quarta-feira, 4 de julho de 2012

Lygia Bojunga Nunes (Corda Bamba) Parte 2


Aspectos temáticos

 As diferenças sociais é o primeiro tema abordado em Corda Bamba, pois é esse tema que desencadeia a trama. De um lado, temos o pessoal simples do circo cuja vida é difícil, arriscada e com muitas dificuldades financeiras e em contraste a este temos Dona Maria Cecília, para quem o dinheiro compra tudo, objetos e até pessoas. Assim, tenta comprar Marcelo, o namorado de Márcia, mãe de Maria, para dela afastá–lo.

 Esses dois mundos se encontram quando a mulher Barbuda e Foguinho levam a menina Maria para morar com a avó, pois os pais de Maria haviam morrido em um acidente no circo.

 O segundo tema abordado são as questões trabalhistas. A luta concreta por um ofício digno e protegido por leis de segurança do trabalho é explicitado, quando um colega de circo, Foguinho, tenta convencer Marcelo e Márcia para que não andem na corda bamba sem a rede embaixo.

 Esses dois temas encontram-se como que entrelaçados entre si, em Corda Bamba, pois um deles nos remete ao outro. É a atitude da mãe de Márcia (tentar separar Márcia e Marcelo) que empurra eles para a vida de circo, e são as dificuldades financeiras, a exploração da classe menos favorecida, neste caso os artistas de circo, que fazem com que as personagens Marcelo e Márcia deixem de lado as questões de segurança no trabalho e trilhem para o caminho da morte.

Corda bamba tematiza a dominação exercida por uma classe privilegiada, de forma agressiva. A avó de Maria é representante dessa classe, exercendo seu autoritarismo, achando-se no direito de comprar tudo e todos. O que Lygia Bojunga Nunes deseja é explicitar, em um nível possível de ser compreendido pelo leitor criança, as contradições do momento histórico em que se vive.

 Analisando a relação criança versus adulto, a narrativa de Lygia Bojunga Nunes lida com o problema da autoridade, deslocando-o para a perspectiva da criança. A família e a escola são agentes privilegiados da opressão institucionalizada que o adulto exerce sobre a criança, sob o disfarce da proteção, e isso transparece nas obras de Lygia Bojunga Nunes.

 Em Corda bamba, nota-se que Dona Cecília exerce sua autoridade, sem respeitar o próximo. Na relação familiar de Dona Maria Cecília com Márcia e Maria, observa-se a assimetria em que a avó de Maria impõe a sua autoridade e poder.

 Foguinho e Barbuda, como Márcia e Marcelo, representam o casal em que o respeito mútuo predomina, constituindo exemplos de uma relação familiar ideal. A hegemonia do adulto se dá ainda e com igual ou maior ênfase na escola, o principal aparato ideológico do Estado. Em Corda bamba, isso transparece nas aulas particulares de Maria, em que o medo por não saber matemática é simbolizado pelo cachorro da professora que fica embaixo da mesa e ameaça Maria a todo instante, impedindo-a de prestar atenção.

 A obra tematiza a dominação exercida por uma classe privilegiada, de forma contundente. A avó de Maria, a protagonista, é uma senhora da mais alta sociedade, está habituada a comprar objetos e pessoas. Assim tenta comprar Marcelo, o namorado de Márcia, mãe de Maria, para dela afastá-lo. A luta concreta por um ofício digno e protegido por leis de segurança do trabalho é explicitada quando um colega de circo tenta convencer Marcelo e Márcia para que não andem na corda bamba sem a rede embaixo. "Cada um que topa trabalhar do jeito que vocês estão topando, puxa para trás todo o mundo que está trabalhando também". E ainda a idéia do coletivo da classe trabalhadora formada pela luta de cada indivíduo.

 Em Corda bamba, Maria vai em busca de sua identidade por meio da corda bamba, um elemento circense. A atividade artística é vista como forma de o indivíduo liberar suas tensões, a fim de melhor integrar-se ao grupo social, livre dos conflitos existenciais.

 O uso do elemento simbólico para revelar os problemas existenciais da criança é original em suas obras, possibilitando ao leitor identificar-se com as situações apresentadas, ajudando-o a elaborar seus próprios conflitos.

 Embora se possa verificar uma postura engajada de Lygia Bojunga Nunes no que se refere às questões políticas, sociais, demonstrando uma opção ideológica de esquerda em Corda bamba, percebe-se que a escritora trata dessas questões em sua obra com sutileza, por meio das ações dos personagens, dos relatos dos acontecimentos, recorrendo a imagens simbólicas e alegóricas, sem usar discurso moralizante, panfletário. Lygia Bojunga escapa do panfleto porque ela não dá recado nem faz mensagem. Ela narra com seu olhar e deixa a formulação crítica por conta do leitor. Sua literatura é critica e engajada, utilizando-se da fantasia e da paródia, transfigurando o real, fazendo arte poética.

 É possível observar, em Corda bamba, uma preocupação com assuntos ligados à sociedade, como a luta pela igualdade social e questões como a situação de exploração em que vivem as pessoas menos privilegiadas economicamente, trazidas ao texto de modo especial. É o caso de Marcelo, símbolo do homem explorado, humilhado, engolido pelo sistema. Por necessitar sobreviver na “corda bamba” da vida, arrisca-se para ter uma existência mais digna, como pode ser constatado pelo relato de sua história a Márcia, em que trata das dificuldades por que passava, da miséria de sua infância, feita de “uma porção de nada”, e do seu trabalho no circo, quando ainda era solteiro. No circo, sujeita-se à exploração do dono, fazendo o número da corda sem rede de proteção, com o objetivo de conseguir mais público.

 Aceita o desafio a fim de ganhar fama e melhorar o salário. No entanto, não consegue realizar o número, pois o medo o domina, e ele é despedido. O sonho de um trabalho digno, que atenda às normas de segurança, com seguro de vida e defesa contra acidentes, além de um salário condizente, torna-se distante. Esse fato traumatiza-o e ele não consegue emprego em outro circo, visto que foi humilhado. Assim, é obrigado a procurar outro tipo de serviço, resolvendo ser pintor de parede de prédio.

 Devido ao desrespeito às necessidades dos outros, os pais de Maria acabam morrendo depois de terem sido obrigados a realizar o espetáculo sem rede de proteção para liquidarem as dívidas contraídas na busca da filha que fora raptada pela avó. As circunstâncias da vida fazem com que não cumpram a promessa feita de nunca trabalhar sem a rede de proteção.

 Sem utilizar-se do tom moralista, comum da literatura infanto-juvenil, a autora vai registrando o esquema vigente nas sociedades capitalistas, em que o individualismo se tornou mola propulsora do progresso econômico.

 Já Dona Maria Cecília poderia ser vista, alegoricamente, como uma réplica do poder constituído que, principalmente na década de 70, excedeu-se em suas prerrogativas de dono absoluto do poder. Ela, por ter dinheiro, acha-se no direito de mandar e desmandar nas pessoas, como fez com sua filha Márcia, controlando-a desde pequena, escolhendo suas roupas, colégios, amigas e até seu namorado. Quando Márcia se apaixona por Marcelo, pintor de paredes e artista de circo, opõe-se ao namoro pelo fato de o rapaz ser pobre e lhe oferece um cheque de alto valor, para que desistisse de se casar com sua filha. Para não se tornar apenas mais um “bem consumível” da sogra, o rapaz rasga o documento e vai-se embora, seguido de Márcia. Os dois a abandonam, para não se deixarem envolver por princípios valorativos baseados no dinheiro.

 Dona Maria Cecília não consegue “comprar” Marcelo com seu dinheiro, mas “compra” seus três primeiros maridos, mostrando o alcance de seu poder econômico. São pessoas pertencentes à classe média da população.

 Por comodismo, esses maridos se deixaram cooptar pela atração por postos que lhes garantissem melhores condições de vida, para poderem dedicar-se ao prazer do seu trabalho, sem se preocuparem com o sustento. No entanto, apesar de, aparentemente, se venderem ao poder econômico, simbolizado pela Dona Maria Cecília, não se deixaram subjugar aos desmandos da autoridade.

 O quarto marido de Dona Maria Cecília, seu Pedro, é símbolo de uma visão humanista do mundo, opondo-se aos três primeiros. Seu Pedro não se deixa comprar e nem pretende impor-se pela autoridade, sabe respeitar o próximo: “nem eu mando em você, nem você manda em mim”.

 No entanto, o ápice do poder, do autoritarismo, da opressão, do desrespeito pelo ser humano por parte de Dona Maria Cecília Mendonça de Melo é mostrado quando ela “compra”, utilizando seu prestígio econômico, uma velha contadora de história, um ser humano, apenas para dar um presente diferente à neta.

 Há a denúncia da miséria em que vivem as pessoas, que precisam se vender para poderem sobreviver. A Velha da História simboliza o povo humilde, sofredor, faminto, os sem-teto, os descamisados, os miseráveis deste planeta que necessitam de se vender a troco de comida. Não possuem o mínimo necessário para sua sobrevivência e se submetem a qualquer humilhação, além de viverem em situações subumanas. Lygia Bojunga Nunes trabalha isso de forma humorística, para enfatizar a ironia da vida dessas pessoas, pois quem passou fome a vida inteira acaba morrendo de tanto se fartar com o que mais desejava – comida.

 Lygia tece a narrativa fundada em dois planos: o inconsciente e o consciente. No plano do inconsciente, verifica-se o interior de Maria, sua situação interna. No plano do consciente, observa-se a criança incompreendida, privada de quaisquer direitos, submetida a uma relação de dependência absoluta. Assim, a vida de Maria é relatada de forma que sua biografia vai fragmentariamente sendo compreendida, à medida que a menina vai recuperando a memória, desvelando o seu passado e recriando a sua história.

 O aprendizado de Maria no circo, as instruções que a mãe lhe proporciona não são valorizados pelas demais personagens. Segundo a avó e a própria escola, a menina está atrasada em conhecimentos e precisa igualar-se às demais crianças, por isso freqüenta aulas particulares com Dona Eunice. A professora é um protótipo de tirania, um falso educador, ministrando lições mas dando muito pouco de si, incentivando a submissão e menosprezando o medo que Maria sentia do cachorro.

 A escola descrita em Corda bamba ensina valores e modos de comportamentos da classe dominante, ignorando a bagagem de conhecimentos e experiências que a menina já traz consigo. A realidade escolar com que Maria se defronta, com conteúdos desconexos e desvinculados do conhecimento, nada acrescenta à interioridade da personagem.

Corda bamba exemplifica o realismo humanista, por focalizar o assunto da angústia e da crise existencial do homem do nosso tempo, esmagado pela opressão social.

 Tanto Maria como os protagonistas de outras obras de Lygia Bojunga Nunes buscam o auto-conhecimento na integração dos vários planos da consciência à realidade de um mundo exterior percebido sob diferentes ângulos e nas suas diversas faces.

 A personagem não é fixada de modo rígido, quer nos traços psíquicos, quer nos físicos. A personagem Maria é registrada de forma indireta, pelo seu tipo miúdo, sua idade e seu temperamento reprimido. Sua figura, embora apresentada como centro do processo diegético, interessa sobretudo no plano discursivo, como instrumento de veiculação de valores e de idéias.

Corda bamba apresenta uma visão pequeno-burguesa do mundo, estruturada de modo a realçar o fenômeno da reificação, visão essa dominada pelos efeitos do poder do capital sobre a vida de cada pessoa, sendo, portanto, contraposta a uma visão humanista do homem.

 Verifica-se na personagem Maria o desequilíbrio da personagem ocorre a partir do motivo gerador da sua amnésia (a visão da morte dos pais). Após lembrar-se das experiências passadas, reestrutura-as na tentativa de buscar o equilíbrio da sua vida presente. Esse equilíbrio é atingido ao final da diegese, porém, por um discurso aberto, sugerindo o não fechamento da história de vida da personagem.

 Lygia enfatiza o aspecto social em suas narrativas e, por meio de uma linguagem simples, inocente no seu plano expressivo, emprega os símbolos e as alegorias, dados que são, no plano criativo, expressões curiosas do estado das idéias nas décadas de 60 e 70, de um Brasil sofredor das conseqüências de uma política repressora.

 Em relação à linguagem descritiva, Corda bamba enriquece-se de detalhes aparentemente supérfluos, por exemplo, a respeito da professora particular que dá aulas a Maria (o braço cheio de pulseiras, as unhas grandes e esmaltadas etc.), pois tais elementos são fundamentais para a caracterização do realismo humanista da autora. Segundo a estudiosa, a descrição não tem a função de inventariar exaustivamente pormenores do objeto, mas sim uma função mais elevada de embasar o universo simbólico da ficção.

 No processo de recuperação da memória de Maria, Lygia Bojunga Nunes faz uso de um vasto campo de símbolos, como portas, cores, compartimentos fechados, flores, sonhos, corredor, corda, arco, mar, água, barco.

 A perda da memória de Maria ante a morte dos pais e todo o processo de sua recuperação tornam-se significativos quando transposto para o plano do real, visto que a anistia tem como característica intrínseca o esquecimento. A perda da memória de Maria pode-se relacionar com a perda de memória do povo brasileiro, assim como a necessidade de Maria recuperar a memória, com a própria necessidade de a sociedade brasileira não se deixar impregnar pelo esquecimento e lutar pelo reavivamento do passado. Com a trajetória de Maria, que não se conforma com a perda da memória e empreende um retorno ao passado, desvendando paulatinamente os mistérios das portas coloridas que lhe desvelam a história de sua vida e de sua família, o que lhe cria condições para inserir-se no presente e projetar o seu futuro, Lygia Bojunga Nunes aponta a mesma trajetória para a sociedade brasileira.

 Em Corda bamba há características reveladoras do sistema autoritário e opressivo da sociedade. Dona Maria Cecília Mendonça de Melo é representante desse sistema, visto que nela se encontra a junção do autoritarismo com a corrupção, exercidos por meio do poder do dinheiro. Essas características podem ser percebidas nas suas relações interpessoais, que são exclusivamente monetárias. Quando Dona Maria Cecília se apaixonou, não soube conquistar os maridos, foram todos comprados. Para separar a filha de seu namorado, ela usou do dinheiro para afastá-lo. Para agradar a neta, ela comprou um ser humano.

 A avó de Maria poderia ser vista, alegoricamente, como uma réplica do poder constituído que, principalmente na década de 70, se excedeu em suas prerrogativas de dono absoluto do poder.

 Como vimos, Lygia Bojunga Nunes dá atenção especial à escola, que é vista como uma extensão do poder central, pois reflete o mesmo sistema hierárquico daquele, em que um detém o poder e os outros se submetem a ele. A pesquisadora observa que a valorização do ensino como um bem necessário para a formação integral do indivíduo e a crítica à forma como esse ensino se processa caminham paralelamente nas obras da escritora. Portanto, para ela, a importância do saber e a descrença na transmissão desse saber coexistem nas obras de Lygia Bojunga Nunes, refletindo o pensamento crítico daqueles que, analisando o Brasil das últimas décadas, constatam a crescente degradação do ensino.

 Além disso, faz referência à miséria, à instabilidade no emprego, à sujeição do indivíduo aos perigos de uma profissão que põe em risco a vida e à falta de união da classe em busca de melhores condições de emprego.

 Em Corda bamba é possível observar um processo de renovação. Maria, ao perder a memória, necessita reconstituir a vida, pois se encontra sem identidade. Para resgatá-la, ela realiza um processo de regressão de forma simbólica. Assim, é apresentado ao leitor o resgate da identidade da garota, ao mesmo tempo em que se vai desvendando o cotidiano monótono da vida burguesa que a avó quer oferecer-lhe como opção. Sem memória, Maria encontra-se entre o mundo fantástico do circo, porém perdido, e o mundo de privilégios que o dinheiro da avó pode proporcionar-lhe. Isto permite à narradora cruzar dois níveis narrativos, mostrando a tensão constante que se estabelece entre o mundo interior, entre ser e parecer. Maria, se pudesse, gostaria de escolher a vida circense, para viver com os amigos Barbuda e Foguinho. Porém, por ser criança e ter a avó como a única pessoa da família, precisa ficar com ela. A convivência com a avó dá-se de forma negativa. Maria não consegue ultrapassar a barreira existente entre a avó e ela. Dona Maria Cecília, por ser extremamente autoritária, desumana, sem sentimentos, dificulta o relacionamento com a neta, pois a relação com ela é só material.

 Sendo assim, Maria refugia-se em seu mundo interior, porém esquecido, que precisa ser resgatado a todo custo, como elemento de resistência. Ao fazer esse percurso interno de busca do seu passado, configurado por meio de cortes na narrativa, misturando vários tempos, dando ao texto caráter fragmentário, é acompanhada pelo leitor. Dessa maneira, são apresentados ao leitor pedaços de discurso que se juntam para, no final, possibilitar a restauração da identidade de Maria. Cabe ao leitor recolher os fragmentos e reconstituir a história. Assim, somente com a participação ativa do leitor, o significado se compõe. O discurso de Corda bamba requer um leitor participante, capaz de compor os dados lançados pelo narrador. Esse recurso funciona como elemento que aponta para a ‘artificialidade’ da criação, oferecendo uma zona de distanciamento que alerta para o processo de produção da linguagem. O texto mostra-se, desta forma, como criação, ilusão.

 A história de Maria pode ser percebida como “real”; porém, pela maneira como ela está estruturada, solicitando a intervenção do leitor, verifica-se que é ficção.

 Na narração do resgate da identidade de Maria, há um convite implícito ao leitor para que faça também esse retrocesso em sua vida, embora não se pretenda que esta adesão seja automática. Ao acompanhar a restauração do passado de Maria, o leitor poderá igualmente passar por um processo de regressão e questionar o seu passado, a sua vida, abrindo as portas fechadas, buscando, do mesmo modo que Maria, a sua identidade.

 O seu discurso não se quer verdade, objetivando passar valores morais e pedagógicos, doutrinando o leitor, ou uma receita de como superar um trauma, mas cria um espaço crítico entre a autora e o leitor, para ser preenchido por este, espaço para que o leitor tenha um papel ativo e reconstrua os fragmentos narrativos, dando sentido ao texto.

 Percebe-se, portanto, que, em Corda bamba, a ordenação metódica do mundo é rompida definitivamente, e propõe-se ao leitor viver na corda bamba, em oscilação, onde são incertos os limites entre o possível e o impossível, entre o ser e o parecer. O ser humano busca o equilíbrio, o equilíbrio interior, vivendo em tensão sobre dois pólos, para encontrar a síntese.

 A Velha da História contava histórias para enganar a fome dos filhos, num comportamento herdado de sua mãe, conforme a história de sua vida relatada a Maria.

 Esse episódio deixa Maria estupefata. Não conseguia entender como alguém pode comprar outro ser humano.

 Repetindo o ato de “comprar” pessoas, Dona Maria Cecília demonstra que continua a mesma pessoa egoísta, autoritária e sem sentimentos. Não consegue perceber que a tristeza de Maria decorre da saudade dos pais e do circo, tudo o que ela mais queria. A culpada era ela mesma, pois, por egoísmo, ao ser abandonada pelo quarto marido, resolve ter a neta perto de si. Para Dona Maria Cecília, o conforto e os bens materiais que oferecia à neta seriam suficientes para substituir o carinho, o amor que os pais lhe dispensavam.

 Essa atitude de Dona Maria Cecília demonstra o processo de reificação do ser humano: Maria é o objeto que ela mantém em troca de conforto e bens materiais e serve para substituir a perda do último marido, seu Pedro. A Velha Contadora de História passa a ser um objeto também, comprado por meio de bens alimentícios, com a função de distrair Maria. Nos dois casos, verifica-se que Dona Maria Cecília objetiva satisfazer seus próprios interesses: primeiro, agradar Maria, para que ela fique em sua companhia, desconsiderando as carências afetivas que a ausência dos pais lhe provoca. Segundo, comprar a Velha, para que se torne um objeto capaz de agradar sua neta, para fazê-la permanecer junto dela. O fato de Lygia Bojunga Nunes inserir os relatos da Velha Contadora de História e dos maridos de Dona Maria Cecília na história de Maria tem o objetivo de crítica ao comportamento da avó, reforçando a incapacidade de Dona Maria Cecília amar o próximo, e enfatizar que seu relacionamento é exclusivamente monetário.

 Lygia Bojunga Nunes vai desmascarando o artificialismo de muitas atitudes dos adultos, no decorrer da narrativa, e deixa transparecer a crítica à sociedade cujos valores estão adulterados. O exercício do poder corruptor do dinheiro é explícito ao comprar a Velha da História. Por ser rica, Dona Maria Cecília acha-se no direito de “comprar”, mandar e desmandar nas pessoas.

 Percebe-se também a crítica que faz aos preconceitos existentes nas relações humanas. De modo muito perspicaz, a autora vai combatendo-os, demonstrando que dependem do ponto de vista da pessoa. Como no caso de Márcia e Marcelo, apesar das diferenças sociais e econômicas, um completava o outro no amor.

 A consciência do indivíduo como parte integrante de um todo abrangente está intimamente relacionada com a valorização do trabalho como meio de realização do homem em suas obras.

 Em Corda bamba, pode-se perceber essa questão na fala de Foguinho tentando convencer Márcia e Marcelo a não fazerem o número da corda sem a proteção de rede.

 Foguinho e Barbuda demonstram possuir consciência de uma classe: “— Você tá deixando eles te explorarem, Marcelo!”. Enquanto que Márcia e Marcelo parecem não ter essa consciência de classe: “— Que outros?... — Que que tem, ué?”. A preocupação de Foguinho com todos os que trabalham na profissão de trapezistas expressa um ponto de vista coerente e unitário na realidade imaginada. A classe que ele simboliza e representa se opõe à classe representada pelo patrão, dono do circo. Essa personagem implícita representa a classe burguesa, é aquele que se apropria da mais-valia, na condição de explorador dos artistas Márcia e Marcelo. Estes se deixam explorar, arriscando a vida para aumentar a renda do patrão. Barbuda e Foguinho representam a consciência efetiva de uma classe, mediando os dois pólos, interessando-se não apenas pelos amigos, mas por todos da sua profissão, preocupando-se, portanto, com o ser humano em geral. Tem-se, assim, nesse episódio, a luta de classes expressando-se, acima de tudo, na luta ideológica.

Fonte: 
Alice Atsuko Matsuda Pauli - Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Disponível em Passeiweb 

Prémio Sonangol Revelação 2013 (Angola)


Luanda – Os jovens escritores angolanos sem obras publicadas contam desde hoje com uma nova modalidade de premiação, designada "Prémio Sonangol Revelação", cuja distinção dos vencedores inicia em Fevereiro de 2013.

O prémio, de periodicidade bienal, foi instituído pela Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola – Empresa Pública, tendo sido apresentado pelo secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (UEA) Carmo Neto.

De acordo com o regulamento lido hoje no acto de apresentação do concurso, trata se de um concurso literário exclusivamente destinado a jovens escritores angolanos.

Segundo a regulamentação, é aplicável a todos os concorrentes nacionais que residam em território angolano e visa distinguir qualitativamente obras literárias ou de investigação, de escritores angolanos sem qualquer obra publicada.

As obras em concurso terão que ser inéditas e dactilografadas, em cinco exemplares, e deverão ser obrigatoriamente assinadas com o pseudónimo literário e entregues num envelope fechado.

O prémio será bienal e as obras em concurso deverão ser entregues impreterivelmente até ao dia 30 de Setembro de 2012, na sede da UEA.

Quanto ao género literário, de acordo com o regulamento, as obras literárias submetidas a concurso compreenderão todos os géneros literários, sendo igualmente considerados todos os trabalhos científicos ou de ensaios em língua portuguesa, que se refiram aos factos e acontecimentos ou personalidades, ocorridos ou relacionados com Angola.

O júri será composto por cinco membros, sendo dois nomeados pela UEA, um nomeado pelo Ministério da Cultura, outro designado pelo Ministério da Educação e um indicado pela Sonangol.

Cada membro do juri receberá a quantia de dois mil e 500 dólares americanos, pelos serviços prestados.

A cerimónia de entrega do Prémio Literário Sonangol Revelação terá lugar a 25 de Fevereiro de 2013, em Luanda.

Fontes:
http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/lazer-e-cultura/2012/5/26/Lancado-Premio-Sonangol-Revelacao-2013,b54906ec-6dab-4a94-a44d-b597c8912040.html
http://concursos-literarios.blogspot.com 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Doze em Ritmo de Sextilhas ( Parte 4)


73 - Assis
 Nem vento nem trovoada
hão de impedir-nos de andar
sem medo por este mundo,
alegres a semear
sementes de paz e bem
por onde a gente passar.

74 - Delcy
Se nós pudermos semear
o bem como quer  Assis,
os males  afastaremos
como ele próprio prediz,
melhoraremos  o  mundo
e  o  homem  será  feliz!

75 - Elisabeth
É o verbo Amar... diretriz
no tempo, agora, presente!
- De que nos vale a Utopia,
se o ser humano consente
que exista tanta maldade
e que o preconceito aumente?!

76 - Prof. Garcia 
Preconceito inda é semente 
de certa forma, robusta; 
só quem já foi segregado 
sabe o preço que ela custa, 
não tenho nada com isso, 
mas isso tudo me assusta!

77 – Gislaine
Qualquer preconceito assusta,
fujamos dele, portanto
que em nossa alma, a vibração
seja de riso, e não pranto,
vivamos, nós, como iguais
cada um no seu recanto!

78 - Hélio
É tão triste o desencanto 
de uma ação com preconceito!
o julgamento dos homens
é passível de defeito,
só Deus, com sua justiça,
não faz juízo imperfeito.

79 - Milton
 A humanidade tem feito
julgamentos apressados,
 atos estes que produzem
 inocentes condenados,
mais tarde - tarde demais 
 descobrem passos errados...

 80 - Ouverney
 Está por todos os lados
esse algoz que discrimina;
separa irmãos, gera o ódio,
rifa a paz, causa chacina
e a maioria das obras
ele faz mas não assina!

81 - Tadeu
 -Não julgues!  A vida ensina
que um julgamento apressado
pode ter más consequências.
E é bom sempre ser lembrado
que quem se arvora em juiz
pode amanhã ser julgado!

82 – Thalma
É bem pouco praticado
este ensino do Senhor.
A gente é sempre o Juiz
do semelhante infrator,
às vezes com mais pecados
do que o próprio pecador.

83 - Vanda
"Eu e o outro" -  é um divisor
onde há implícita lição,
incessante aprendizagem,
cujo mestre, o coração,
mostra que o pronome "Nós"
neutraliza a divisão.

84 - Zé Lucas
Quem não pratica o perdão
nem conhece a caridade
fecha o coração pra Deus,
abre espaços à maldade,
sem saber que está plantando
a própria infelicidade. 

85 - Assis
Maio é o mês em que a bondade
rosas ganha em profusão.
Um tempo em que a humanidade
se curva com emoção
ante as mães, que na verdade,
são as mestras do perdão.

86 - Delcy
 Maio, és o  mês da  afeição,
mês das noivas, da ternura,
és o mês em que  eu nasci
para  gozar  da  ventura
de  poder fazer  sextilhas,
poder banhar-me em  cultura!

87 - Elisabeth 
Maio, enfim, é uma loucura
é a nossa  Festa da Trova... 
Vem o Assis... Vem Ouverney, 
e vem muita gente nova, 
mostrando que a trova é tudo 
e que a UBT se renova!

88 - Prof. Garcia 
É verdade, e a grande prova, 
deste mês que se inicia, 
se ele é dedicado às mães, 
beija e abraça a poesia; 
mês de maio é consagrado 
também à Virgem Maria!

89 – Gislaine
Em maio  chega a alegria,
que traz paz ao  coração;
Mês de Maria e das Noivas
e  do  friburguense  irmão,
de  minha  mestra Delcy,
a quem amo de  paixão!

90 – Hélio
Maio segue em direção
 deixando sua magia.
São João no mês de junho
 no Nordeste é só folia:
Quadrilha, xote e baião,
fogueira e muita alegria. 

91 - Milton
Na dança do dia a dia
vamos da nossa maneira:
maio termina, vem junho,
hora da nação inteira
torcer na Copa do Mundo
pela equipe brasileira.

92 - Ouverney
Hora de agitar bandeira
e fechar, de norte a sul,
uma corrente otimista
em tom amarelo/azul,
ecoando o nosso grito
lá  na África do Sul!

93 - Tadeu
 A imprensa, de norte a sul
chora ausências e eu constato
que o Dunga, se fracassar
nesta Copa, por seu ato
de não ter levado o Ganso,
poderá pagar o "pato"!

94 – Thalma
Prefiro aguardar o ato
final da competição
pra fazer um julgamento
desta nova Seleção,
que já, sem Neimar, sem Ganso,
nos fez vibrar de emoção.

95 - Vanda
Difícil termos visão,
correta, da escolha feita.
Vida é painel de mil faces,
perfeição não tem receita,
ninguém conhece a medida
que alcance a meta perfeita.

96 - Zé Lucas
Não há justiça perfeita
no seio da humanidade...
O desacerto na vida
do homem não tem idade,
e é mais feliz, velho ou novo,
quem só erra sem maldade.
–––––
Parte 1 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/06/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-1.html 
Parte 2 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-2.html 
Parte 3 =http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-3.html

Fonte: 
Doze em Ritmo de Sextilhas: Debate pela Internet. 20.02.2010 a 22.12.2010., 2012.

Nilto Maciel (Noções de Sujeito)


Quando o sujeito nasceu, um anjo lhe disse: Vai, sujeitinho, ser simples na vida. E ele conheceu outros sujeitos: mãe, pai, irmãos. Sentia-se muito simples mesmo. Porque tudo ao seu redor aparentava modéstia: o berço, o quarto, as parede, o teto. Acostumou-se com isso e nem imaginava o que não fosse natural e comedido. Entretanto, logo passou a ouvir reclamações: Você é simples demais. Trate de ser mais elegante, mais afetado. Tenha orgulho de ser você mesmo. Havia quem dissesse: Seja mais composto, mais cuidadoso consigo. Um dândi? E pensava: Como poderia ser sujeito composto, se era um? Queriam-no dois, dez, mil, plural? Não, nunca seria mais de um. Gostava de ser singular. Exigiam-lhe atitudes, modos, sem mencionar quais: Tome uma atitude, homem. Que atitude? De atividade ou de passividade? Se agia, chamavam-no de agente. Se permanecia apático, diziam-no paciente. Ou o pretendiam neutro? Nem agente nem paciente?

Aproximou-se de sujeitos ocultos, como o próprio anjo que o empurrou para a vida, deuses, deusas, querubins, demônios. Sentia-se olhado, espionado, no quarto escuro, no banheiro, no quintal. Escondiam-se atrás de árvores, feito serpentes. E o incitavam a pecar. Às vezes caía em tentação. E pedia perdão a outro sujeito oculto, dito o maior, o criador de todos. Iniciada uma tempestade, olhava para o céu, em busca do supersujeito oculto, e clamava: Livrai-me do mal. 

Por uns tempos, pensou em se afastar dos conhecidos, dos sujeitos visíveis que lhe causavam aborrecimentos. Aspirava a ser também sujeito oculto. Para que ninguém o visse. Poderia se esconder onde bem quisesse. Perder-se por aí, pelas grotas, pelos sertões, pelas matas. Não adiantou nada. Achavam-no sempre. Impossibilitado de se ocultar, pensou em ser diferente dos demais: ser culto. Estudou tudo: filosofia, filologia, teosofia, teogonia. Ambicionava ser o culto da família, do bairro, da cidade. Não aprendeu muito. Até chegar o dia de se iniciarem as importunações da maturidade. O pai o queria casado. De preferência com moça rica, hábil em prendas domésticas, educada, católica apostólica romana. Todos determinavam o seu casamento: o padre (que pregava Jesus para crescer e se multiplicar), o comerciante (que cobiçava alhos e borralhos), o banqueiro (que jurava não ser dono do mundo), o primo pobre, o amigo do peito. Não o queriam só, solteiro, coitado. A mãe nem tanto: Meu filhinho, elas só querem o seu pé, o seu peito, o seu bolso. Elas, as sujeitas. Queriam-no casado, bem comportado, religioso (mas nem tanto), trabalhador, barrigudo, cheio de filhos, torcedor do time mais popular, eleitor do centro (nada de extremos, rapaz!). E sentenciavam: Homem solteiro ou não é homem ou não é homem. Ele gostava do adjetivo solteiro.

Com o passar dos tempos, fez-se íntimo dos objetos diretos e indiretos. Do seio da mãe não queria mais largar. Do leite tornou-se dependente. E de outros líquidos. Relacionou-se com quase todos os verbos: regulares, irregulares, defectivos, abundantes, reflexivos, impessoais, unipessoais, auxiliares. Desde mamar, morder, sentir, até os mais perversos, como extorquir, extirpar, exterminar. Assim como qualquer sujeito, sujou-se. E compreendeu que todos são sujos. E foi descobrindo os adjetivos, dos mais singelos aos mais afetados. Aproximou-se de sujeitos ativos e passivos. O tempo passava, e ele mais assimilava passado, presente e futuro. Batia no peito e dizia: Sou um sujeito de sorte. 

Comporte-se como gente. Desde criança ouvia aquilo. Pulava cercas, galgava telhados, escalava muros, chutava bolas que estilhaçavam vidraças, brigava, dizia nomes feios. Outros sujeitos não viam mal nenhum nessas estripulias: Deixem ele brincar. Alguém corrigia o anjo da guarda do sujeito: Deixem-no brincar.  E ele mais brincava. E como sabia conjugar o verbo brincar. Nunca brinque de boneca. Longe delas, meu filho. Isso é coisa de menina, de fêmea. Quis descobrir as fêmeas. Olhava para elas, embevecido. Desejava ver-lhes as chamadas partes íntimas. Não, isso não.

Se o queriam ignorar, não pronunciavam o seu nome. Tornava-se sujeito indeterminado. Ouvia conversas, mentiras, e se aborrecia: Cortaram o fio da meada. Por que não diziam a verdade inteira? Pois fora ele o sujeito da ação, ele cortara o fio. Aborrecido, sumia sem desaparecer, como se inexistisse. Como se fosse possível sumir sem desaparecer, inexistir sem morrer. Olhava para o céu: Chovia. E ele, o sujeito, molhado, friorento, triste. Mais sujeito às intempéries do que nunca.

Fortaleza, abril de 2010.

Fonte:
http://www.niltomaciel.net.br/node/235

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Sabiá)


Sardenberg é de São Fidélis "Cidade Poema", no Rio de Janeiro

Canta, sabiá, teu canto,
Canta só pra me encantar,
Solta essa voz maviosa,
Tão linda e maravilhosa,
Que tem forma de encanto
E abafa qualquer pranto
De quem te ouve cantar...

Canta este céu todo azul,
A brisa leve a correr,
A vontade de viver,
O desejo de amar.
Canta, meu sabiá, canta
Teu canto quero escutar!

E canta para os sofridos,
Nossos irmãos rejeitados,
Cante em bemol, sustenido,
Em ré, sol, lá, si ou dó...
Eu te faço esse pedido.
Que ele seja atendido
Mesmo numa nota só!

Mostra ao mundo violento
Esse dom que DEUS te deu...
Pois quem sabe, num momento,
Tu tocas o sentimento
De toda humanidade
Nela desperte a vontade
De ouvir o canto teu! 

Canta, canta, sabiá,
Pois quero ouvir teu cantar,
Canta pra mim a lembrança,
Dos meus tempos de criança,
Que não consigo apagar.

Fonte:
Poema e imagem enviados pelo autor

Gian Danton (Contos de Imaginação e Mistério)


O lançamento do filme O corvo, com John Cusack no papel de Edgar Allan Poe deve reacender o interesso pelo escritor norte-americano. No rastro do possível sucesso, muitas editoras têm programado lançamentos sobre Poe, mas poucos poderão igualar Contos de Imaginação e mistério lançado recentemente pela editora Tordesilhas.

O livro, em capa dura, é uma reprodução fiel do volume lançado em 1907 em Londres, com os desenhos do exímio ilustrador irlandês Harry Clarke e prefácio de Charles Baudelaire. Essa edição inglesa foi considerada já na época uma joia bibliográfica e ajudou a popularizar Poe no mundo. 

 Embora considerado um escritor menor por muitos anos, Edgar Allan Poe foi praticamente o iniciador de algumas das mais populares literaturas de gênero da atualidade. Ele definiu o gênero policial e a ficção científica, além de ter lançado as bases da fantasia moderna. 

 A miríade de escritores influenciados por ele vão de Ray Bradbury a Jorge Luís Borges, passando por Umberto Eco. Arthur Conan Doyle e Júlio Verne eram seguidores fieis do escritor norte-americano. Conan Doyle dizia sobre ele: "Cada um dos contos policiais de Poe é uma raiz da qual desabrocha uma literatura inteira (...) O que eram os contos policiais antes que Poe aparecesse e soprasse vida neles?". 

 Já Júlio Verne escreveu: "O homem e sua obra, ambos ocupam um lugar importante na história da fantasia, pois Poe criou um gênero diferente, sem precedentes e, me parece, levou o segredo consigo". 

 O volume de mais de 400 páginas reúne o melhor dos contos de Poe. Há histórias bastante conhecidas, que costumam figurar na maioria das coletâneas, como William Wilson, O poço e o pêndulo e Manuscrito encontrado em uma garrafa. Mas há algumas pérolas pouco exploradas. 

 Um dos contos excelentes que figuram na coletânea é "O mistério de Marie Roget". 

 Normalmente quando se pensa no Poe policial, lembra-se de "Os assassinatos da rua Morgue" ou "A carta roubada", ambos protagonizados pelo detetive Dupin, que viria a ser um dos modelos para a criação de Sherlock Holmes. O conto sobre Marie Roget é imerecidamente esquecido. Misto de jornalismo e ficção, Edgar Alan Poe aproveitou um crime real, acontecido em Nova York e transformou-o num caso a ser resolvido por Dupin. 

 Sem ter acesso ao local do crime, o escritor usou apenas as notícias dos jornais da cidade como fonte de referência para desvendar o mistério. Mas revelou uma capacidade dedutiva tão impressionante que todos os detalhes foram confirmados posteriormente por duas testemunhas do crime. Ao misturar personagem e criador, ambos gênios da hipótese dedutiva, Poe mostra estar pelo menos um século à frente de seu tempo. Além disso, o texto acaba sendo um verdadeiro manual de como escrever uma policial dedutiva. 

 A Mary Rogers em questão saiu um dia de casa dizendo que iria visitar a tia em outro bairro. Pediu ao noivo que a buscasse no final da tarde, o que se tornou impossível em decorrência de uma tempestade. No dia seguinte a garota não voltou para casa. Quatro dias depois seu cadáver foi encontrado flutuando no rio Hudson. 

 O caso fez a festa dos jornais numa época em que os jornalistas estavam mais interessados em dar sua interpretação das notícias do que de fato relatá-las. Como a garota já havia sumido por uma semana em ocasião anterior, um jornal sugeriu que a mulher encontrada no rio Hudson era outra pessoa. Outro creditou o crime a uma gangue de malfeitores que no mesmo dia havia violentado uma garota na cidade. Outro chamava atenção para o fato de que a sombrinha, o lenço e outros objetos pessoais da vítima haviam sido encontrados em um bosque, muito longe do rio, o que demonstrava que o homem deveria ter passado por muitas ruas com um corpo sobre as costas para ter a ocasião de jogá-lo no rio. 

 O principal argumento dos que defendiam que a mulher encontrada não era Mary Rogers é o tempo que cadáver levou para boiar, uma vez que normalmente em casos de afogamento o corpo leva de seis a dez dias para boiar. 

 Poe analisa e desconstrói cada um dos argumentos. Sobre a flutuação do corpo ele alega que de fato esse é o tempo no caso de afogamentos. Mas o mesmo não ocorre com pessoas jogadas na água já mortas. Com isso ele lança as bases das atuais perícias médicas. Mais um ponto para o homem que praticamente inventou a linha de pesquisa semiótico-informacional, a psicologia das massas, a literatura policial e de ficção científica. 

 O volume da Tordesilhas não traz todos os mais importantes textos de Poe (faltam, por exemplo, o conto "Um homem das multidões"), mas esse é um mal comum a qualquer antologia desse autor: seus textos são tão relevantes que só um livro com obra completa seria capaz de contemplar toda sua importância.

 Ainda assim, Contos de imaginação é obrigatório em qualquer estante dos amantes da fantasia, do terror ou do policial. Não só pelos textos de Poe, pela encadernação de luxo, mas também pelos soturnos desenhos de Henry Clarke. Seu traço sujo, repleto de hachuras, captura com perfeição o clima do texto de Poe, prenunciando uma tragédia a cada linha.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 596)


Uma Trova de Ademar  

Se o verso se faz presente 
e a inspiração se irradia, 
abro o celeiro da mente 
onde armazeno poesia. 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

O vento, com peraltice, 
leva folhas pelo espaço. 
Que bom se um dia o sentisse 
levando as preces que faço... 
–Ruth Farah/RJ– 

Uma Trova Potiguar  

Para aumentar meu queixume, 
puseste sim, por maldade, 
em teu bilhete um perfume: 
"A fragrância da saudade". 
–Fabiano Wanderley/RN– 

Uma Trova Premiada  

1999  -  Nova Friburgo/RJ 
Tema  -  BILHETE  -  M/E 

Bilhetes de amor... saudade
que a lembrança hoje cultua,
onde a tal felicidade
era o carteiro da rua!...
–Rita Mourão/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

No amor, a felicidade, 
com jeitinho permanece, 
porque, superando a idade, 
quem ama nunca envelhece. 
–Alberto Fernando Bastos/RJ– 

U m a P o e s i a  

Candidato a menestrel, 
já fiz a minha inscrição, 
já que eu cultivo um roçado 
onde só nasce emoção. 
E creio que levo jeito, 
pois tenho dentro do peito 
um pote de inspiração!... 
–Francisco Macedo/RN– 

Soneto do Dia  

A SERESTA DO ADEUS. 
–Larissa Loretti/RJ– 

Ages, assim comigo, indiferente 
e do teu coração fechas a porta... 
não vês que nesta noite é comovente 
a solidão, mas isso não te importa. 

Embora a tua ternura esteja ausente, 
a minha poesia o amor exorta, 
mesmo sabendo que a palavra mente 
e a esperança de ver-te esteja morta... 

Nesta noite estou só, sem teu carinho. 
A minha'alma tristonha se angustia, 
as estrelas se apagam, no caminho. 

Na varanda do tempo, que me resta? 
A rede da saudade que se amplia, 
e a voz do adeus fazendo uma seresta! 

Lygia Bojunga Nunes (Corda Bamba) Parte 1


Este livro, Corda bamba, inicia uma nova fase da criação artística de Lygia Bojunga Nunes, em que, abandonando o campo do maravilhoso, o espaço imaginário passa a ser ocupado somente pelo humano, e as obras tornam-se mais realistas.

 A narrativa é a história da viagem de Maria para dentro de si mesma. Filha de equilibristas e ela mesma artista de circo, assistiu à morte de seus pais durante um espetáculo e desde então tem na Mulher Barbuda e Foguinho (o engolidor de fogo), seus companheiros e amigos, a segurança de que necessita. A avó, mulher rica e dominadora, para quem o dinheiro compra tudo, decide cuidar de sua educação. Em casa dela, Maria encontra todas as coisas de que precisa, exceto a principal: amor, compreensão. Sentindo-se presa e reprimida, Maria começa a investigar o seu eu interior.

Estrutura

 O livro é estruturado em doze capítulos pequenos, cujos títulos funcionam como sínteses do conteúdo a ser abordado. A obra está construída sobre um duplo ponto de vista, a impotência e o processo de liberação da criança, e anuncia, na própria divisão estrutural dos capítulos a intenção de manter-se em equilíbrio no interior dos espaços propostos: a impotência permeia seis dos doze capítulos do texto (1, 2, 3, 6, 9, 10), enquanto que a luta pela liberação transparece nos seis capítulos restantes (4, 5, 7, 8, 11, 12). A situação de impotência é percebida por meio da submissão que Maria sofre na casa de sua avó, na aula particular, em face do sistema autoritário, hostil e insensível. Márcia, Marcelo, Foguinho e Barbuda são personagens rebeldes ao sistema, por isso marginalizadas. Essas personagens são exploradas materialmente, como a Velha da História, mostrando-se impotentes também diante do mundo adulto autoritário.

 A estrutura da narrativa é organizada numa narrativa-base e em encaixes com outras narrativas que vão se cruzando. A história é narrada em ordem cronológica, com analepse dos episódios do passado rememorados e com prolepse dos desejos e planos futuros. Há a história da Maria, narrativa principal, e a ela, conforme vão surgindo outros personagens secundários, novos dados são acrescentados. Além da narrativa ir crescendo, avançando em relação ao problema proposto, os novos dados a explicitam e enriquecem-na.

 A organização estrutural da narrativa lembra os contos em que o personagem é uma história virtual que é a história de sua vida. Todo novo personagem significa uma nova intriga.

 Lygia Bojunga Nunes utiliza-se da técnica da “história-dentro-da-história” e trabalha sua narrativa em dois planos: o horizontal, em que se desenvolvem os fatos seqüenciais vividos pelos diversos personagens, e o vertical, no qual a narrativa se volta para os problemas interiores de cada um.

 Dividindo a obra em dois eixos narrativos, o real e o imaginário, Lygia Bojunga Nunes trabalha de forma lúdica, demonstrando como Maria supera sua amnésia. A personagem é conduzida à psicanálise por meio do jogo de portas coloridas. Sempre partindo de sonhos, o narrador permite uma leitura tanto fantástica quanto verídica do texto, sem prejudicar sua estrutura global. A passagem do plano da realidade para o plano fantástico não é bem delimitada. Não aparece discriminado de forma concreta o que acontece realmente com Maria e o que ela sonha, mantendo-se a história também indecisa entre o realismo e o fantástico. É graças a esse recurso que a natureza infantil da narrativa se preserva, permitindo que seu leitor-criança a compreenda, tanto enquanto ação como enquanto introspecção.

 Existe uma semelhança entre a estrutura morfológica da obra e a de um conto de fadas. A Velha da História, da mesma forma que o narrador de Corda bamba, conta uma história humana como na tradição do conto de fadas. É possível observar também outros elementos do conto de fadas em Corda bamba. Maria é a heroína que sai em busca de sua identidade, de sua auto-afirmação. A bruxa é a avó, visto que ela faz o papel da antagonista. Ela é a vilã, causadora de toda infelicidade. Primeiramente, opõe-se ao namoro dos pais de Maria. Em seguida, rapta Maria, trazendo tristezas ao casal e causando, indiretamente, a morte deles e a amnésia de Maria. A fada seria o avô, Pedro, pois é ele quem presenteia Maria com o objeto mágico, o talismã, no caso a corda, que a levará ao passado, fazendo com que Maria realize uma regressão à sua vida uterina e liberte-se dos seus traumas. Além disso, é seu Pedro quem irá ajudá-la a realizar seu desejo de passar as férias na Bahia com os amigos do circo, convencendo sua avó a deixá-la ir.

 O final de Corda bamba também se assemelha com os contos de fadas, visto que termina com um final otimista, com os problemas solucionados, apontando uma expectativa de futuro, com sentimento de esperanças e desejos de novas realizações. O fato de Maria ter elaborado a dor da morte dos pais e ter compreendido o seu passado ajudou-a a conquistar a sua própria identidade.

 Percebe-se, portanto, que a mensagem de Lygia Bojunga Nunes é sempre aberta às soluções de cada leitor, sempre questionadora e instigante.

 Outra característica de Corda bamba semelhante ao conto de fadas é a linguagem carregada de simbolismo.

 O fato de a história ficar entre a realidade e a fantasia faz com que se preserve a natureza infantil da narrativa, permitindo que seu leitor-criança a compreenda, tanto enquanto ação como enquanto introspecção. Além disso, a sua estrutura morfológica é a mesma do conto de fadas, identificando-se com a criança, embora a autora tenha concentrado demasiados elementos psicanalíticos na sua narrativa para o público infanto-juvenil.

Narração

 Em Corda bamba, pode-se perceber dois níveis narrativos: narrativa do primeiro nível e do segundo nível. Na narrativa do primeiro nível, inclui-se a história de Maria. Ao relatar a história da protagonista, o narrador posiciona-se como extradiegético-heterodiegético, ou seja, é um narrador do primeiro nível que não participa, como personagem, da história narrada, conta uma história em que está ausente, conforme o exemplo a seguir:

As duas vinham andando pela calçada — a mulher Barbuda e Maria. De mão dada. A mulher Barbuda usava saia, barba e uma sacola estourando de cheia; Maria, de calça de brim, um embrulho debaixo do braço, ia levando a tiracolo um arco enfeitado com flor de papel, quase do tamanho dela...
 Foguinho estava parado na esquina tirando um coelho da meia: andava treinando pra ser mágico. Há anos que ele comia fogo no circo, mas agora tinha dado pra ficar de estômago embrulhado cada vez que engolia uma chama, tinha dias, que só de olhar pras tochas que Barbuda trazia, o estômago já se revoltava todo.

 Na narrativa de segundo nível, estão presentes a história da Velha e a história de Dona Maria Cecília. Por serem histórias com um universo diegético distinto do que é descrito no relato intradiegético, inseridas que estão nas recordações de Maria, pode-se dizer que são narrativas de nível metadiegético. O narrador da narrativa de segundo nível é a Velha Contadora de História, personagem da narrativa intradiegética. Ela se torna narradora da história na narrativa de segundo nível, posicionando-se como narrador intradiegético-homodiegético, ao contar a sua própria história. E a Menina, como personagem do universo ficcional do primeiro grau, passa a ser narratário intradiegético, pois é ela o destinatário imediato do discurso da Velha, conforme o exemplo: “Outro dia tua avó chegou e perguntou ‘Quer casa e comida de graça?’ Desconfiei; só olhei”. A expressão “tua avó” indica que a Velha está falando diretamente com a Maria, revelando a existência da relação narrador/narratário entre a Velha Contadora de História e a Maria.

 Após relatar a sua história, a Velha Contadora de História conta a história de Dona Maria Cecília, dividindo-a em quatro partes, conforme as mudanças de marido:

A Velha largou a comida. Se indireitou na cadeira. Anunciou:
 — História do primeiro casamento de Dona Maria Cecília Mendonça de Melo. — Se sentiu meio empanturrada; resolveu ficar de pé pra ver se a comida descia mais depressa. Anunciou de novo: — História do primeiro casamento! Dona Maria Cecília sempre gostou de homem de bigode; e de homem de bigode chamado Antero, ... Fim do primeiro casamento.
 (...)
 — Segundo! Dona Maria Cecília Mendonça de Melo sempre gostou de homem de óculos; e de homem de óculos chamado João Felipe,... Pronto, fim do segundo.

 Quanto ao foco narrativo, distingue-se 3 modalidades de focalização:

 1) Narrativa não-focalizada, ou de focalização zero, em que o narrador domina totalmente a história, controlando e manipulando todos os relatos. Nessa modalidade, o narrador oferece ao leitor apenas os dados por ele selecionados.

 2) Narrativa de focalização interna, que se caracteriza por estar centrada na consciência de uma ou mais personagens da história. Aqui, só é possível ao narrador relatar aquilo que as personagens conhecem. Ela se divide em fixa, variável ou múltipla. Será fixa, quando o foco se centra em uma só personagem, ocorrendo, eventualmente, uma intromissão do narrador. Será variável, quando houver uma alternância de pontos de vista. E será múltipla, quando um grupo de personagens centra o foco de visão sobre o mesmo acontecimento, neste caso, a narrativa traduz a perspectiva de todos.

 3) Narrativa de focalização externa, que se constitui pela representação de elementos externos observáveis das personagens, do espaço e dos eventos. O narrador posiciona-se de forma restrita, podendo relatar apenas o que qualquer observador hipotético vê externamente. Esse tipo de focalização é comum no início das narrativas, em que se observa a descrição de uma personagem, de um ambiente ou de um acontecimento que antecede à chegada do protagonista. O autor aponta, contudo, possíveis ocorrências dessa modalidade no desenrolar da narrativa, quando há mudanças no foco narrativo, o que não resulta no rompimento da harmonia e coerência da obra.

 Um determinado modelo de focalização não é constante em toda narrativa, nem se verifica em todo o conjunto de uma obra. Desta forma, é comum verificar-se a alternância de focalização, tanto do modelo interno para externo, como do ponto de vista de uma personagem para o de outra.

O tempo da história e o tempo do discurso

 Lygia Bojunga Nunes entrelaça as três dimensões do tempo – passado, presente, futuro – para narrar a história de Maria.

 O momento presente refere-se à vida de Maria, desde a sua chegada à casa de sua avó até o telefonema de Barbuda, convidando-a a ir junto com eles a Bahia.

 Os capítulos “A chegada”, “Janelas”, “Conversa de orelhão”, “Quico sonhava muito”, “O passeio”, “Aula particular” e os primeiros parágrafos do capítulo “Portas novas” fazem parte desse período.

 O passado intercala-se no momento presente, após o sexto capítulo, e refere-se ao momento em que Maria, por meio de sonhos ou imaginação, revive sua história, desde o namoro de seus pais até o instante do acidente deles no circo.

 Os capítulos “Márcia e Marcelo”, “O barco”, “O roubo”, “O presente de aniversário” e “Tempo de chuva” correspondem a esse momento.

 O tempo futuro relaciona-se com os acontecimentos antecipados que poderão ocorrer na vida de Maria. A parte final do capítulo “Portas novas” compreende esse período.

 Portanto, a narrativa é uma seqüência duas vezes temporal: há o tempo da coisa-contada e o tempo da narrativa (tempo do significado e tempo do significante).

 Em Corda bamba, o narrador relata acontecimentos que já ocorreram. Ao analisar a ordem em que os fatos são narrados, percebe-se que o tempo da história e o tempo do discurso não seguem a mesma seqüência, ocorrendo uma anacronia – diferentes formas de discordância entre a ordem da história e a da narrativa. Nota-se que a história inicia-se in medias res, com a chegada de Maria à casa de sua avó. Ela segue linearmente até o sétimo capítulo, “Márcia e Marcelo”, e, a partir daí, os fatos da sua vida presente são colocados de lado, para deixar os acontecimentos do passado virem à tona.

 Quando o período dos eventos relatados antecede ao da narrativa primeira, a anacronia é denominada analepse. Além disso, esta será externa se a sua dimensão temporal for anterior à cronologia da diegese. Portanto, os episódios a que Maria assiste ao abrir as portas, nos quais são exibidos acontecimentos de sua vida passada e de seus pais, constituem analepses externas, pois todos os fatos narrados se realizam antes da ida de Maria à casa de sua avó, quando se inicia o tempo da diegese.

 A analepse segue até o penúltimo capítulo, “Tempo de chuva”. No entanto, ela se divide em três etapas, que são entremeadas pelo momento presente. A primeira analepse inicia-se no sétimo capítulo, “Márcia e Marcelo”, quando ocorre o deslocamento espacial e temporal da vida da personagem na narrativa. O alcance, ou seja, o período de tempo que compreende essa anacronia, é de vários anos: “Dona Maria Cecília Mendonça de Melo, que vinha zangada, parecendo uns dez anos mais moça”. O tempo diegético recua para um período que antecede o nascimento de Maria, na época em que seus pais se conheceram e começaram a namorar, visto que todos os fatos a serem relatados são conseqüências dessa relação afetiva. A sucessão de acontecimentos que formam a analepse organiza-se conforme o ponto de vista da protagonista, visto que ela vai selecionando os episódios mais relevantes de seu passado, que vão ajudá-la no desbloqueio de seus traumas interiores.

 A segunda analepse ocorre quando é retratado o momento em que Maria foi raptada pela avó, separando-a de seus pais e do circo. Nesse período, ela estava com 4 anos. “E uma menina de quatro anos brincando sozinha, empurrando um barco de papel, fingindo que o chão era água”. O alcance dessa analepse é de 3 anos, ou seja, dos 4 aos 7 anos da personagem, pois quando Maria empurra a porta encostada, o aniversário dela de 7 anos se descortina: “E na sala tinha uma festa de aniversário: a Menina estava fazendo sete anos.”.

 A terceira analepse é constituída pelas cenas das portas azul e vermelha. Elas abrangem o período compreendido entre o reencontro de Maria com os pais e o momento da morte deles, ou seja, dos “sete anos, dez meses e dezoito dias” aos 10 anos: “a Menina tinha chegado nos dez anos que Maria tinha”. Desta forma, o relato dessa analepse é o desfecho da anacronia temporal iniciada no capítulo “Márcia e Marcelo”, quando Maria inicia sua regressão ao passado. E, assim, o fim dessa anacronia dá continuidade à cronologia interrompida, pois a narração retoma, a partir desse momento, o tempo da diegese, voltando ao momento presente, no capítulo “Portas novas”.

 Sendo assim, os acontecimentos vividos por Márcia, Marcelo e a Menina seguem o desenrolar cronológico da vida de Maria, permitindo-lhe, ao contemplá-los, reviver todo seu desenvolvimento e identificar-se com a Menina. Verifica-se, ainda, que Maria acompanha o crescimento da personagem mirim durante a sucessão dos episódios do passado, e, no momento em que o estágio existencial da Menina atinge o de Maria, as duas figuras se unem, ou seja, Maria incorpora totalmente os elementos pretéritos até então esquecidos.

 Se o tempo da história for colocado em ordem cronológica, pela data mais remota, pode-se dizer que ela se inicia com a história de Dona Maria Cecília contada pela Velha da História, no décimo capítulo, “O presente de aniversário”.

 A dama da sociedade casa-se por quatro vezes e, em um dos três primeiros casamentos, tem uma filha – Márcia. Sabe-se que Márcia é fruto de um dos três casamentos de Dona Maria Cecília, porque, quando Maria abre a porta branca, vê apenas retratos de três maridos.

 Em seguida, continua no momento em que Márcia e Marcelo se conheceram, começaram a namorar e resolvem casar-se – mais ou menos 10 anos antes – no sétimo capítulo, “Márcia e Marcelo”. Segue-se no oitavo capítulo, “O barco”, momento em que Maria nasce. Prossegue-se no nono capítulo, “O roubo”, no qual há o relato do rapto de Maria. Nesse período, Maria está com 4 anos.

 Sabe-se que, nesse momento, Dona Maria Cecília tinha sido abandonada pela quarta vez e por isso resolve tomar a neta da filha, conforme o relato da Velha da História. Em seguida, continua no capítulo “O presente de aniversário”, momento em que Maria está fazendo 7 anos. Depois, segue-se no capítulo “Tempo de chuva”, em que se relata o reencontro dos pais com Maria. Nessa fase, ela está com “sete anos, dez meses e dezoito dias”. Prossegue até ela completar 10 anos, quando os pais falecem.

 A partir de então, a história continua no primeiro capítulo, “A chegada”, quando Maria foi morar com a Dona Maria Cecília. Verifica-se que Maria não havia se encontrado com sua avó há três anos, desde o dia em que sua mãe conseguiu reencontrá-la: “Mas deixa eu ver, você não cresceu muito nesses três anos”. A ida à casa da avó ocorre um mês após a morte dos pais.

 Observa-se que depois de alguns dias, Barbuda ligou para Maria, conforme informação dada no capítulo “Conversa de orelhão”.

 Sabe-se que, no dia seguinte em que Maria foi morar com a avó, ela já a levou à escola.

 No mês seguinte, Maria irá iniciar seus estudos em uma escola, e ela está tendo aula particular para recuperar os conteúdos atrasados: “— É. A escola vai começar no mês que vem e elas falaram que na minha idade eu tenho que ir pra quarta série mas eu não posso ir pra quarta série se eu não sei essas coisas todas que precisa saber”.

 O tempo da história continua nos outros dois capítulos, “Quico sonhava muito” e “O passeio”. São capítulos que, a princípio, constituem relatos de um sonho durante uma noite.

 No capítulo seguinte, o sonho continua como se os episódios vivenciados por Quico fossem reais, criando ambigüidade. Percebe-se que esse sonho tem duração de uma noite.

 O próximo capítulo, “Aula particular”, descreve o período de uma hora de aula que Maria está tendo com Dona Eunice. No entanto, a duração do discurso narrativo é longa, a narrativa caminha lentamente, dando a impressão de que a aula demora a passar. O efeito de sentido que se obtém com esse recurso é demonstrar o estado angustiado de Maria, que não vê a hora de acabar a aula.

 A partir desse capítulo, as recordações de Maria são narradas por meio das analepses, demonstrando que a protagonista, aos poucos, rememora seu passado.

 Esse fato revela que Maria, após ter revivido alguns acontecimentos de sua vida, fica pensativa, como se estivesse digerindo essa experiência vivida para poder relembrar mais fatos do seu passado. Dessa forma, Maria se empenha em novas recordações. As lembranças dessa segunda analepse são muito fortes e deixam Maria triste, sem vontade de rememorar mais nada, como pode ser verificado pelo seguinte trecho: “E perdeu a vontade de contar. E perdeu a vontade de sair na corda também; passou uma porção de dias sem voltar no corredor”. Maria era calada, mas com Quico ela conversava, contava-lhe suas recordações. Esse fato deixa Quico desapontado, pois, ao indagar se ela foi “passear na corda”, com o que poderia inferir se ela havia relembrado mais algum fato, Maria se desculpa.

 Enfim, passa-se um mês desde a chegada de Maria à casa de Dona Maria Cecília. Pode-se chegar a essa conclusão pelo fato de, ao conversar com Barbuda por telefone, Maria dizer que a escola começaria no mês seguinte, e ela teria que passar em um teste, para poder ingressar na quarta série. Além disso, quando Maria chegou à casa da avó, Dona Maria Cecília fala que Quico estava passando uma temporada em sua casa, pois seus pais estavam viajando e viriam buscá-lo dali um mês: “Quico deve ficar mais um mês aqui com a gente”. No dia do teste de Maria, chegou um telegrama dos pais de Quico, dizendo que viriam buscá-lo na segunda-feira. Quico foi embora, entristecendo mais ainda Maria, que não conseguiu prestar atenção na prova e foi um fracasso.

 Pode-se observar que esse período de um mês em relação ao alcance da analepse, da distância temporal que retrocedeu, é de vários anos. Embora o tempo decorrido da história tenha sido de um mês, a informação que foi relatada no período alcança muitas décadas.

 Em seguida, há o relato de que Maria, depois do teste, chega em casa cansada debaixo de uma chuva terrível, e dorme logo depois do jantar. Ao acordar de manhã cedo, fica olhando a chuva bater na janela do quarto, e isso desencadeia uma lembrança do circo: “uma japonesa que tinha trabalhado no circo, e que se equilibrava de sombrinha em vez de vara ou de arco”. Essa lembrança faz com que ela volte ao passado, ocorrendo, assim, a terceira analepse.

 Ao final da terceira analepse, o tempo da história e o tempo do discurso se encontram. No último capítulo, “Portas novas”, há o relato de que fazia quase uma semana que Barbuda havia escrito uma carta a Maria, convidando-a a passar um tempo na Bahia, em casa de seu irmão. Ela estava telefonando para saber a resposta, pois iria, no dia seguinte, direto de São Paulo a Bahia caso ela não fosse junto. Se ela fosse, passaria pelo Rio de Janeiro. Maria não vai, pois sua avó não a deixa. Além disso, Maria informa sua amiga, de forma bem reticente, que se lembrou de todo o seu passado, e Barbuda ouve, sem dar muita importância ao fato, finalizando o telefonema.

 Desta forma, Maria, após recordar todo o passado, para acostumar-se com suas descobertas, simbolicamente volta várias vezes ao corredor comprido e escancara as portas já visitadas, sem medo de rever seus conteúdos. Essa atitude demonstra que ela conseguiu superar os traumas, libertando-se de seus temores e imagens, que estavam reprimidos no seu inconsciente. Experimentando novamente, de forma consciente, todas as emoções e situações bloqueadas, vindas à tona durante o processo de recordação do passado, Maria pode dar novo encaminhamento à sua trajetória existencial.

 Em seguida, surgem portas novas, com quartos vazios, que Maria preenche com planos futuros, seus desejos, seus sonhos. Esses relatos com projetos futuros caracterizam uma prolepse, pois ocorre a antecipação do tempo narrativo, expondo acontecimentos que poderiam ocorrer no futuro. É uma prolepse externa, uma vez que a temporalidade da antecipação excede a cronologia das ações da história. E as prolepses externas têm a função de epílogo, como se comprova pela análise do último parágrafo de Corda bamba. Nele, trata-se do final da história da personagem, com a antecipação de acontecimentos possíveis na sua trajetória futura. O livro encerra sintomaticamente com o catálogo de projetos mentalizados pela protagonista, porque demonstra que Maria reconquistou o passado e também desprendeu-se dele, desenvolvendo recursos para viver independentemente o futuro.
------------
continua...

Fonte: 
Alice Atsuko Matsuda Pauli - Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Disponível em Passeiweb

Concurso de Contos do Projeto Livro de Graça na Praça (Vencedores)


A Academia Mineira de Letras (AML) ajudou na escolha dos três vencedores do concurso realizado pelo Sistema Fecomércio Minas, Sesc, Senac e Sindicatos. 

O Concurso de Contos Literários, realizado pelo Sistema Fecomércio Minas, Sesc, Senac e Sindicatos, selecionou três contos para publicação em uma obra literária, que será distribuída no evento Livro de Graça na Praça, em setembro deste ano. Dezenas de pessoas participaram da seleção. Os textos vencedores, que serão publicados junto aos textos de outros autores consagrados, são:

“Elvis”, de Carlos Henrique Gomes de Campos – Belo Horizonte (MG);

“BH?”, de André Telucazu Kondo – Jundiaí (SP);

“Pai, um conto sem ponto”, de Fabiano A Salim, Ilhéus (BA).

Neste ano, o Concurso Literário teve como tema a cidade "Belo Horizonte". Os contos selecionados são inéditos e falam sobre a capital mineira. Dentre os critérios de seleção, os representantes da Academia Mineira de Letras – que fizeram a seleção dos textos - observaram objetividade, clareza e originalidade de cada manuscrito. 

Livro de Graça na Praça

Há 10 anos, o Projeto Livro de Graça na Praça é realizado em Belo Horizonte, viabilizando a distribuição gratuita de livros em praça pública. O objetivo é incentivar a produção literária e promover a aproximação do público leitor com os escritores mineiros. Assim como nos anos anteriores, em 2012, o evento será realizado em setembro. 

A iniciativa é do autor José Mauro Lourenço da Costa e se mantém com o apoio de entidades como o Sistema Fecomércio Minas, Sesc, Senac e Sindicatos, e de empresas privadas. 

Fonte:
http://concursos-literarios.blogspot.com 

Concurso Internacional de Contos Vicente Cardoso (Prazo: 10 de setembro)


Organização: 
Comissão Central organizadora da 8ª Feira do Livro de Santa Rosa/RS - 
Contato: concursodecontosvicentecardoso@gmail.com

Regulamento: 

A Comissão Central organizadora da 8ª Feira do Livro de Santa Rosa, com a finalidade de estimular a produção literária local, e o intercâmbio com escritores brasileiros e de outros países institui edital que regulamenta a 2ª edição do Concurso Internacional de Contos Vicente Cardoso. 

1- Poderão participar escritores, maiores de 18 anos. 

2- O tema será: contos de fantasia e/ou ficção científica. 

3- Os textos deverão ser em língua portuguesa - digitados em Word ou BrOffice – fonte Arial – tamanho 12 – espaçamento simples – justificado – máximo de 4 laudas. 

4- Os textos serão enviados para o endereço eletrônico concursodecontosvicentecardoso@gmail.com no campo assunto virá “Concurso Internacional de Contos Vicente Cardoso” com arquivo em anexo nomeado “Texto” constando o texto sem identificação do autor, apenas pseudônimo. Também um outro arquivo nomeado “DadosPseudonimo” sendo que no lugar de Pseudônimo virá o pseudônimo escolhido. Por exemplo, se o pseudônimo for “Adalio” o arquivo será nomeado “DadosAdalio”. Neste arquivo constarão: pseudônimo, nome real, endereço, endereço eletrônico, telefone e breve currículo do autor. Poderão ser enviados até 2(dois) textos por participante. A cada e-mail corresponderá apenas 1(um) texto anexo. Portanto quem desejar inscrever-se no concurso com dois textos deverá enviar 2(dois) e-mails. 

5- Os textos devem ser inéditos de publicação em livro na mídia papel. Publicação em livro sem registro ISBN ou e-book não quebram o ineditismo da obra. 

6- Aos cinco primeiro colocados serão entregues: 

- 1º colocado: diploma constando colocação, 15 exemplares da coletânea com os textos premiados no concurso e uma cesta de livros de escritores santa-rosenses; 
- 2º colocado: diploma constando colocação, 10 exemplares da coletânea com os textos premiados no concurso e uma cesta de livros de escritores santa-rosenses; 
- 3º colocado: diploma constando colocação e 9 exemplares da coletânea com os textos premiados no concurso. 
- 4º colocado: diploma constando colocação e 8 exemplares da coletânea com os textos premiados no concurso. 
- 5º colocado: diploma constando colocação e 7 exemplares da coletânea com os textos premiados no concurso. 

7- Todos os autores que tiverem textos selecionados para participar da coletânea receberão diploma com esta menção. 

8- A coletânea terá registro ISBN e será lançada na 8ª Feira do Livro de Santa Rosa que acontecerá de 7 a 10 de Novembro de 2012 na Praça da Bandeira e Centro Cultural. 

9- Ao enviar seus textos os autores estarão cedendo os direitos autorais da obra enviada para publicação em livro, e-book, áudio livro e PDF a comissão organizadora da 8ª Feira do Livro de Santa Rosa. 

10- Os textos poderão ser enviados até 10 de Setembro de 2012 exclusivamente via internet conforme consta no artigo 4º deste regulamento. 

11- Esta vedada a participação de integrantes ou familiares dos integrantes da comissão central da 8ª Feira do Livro de Santa Rosa e de familiares dos membros da comissão julgadora deste concurso. 

12- Os contos serão julgados por uma comissão de alto nível literário, indicada pela Comissão Central da 8ª Feira do Livro de Santa Rosa, cuja decisão será soberana, à qual não cabem recursos sobre o resultado do concurso. 

13- As inscrições fora das normas do concurso não serão aceitas. 

14- É de responsabilidade exclusiva do concorrente a observância e regularização de toda e qualquer questão relativa a direitos autorais sobre a obra inscrita. 

15-Este edital atende ao disposto na Lei Federal nº 9.610 de 12/02/1998 sobre direitos autorais. 

16-Os premiados concordam e permitem a divulgação de seu nome e imagem para a divulgação do concurso, sem qualquer ônus para os realizadores. 

17-Os participantes declaram estar cientes e de acordo com este regulamento. 

18-Os casos omissos neste regulamento serão resolvidos pela Comissão Central da 8ª Feira do Livro de Santa Rosa.

Fonte:
http://concursos-literarios.blogspot.com