as águas dessa fonte podiam curar os olhos do rei. Bastava alguém ir até lá com uma garrafa buscar um pouco da água milagrosa.

O vulto disse isso e desapareceu no ar feito fumaça.

O soberano tinha três filhos.

Ao ouvir a notícia sobre a fonte do país do Quem-vai-lá-não--volta, o rei foi conversar com o filho mais velho, que exclamou:

- É muito simples! Basta mandar um soldado pegar a tal água!

Mas o filho mais novo não concordou:

- E se o soldado disser que foi mas não foi? Acho que um de nós deve ir.

Ficou acertado que iria o príncipe mais velho.

O rapaz pegou seu cavalo negro e partiu. Andou dias e noites e, ao chegar a um certo país distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.

O filho mais velho do rei cego perguntou o que era aquilo.

Responderam que naquele lugar quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser enterrado. Ficava no chão para ser devorado pelos animais.

O moço sacudiu os ombros e seguiu em frente.

Depois de muito andar, chegou ao país de Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Entrou, bebeu, comeu e foi atendido por uma moça muito linda. Acabou se esquecendo do gigante, da fonte, da garrafa e dos olhos do pai.

Foi ficando por lá mesmo.

O tempo passou.

Acreditando que seu filho tinha sido morto pelo gigante, o rei cego pediu ajuda a seu filho do meio.

O rapaz pegou seu cavalo cinza e partiu. Andou dias e noites e, chegando a um certo país distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.

O filho do meio do rei perguntou o que era aquilo.

Responderam que naquele lugar quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser enterrado. Ficava no chão para ser devorado pelos animais.

O moço sacudiu os ombros e seguiu em frente.

Depois de muito andar, chegou ao país do Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Ficou feliz ao reencontrar seu irmão mais velho. Entrou, bebeu, comeu e foi atendido por uma moça ainda mais linda. Acabou se esquecendo do gigante, da fonte, da garrafa e dos olhos cegos do pai. Foi ficando por lá mesmo.

O tempo passou.

Acreditando que seu filho do meio também tinha sido morto pelo gigante, o rei cego pediu ajuda a seu filho caçula.

O rapaz pegou seu cavalo branco e partiu. Andou dias e noites e, chegando a um certo país distante, encontrou um morto deitado no meio da rua.

O filho caçula do rei perguntou o que era aquilo.

Recebeu a mesma resposta: naquele reino quem morria sem pagar suas dívidas não podia ser enterrado. Ficava no chão para ser devorado pelos animais.

O moço não gostou do que ouviu. Pagou as dívidas, mandou enterrar o defunto e seguiu viagem.

Depois de muito andar, chegou ao país do Quem-vai-lá-não-volta e parou numa estalagem. Ficou surpreso ao reencontrar seus irmãos.

- E o gigante? E a garrafa? O que aconteceu? - perguntou o moço.

Os outros riram sem jeito:

- Tudo aqui é tão gostoso!

E pediram ao irmão caçula que descesse do cavalo para descansar um pouco.

O rapaz entrou, bebeu, comeu e foi atendido por uma moça muito, muito linda.

Quando acabou de comer, disse que precisava encontrar o gigante e a garrafa com o líquido que podia curar os olhos cegos do pai. Levantou da mesa, pegou seu cavalo e foi embora.

Viajou pelo país do Quem-vai-lá-não-volta até encontrar o castelo do gigante.

Bateu na porta. O próprio gigante veio atender.

O príncipe explicou o caso. Contou dos olhos cegos do pai. Disse que precisava levar uma garrafa com água da fonte.

O gigante disse que daria a água mas com uma condição. Só se o rapaz fosse até o palácio de vidro que ficava no alto de uma montanha pegar uma espada de ouro.

- Se conseguir trazer a espada, eu deixo você levar a garrafa cheia de água - prometeu o gigante.

O rapaz montou no cavalo e partiu.

Infelizmente, no meio do caminho esbarrou num rio imenso com correntezas violentas e ondas de mais de vinte metros.

Era impossível atravessar. O rapaz ficou sem saber o que fazer.

Foi quando apareceu um vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto disse:

- Não tenha medo. Pegue seu cavalo, feche os olhos e atravesse o rio, pois nada vai acontecer.

E disse ainda que, quando o rapaz chegasse ao palácio, de vidro, ia encontrar dois exércitos guerreando. Haveria mortes, gritos, sangue, espadas, lanças e flechas para todos os lados.

- Não se preocupe com nada - disse o encapuzado.

- Passe no meio da batalha como se nada estivesse acontecendo, entre no palácio, pegue a espada de ouro e vá embora. E não se esqueça de trazer a bainha.

O vulto disse isso e desapareceu no ar feito fumaça.

O rapaz não tinha escolha.

Fechou os olhos, saiu galopando e saltou dentro do rio.

Nada de mau aconteceu. Chegando ao palácio de vidro, meteu-se no meio da batalha e passou sem ser ferido. Entrou no palácio, pegou a espada e bainha e saiu. Não encontrou mais nem batalha, nem rio. Tudo havia desaparecido.

O moço correu para o castelo do gigante, que ficou muito contente com a espada, mas disse:

- Só deixo pegar a água da fonte se você for ao palácio de cristal e trouxer o cavalo prateado.

O príncipe não teve outro jeito e concordou.

No meio do caminho, encontrou novamente o vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto disse:

- O gigante quer acabar com você, mas não vai conseguir. Preste bem atenção.

Havia um novo e perigoso rio. Suas águas eram cheias de monstros. O vulto mandou o rapaz atravessar o rio, sempre de olhos fechados. Disse que, quando chegasse do outro lado, ia encontrar mais de duzentos cavalos lutando, dando coices e patadas uns nos outros.

- Não tema. Meta-se no meio deles até encontrar o cavalo prateado. É o mais bonito, o mais bravo, o mais louco, o que dá mais coices. Vá até ele, passe uma corda em seu pescoço e venha embora.

O vulto disse isso e desapareceu sem mais nem menos.

O rapaz não tinha escolha.

Fechou os olhos, saiu galopando e saltou no rio dos monstros. Nada de mau lhe aconteceu. Chegando ao palácio de cristal, meteu-se no meio da luta entre os cavalos e não levou nem um coice. No meio da confusão, encontrou o cavalo prateado. Era uma fera, empinando, mordendo e dando patadas. O filho mais novo do rei jogou uma corda no pescoço do bicho e veio embora. Na volta, não encontrou mais nenhum cavalo lutando, nem rio cheio de monstros, nem nada. Tudo havia desaparecido.

O moço correu para o castelo do gigante, que ficou muito contente ao ver o cavalo prateado mas disse:

- Só deixo levar a água da fonte se você for ao palácio de diamante e trouxer minha filha que vive lá presa.

O príncipe não teve outro jeito e concordou.

Quase no fim do caminho, encontrou novamente o vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto avisou:

- Não se preocupe. Essa vai ser sua última viagem a mando do gigante. Não tenha medo de nada. Vai encontrar um rio de fogo. Salte dentro das chamas e vá em frente. Ao chegar ao palácio de diamante, você vai enxergar vários leões tomando conta. Se estiverem de olhos fechados é sinal de que estão acordados. Se estiverem de olhos abertos, é porque estão dormindo.

E o vulto acrescentou que o rapaz só deveria entrar no palácio quando os leões estivessem de olhos abertos. Disse também que a filha do gigante estava no palácio sentada num trono com doze cobras venenosas em volta. Mandou ter coragem, andar com cuidado para não pisar nos rabos das serpentes, pegar a moça no colo e fugir. Aconselhou ainda:

- Quando estiver voltando para casa, não pare de jeito nenhum, na estalagem onde estão hospedados seus irmãos!

Dizendo isso, sumiu.

O rapaz atravessou o rio de fogo, fez tudo o que o vulto recomendou e trouxe a moça de volta.

Foi correndo para o castelo do gigante, que ficou muito contente ao ver a filha e disse:

- Agora você pode escolher: ou fica com minha filha, com o cavalo prateado e com a espada de ouro ou leva a garrafa cheia de água.

O rapaz vacilou.

A filha do gigante era a moça mais linda e perfumosa que ele já tinha visto na vida.

O rapaz abaixou a cabeça. Disse que levava a garrafa.

Depois, já com a água, montou o seu cavalo branco e partiu.

No meio do caminho, escutou um galope. Olhou para trás.

Era a moça, a filha do gigante. A moça chegou toda risonha cavalgando o cavalo de prata com a espada de ouro na mão:

- Eu estava encantada pelo gigante e agora sou livre, graças a você. Quis ficar com a garrafa mas agora, além dela, tem também a espada de ouro, o cavalo prateado e a mim, se quiser.

O rapaz abraçou a moça cheio de felicidade.

No fim do dia, os dois chegaram a uma estalagem. Era o lugar onde estavam hospedados os dois irmãos do moço.

Ao reencontrar seus irmãos, o príncipe ficou tão feliz que se esqueceu das palavras do vulto:

- Queridos irmãos - disse ele -, consegui arrancar do gigante a garrafa com a água que vai curar nosso pai.

Arrumem suas coisas. Amanhã cedo vamos todos juntos de volta para casa.

Os irmãos mais velhos vibraram de alegria. Por fora. Por dentro, ficaram mordidos da mais negra e suja inveja.

No dia seguinte, o grupo partiu.

Andaram, andaram e andaram. Numa tarde, o calor estava abrasador e os viajantes sem uma gota d'água. Quando finalmente encontraram um poço, descobriram que não tinham como tirar a água.

- A gente amarra você numa corda, você vai até o fundo e pega a água com o chapéu - disse o irmão mais velho ao irmão caçula.

O moço foi. Quando estava lá embaixo, os dois irmãos cortaram a corda, agarraram a garrafa com o remédio, a filha do gigante, o cavalo de prata, a espada de ouro e foram embora.

Diante daquela traição, a pobre moça se desesperou, deu um grito e ficou muda.

O irmão mais velho e o irmão do meio chegaram de volta ao palácio de seu pai e foram recebidos como heróis.

Mentiram. Disseram que tinham arriscado a vida para conseguir o remédio. Disseram que o irmão mais novo tinha morrido durante o combate.

A moça muda chorava sem conseguir dizer nada.

Na hora de mostrar o cavalo prateado, o bicho empinou, deu coices e patadas para todos os lados e desembestou fugindo para um morro perto dali.

Na hora de mostrar a espada de ouro, ninguém teve força para arrancá-la da bainha.

Na hora de abrir a garrafa com a água que traria a luz para os olhos do rei, ninguém conseguiu, nem com martelo nem com alicate.

A decepção foi geral. Abatido, o rei voltou para seu quarto escuro. De que adiantava um santo remédio que ninguém podia tomar?

Enquanto isso, o filho mais moço do rei continuava preso no poço chorando e gritando por socorro. Um dia, escutou uma voz. Era, de novo, o vulto encapuzado e curvo, coberto de panos. O vulto disse:

- Bem que eu avisei. Não devia ter voltado à estalagem onde estavam seus irmãos. Agora, pegue essa corda e segure firme.

E assim, graças ao vulto, o rapaz conseguiu sair do poço.

Foi então. O vulto arrancou os panos que cobriam seu corpo. Era um esqueleto. O filho caçula do rei cego levou um susto.

- Não tenha medo - disse o esqueleto. - Graças a você minhas dívidas foram pagas e eu pude ser enterrado.

Se quiser, posso levá-lo agora, neste instante, até o reino de seu pai.

- Mas o reino fica muito longe daqui! - exclamou o jovem.

- Confie em mim. Basta você se agarrar nas minhas costas.

Desconfiado, o príncipe caçula examinou o esqueleto. Perguntou:

- Você é o morto ou é a morte?

- Eu sou o morto agradecido! - revelou o esqueleto com seu sorriso cheio de ossos.

O rapaz respirou fundo, agarrou firme nas costas do esqueleto e fechou os olhos.

O esqueleto levantou vôo mergulhando num espaço incompreensível.

A viagem durou pouco tempo. Logo, os dois já estavam aterrissando nas terras distantes do rei cego.

O moço agradeceu, despediu-se do esqueleto e saiu andando.

Estava magro, barbudo e esfarrapado, por isso ninguém o reconheceu.

Chegando ao castelo, avistou o cavalo prateado passeando ali perto, solto, no alto do morro. Perguntou que cavalo era aquele.

- Nesse ninguém monta - disseram as pessoas.

A figura magra e barbuda pulou a cerca, foi até o morro, chamou o cavalo e montou.

A notícia logo chegou aos ouvidos do rei.

- Se o barbudo montou no cavalo, talvez seja capaz de tirar a espada de ouro da bainha - disseram todos.

O desconhecido esfarrapado foi convidado a visitar o palácio.

Trouxeram a espada de ouro.

A figura magra e barbuda tirou a espada da bainha com a maior facilidade.

O espanto era geral.

- Se o barbudo montou no cavalo e desembainhou a espada de ouro, talvez seja capaz de abrir a garrafa com o remédio do rei - disseram todos.

Trouxeram o vidro mas o desconhecido disse:

- Só abro o remédio no quarto do rei.

A figura magra e barbuda foi levada até lá. O rei estava deitado na cama. O esfarrapado então tirou a tampa da garrafa e, com cuidado, passou o líquido nos olhos do rei.

Foi um milagre.

Os olhos do rei se abriram e brilharam. Em seguida, o velho examinou a figura magra e barbuda e, espantado, gritou:

- Filho!

Nesse instante, a moça muda apareceu no quarto acompanhando a rainha.

Ao ver o esfarrapado, simplesmente voltou a falar:

- Ele voltou!

Então a moça contou tudo o que havia acontecido. Falou do país do Quem-vai-lá-não-volta, do gigante e tudo o mais.

No fim, os irmãos traidores foram trancados na prisão.

O príncipe caçula casou com a moça.

O rei, que agora tudo via, mandou realizar a maior festa que jamais se viu até os dias de hoje.

Eu também estive lá
E trouxe até um docinho
Mas confesso minha gente
Comi tudo no caminho!

Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. - (Coleção literatura em minha casa ; v.5)

Milton Hatoum (Nas Asas do Condor)


Quase morri de medo nas asas do Condor. Voei, voei muito alto, mas a verdade é que renasci...

Quando?

Faz muito tempo, mas me lembro do dia, mês e ano: 7 de setembro de 1958. Lembro-me também do lugar, pois há lugares da infância que ficam bem guardados na memória. Naquela época, na manhã do Dia da Independência, eu estava na beira do rio Xapuri, lá no Acre, brincando com meus amigos... Nós cavávamos buracos na areia a fim de encontrar ovos de tracajá. Em cada buraco havia dezenas de ovos que as nossas mãos transformavam em pequenas pirâmides e colinas brancas... Suávamos sob o calor inclemente, e, de vez em quando, a gente mergulhava no rio, nadava e voltava para a praia à procura de ovos... Quando terminei de construir a terceira pirâmide, tive minha primeira crise de asma. Senti falta de ar, e abri a boca para tentar respirar...

Não há nada pior do que sentir falta de ar, porque, sem ar, eu, você e o mundo inteiro não podemos viver. Meus amigos, assustados, correram até minha casa e viram minha tia Leila limpando um peixe na varanda. Apontaram para a beira do rio, e um deles disse que meu rosto estava estufado e vermelho. Tia Leila, a mais dramática de minhas tias, pensou que eu tinha me afogado no rio e correu para avisar minha mãe, que correu para o rio e entrou nas águas do Xapuri. Estava tão nervosa que não me viu na beira do rio e, é claro, não me veria nas águas do rio. Quando voltou para a praia, seu vestido azul colado no corpo e seus cabelos longos escorridos lhe davam um ar engraçado. Assim, vi minha mãe e tive vontade de rir, mas se eu mal conseguia respirar, imagine se podia rir. Minha mãe, atônita, correu para avisar meu pai, e no meio do caminho ela se lembrou de que meu pai não estavaem casa, nem na cidade. Meu pai estava viajando num barco. Ele descia e subia o rio Acre, vendendo tecidos e roupas ou trocando tecidos e roupas por pélas de borracha e sacos de castanha. Nossa casa ficava na praça Plácido de Castro, a menos de cem metros da prefeitura da cidade. Minha mãe se lembrou de que havia um médico em Xapuri, o Dr. Monte, um médico de Rio Branco que a cada dois meses visitava a cidade. Mas o Dr. Monte tinha ido atender um doente em Brasiléia, lá na fronteira com a Bolívia. Então, apavorada, ela se dirigiu à prefeitura, pois o prefeito era primo de meu pai. O prefeito correu para a praia e me viu estendido na areia, cercado por pirâmides e colinas de ovos de tracajá. Meu rosto devia estar vermelho que nem melancia, porque o prefeito olhou para mim e disse:

- Por Deus, o menino tá sufocado!

Ele olhou para o céu e disse para minha mãe e tia Leila:

- Fiquem aqui, eu vou cuidar desse menino.

Ele me pegou pelos braços. Carregou-me como se eu fosse um boneco de pano e me levou até o carro dele, um “Ford” velho e enferrujado que nunca saía da cidade, porque não havia estrada de Xapuri a nenhum lugar, nem de nenhum lugar a Xapuri. Mas havia uma estrada de barro que cortava a floresta e terminava numa pista de cascalho que devia ter uns duzentos metros. Não sabia para onde o prefeito me levava. Então eu ouvi a voz dele:

- Lá está ele, lá está o bonitão!

E quem era ele, o bonitão?

O Condor...

Nos braços do prefeito eu entrei no Condor. Era um avião verde e prateado, um bimotor alemão que passava por Xapuri a cada quinze dias e fazia uma viagem impressionante para São Paulo. O Condor escalava em seis cidades (duas da Bolívia e quatro do Brasil) antes de aterrizar na capital paulista. O prefeito, que sabia pilotar, disse ao dono do Condor que ia dar uma volta comigo. Além da falta de ar, comecei a sentir medo. Nunca viajara de avião, e agora estava num aviãozinho que parecia um sapo metálico. Tremia de medo, e, com medo e falta de ar, sentado na cabina, percebi que o avião corria na pista de cascalho. Fechei os olhos...

Minha primeira aventura: voar com falta de ar aos dez anos de idade. Quando abri os olhos, a cidade parecia uma maquete, uma cidade de brinquedo, vi os dois rios, o Acre e o Xapuri, como se fossem duas cobras amarelas. O Condor ainda chacoalhava, o barulho dos motores era infernal e o vento que entrava pela janelinha da cabina tinha a força de um furacão. Aos poucos, fui me acostumando com aquela idéia louca de voar. Estava nervoso, mas no ar. Era um milagre... e também uma alegria, pois navegando no espaço, não sei por quê, comecei a respirar melhor... Já não sentia a angústia de estar perdendo o fôlego, de abocanhar em vão um punhado de ar.

Voltava a ser como você, que respira pelo nariz, normalmente, sem ânsia, sem sufoco. O prefeito-piloto, ao notar minha melhora, sorriu. Logo depois ele riu e disse:

- Agora vamos conhecer as nuvens.

Ele puxou um pouquinho o manche, o Condor começou a subir, subir... E subimos tanto que entramos nas nuvens, essas nuvens que lá de baixo parecem enormes blocos de mármore, que nem esculturas aéreas flutuando no céu azul da Amazônia. Nuvens de todos os tamanhos e formas: nuvem-dragão, nuvem-serpente, nuvem-tartaruga, nuvens que são formas do céu da minha infância. Depois começamos a baixar, e sobrevoamos o rio Acre, sinuoso, barrento, como uma cobra-d'água sem fim. Vi um barquinho navegando perto de uma vila, imaginei que podia ser o barco de meu pai e dei um adeus na janelinha da cabina. Depois o Condor baixou ainda mais. O piloto apontou para uma árvore e disse: uma sumaumeira. Outras árvores: a castanheira, a seringueira, árvores enormes que eu via do alto. No meio da floresta, vi uma cortina esverdeada, com tons de amarelo. O piloto me disse que era um bambuzal. Vi o barracão de um seringal, o

Soledad, e canoas que pareciam de papel pardo, pequeninas e frágeis. Em vinte minutos de vôo vi coisas que só podia imaginar.

Hoje, quase quarenta anos depois desse vôo, penso que escrever uma história se parece com isso: voar, ver o que nunca vimos... imaginar.

Aterrizamos na pista de cascalho. No galpãozinho à beira da pista, minha mãe e tia Leila estavam ao lado do dono do avião. Minha mãe xingou o prefeito-piloto de louco e irresponsável; tia Leila, de cara emburrada, mal falou com ele. Mas quando me viram são e salvo, respirando como uma criança sadia, ficaram aliviadas.

Olhei para o avião na pista, e me despedi daquele sapo metálico que havia me curado. Enfim, agradeci aos céus, mas nunca perdi o medo de voar. Anos depois, iria voar muito, e em aviões ainda menores que o Condor. Mas aquele vôo foi inesquecível.

Até hoje me lembro daquela manhã em que voei no Condor e vi lá do alto o mundo da minha infância.

Fonte:
Era uma vez um conto. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002.
Moacyr Scliar; José Paulo Paes; Milton Hatoum; Marcelo Coelho; Drauzio Varella

Artur Azevedo (Pipi)


A cena passa-se num hotel de Caxambu.

A sineta do almoço acaba de retinir pela segunda vez.

A mesa redonda está posta, à espera dos hóspedes.

O primeiro que aparece é um homem de meia-idade, barbeado de fresco, ressumbrando saúde e bom humor. Senta-se, desdobra o guardanapo, prende-o entre o colete e a camisa, deita a luneta, lê com atenção a lista dos pratos, guarda a luneta, põe a lista de parte, e esfrega rapidamente as mãos uma na outra, evidente sinal de que o menu não lhe desagrada.

A pouco e pouco vêm vindo os demais hóspedes - senhoras e cavalheiros.

À cabeceira senta-se um sujeito velho, de óculos, muito sério, com muita barba e a barba muito branca.

Trocam-se cumprimentos.

Conversa-se. Conversa-se muito. Fala-se de política. Repetem-se boatos.

Afinal, chega o primeiro prato.

O homem de meia-idade respira.

Começa o almoço.

Nisso, aparece uma senhora muito distinta, muito elegante, muito bem vestida, trazendo pela mão uma linda menina de três anos. Ninguém a conhece. É uma hóspede nova. Vem à mesa pela primeira vez.

Todos a encaram silenciosamente e se interrogam uns aos outros com os olhos. Curiosidade geral.

A recém-chegada cumprimenta os circunstantes com um ligeiro movimento de cabeça e - um tanto "encafifiada" - procura lugar para sentar-se à mesa.

O velho de óculos fulmina-a com um olhar de inquisidor-mor.

O criado afasta uma cadeira e oferece-lhe lugar. Depois, vai buscar uma cadeira de criança e, suspendendo a menina, fá-la sentar-se ao lado da senhora.

Os comensais, um momento distraídos pela inesperada presença da desconhecida, entregam-se afoitamente ao trabalho da mastigação.

Ninguém fala. Só se ouve o bater das mandíbulas, o estalar das línguas e a bulha dos talheres.

De repente, a menina de três anos corta o silêncio com estas palavras:

- Mamãe, eu téio fazê pipi.

Todos riem, à exceção do velho de óculos, que franze os sobrolhos e murmura algumas palavras ininteligíveis.

A desconhecida cora até as raízes do cabelo. Entretanto, ergue-se, agarra na pequena, e entra com ela no quarto.

Fazem-se rápidos comentários. Continua o almoço.

Minutos depois, a senhora volta, trazendo a filhinha pela mão.

Tomam ambas os seus lugares.

A menina deixa passar alguns segundos e diz, passeando os olhinhos por toda a mesa:

- Eu zá fiz pipi.

E, depois de uma ligeira pausa, acrescenta muito séria:

- E mamãe também fez.

Fonte:
Historinhas Pescadas. Editora Moderna, 2001.

Esopo (Fábula 13: O Leão e o Rato)


Sentindo-se ensonado, um leão deitou-se à sombra duma árvore a descansar, quando um rato lhe trepou para cima e o acordou. Soltando um rugido, o leão bateu com a pata no rato e estava quase a matá-lo, quando a pequena criatura lhe disse: "Por favor, não me mates! Não é digno de uma criatura tão nobre como tu destruir um rato pequeno e insignificante como eu."

Apiedando-se, o leão deixou fugir o rato. Passado algum tempo, durante uma caçada, o leão caiu numa armadilha e soltou um grande rugido. O rato ouviu o leão e correu em seu auxílio, dizendo: "Não tenhas medo, eu sou teu amigo!" E, sem dizer mais nada, o rato roeu as malhas da rede e em breve o leão estava solto.

Moral da história

Não há no mundo nenhum ser tão grande e tão importante que nunca venha a precisar do auxílio dum pequeno e insignificante.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Olivaldo Junior (Arvoredo)


Amigo

Eu tinha tanto a lhe escrever. Tanta coisa se perdeu, tanto em mim já feneceu. A vida é um coração pulsando, mas o pulso já não pulsa, não. Se não lhe escrevo o quanto devo, escrevo o quanto posso então. Eu tinha um pé de cravo e rosa no meu ser. Hoje a rosa e o cravo são canção. São mais de mil no mesmo eu. Não sei ser nada que não seja assim: silêncio e música no fim. O mesmo em que começam versos e músicas, canções que eu mesmo fiz pra mim. O verso é meu direito. Direito é meu avesso. O preço de ser só é ser sozinho na vida. A vida é um velho arvoredo em que fizemos ninho. E o seu, amigo, foi sempre alto demais.

Obrigado, amigo.
Boa sorte em seus revoos.

Trovas

Arvoredo


Arvoredo ou flor miúda,
vivo em volta de mim mesmo:
por mais que Deus nos acuda,
nossas folhas vão a esmo...

Arvoredo dá viola,
violino e violão,
só não dá nem deu esmola
para as cordas da paixão.

Arvoredo é sombra certa,
grande abrigo pela estrada,
flor e fruto e fronha aberta
para o filho sem pousada.

Moji Guaçu, SP, dezesseis de maio de 2012.

Fonte:
O autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 554)


Uma Trova de Ademar

Somente a ti, Pai amado,
eu confio os dias meus;
pois sei que serei curado
pela Fé que tenho em Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Diante de doença alarmista
numa pessoa tão boa,
Deus operou tua vista
com a mão de outra "Pessoa"!
–NEI GARCEZ/PR–

Uma Trova Potiguar


Das luzes da mocidade,
que deram luz à ilusão,
sobrou sombra de saudade,
dando sombra à solidão…
–LUIZ DUTRA/RN–

Uma Trova Premiada


1999 - Nova Friburgo/RJ
Tema: BILHETE - 2º Lugar


Mesmo sem assinatura,
-o bilhete me revela
tanta meiguice e ternura
que eu sei que o bilhete é dela!
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Deus que é paz e amor profundo,
em sua excelsa grandeza,
se é mistério para o mundo,
para mim é uma certeza!
–WALDIR NEVES/RJ–

Uma Poesia


Pela luz do pirilampo
e pelo brilho do sol,
pela beleza do campo
e pela cor do arrebol,
por um orvalho caindo
por ver uma flor se abrindo
e pelos três filhos meus;
por minha Fé consagrada
por Dalva ser minha amada...
Muito Obrigado, Meu Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Messe.
–DARLY O. BARROS/SP–


Não há que esmorecer! A um dia escuro,
segue-se sempre um outro ensolarado;
dedica-te ao cultivo, é prematuro
queiras em flor um grão recém-plantado!

Lembra, porém, com vistas ao futuro,
que todo grão requer o teu cuidado:
irriga-o bem, até que enfim maduro,
se faça em frutos como planejado!

Contra o mau tempo luta e, peito aberto,
sua a camisa ¾ é esse o rumo certo
para quem tem por meta, em sua história,

depois de batalhar toda uma vida,
a recompensa justa e merecida,
nos frutos, à mancheia, da vitória!

Esopo (Fábula 12: Júpiter e o Camelo)


Uma vez, o camelo foi ter com o bondoso Júpiter e queixou-se dos seus grandes agravos. "Eu não sou como as outras criaturas", disse ele, "porque não tenho cornos, nem dentes, garras ou outras armas para me defender dos ataques dos meus inimigos. Peço-te que me concedas uma coisa de jeito."

Júpiter ficou irritado com um pedido tão impertinente e, em vez de satisfazer os desejos do camelo, ordenou que as orelhas do animal fossem cortadas cerces como castigo.

Moral da história

Os privilégios da natureza foram divididos por todas as criaturas de tal modo a que cada uma tenha a sua parte. Pedir que tais coisas sejam modificadas é desafiar a própria Mãe Natureza. Devemos contentar-nos com aquilo que ela nos concedeu.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Teoria Literária) Parte 4


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

Diariamente estão sendo postados Resumos dos Simpósios que serão apresentados em 13 a 15 de junho, até totalizar os 25 a serem apresentados.

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.


13
José Nicolau Gregorin Filho
Thiago Alves Valente
LITERATURA INFANTIL E ENSINO: ROTAS, DESVIOS E DESAFIOS


As discussões sobre a natureza de qualquer campo de estudos são constantes e necessárias. Entretanto, nota-se, quanto aos estudos sobre literatura infantil ou juvenil, a estabilidade no meio acadêmico referente à ideia de existência de subsistemas literários ou culturais que têm nas crianças e jovens suas marcas mais evidentes. A mesma situação ocorre com a relação entre o literário e o pedagógico, discussão que, por mais pertinente que seja, aponta para o predomínio, nos meios legitimadores do “literário”, da obra de caráter estético.

Apesar dessas duas situações de estabilidade que podem indicar a conquista efetiva do espaço acadêmico e cultural por parte dos estudos em literatura “infantil”, foco deste simpósio, observa-se que essas discussões ainda estão distante das escolas de Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio). O quadro se torna ainda mais agravante à medida que a articulação entre obras de reconhecido valor literário, estudadas e devidamente abordadas por metodologias atualizadas, encontram-se à disposição nas bibliotecas e não são lidas pelo público escolar. A isso se acrescenta a ausência de mecanismos de veiculação da crítica literária voltada à literatura infantil no meio midiático. Observa-se, porém, uma situação anterior à escola como espaço de divulgação e concretização do texto literário. Trata-se do papel da pesquisa, isto é, no Brasil, do meio acadêmico majoritariamente universitário frente ao problema de se divulgar, mas, sobretudo, de constituir e manter uma crítica literária ativa, engajada com a árdua tarefa de trazer ao público não especializado questões de qualidade literária quando o assunto é livro para crianças.

É notória a ausência de publicações de ampla circulação sobre o tema. Também é perceptível que o mercado ocupa esta posição num processo de autopromoção das qualidades de seus produtos, conclamando para isso, contraditoriamente, a própria academia e agentes culturais muito próximos dela. Surgem, assim eventos de divulgação de livros, palestras com escritores, projetos de leitura institucionalizados ou não, entre muitas outras práticas muitas vezes custeadas pelas próprias editoras.

Este simpósio, enfim, busca discutir justamente a ocupação deste espaço, lançando questionamentos sobre:

1) a relação entre a universidade e a sociedade de modo geral, o que traz à baila o problema dos limites entre o conhecimento desinteressado e a ausência de engajamento ou alienação dos problemas sociais;

2) o engajamento do meio acadêmico com o “direito à literatura”, premissa posta à margem de discussões aparentemente mais substanciais para a educação brasileira;

3) a relação entre texto literário de qualidade reconhecida com as práticas de leitura realizadas em sala de aula;

4) as perspectivas artísticas, culturais e educacionais para o tratamento do texto literário infantil como espaço de emancipação pessoal e formação do leitor;

5) as tendências estéticas, temáticas e formais, quanto à produção nacional e internacional direcionada ao público infantil.

14
Paulo Astor Soethe
Wolf-Dietrich Sahr
LITERATURA SEM MORADA FIXA - ESPAÇOS E MOBILIDADES


As expressões literárias muitas vezes conformam, além do seu conteúdo estético e social, a construção de espacialidades sociais. Dessa maneira, configurações de trajetos temporal-espaciais ambientam e interligam elementos textuais e realidades vividas.

A partir do século XVIII, na fase da globalização capitalista, desenvolveu-se uma gama de textos cujos recortes temáticos e princípios estruturadores concentram-se sobre espaços que ultrapassam largamente o lugar fixo: são romances e relatos de viagem (em parte marcados pela dicção científica), baladas e dramas sequenciais, ensaios e diários. Inspiradas por abordagens de Friedrich Nietzsche (Geofilosofia) e reflexões mais recentes como as de Gilles Deleuze e Félix Guattari, estabelecem-se noções, como desterritorialização e reterritorialização, espaço liso e espaço estriado, que permitem refletir sobre a relação entre texto e paisagem, entre formas textuais e tradições culturais, entre atitudes de leitura e lugares de enunciação.

Assim, esperamos poder discutir uma Geoliteratura que se propõe criar, acompanhar, aprofundar e criticar espaços literários e seu diálogo com diferentes vivências socioespaciais. Inclui-se nessa perspectiva a reflexão do romanista alemão Ottmar Ette (Universidade de Potsdam), que, sobretudo em sua trilogia ÜberLebenswissen [SaberSobreViver], ZwischenWeltenSchreiben [EscreverEntreMundos] e Zusammenlebenswissen [SaberConviver], propõe a concepção de uma “literatura sem morada fixa”. A fim de superar as limitações metodológicas e conceituais presentes no par opositivo “literatura nacional” / “literatura mundial” (Weltliteratur), e para evitar classificações identitárias excludentes como “literatura de migração”, Ette propõe privilegiar no exercício da leitura os elementos textuais e contextuais ligados à mobilidade de personagens, mercadorias, tecnologias, ideias, linguagens.

Os textos em si mesmos, ao transitar e fazer transitar, provocam mobilidades e trajetos reflexivos no interior de sua arquitetura e orquestração formal. Para além de aspectos temáticos ou formais intrínsecos, os textos transitam de uma comunidade interpretativa para outra (por exemplo, por meio da tradução) e criam com isso dinâmicas de comunicação e não-comunicação diferenciais que projetam novas espacialidades. Nessas configurações, inserem-se novas formas textuais e consolidam-se novas bases midiáticas, tais como literatura virtual, street poetry, manifestações performáticas (presenciais ou midiáticas), que se movem de maneira imediata no espaço físico e virtual, onipresente e ilimitado.

Em síntese, o simpósio pretende discutir, a partir de exemplos e considerações teóricas, tendências interpretativas e de pesquisa acerca das categorias de espacialidade e mobilidade em textos literários (seja de matriz hermenêutica, seja de matriz descontrucionista, seja de matriz não-representacional), a fim de apontar traços comuns e disparidades entre essas tendências, os ganhos reflexivos ou as incompatibilidades que resultem da tentativa de se estabelecer um tal diálogo.

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Divanize Carbonieri
Alvany Rodrigues Noronha Guanaes
NARRATIVAS DE SUPERAÇÃO E DE ANIQUILAÇÃO NAS LITERATURAS AMERÍNDIAS, AFRICANAS E AFRO-DESCENDENTES


Este simpósio pretende enfocar a prosa de ficção das literaturas ameríndias, africanas e afrodescendentes, preferencialmente, mas não de forma exclusiva, nas línguas portuguesa e inglesa. O recorte empreendido nessa ampla produção literária abrange as narrativas que representam situações individuais ou coletivas de violência ou sofrimento. De que estratégias esses autores lançam mão para ir além do que seus personagens e/ou coletividades vivenciam historicamente? É possível alguma transcendência do trauma histórico? Ou, ao contrário, existe um esgotamento de todos os recursos, inclusive os narrativos, aniquilando qualquer possibilidade de redenção, qualquer esperança de futuro, qualquer retorno a um passado mais feliz? O ato de narrar confirma ou contraria a ideia de que a obra literária pode ser vista como um mecanismo de compensação para a imobilidade da vida extraliterária?

Diante desses questionamentos, a abordagem teórica proposta para essa análise é, em grande parte, dada pelo referencial dos estudos pós-coloniais. Apesar das diversas possibilidades de definição, é possível entender as literaturas pós-coloniais no seu aspecto amplo, que envolve tanto as manifestações literárias de grupos oprimidos espalhados pelo mundo quanto aquelas produzidas pelas culturas que passaram e foram além do jugo da colonização imposto a elas pelas nações europeias. A existência de fluxos e deslocamentos constantes parece marcar essas produções, desestabilizando certezas a respeito da construção de identidades e da experiência de tempos e espaços. Partindo da conceituação de Zygmunt Bauman (1998) de uma pós-modernidade líquida, em que existe a necessidade de não se adotar nenhuma identidade com excessiva firmeza porque todas elas estão em processo de liquefação, pensamos que o atributo do transitório é um traço característico dessas realizações estéticas.

Assim, as experiências temáticas e estilísticas dos movimentos, trânsitos e fluxos tornam-se também um objeto de estudo especial neste simpósio. Se esses deslocamentos geram verdadeiras transformações ou se apenas aniquilam o já existente é uma das questões que se levantam no exame dessas obras. Em outras palavras, o que pretendemos é o exame de alguns eixos temáticos principais, como as questões de pertencimentos e não pertencimentos, movimentações, trânsitos e mesmo imobilismos de diversas naturezas, identificações e diluição das identidades, resistências, transformações e abandonos da agência transformadora.

No campo estilístico e formal, busca-se o desvendamento das configurações espaciais e temporais dessa produção literária, com o escrutínio dos novos cronotopos propostos, além do delineamento de seus modos, estratégias e soluções narrativas. Ainda são levados em consideração os elementos contextuais que surgem das relações entre literatura, história, política e sociedade.

Portanto, serão aceitos trabalhos que tratem dessas relações e que reflitam sobre os processos de mudança ou estagnação sofridos por sujeitos que se encontram em situações de opressão. Investigações a respeito das possíveis pedagogias estabelecidas pelos autores em suas tentativas de demonstrar caminhos de saída viáveis aos leitores também são esperadas. Além disso, como não poderia deixar de ser, também serão contempladas discussões acerca da impossibilidade de superação diante de alguns tipos de devastação histórica e psicológica.

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Antonio Carlos de Melo Magalhães
Salma Ferraz
O DEMONÍACO NA LITERATURA


Na relação que se estabelece entre os diferentes estilos, gêneros e tradições de textos literários, um dos temas recorrentes é o do demoníaco na literatura, mesmo na literatura que pode ser interpretada como crítica da religião. Seja na literatura antiga, chamada muitas vezes de religiosa, como são os textos da Bíblia,do Alcorão, da Bíblia hebraica e cristã em suas diferentes versões, da vastíssima literatura hebraica fora da circunscrição teológico-literária mais institucional, dos textos denominados apócrifos, etc, seja na literatura considerada não religiosa, a presença do tema do demoníaco e suas mais diversas representações, tais como o diabo, o mal, satanás, o demônio, etc. são constantemente retomadas, reescritas, ampliadas, criticadas.

Da literatura antiga, o primeiro grande exemplo é o texto bíblico hebraico e cristão, mas também os muitos textos denominados apócrifos, já que não importa ao simpósio nenhum tipo de canonicidade prévia, até porque o canônico manifesta tradições afins a outras tradições consideradas não-canônicas. Além destes textos, o simpósio acolherá trabalhos para análise que contemplem textos chamados religiosos ainda não amplamente conhecidos, mas que já tenham recebido ou que possam receber interpretações baseadas na crítica e na teoria da literatura. Abre-se, portanto, a possibilidade de sermos confrontados com textos religiosos em novas versões literárias e culturais. Nas muitas literaturas recentes não faltam exemplo da temática do demoníaco. Assim sendo, o demoníaco não está circunscrito à religião formal e institucional, antes se tornou um tema constitutivo de muitas narrativas literárias, além de fazer parte de imaginários e representações das mais diferentes camadas da cultura brasileira.

O tema deste simpósio assume a tarefa de trabalhar o tema do demoníaco no chamado texto religioso e no texto literário, ou também na relação entre ambos, ainda que seja necessário e importante destacar que alguns dos textos antigos, denominados de religiosos, sejam em sua constituição, escrita, formação, desenvolvimento e recepção textos literários e, por conseguinte, passíveis de serem compreendidos na vasta história da literatura e a partir de enfoques teóricos da crítica e da teoria da literatura.

Os trabalhos do simpósio estarão focados nas diversas manifestações do demoníaco na literatura e poderão ser desenvolvidos e apresentados a partir de textos de diferentes épocas, estilos e gêneros. O foco será o tema, não o período, não o estilo, não o gênero. Parte-se do pressuposto que os textos a serem apresentados incluirão enfoques teóricos oriundos de correntes como os da intertextualidade, da interdiscursividade, da literatura comparada, de teorias da cultura voltadas para literatura marcada pela oralidade no Brasil,assim como as teorias voltadas para os textos clássicos religiosos, como são os textos bíblicos e os chamados apócrifos.

O fundamental será desenvolver leituras e interpretações que garantirão competência e domínio do tema, além de busca de acuidade e profundidade na análise literária, na crítica e na teoria da literatura. Outrossim, é importante destacar que o demoníaco evoca os resquícios do mítico na história do pensamento, ainda que a alusão a ele se dê em esferas não tradicionalmente religiosas, como pode ser o caso do pensamento filosófico e mesmo científico.

O demoníaco permite, portanto, esta fronteira do pensamento, esta linha tênue entre o religioso, o literário, outras formas de criar e desenvolver o pensamento e sedimentar as culturas. Se as figuras do diabo, de satanás são figuras tradicionalmente religiosas, em grande parte cultivadas e interpretadas na história das religiões, o demoníaco, por sua vez, estabelece uma fronteira criativa com essas figurações do mal, mas também continua a constituir a criatividade em outras tradições do pensamento, sem deixar de manter certo vínculo com as muitas formas de sua representação na história da cultura, das civlizações e da religião.

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Alexandre Villibor Flory
Allan Valenza da Silveira
O PAPEL DO TEATRO NA LITERATURA BRASILEIRA


Quando estudamos a teoria dos gêneros literários, nenhum pesquisador cogitaria deixar de lado o gênero dramático, até mesmo porque a teoria literária não prescinde da Poética, de Aristóteles, para ficar apenas em um exemplo eloquente.

Mas o teatro brasileiro não goza do mesmo prestígio, ficando relegado a um papel meramente indicativo na maioria dos cursos de Letras. Isso levaria a pensar que, no Brasil, o teatro não estaria à altura da poesia e da narrativa. Porém, com um olhar mais acurado sobre a qualidade da produção dramática brasileira, esse rebaixamento mostra-se falso. Mas, não podemos negar que a qualidade do texto teatral brasileiro não lhe rendeu, academicamente, o mesmo espaço que os outros gêneros receberam tanto em termos de história como de teoria e crítica.

Entretanto, esse pouco interesse sobre a dramaturgia brasileira não é diretamente proporcional a uma baixa qualidade de investigação, bem pelo contrário. O jovem Machado de Assis, na quadra dos vinte anos, estava tomado pelas perspectivas formadoras do teatro no Brasil, desdobrando-se como autor teatral, crítico e parecerista do Ginásio Dramático; José de Alencar e Gonçalves Dias também participaram ativamente de nossa vida teatral, em capítulos pouco estudados de nossa história literária. Tudo isso corrobora a autoavaliação de Antonio Candido, em um dos prefácios de sua Formação da literatura brasileira, de que faltou o teatro em suas páginas.

O século XX, dentro de sua característica metalinguística, viu o surgimento, especialmente a partir dos anos 40, de grupos relativamente estáveis, com propostas estéticas ousadas e uma busca formal incessante, discutindo a função social da arte por obras de elevado interesse formal e temático. Essa perspectiva não se restringe ao eixo São Paulo - Rio de Janeiro, mas também ocorre um diálogo importante no interior do Brasil e em outras regiões, como no Nordeste. Esses são alguns poucos exemplos do que costuma ficar à margem de nossa história literária, até mesmo porque sua ênfase recai sobre autores individuais e obras específicas. Essa historiografia se vê diante de enormes dificuldades – metodológicas, epistemológicas e, por que não, ideológicas – no trato com o teatro vivo, seja entendido como processo criativo (concepção do texto dramático), como organização da atividade artística (processo de trabalho em grupo) e encenação propriamente dita (com recepção imediata), níveis esses dificilmente isoláveis no campo teatral.

Como se vê por esse breve apanhado, por vários motivos ocorre uma espécie de apagamento dessa história que precisa ser compreendida, e essa lacuna, paulatinamente, preenchida, o que é dificultado pelo espaço reservado nos cursos de Letras à literatura dramática. Esse Simpósio pretende contribuir para essa atualização de nossa história literária, ao abrir um espaço para discutir o papel do teatro em nossa literatura, em todas as frentes em que ela se desdobra: como história, crítica, teoria e interpretação de obras ou de encenações.

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Rosana Cássia Kamita
Regina Célia dos Santos Alves
O ROMANCE BRASILEIRO


Considerado híbrido, em constante transformação, ora um gênero menor, ora visto como possuidor de um caráter político com atuação direta na sociedade, o romance tornou-se referencial devido ao seu caráter livre e multiforme, com intensa capacidade de se modificar ao longo do tempo, adaptando-se a diferentes momentos e lugares. Bakhtin pensava o romance como um gênero em constante renovação, e se pode compreender sua posição ao apontar que a teoria dos gêneros serve como critério e é constantemente reavaliada a partir das obras produzidas e não o contrário. Ou seja, é a própria produção dos textos literários em suas variadas formas que impulsiona o estudo dos gêneros.

Numa outra linha de investigação, mas também tentando compreender o gênero, Ian Watt (A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.) aponta o realismo formal, embora também responsável pelo aspecto amorfo do romance, como um de seus principais traços distintivos, que se faz observar, por exemplo, na visão circunstancial e cotidiana da vida, com alto grau de individualização das personagens e detalhamento de seu ambiente. O ser humano e a vida são, portanto, suas preocupações centrais, vinculando romance à determinada sociedade, em dado tempo e lugar.

No Brasil, não obstante as controvérsias acerca da origem do romance, é sem dúvida a partir do século XIX, com o movimento romântico, que o gênero toma fôlego, passando a ser uma das formas literárias mais importantes no país não só naquele momento, mas também nos subsequentes.

No século XIX, em especial durante o Romantismo, passa a ser um importante instrumento na descoberta do país, na medida em que toma como uma de suas principais tarefas não só o entretenimento ou a fruição estética, mas o conhecimento do Brasil no tocante ao passado histórico, mítico e lendário, bem como aos costumes, às paisagens e vidas quase desconhecidas do sertão e à vida urbana, a qual, no país daquele momento, se resumia à vida na corte. Os romances de Alencar são flagrantes nesse sentido e nessa espécie de missão em que parecia se achar envolvido o gênero quando, então, a nação carecia com urgência de formas de identidade e de legitimação.

O final do século XIX acentua o traço analítico já ensejado no romance romântico. O apoio, não raro, no arsenal científico e filosófico que formava as bases do pensamento ocidental à época - afastando-se portanto da visão idealizante romântica -, leva o gênero a acentuar as preocupações acerca das mazelas sociais, expondo um mundo repleto de vícios e corrupções. Não apenas os romances naturalistas apontam para essa direção, mas inclusive, e certamente de maneira muito mais aguda, os romances machadianos.

Distante dos preceitos ortodoxos naturalistas, o romance de Machado de Assis, como afirma João Alexandre Barbosa, inaugura a modernidade do romance brasileiro, ao trazer para primeiro plano a tensão entre realidade e representação. Sua singularidade, assim, estaria na capacidade de transformar “a linguagem da realidade em realidade da linguagem” (A modernidade do romance. IN: PROENÇA FILHO, Domício (org.) O livro do seminário. São Paulo:LR Editores, 1983, p.25.). Essa consciência do fazer literário acompanharia, ora em grau maior, ora menor, toda a produção romanesca do século XX, desde aquelas formas mais radicais e experimentais àquelas de traçado mais convencional e conservador.

No cenário nacional, portanto, o romance mostra-se em constante processo de transformação, como parece ser próprio do gênero, mesmo quando se evidenciam alguns traços que o marcaram fortemente no século XIX e também em alguns momentos do século XX, como o naturalismo e o regionalismo. Na dinâmica de sua evolução, abre-se para diferentes possibilidades, revela-se fluido e de difícil caracterização, adaptando-se a diferentes intenções, mimetizando finalidades diversas.

No século XXI, o gênero apresenta alguns contornos e características ao mesmo tempo em que se mostra ainda em formação, difuso em suas várias potencialidades, o que incentiva seu estudo. Nesse sentido, a proposta para este simpósio é a de tentar compreender as manifestações de obras no gênero romance, de autores brasileiros, e procurar estabelecer as características assumidas pelo gênero, sua construção e elaboração, experimentações, traços que possam vir a ser considerados específicos em determinados períodos, além das principais temáticas abordadas.

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Raquel Lazzari Leite Barbosa
Sérgio Fabiano Annibal
O SUJEITO LEITOR, A LEITURA E O ATO DE LER NA LITERATURA, NA EDUCAÇÃO E NAS MÍDIAS


Procuraremos trazer a discussão acerca da leitura como habilidade capaz de contribuir na performance do sujeito na cultura. Trata-se de uma proposta ampla, que visa compreender de que forma os estudos da leitura e as representações sociais sobre o ato de ler vêm sendo discutidos em diversas áreas:

Educação, no que diz respeito à formação de professores e gestores, nas abordagens feitas pelos livros didáticos e nas relações didáticas implícitas neste processo;

Literatura, uma vez que, a partir da leitura literária, sua análise e refração em ambientes escolares, suas contribuições para a estética e para o fomento do gosto literário estarão em voga para se pensar o ato de ler;

Linguística, ciência de que lançaremos mão para entender de que maneira o texto é arquitetado pela linguagem, no que tange à produção do ato de ler tanto nos aspectos sintáticos quanto semânticos da língua e seus efeitos de sentido tanto para quem ensina como para quem aprende, ou seja, como a leitura é engendrada no texto a fim de produzir um sentido na cultura;

Comunicação, que será utilizada para situar de que maneira a leitura midiática se processa e vem sendo representada nesta área do conhecimento;

Educomunicação, campo novo e em pleno debate tanto na Comunicação como na Educação, e que consistirá na busca de compreensão da leitura neste novo campo e o olhar sobre o sujeito que lê as mídias e sua constituição linguística e cultural.

Ademais, outras áreas podem contribuir para este debate, como, por exemplo, a Fonoaudiologia, a Psicologia e a Neurociência, dentre muitas outras áreas dispostas a pensar o ato de ler, o sujeito leitor e suas representações. Para tanto, a metodologia também será hibrida e advinda destas áreas: História, Comunicação, Semiótica, Estudos Literários, dentre outras.

Neste contexto, o ato de ler apresenta relação direta com as representações sociais dos sujeitos, podendo produzir um movimento de construção e reconstrução destas representações por meio da leitura e, consequentemente, interferindo nas maneiras pelas quais o sujeito enfrenta e concebe o espaço cultural em que transita. Esta abertura nas apresentações sobre Leitura é justificável pelas tentativas demonstradas por meio das produções acadêmicas oriundas de diversos campos do conhecimento. São opções teóricas para se conhecer mais sobre o assunto e, dessa forma, ampliar a pesquisa e o debate sobre o tema, configurando várias entradas teóricas para a leitura, cada uma com suas particularidades e sistematizações, pois não basta nos debruçarmos apenas sobre os resultados, isto é, se o indivíduo apresenta ou não um bom desenvolvimento de leitura. É preciso mapear os processos que conduzem ao ato de ler em vários suportes e, sobretudo, captar quais os sentidos que estes estudos e seus impactos apresentam e até que ponto eles conseguem corroborar os esforços de entendimento e desenvolvimento da leitura como prática social capaz de oferecer maior transito social para o sujeito.

Portanto, dentre os resultados esperados estão a tentativa de se repensar velhos paradigmas – muitas vezes restritos e reducionistas –, a possibilidade de rever o conceito de leitura e a dinâmica do ato de ler e também compreender o que se chama de dificuldades de leitura e, talvez, com isso, buscar caminhos para superá-las. Este debate sobre leitura e as relações implícitas em seus processos tanto no suporte digital quanto no impresso espera reunir pesquisadores de diferentes regiões e instituições brasileiras para que tenhamos oportunidades de discussão sobre a concepção da leitura como resultado de um processo histórico materializado pela linguagem e suas possibilidades de operar em gêneros.

Logo, este trabalho busca compreender de que forma o ato de ler, independentemente do suporte, refrata as práticas culturais. Finalmente, parece se encontrar nestas reflexões a chance de se ver o leitor como mediador e regulador da linguagem que o constitui, deixando-o, talvez, menos vulnerável aos não ditos do discurso social e cultural.

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Rosana Cristina Zanelatto Santos
Susylene Dias de Araújo
PSICANÁLISE E TEORIA CRÍTICA ARTICULADAS PARA A LEITURA E ANÁLISE DO TEXTO LITERÁRIO: O MAL ESTAR E A VIOLÊNCIA EM QUESTÃO


Freud, desde seu ensaio Além do Princípio do Prazer (1920), dá indícios do encaminhamento e da confirmação da Psicanálise como um campo crítico acerca do humano e que se estendia para além do âmbito do indivíduo, alcançando as relações pertinentes para uma crítica da Cultura, como se lerá adiante em suas formulações encontradas em ensaios como Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), O Futuro de uma Ilusão (1927), O Mal-Estar na Civilização (1930) — esta última que se constituiu no eixo central de suas discussões — e Moisés e o Monoteísmo (1939). Suas considerações têm sido pertinentes para os estudos que pretendem dar conta dos limites representacionais tanto da “catástrofe” quanto de sua dissolução no cotidiano do mundo contemporâneo, chegando ao esvaziamento de significados.

Sem dúvida, delineia-se uma linha de pensamento sobre um “mal-estar” que contém em seu campo semântico-discursivo as diferentes configurações da violência e da agressividade. Por outro lado, a Teoria Crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt apresenta uma percepção que possibilita, pela aliança entre a teoria e a prática, o esclarecimento, sem o cunho iluminista, e uma visão alargada dos conflitos e dos debates em sociedade. Sendo assim, em hipótese, a Teoria Crítica ofereceria bases para estudos críticos e de autocrítica no que concerne às múltiplas faces da política, da ética, da cultura e da arte e ao entrelaçamento delas.

Esses estudos colocarão em crise inclusive alguns postulados psicanalíticos, não para negar sua importância para a leitura da humanidade senão para – a partir de sua posição epistemológica – relacionar-se com a metapsicologia naquilo que aproxima Psicanálise e Teoria Crítica e, principalmente, no que as faz “olhar diferente” para o ser e sua presença no e como mundo. Adorno e Horkheimer, na Dialética do Esclarecimento (1947), dirão que Freud tinha muito mais razão do que supunha quando disse que a civilização produz a anticivilização e a reforça progressivamente, tendo em vista que os impulsos encontram-se longe da satisfação de suas necessidades, que são cotidianamente subordinadas aos anseios do consumo.

Como podemos compreender que a “dialética do esclarecimento” diz respeito a todo progresso material e espiritual obtido mediante a divisão social do trabalho (a qual, por sua vez, não caminhou numa “rua de mão única”, pois a humanidade, apesar de cada vez mais esclarecida, é forçada a assumir posturas próximas da barbárie e esquecer-se de como devem ser lidos os vestígios deixados pelo passado), não se pode deixar de pensar no conceito de pulsão de morte, desenvolvido por Freud, que carrega em si a metáfora do movimento em direção ao estado primitivo como elemento fundamental para a constituição da subjetividade e, por extensão, da cultura e de suas ramificações em sociedade, incluindo-se aí a literatura.

Este Simpósio pretende, portanto, propiciar debates no entre-lugar entre as relações de Psicanálise e Teoria Crítica para a leitura e análise da obra de arte literária, de modo a dar lugar a trabalhos que objetivem tratar desse “mal-estar” e também da violência. Serão aceitos trabalhos que busquem estabelecer relações entre as perspectivas teóricas adotadas ou que se vinculem a apenas uma delas (Psicanálise ou Teoria Crítica) contanto que tenham como objeto o texto literário.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

domingo, 13 de maio de 2012

Trova de Dia das Mães - Orlando Brito (São Luiz/ MA)

Wagner Marques Lopes/MG (O PERDÃO em trovas), parte 5


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Prova a própria resistência
quem ao perdão se dedica,
e revela a sua essência:
a parte nobre, a mais rica.

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Sempre encontrou um desvio
para não dar o perdão;
até que um dia, com brio:
- Perdoo... Cansei do “não”!...

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O perdão é bom auxílio,
garantindo a boa rota.
Sem ele, resta o exílio
em ilha agreste, remota.

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O perdão sempre acontece
em gestos de bons irmãos:
tem começo numa prece,
finda em apertos de mãos.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Ciranda de Trovas (Mãe) Parte 2, final


Para mãe, não há uma rima,
no idioma português,
pois ser mãe é obra prima,
- foi assim que Deus a fez.
Luiz Hélio Friedrich – Curitiba/PR

Dizes que és pobre ... E eu, coitado,
inveja tenho de ti ...
- Tens tua mãe a teu lado,
e a minha - eu nem conheci!
Luiz Otávio – Rio de Janeiro/RJ

Tendo ao seio o meu menino,
tudo em volta é luz, é brilho.
Nem sei mesmo onde eu termino
e onde começa o meu filho!
Magdalena Léa Barbosa Correia – Rio de Janeiro/RJ

A mãe é esta criatura
que mil vezes dá perdão.
E tem paciência e ternura
sobrando no coração.
Milton Souza – Porto Alegre/RS

Apesar de mim distante,
lembro de ti, mãe querida;
porque foste a mais brilhante
estrela da minha vida!
Nemésio Simas – Raul Soares/MG

Guarda no olhar a doçura
com que me embalou um dia.
Mãe lembra sempre a figura
e a ternura de Maria.
Nilci Guimarães – Rio de Janeiro/RJ

Das dores que o tempo aguça
a mais triste, eu desconfio,
ser a da mãe que soluça
junto de um berço vazio...
Nilo Aparecido Pinto

Mãe, com divina bondade,
inteligência e com brilho,
faz tudo que ao filho agrade,
sem nada exigir do filho.
Orlando Woczikosky – Curitiba/PR

Em paz o mundo estaria,
se governassem a Terra
apenas mães que algum dia
perderam filhos na guerra!
Osmar Godinho - PR

Como de um eixo central,
desde a manhã à noitinha,
a vida toda de um lar
gira em torno da mãezinha.
Pedro Coltro – Ribeirão Preto/SP

Minha Mãe – frase sagrada
da mais sublime expressão,
para ser perpetuada
no fundo do coração.
Pedro Paulo de Lemos – RJ

Mamãe foi feliz morrendo,
foi feliz porque morreu!
pois se me visse sofrendo,
sofria mais do que eu !
Renato Caldas - Açu/RN.

À minha mãe que voou,
nas asas de um querubim,
pedindo hoje aqui estou
que do céu vele por mim.
Sara Furquim – Rio Branco do Sul/PR

Carinhos de filhos, quero!
Fazem bem ao coração:
São frutos do amor sincero;
São frutos da gratidão!
Selma Patti Spinelli – São Paulo/SP

Penso ouvir teu acalanto,
minha mãe, lá de onde estás,
querendo enxugar meu pranto
e ninar-me, em horas más.
Thereza Costa Val – Belo Horizonte/MG

Amor.... assim eu defino:
Mamãe tão velha... e eu, marmanjo,
tratado igual a um menino:
-Veste o agasalho, meu anjo!...
Vanda Fagundes Queiroz - Curitiba/PR

Apesar da longa ausência,
sinto a sua vibração...
que marcou minha existência
e tatuou meu coração!
Vânia Ennes – Curitiba/PR

Rosto negro, alma de neve,
ternura de risos francos,
o Brasil muito de deve,
mãe - preta dos filhos brancos.
Vasco de Castro Lima – Lavrinhas/SP

Eu rememoro a saudade
de minha mãe, as carícias:
serena necessidade
de seu carinho e delícias...
Vidal Idony Stockler – Curitiba/PR

Ser mãe, é ser o que encerra
tudo que é nobre e bendito :
- é ter a alma na terra
e o coração no infinito ...
Virgílio G. Assumpção

Almejo trilhas sem fim,
ornamentadas de rosas!...
Mãe, vais à frente de mim,
cultivando as mais formosas!
Wagner Marques Lopes – Pedro Leopoldo/MG

Transcendo o sonho e refaço
minhas rotas do passado,
para ter de novo o abraço
do ventre em que fui gerado.
Wandira Fagundes Queiroz - Curitiba/PR

Mamãe é um sono desperto,
é uma estrela que reluz,
é oásis num deserto,
é bondade, é paz, é luz.
Zeni de Barros Lana – Itaverava/MG

Fonte:
Nilton Manoel. Portal Movimento das Artes
Imagem obtida no site de A. M. A. Sardenberg. Alma de Poeta.

Trova de Dia das Mães - Severino Uchoa (Aracajú/SE)

Kideniro Teixeira (Livro de Poemas)


ADOÇAO – A Manaus

Para Ricardo Roriz – Mestre de Gerações

Esta terra foi minha...
Muito lhe quero, quanto ela me amou!
És de minha alma a formosa Rainha,
ah, minha terra, Mãe que me adotou!

Cheguei com os maltrapilhos,
órfãos de tudo, vindo aos escarcéus,
estropiado como os andarilhos,
estendendo-lhe as mãos e olhando os céus.

E amei... e fui amado!...
Como uma árvore ali criei raízes
no doce embalo que me acalentou.

E parti... Fui gladiado
em batalhas por dias mais felizes...
Ah, minha terra! Mãe que me adotou!

A MINHA MESTRA

"Possa ao menos sentir tua presença
nestes versos que escrevo, amargurado,
ante a profunda, ante a sombria e imensa
saudade de teu vulto idolatrado."
Homero de Miranda Leão

Foi minha mãe a minha Mestra
que me ensinou a ler, em nosso humilde ninho;
eu era um menininho,
uma criança...
De minha mãe, exímia trovadora,
é de quem guardo esta divina herança.

Recordo agora,
que a sua voz se erguia,
branda e sonora,
como se fosse um sino
tangendo na alvorada fria
do meu Destino:

- Lê! Estuda! Lê, menino!
Era este o heróico estribilho
de cada dia:
- Lê! Estuda! Lê, meu filho!

Como era bela a minha Professora,
no seu vestidinho branco!
O coque alto, olhos castanhos
e esguias mãos da Virgem Redentora!

Somente agora sinto, e guardo, e tranco
no peito esta saudade imorredoura,
como se ouvisse. ainda. a sua voz sonora:
- Lê! Estuda! Lê, meu filho!

E eu que jamais velara o meu Destino,
quanto sofro e me deploro
para cantar minha procela...

E nem sabia, que um dia,
eu sentiria,
tanta saudade dela!

VISITANDO MANAUS

Para Arlindo Porto

Você, minha cidade, foi tão boa,
tão amável, sem nem me conhecer
quando eu vagava no seu seio, à toa...
abrindo os braços pra me proteger.

Você sabia? Creio que sabia
que eu era um "Arigó" que aqui chegava...
E você, cristãmente, me sorria
e até cantar cantou, quando eu chorava.

Aqui cheguei carente de carinho
e de logo a sua mão me abençoou;
e eu tive muito amor, tive outro ninho,
tive outra Mãe, – a Mãe que me adotou.

Deu-me um leito, tirou-me dos retraços
onde estava a minha alma ainda em flor;
e ofereceu-me os seus morenos braços,
como os braços de um Cristo Redentor.

Para mim era tudo um desafio,
um desafio, em tudo, tudo! Enfim,
o Rio Negro não era só um rio,
era um mundo de amor rolando em mim.

A ingratidão, de todos, é o pecado
maior. Deus não concede a remissão;
se fora embora o filho desalmado,
visitando-a espera o seu perdão.
********************************

Olhando o céu, beijei Nossa Senhora,
para a beijar, também, com humildade;
já estou mais velho, a vida se evapora!
Vê-la de novo eu vim, minha Cidade.

Vim recordar de minha mocidade
tudo aquilo que amei e guardei de cor;
– para matar, meu Deus, esta saudade;
– para voltar, talvez, muito pior!

Aqui vivi e amei... e fui amado
pela Princesa a quem beijei o rosto
e vi nascer minha primeira Flor!

E nunca houvera em versos consagrado
seu nome augusto, assim, nesse antegosto,
Cidade Nobre de meu grande amor!
Manaus (Japiim I, 1991)

NA AMAZÔNIA

Para Clóvis A. da Mata

"As sepulturas ficam abertas nas florestas à
beira dos barrancos, sem cruzes e sem recordações,
protegidas, apenas, pela esmola e pela claridade da luz.”
Álvaro Maia

Nessas umbrosas, vírides florestas
que se levantam no Setentrião,
há pomos fartos e riquezas lestas,
e há ouro em tudo ao desdobrar da mão.

É para ali que corre a multidão
de párias nus, nas levas indigestas,
o lar deixando, a alma e o coração,
ao canto de Sereias desonestas.

Como um gado passivo se despede...
Há um acento de dor na despedida,
lamento triste que nem outro o excede!

E segue estosa e sôfrega a coorte,
pois ali todos vão tentar a vida,
mas, ali quantos vão achar a morte?!

EMIGRANTE

À memória de César Coelho

De um mundo vim, um Mundo malfadado,
de torpezas, de sustos, de agonias,
onde purguei, nas longas noites frias,
as angústias do tédio e do pecado.

Quis ser outro e ser bom. Quis ser amado
e milênios levei nessas porfias...
Minha alma discorreu coreografias
antagônicas nesse aprendizado.

Mas, se hoje vejo as Luzes no Infinito,
nas distâncias sem fim desse esquisito
turbilhonar de sóis – nos olhos meus,

cuido avistar as lúcidas lanternas
que hão de levar-me às Perfeições Eternas,
para enxergar em tudo isso, – Deus!

MODÉSTIA À PARTE

Eu faço versos como se rezasse
e sem ligar que alguém assim os faça;
porque fazê-los como os vi fazê-los,
só uns irmãos que tenho, analfabetos.

Eles não sabem se existiu Bilac,
Camões, Petrarca, Dante ou Baudelaire...
Pois que de escola à porta jamais foram,
mas são poetas, são; sem saber ler.

Eu faço o verso ao jeito que eles fazem,
sem pedantismo, assim como respiro,
ando, paquero, assobio ou falo
de minha própria, ou da vida alheia.

São versos feitos sem contar nos dedos,
e sem Tratado em "Ver se fica são",
sem "rimas ricas", feitos da pobreza
de fechaduras sem "chaves de oiro".

Lendo esses versos, muitas vezes, tinha
da Glória estar nos cumes cobiçados;
e então da Glória ia beijar-lhe o Trono,
"embebedado do sinistro vinho".

Pois que da Glória já fui seu fanático,
julgando nela não morresse nunca;
mas, quando a Glória evitou meu rosto,
"eu fui caindo como um sol caindo..."

São versos velhos, feitos de retraços
das ruínas remotas de Pompéia
e das cinzas lascivas de Gomorra;
porém nasceram do meu grande amor.

E tanto os quero porque são meus filhos,
diletos filhos do útero da alma,
para voarem – pássaros queridos,
por este mundo consolando aflitos.

OS QUE ENCONTREI

Para o Poeta Walfredo dos Anjos

I

Eu fui na vida o Poeta embevecido
no meu divino Reino da Ilusão:
– Dando o vinho do Sol ao desvalido
e, após, a Lua-Cheia em comunhão.

Imprimi no meu canto um sustenido
de amor, e paz, e prece, e redenção...
Fui Mensagem, fui fruto repartido
entre os filhos da desconsolação.

A todos prometi a minha palma
e dividir o que eu tivesse na alma,
com quem vivesse, por aí, sozinho...

Já dei tudo o que tinha... e sem ter nada,
minha alma dou em rimas, orvalhada,
aos que passem com sede em meu caminho.

II

E fui, de fato, o Poeta dos amores,
vendo em mim mesmo, toda a humanidade;
dei muito amor, carinho e caridade,
minha fazendo a dor dos sofredores.

o meu canto vibrou como tambores
divinos nas falanges da orfandade;
consolei-as pregando a piedade,
como pregam no Templo os Pregadores.

Para os que vinham atirei meus louros;
dos cofres de minha alma seus tesouros,
pus entre as mãos do que avistei sozinho...

Acabei com o que eu tinha nas andadas;
E, em recompensa, recebi pedradas,
de muitos que encontrei no meu caminho.

ETERNlZANDO VIDAS

II

Não há fugir à dor que desconforta,
nem retorcer o mal que em si concentra...
Se hoje a Morte bater em tua porta,
abre-a, de vez, a convidá-la, - entra!!

Diluto em tudo o que a verdade exorta,
expõe o peito à adaga que se adentra
nele, ferindo-o e, torturante, corta
fibra por fibra e a tudo mais descentra...

E quando as tuas células morrerem,
e dezenas de glândulas pararem,
e, cruzadas, as mãos apodrecerem,

naquelas cames rotas, diluídas...
Certos dirão os que te carregarem:
– Hoje ele é vida etemizando vidas!

ÁGUAS BELAS

Fazia anos que eu não visitava
a vilazinha onde nasci e aquelas
paragens todas a que tanto amava...
Minhas Águas-Belas, tão humilde e boa,
com a sua igrejinha iluminada a velas.

Ali vi-me criança, outra vez, correndo
pela campina, olhando o prado em flor
e em tosco engenho a gotejar, moendo...
me vi menino e uma menina loura,
que fora, ó Deus, o meu primeiro amor!

Fui ver o “Tanque”, o poço onde eu nadava
tempo de inverno, arisco como um potro,
a ver se ali ainda eu me encontrava;
mas ao mirar-me nesse espelho de água,
já não vi meu rosto alegre — um outro.

Também não vi aquelas coisas santas:
– rebanhos brancos a beber nos rios
que deslizavam ao longo das gargantas;
nem os velhinhos de cabeças brancas,
aos quais, a todos, lhes chamava tios.

Nem mansos bois a ruminar, tristonhos,
à sombra augusta de augustos juazeiros,
como quem cisma em inocentes sonhos...
Nem as siriemas de olhos amarelos,
cantando, longe, pelos tabuleiros.

Triste saudade amortalhou minha alma,
olhando a velha casa que foi nossa,
toda arruinada e como quem se ensalma...
Ó relembrança, foste uma fiala,
jorrando um vinho que, se amarga, adoça!...

Senti vontade de correr, gritando,
pelo rincão de minha peraltice
e a tudo, por ali, interrogando:
– Quem escondeu a minha mocidade?!
– Quem pôs tão longe a minha meninice?!

Fonte: