terça-feira, 10 de julho de 2012

Sylvia Orthof (1932 – 1997)

Sylvia Orthof é reconhecidamente uma das mais importantes escritoras de literatura infantil brasileira. Segundo a também escritora, pedagoga e atriz Fanny Abramovich, Sylvia Orthof é a melhor autora de textos infantis do Brasil depois de Monteiro Lobato; "a única capaz de ser parceira dele".

Dona de um fluxo imaginativo desenfreado, estima-se que tenha criado cerca de 500 histórias. Muitas se perderam no tempo, foram rasgadas, ficaram no registro oral ou televisivo. Mais de 100 livros de literatura infantil e juvenil foram publicados por 30 editoras! Produziu nos três gêneros: poesia, teatro e ficção. E ainda é responsável pelas ilustrações de alguns de seus livros.

Seu estilo único, a linguagem coloquial e o humor encantam os pequenos leitores, dentro e fora das escolas. Seus diálogos sonoros e recheados de nonsense são encenados tanto em palcos improvisados quanto nos tradicionais teatros brasileiros. Suas narrativas divertidas ganham vida na voz de contadores de histórias por todo o país. Seu talento para provocar a imaginação das crianças e conduzi-las pelo fascinante universo da leitura renderam-lhe numerosos e importantes prêmios.

Mesmo depois de sua despedida, sua obra continuou abrindo a porta da leitura para as crianças. A criatividade da autora inspira formas de divulgação originais.

Carioca, Sylvia Orthof nasceu em 1932, filha única de um casal de imigrantes pobres. Seus pais eram judeus austríacos e fugiram para o Brasil entre as duas guerras mundiais. Para cá vieram também seus avós e seus tios. Era uma família que respirava arte. O pai era pintor; o tio materno, compositor; a avó paterna era casada com um letrista de operetas vienenses; e a avó materna era pintora e ceramista.

Sua infância difícil era ainda tumultuada pelo desencontro de idiomas. Aprendeu, primeiramente, a falar o alemão e até o início da idade escolar falava português com sotaque. Refugiados em um país que lutava ao lado dos Aliados na II Guerra Mundial, seus pais cuidavam para que não fossem confundidos com nazistas. Por isso evitavam falar em público a língua alemã. Embora fosse algo incomum na época, eles se separaram quando a filha tinha sete anos. O pai Gerhard casou-se novamente e Sylvia foi morar com sua avó Trude (Gertrud).

Da formação à ação

Sylvia teve formação artística. Estudou mímica, teatro, pintura, desenho e arte dramática. Tinha apenas 15 anos quando começou a atuar na Escola de Arte Dramática do Teatro do Estudante. Aos 18, foi estudar teatro, desenho e mímica em Paris. Lá, aprendeu mímica com Marcel Marceau. Retornou ao Brasil dois anos depois e foi trabalhar em São Paulo como atriz no Teatro Brasileiro de Comédias (TBC) e na TV Record. No Rio de Janeiro, atuou ao lado de grandes nomes do teatro e da TV.

Em 1957, casou-se com Sávio Pereira Lima e se mudou para uma aldeia de pescadores chamada Nova Viçosa (na época, Marobá), no sul da Bahia. Com as crianças do lugar, desenvolveu um teatro de bonecos feitos de sabugo de milho e de palha. Assim começou sua ligação com o teatro infantil.

Ainda na Bahia, teve sua primeira filha, Cláudia Orthof. Dois anos depois, foi morar em Petrópolis, onde nasceu seu filho Geraldo (o Gê Orthof, hoje ilustrador). O terceiro filho, Pedro, nasceu depois de nova mudança do casal, desta vez para Brasília, em 1960.

Na TV Brasília, trabalhou em um programa infantil de fantoches, o Teatro Candanguinho. Foi contadora de histórias na rádio MEC, júri do concurso de Miss Brasília. Como desenhista de fantasias de carnaval, ganhou todos os prêmios da categoria “originalidade”. Mesmo sem ter feito curso universitário, passou a lecionar teatro na Universidade de Brasília e a coordenar as atividades de teatro do SESI. O trabalho ali desenvolvido com operários acabou lhe trazendo problemas com o governo militar. Por conta disso, ela se refugiou em Paris durante quatro meses, no ano de 1966.

De volta a Brasília, Sylvia teve que enfrentar mais tarde a notícia da doença de seu marido. Assustado com o câncer, ele devolveu a mulher e os filhos para o sogro. Voltaram, então, em 1972, a morar em Petrópolis, onde retomaram contato com velhos amigos, como o casal Póla e Tato Gostkorzewicz e Zilahe Luís Tranin.

Aos 40 anos, Sylvia ficou viúva. Passado algum tempo, casou-se com o velho amigo Tato, que também havia perdido sua esposa em um acidente. A mudança do casal para o Rio de Janeiro em 1974 marcou a retomada de sua vida profissional, dessa vez em outro campo: a literatura.

Da afirmação como escritora

Nessa nova fase, escreveu e dirigiu “A Viagem do Barquinho”, peça infantil encenada no MAM em que toda a família trabalhava. Fundou, em 1975, a Casa de Ensaios Sylvia Orthof, dedicada exclusivamente a espetáculos infantis. Nesse mesmo ano, ganhou o primeiro lugar no Concurso Nacional de Dramaturgia Infantil Guaíra, do Paraná. Quatro anos depois, seu conto “O Pé Chato e a Mão Furada” foi premiado no 1º Concurso Nacional de Contos Infantis do Banco Auxiliar de São Paulo.

É nesse momento que sua vida de escritora se inicia oficialmente. Um convite de Ruth Rocha para escrever histórias infantis para a revista Recreio abriu definitivamente as portas da literatura infantil para Sylvia Orthof. Já em 1981, publicou a primeira das mais de 120 histórias infantis e infanto-juvenis que escreveu. Versátil, a autora explorou diversos gêneros literários: prosa, poesia e teatro. Embora iniciada tardiamente, aos 40 anos, a carreira de Sylvia Orthof consagrou-a como uma das maiores escritoras infantis do país.

Da despedida que deixa um legado

Ganhou inúmeros prêmios por suas obras, entre eles 13 títulos premiados com o selo Altamente Recomendável para Crianças pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

Viveu seus últimos anos de vida em Petrópolis. Descobriu em 1996 que estava com câncer e faleceu um ano e meio depois, no dia 24 de julho de 1997. Mesmo sofrendo com a doença, continuou escrevendo histórias.

Sua vida e sua obra continuam inspirando até hoje inúmeros escritores infantis. Isso sem contar a grandiosidade da herança que deixou a todos os seus leitores.

Prêmios

1975 - "Viagem de um Barquinho"
1o lugar no Concurso Nacional de Dramaturgia Infantil Guaíra, do Paraná

1976 - "Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove"
1º Prêmio de Dramaturgia no Paraná

1978 - "A Viagem do Barquinho"
Prêmio Molière de Teatro

1979 - Espetáculo "A Gema do Ovo da Ema"
Concurso do Serviço Nacional de Teatro

Conto "O Pé Chato e a Mão Furada"
1º Concurso Nacional de Contos Infantis do Banco Auxiliar de São Paulo

1982 - "A Vaca Mimosa e a Mosca Zenilda"
Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, na categoria Literatura Infantil

1983 - "Os Bichos que Tive"
Prêmio de melhor livro infantil do ano da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte)
Prêmio de melhor livro para a criança da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil)

1985 - "O Sapato que Miava"
Prêmio de Jornalismo da Abril

1986 - "Os Bichos que Tive"
Certificado de Honra do Ibby (International Board on Books For Young People)

1987 - "Ponto de Tecer Poesia"
Prêmio Odylo da Costa Filho, da FNLIJ

1990 - Adaptação para o teatro pelo grupo Tespis de "O Cavalo Transparente"
Prêmio de melhor espetáculo do ano em teatro infantil da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte)

LIVROS PUBLICADOS

A Barriga de H. Linha
A Bruxa Fofim
A Décima Terceira Mordida
A Fala Lá de Pasárgada e Cabidelim, o Doce Monstrinho
A Fada Sempre Viva e a Galinha-Fada
A Família Eco-Eco
A Garupa e Outros Contos
A Gema do Ovo da Ema
A Limpeza de Teresa
A Luxúria
A Mesa de Botequim e Seu Amigo Joaquim
A Onça de Vitalino
A Poesia É uma Pulga
A Rainha Rabiscada
A Vaca Mimosa e a Mosca Zenilda
A Velhota Cambalhota
A Viagem de um Barquinho
Adolescente Poesia
As Aventuras da Família Repinica
As Casas que Fugiram de Casa
As Visitas de Dona Zefa
Ave Alegria
Avoada, a Sereia Voadora
Bagunça Total na Cidade Imperial
Bóia, Bóia, Lambisgóia
Bruzundunga da Silva
Cadê a Peruca de Mozart?
Canarinho, Cachorrão e a Tigela de Ração
Cantarim de Cantará
Chamuscou, Não Queimou
Choque no Roque
Chora Não!
Ciranda de Anel e Céu
Contos de Estimação
Conto com você
Contos da Escola
Contos para Rir e Sonhar
Cordel Adolescente, Ó Xente!
Cropas ou Praus?
Currupaco, Paco e Tal, Quero Ir pra Portugal!
Dita-Cula, a Coruja
Doce, Doce... e Quem Comeu Regalou-se
Dona Lua Vai Casar
Dona Noite Doidona
Dragonice Diz-que-Disse
Duas Histórias de Perna Fina
Dumonzito, o Avião Diferente: Passageiro Igual a Gente
Enferrujado, Lá Vai o Soldado
Ervilha e o Princês
Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove
Eu Sou Mais Eu
Fada Cisco-Quase-Nada
Fada Fofa e a Onça Fada
Fada Fofa e os Sete Anjinhos
Fada Fofa em Paris
Fantasma de Camarim
Faz de Conto
Felipe do Abagunçado
Foi o Ovo? Uma Ova!
Folia dos Três Bois
Fraca Fracola, Galinha d'Angola
Galo, Galo, Não Me Calo!
Gato pra Cá, Rato pra Lá
Guardachuvando Doideras
História Avacalhada
História de Arrepiar o Cabelo
História Engatada
História Enroscada
História Vira-Lata
Histórias Curtas e Birutas
João Feijão
Jogando Conversa Fora
Livro Aberto: Confissões de uma Inventadeira de Palco e Escrita
Luana Adolescente, Lua Crescente
Mais-que-Perfeita Adolescente
Malandragens de um Urubu
Malaquias
Manual de Boas Maneiras das Fadas
Maria Vai com as Outras
Mas que Bicho Lagarticho
Meus Vários Quinze Anos
Moqueca, a Vaca
Mudanças no Galinheiro, Mudam as Coisas por Inteiro
Nana Pestana
Nem Assim Nem Assado
No fundo do fundo, Lá Vai o Tatu Raimundo
O Cavalo Transparente
O Inspetor Geral
O Livro que Ninguém Vai Ler
O Rei Preto de Ouro Preto
O Sapato que Miava
Os Bichos que Tive: Memórias Zoológicas
Ovos Nevados
Papai Bach, Família e Fraldas
Papos de Anjo
Pé de Pato
Pequenas Orações para Sorrir
Pererê na Pororoca
Pinguilim, Voz de Flautim
Pirraça que Passa, Passa
Pomba Colomba
Ponto de Tecer Poesia
Puratig, o Remo Sagrado
Que Raio de História!
Que Saracotico!
Quem Acorda Sonha
Quem Roubou o Meu Futuro?
Quincas Plim, Foi Assim
Rabiscos ou Rabanetes
São Francisco Bem-Te-Vi
Saracotico no Céu
Se a Memória Não Me Falha
Se as Coisas Fossem Mães
Se Faísca, Ofusca
Senhor Vento e Dona Chuva
Sonhando Santos Dummont
Sou Miloquinha, a Duende
Tem Cachorro no Salame
Tem Cavalo no Chilique
Tem Graça no Botticelli
Tem Minhoca no Caminho
Tia Anacleta e Sua Dieta
Tia Carlota Tricota e Tricota!
Tia Januária é Veterinária
Tia Libória Conta História
Trem de Pai... Uai!
Tumebune, o Vaga-Lume
Um Pipi Choveu Aqui
Uma Estória de Telhado
Uma Velha e Três Chapéus
Uxa, ora Fada, ora Bruxa
Você viu? Você ouviu?
Vovô Bastião Vai Comendo Feijão
Vovó Viaja e Não Sai de Casa
Zé Vagão da Roda Fina e Sua Mãe Leopoldina
Zoiudo, o Monstrinho que Bebia Colírio

Estilo e linguagem

Quando ler é sinônimo de brincar e sonhar

A "prosa feroz e alucinada" de Sylvia Othof levou Gê Orthof a caracterizar a escrita da mãe como "selvagem". Rebelde por natureza, jamais optou por corresponder ao que esperavam dela como escritora infantil. Por coerência, também não concordou com a crença geral que identificava como baixas as expectativas dos pequenos leitores. Assim, não respeitou as tradições que insistiam em considerar a literatura infantil uma literatura menor.

A exemplo de Monteiro Lobato, rompeu a tradição de produzir uma literatura de cunho pedagógico e doutrinário. Suas histórias nada têm de moralismo. O certo e o errado dialogam entre si, quebrando a antiga dicotomia. O emprego de palavras como pum e bumbum mostra essa despreocupação: não reprime aquilo que é próprio do universo infantil em nome dos "bons costumes". Ela se "acriança" ao escrever, mergulhando nesse imaginário infantil presente em todos. Assim, no lugar do termo adulto flato, ela escolhe a versão infantil pum.

Na linguagem adotada fica clara essa quebra de padrão. A autora, que não se submetia às regras, não poderia se identificar com a chamada norma padrão. Por que respeitar essa gramática prescritiva se ela podia criar? Neologismos e palavras criadas a partir de um léxico familiar são frequentemente presentes. Horrorível, ruimpilante, descomer... Até guarda-chuva torna-se verbo (e ainda no gerúndio!) em "Guardachuvando Doideiras". Esse processo mostra que a linguagem não é uma ferramenta pronta, mas sim um potencial criador que deve ser trabalhado em sua essência. Em seu livro "Mais-que-perfeita adolescente", a narradora quer escrever um livro, mas não consegue gostar de gramática. Seria essa uma inspiração autobiográfica?

Normas nada mais servem do que limitar a imaginação e a fruição, que devem ter existência livre. É nesse sentido que ela cultiva um dos traços mais marcantes de sua obra: o surrealismo. O caráter muitas vezes onírico de sua escrita é possível justamente pelo fato de não haver repressão de ideias em seu processo de criação. Ela, consciente, sonha. As transcrições dessas fantasias inspiram livros. Felizmente, seus sonhos vão além dos limites do real. Mais uma vez, aqui, as potencialidades de seus leitores é respeitada: Sylvia considera-os capazes de entender aquilo que foge do óbvio.

O emprego dessa linguagem inovadora assim como o uso de marcas claras de oralidade a aproximam de seus leitores – nos quais surpreendentemente se incluem adultos! Há, com ela, a quebra de uma posição hierárquica encontrada geralmente nos livros escritos por adultos para crianças. Essa forma espontânea de escrever, próxima da linguagem falada, estreita os laços com o público. A autora costuma brincar com os leitores, comentar as histórias, fazer uso de repetições. Essa vontade de fazê-los participar é prova de que Sylvia não quer ensinar, quer conversar. Monteiro Lobato certa vez disse “Ah, se toda gente escrevesse como fala, a literatura seria uma coisa gostosa como um curau que comi domingo no Tremembé".

Muitos críticos, ao analisar sua obra, utilizam o termo "carnavalizada". Definida por Cruvinel como a "subversão das verdades e dos valores do mundo oficial, cujo objetivo é denunciar e contestar a ordem vigente", parece uma perfeita definição de um dos vários traços encontrados em seus livros. Sylvia faz literatura infantil, mas nem por isso deixa de lado a crítica social de seus temas. Rejeita a acomodação e propõe mudanças. Em seu livro "O Rei Preto de Ouro Preto", tematiza a escravidão, a importância da liberdade dos negros e de sua valorização enquanto iguais. Em "Senhor Vento e Dona Chuva", aponta a má distribuição de renda como geradora de injustiças sociais. "Eu Sou Mais Eu" dá voz aos excluídos – a personagem principal é uma menina de rua. No entanto, toda essa temática de resistência é tratada em clima bem-humorado. Os problemas são analisados e criticados com humor.

O humor, aliás, está presente em toda sua produção. Irreverente e criativa, Sylvia Orthof é a escritora que por necessitar de liberdade, liberta o público infantil da obrigação de ler. As crianças a lêem por prazer.

Curiosidades
Ao sabor da fé


Embora fosse filha de austríacos refugiados da guerra no Brasil, a pequena Sylvia não sabia que sua família descendia de judeus. Seus pais evitavam falar o alemão no país que lutava pelos aliados, para não serem confundidos com nazistas. A origem judaica só foi descoberta quando, já menina, pediu à mãe para fazer a Primeira Comunhão como as amigas da escola. E adivinha? Sua mãe Gertrudes acolheu o desejo da filha. Assim, Sylvia Orthof cresceu e tornou-se uma pessoa de fé. Suas histórias estavam sempre cheias de símbolos religiosos judaicos e católicos. Mais tarde, em pesquisa sobre a cultura brasileira e africana, acabou incorporando também elementos do candomblé na sua literatura - que já era povoada de santos, beatas, padres, anjos travessos e querubins. O livro "Pequenas Orações para Sorrir" está à disposição para quem quer conhecer sua fé - em forma de poesia!

Segundo sua filha, Claudia Orthof, ela adorava o Natal. Celebrava a data de forma ecumênica: unia árvore de natal com estrela de David. Na fé e na literatura, a escritora manifestava sua crença em um Deus único e generoso. Uma mistura harmônica, temperada com alegria e liberdade.

Que coincidência!

No livro "Galo, galo, não me calo", Sylvia conta a história de um galo que morava, com sua dona, a menina Fanci, em uma rua de Copacabana. Todas as manhãs, como de costume, ele saudava o sol com seu canto – o que incomodava terrivelmente os vizinhos. Para fazê-lo parar, jogavam vidros e sapatos. A história retrata o galo, como símbolo de natureza e liberdade, oprimido pela cidade grande.

Em abril de 2009, 17 anos depois do lançamento do livro, a história sai do papel e se torna realidade. Exatamente no mesmo bairro da ficção, Copacabana. A rua é a Travessa Santa Leocádia. Algum morador adotou um pintinho que logo cresceu e se tornou o galo Jorge. Como todo galo, canta de manhã e de madrugada. Esse morador inusitado e barulhento causou polêmica entre os moradores da rua que costumava ser silenciosa. Alguns defendem e desejam adotá-lo, outros lutam para dar fim a ele.

Só faltou acertar o nome do galo!

Como se não bastasse uma vez, a história se repetiu em versão real. Em outubro de 2010, o galo que ciscava e vivia num quintal de um casarão da rua Santa Clara, em Copacabana mais uma vez, foi também alvo de reclamações dos vizinhos. Seu canto incomodava de tal forma que a solução apresentada pelo 4º Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro foi prendê-lo em um galinheiro de 22h às 6h. O nome dado ao animal, veja só, foi Natal: nome da festa tão querida por Sylvia!

Nesse caso, o mesmo confronto entre vida em cidade grande e vida no campo trabalhado no livro entrou em pauta. "Não dá para conviver em plena Copacabana com um animal que deveria estar na roça", disse Cesar Tadeu Catharino, autor da denúncia contra o galo.

Nome emprestado a Biblioteca

Em 1997, o nome de Sylvia Orthof foi escolhido para batizar a Biblioteca Infanto-Juvenil do Tucuruvi, em Tucuruvi, bairro da Zona Norte de São Paulo. Como havia no mesmo prédio, uma outra biblioteca destinada ao público adulto, a Biblioteca Pública Dinah Silveira de Queiroz, um decreto de 2005 unificou as duas, que passou a denominar-se Biblioteca Sylvia Orthof.

Não por acaso, a biblioteca que funciona na Avenida Tucuruvi 808 procura desenvolver o gosto pela leitura junto aos moradores do bairro. E promove constantemente oficinas, palestras e passeios educativos.

Fonte:
https://sites.google.com/site/sylviaorthof/essencia


Olivaldo Junior (Quando não se tem mais nada a dizer)

Seria tão bom se eu me calasse e nunca mais incomodasse a quem me odeia. No entanto, enquanto o canto rodeia, rompo a cadeia em que me pus, ou me puseram, não sei, há muito tempo na Terra. A terra tem um cheiro tão doce quando a chuva chega e se impõe sobre ela, molhando a dureza, o chão. Faz tempo que eu não molho a dureza do meu sertão. Faltam-me lágrimas, não? Sim, faltam-me gotas de orvalho íntimo, coração.

A beleza, quando não se tem nada a dizer, fala por mim. O difícil mesmo é ser belo, é ser mais que o cerebelo, atingindo, em cheio, o irmão alheio, à mercê do nada. Nada é mais triste do que não se ter nada a dizer. A partir do nada, nenhuma estrada, nenhum tijolo pode ser posto. Vide o desgosto. A carência tem cara de quem não tem nada a ser dito. Quanto vale um coração bonito? Coração não é só feito de sangue e músculo, cadência e força. Coração tem flama na alma de quem o tem. Tenho tanta pena no coração que vou virar um passarinho. Mas não choro, não... Faltam-me as lágrimas.

Quando não se tem mais nada a dizer, fala-se do tempo, de onde, quando, como e por que vai fazer sol, se é que vai fazer. Fazer falta é dizer ao próximo que você vale a pena. Pena que as palavras não dizem tudo. Tudo o que eu tinha a dizer me faz ficar quieto. Cala-te, boca... Boca não serve quando fala demais. Mas é vício de quem pode falar falar pelos cotovelos. Vê-los tão quietos me faz suspirar e pensar no quanto me esquecem. Prece não é só com palavras. Sai de mim a minha essência e percorre o espaço: é você? Se você sabe quem eu sou, por que não me diz nada? Sua ausência é vã.

Vamos andar um pouco, viver um pouco, que a vida é breve, leve como um pássaro no azul. Azul é minha sina, não vivo sem ele. Amigo, quanto azul, no verde dos olhos a quem sobra esperança. Cansa um pouquinho, para um bocado, mas vai. Quando não se tem aonde chegar, chega-se assim mesmo. Queria tanto chorar, quem sabe, passava. Mas passo e lhe peço que se lembre de mim. Enfim, há milágrimas no paraíso.

Moji Guaçu, SP, dez de julho de 2012.

Fonte:
O Autor

Folclore Brasileiro: Negrinho do Pastoreio (Recontada por Moacyr Scliar)

Olhem o mapa do Brasil. Na ponta do nosso país, lá perto da Argentina e do Uruguai, vocês vão encontrar o Rio Grande do Sul. Esse grande Estado não fazia parte do Brasil, quando os portugueses aqui chegaram; foi conquistado aos espanhóis depois de muita luta. Os chefes dessa campanha vitoriosa dividiram entre si aquele território, e assim ficaram com enormes propriedades. Elas se localizam principalmente na metade sul do Rio Grande, uma região que é conhecida como o pampa. É muito plana, só tem colinas suaves (conhecidas como coxilhas) e presta-se para a criação do gado. Assim surgiram as estâncias e nelas, o personagem típico do sul, o gaúcho. Seu trabalho principal era cuidar do gado, o que ele fazia montado a cavalo. Até fins do século dezenove, porém, boa parte dessa atividade estava entregue aos escravos negros. E foi por causa desses escravos que surgiu aquela que é a lenda mais famosa do Rio Grande do Sul, a lenda do Negrinho do Pastoreio. Tão famosa é esta história que ela foi recontada por grandes escritores, como Simões Lopes Neto. E há também uma canção dedicada ao personagem, uma canção que todos os gaúchos gostam de cantar. Vamos então conhecer o Negrinho do Pastoreio.

Isso aconteceu há muito tempo, na época em que ainda existiam escravos. Nessa época vivia no Rio Grande do Sul um estancieiro, um homem muito rico - e muito malvado, tão rico quanto malvado. Todos sabem que os gaúchos costumam ser generosos, hospitaleiros, mas esse estancieiro não oferecia sua casa para ninguém. E também não ajudava os necessitados.

O estancieiro tinha muitos bois, e também muitos cavalos. Entre estes, o seu preferido era um baio, quer dizer, um animal cujo pêlo era castanho puxando para o amarelado. O baio era um bom corredor, e o estancieiro gostava de desafiar os seus vizinhos para corridas de cavalo. Quem montava o baio era um escravo do estancieiro, um negrinho pequeno e magro. Tão desamparado era o pobre que nem nome tinha, muito menos padrinho ou madrinha; por isso se dizia afilhado de Nossa Senhora. O negrinho sofria muito, inclusive porque o filho do estancieiro, menino malvado, volta e meia batia nele.

Um dia, o estancieiro e um de seus vizinhos, dono de um belo cavalo, fizeram uma aposta alta - mil moedas de ouro - para ver qual dos dois animais era mais rápido. Muita gente veio assistir a essa corrida. Os gaúchos abriam suas guaiacas - uns cinturões muito enfeitados, que servem para guardar objetos - e de lá tiravam dinheiro para apostar. Dada a partida, os dois cavalos saíram em disparada, lado a lado. O pobre negrinho fazia o que podia: se perdesse a corrida, o estancieiro iria castigá-lo sem dó nem piedade.
E foi, infelizmente, o que aconteceu. Quase na chegada, o baio estacou de repente, empinou-se nas patas traseiras. Quando o negrinho conseguiu controlá-lo, já era tarde: o adversário tinha ganho a corrida.

O estancieiro, furioso, atirou no chão o dinheiro que devia. E quando chegou em casa descarregou sua raiva no negrinho: mandou aplicar-lhe uma surra de relho. E deu-lhe um castigo. Como a corrida tinha sido de trinta quadras (quadra é uma antiga medida de comprimento), o rapaz teria de ficar trinta dias no campo, cuidando de cavalos (um pastoreio, no linguajar dos gaúchos). Eram trinta cavalos pretos e mais o baio.

E ali ficou o negrinho. Como estava preso a uma estaca por uma corda, não podia se abrigar da chuva ou do sol forte. Uma noite vieram os guaxinins (uma espécie de cães selvagens) e, com os afiados dentes, cortaram o laço que prendia o baio. O cavalo saiu a galope pelo campo, e os outros o seguiram.

O negrinho, que estava dormindo, não viu nada. Quando acordou, o dia já clareando, e viu que os cavalos tinham fugido, começou a chorar. O estancieiro, avisado pelo filho malvado do que tinha acontecido, mandou dar outra surra no escravo. Surrou-o até a noite e aí mandou que fosse, na escuridão, procurar os cavalos. O negrinho acendeu uma vela e, gemendo de dor, saiu pelo campo, subindo e descendo as coxilhas. Os pingos da vela iam caindo no chão e, coisa prodigiosa, a cada pingo que caía, nascia uma luz, que iluminava o pampa. E assim o negrinho pôde achar os cavalos. Juntou-os todos e, exausto, deitou no chão e adormeceu. Ao clarear do dia apareceu de novo o filho do estancieiro, que - mas era um demônio, mesmo, aquele guri! - soltou os cavalos.

Desta vez, o estancieiro enlouqueceu de raiva. Mandou dar de novo uma surra no negrinho, mas uma surra de relho muito pior que de outras vezes. O negrinho ficou todo lanhado, quase em carne viva, o sangue escorrendo das feridas. E o perverso estancieiro mandou que o colocassem num formigueiro, para que as formigas o devorassem. E ali o deixou. Naquela noite e nas noites seguintes, teve o mesmo sonho: sonhou que tinha ficado muito rico, que tinha mil escravos, mil cavalos baios, mil filhos, um milhão de moedas de ouro.

Três dias depois, foi até o lugar onde estava o formigueiro, para ver o que tinha sobrado do pequeno escravo. Quando lá chegou, arregalou os olhos, cheio de espanto.

O negrinho estava ali, de pé, a pele intata - nenhuma ferida, nada. Junto a ele, o baio e os trinta cavalos pretos. E, vigiando-os, Nossa Senhora. Risonho, o negrinho pulou no baio e saiu a galope, conduzindo a tropa de cavalos...

Para a gente da região o pequeno escravo tinha morrido no formigueiro. Mas então os gaúchos do campo começaram a falar de uma tropa de cavalos que passava à noite, conduzida por um negrinho montando um baio. E daí nasceu uma tradição, no Rio Grande do Sul: quem perdeu alguma coisa no campo deve acender uma vela para o Negrinho do Pastoreio. É o que diz a canção: "Negrinho do Pastoreio / acendo esta vela pra ti / e peço que me devolvas / a querência que eu perdi". Querência, no linguajar gaúcho, é o lar, o lugar a que estamos ligados por laços de afeição. O Negrinho do Pastoreio mora para sempre na grande e acolhedora querência que é a bela tradição do Rio Grande do Sul.
Fonte:
“História recontada por Moacyr Scliar, com base no folclore gaúcho e na narrativa de Simões Lopes Neto”.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 603)

Praia dos Ingleses - Florianópolis/SC
Uma Trova de Ademar

Deus vendo que não tem fim
essa fé que me conduz,
deixou cair sobre mim
uma cascata de luz!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional


Quero ser sábio, Senhor,
pra ser humilde, e com fé,
crer na Encarnação do Amor
na Virgem de Nazaré.
–Adamo Parquarelli/SP–

Uma Trova Potiguar


Xeroquei as tuas cartas
pra reler com todo o amor,
mas vejo que não te fartas
de arranhar a minha dor!
–José Lucas de Barros/RN–

Uma Trova Premiada

1993 - Petrópolis/RJ
Tema - CANÇÃO - 1º Lugar


Quando um grande amor se afasta
deixa uma nota escondida
na canção que o vento arrasta
nas folhas secas da vida...
–Alba Christina C. Netto/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

Na moldura envelhecida,
a nossa fotografia
é a mocidade retida
numa eterna fantasia!
–Enivaldo Borges/SP–

U m a    P o e s i a  


A nossa matéria-prima
deve ser sempre o amor.
Quem não tiver isto em mente
será só compositor
de muitos versos bonitos,
sem alma de Trovador!
–Arlindo Tadeu Hagen/MG–

Soneto do Dia

PRA MATAR AS SAUDADES DO SERTÃO.
–Brás Ivan Costa/PE–


Terra mãe, quanta falta me fizeste,
quantos dias sonhei poder rever-te,
cada vez que te deixo me investe
uma febre com medo de perder-te.

O caráter que tenho tu me deste,
minha alma da tua é uma parte;
como posso esquecer de ti Nordeste
se viver para mim é recordar-te.

Minha sina é de ti viver distante,
porém quando meus dias de errante
terminarem, terei como jazigo

o teu ventre, e depois de tão ausente
poderei sepultar-me eternamente
onde foi sepultado o meu umbigo.

FBN expande programa de tradução e internacionalização de livros

Títulos técnicos e científicos poderão pleitear verbas; tradutores receberão bolsas para vir ao Brasil e autores brasileiros receberão bolsas para intercâmbio

A Fundação Biblioteca Nacional (FBN) anunciou ontem, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), novos programas para a internacionalização da literatura brasileira. O anúncio ocorreu um ano após a reformulação do programa de apoio à tradução, que já concedeu 111 bolsas e registra dez novos pedidos por mês.

Segundo comunicado da FBN, os novos programas consistem na concessão de bolsas de tradução para livros técnicos, científicos e profissionais; apoio à publicação nos países de língua portuguesa; programa de residência de tradutores no Brasil; e editais para patrocinar viagens de escritores brasileiros para divulgar suas obras no exterior. Os editais para essas iniciativas serão publicados no Diário Oficial da União entre julho e agosto.

Todas as ações serão feitas pelo recém-criado Centro Internacional do Livro. Elas incluem ainda a participação do Brasil em feiras onde o país foi ou será homenageado – Bogotá em 2012, Frankfurt em 2013 e Bolonha em 2014, por exemplo.

Para todas as ações, a FBN e o Ministério da Cultura estimam um investimento de R$ 76 milhões até 2020 – não são necessariamente investimentos novos, mas o orçamento total. Veja abaixo detalhes dos programas e dos investimentos.

- Ampliação do programa de apoio à tradução e à publicação de autores brasileiros no exterior: voltado para editoras estrangeiras que queiram publicar autores brasileiros. O edital se encontra permanentemente aberto. Para se candidatar, a editora deve elaborar um projeto de edição ou reedição no formato impresso ou digital ou em ambos. As avaliações são realizadas periodicamente por uma comissão, composta por consultores externos, por representantes da Fundação Biblioteca Nacional e de outros setores do Ministério da Cultura. A bolsa é de até R$ 8 mil e agora também permite e-books. Graças a uma parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, também serão apoiadas as traduções de obras técnicas ou científicas nas áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Ciências da Vida, Engenharias, Ciências Exatas e da Terra. Também estão previstos editais específicos da FBN para apoiar traduções para regiões e/ou idiomas específicos, efemérides e temas, como a literatura infantil e juvenil.

- Programa de apoio à publicação de autores brasileiros na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): aberto às editoras dos estados-membros da CPLP com projetos de publicação de obras literárias ou da área de humanidades de autores brasileiros. O objetivo é estimular a difusão da literatura e dos livros brasileiros nos países da África onde o português é a língua oficial (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe), no Timor Leste e em Portugal. A bolsa é de até US$ 6 mil. O edital será publicado na próxima semana e deve contemplar, inicialmente, 12 bolsistas.

- Programa de residência de tradutores estrangeiros no Brasil: Tradutores estrangeiros que estejam realizando a tradução de livros brasileiros vão poder se candidatar a uma bolsa de até R$ 15.000,00 para a residência de trabalho de até cinco semanas no Brasil. A bolsa cobrirá custos com passagens, hospedagem, alimentação e transporte. Na primeira parte, os tradutores irão realizar uma imersão na cultura brasileira que atenda a necessidades da obra. Na segunda parte, participarão de oficinas e palestras nas comunidades em que estiverem hospedados e, ainda, em cursos em centros de estudos de tradução parceiros do programa. Alguns dos centros associados ao programa são a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Casa Guilherme de Almeida, da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No primeiro ano, o programa deve trazer 10 tradutores de diversos idiomas ao Brasil e contemplar, ainda, 80 brasileiros e estrangeiros em seminários, encontros e outras atividades de formação. O edital será publicado na segunda semana de agosto.

- Programa de intercâmbio de autores brasileiros no exterior: editoras estrangeiras podem se candidatar a esse programa, que tem como objetivo apoiar o intercâmbio de autores brasileiros no exterior, para que promovam suas obras e a literatura brasileira por meio de palestras, sessões de autógrafos e entrevistas, entre outros. O edital será publicado na segunda semana de agosto e prevê o pagamento de bolsas até U$ 3 mil para 30 autores.

Fonte:
Http://concursos-literarios.blogspot.com

Concurso Literário Lucinerges Couto (Resultado Final)


CONTOS:

1º Lugar:

Nome: José Ronaldo Siqueira Mendes
Mutum/MG
Obra: Quando colher girassóis

2º Lugar:

Nome: Lázaro Sebastião de Oliveira Falcão
Marituba/PA
Obra: O foguete do Chico Torquato

1º Lugar abordando Marituba:

Nome: Orlando Tadeu Ataide Leite
Marituba/PA
Obra: Festança no Arimatéia

Menção Honrosa:

Nome: Gerson Augusto Gastaldi Leite
Jardim Caravelas/SP
Obra: As chamas sagradas

POESIAS:

1° Lugar:

Nome: Benedito José Almeida Falcão
Bauru/SP
Obra: Pacto de (in)fidelidade

2° Lugar:

Nome: Luís Hilário Ferreira da Silva
Ananindeua/PA
Obra: Para não esqueceres de mim

Menção Honrosa:

Nome: Solange Gonzaga Pena Passos
Recanto das Emas/D.F
Obra: Sensibilidade

COMISSÃO JULGADORA:

Cleide Rosana Gomes Araújo
Formação: letras (UFPA), pedagogia (IFPA);
Pós-Graduação: abordagem textual (UFPA).
João da Silva da Silva Rodrigues
Formação: letras (UFPA);
Pós-Graduação: linguística textual (UFPA).
Ruth Helena Leite de Souza Rodrigues
Professora Graduada em Letras (UNAMA).
Déo de Araujo Victor
Professor Graduado em Letras (UFPA).
Simone Carvalho Silva
Licenciatura: letras-habilitação em Língua Portuguesa (UFPA).

Fonte:
Http://concursos-literarios.blogspot.com

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Haicai Ecológico 1 - Ademar Macedo (RN)



Arnaldo Jabor (Crônica do Amor)


 Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

 O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

 Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

 Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

 Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

 Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

 Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

 Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

 Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

 Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?

 Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

 É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

 Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

 Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

 Não funciona assim. 

 Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

 Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

 Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

Doze em Ritmo de Sextilhas (Parte 10, final)


217 - Assis
Injustiça é coisa feia,
mais ainda quando explora
aquele que ao sol, na roça,
diuturnamente labora
a fim de encher a barriga
de quem na cidade mora.

218 - Delcy
 Às vezes, a gente chora
ao ver tanta desventura:
miséria...fome...doenças...
tristeza...pranto...amargura,
que é bem  menor, eu garanto,
que ter    falta  de ternura!

219 - Elisabeth 
Neste tempo de ventura, 
às vésperas do Natal, 
possa a igualdade se dar 
de uma forma bem total, 
trazendo a fartura a todos 
num  mundo mais fraternal! 

220 - Prof. Garcia
Até no próprio Natal 
há ingratidão desmedida: 
mesa farta tendo tudo 
e mesa sem ter comida, 
convida-se todo mundo 
só Jesus ninguém convida! 
  
221 – Gislaine 
Para melhorar a vida, 
o mundo devia ser 
feito somente de amor, 
e, após, cada entardecer 
o calor do Sol ficasse, 
entre nós, para aquecer! 

222 - Hélio 
Surge em cada alvorecer, 
o sol que cumpre o seu plano 
de aquecimento ao planeta 
sem que falte ano após ano, 
mas no mundo o que mais falta 
é o calor do ser humano. 

223 - Milton
O meu destino, cigano,
manda que eu vá mais além...
Nas caminhadas encontro
gente que vai e que vem,
com eles eu vou tentando,
sempre, praticar o bem...

224 - Ouverney
"Faça-o, sem olhar a quem."
O rifão me diz que sim,
mas, na hora, é que são elas:
falo por ti e por mim,
a gente fala e não faz,
fica o assado por assim!

225 - Tadeu
 Fazer o Bem, para mim,
é bem difìcil também.
Com muito esforço encontramos
o resultado, porém.
Pois nao hà bem que supere
o bem de fazer o Bem.

226 – Thalma 
Agradeço e digo amém
o ensejo que os céus me dão
de o bem fazer sem cobranças
a qualquer carente irmão,
sem que a mão esquerda saiba
como me ordena a razão.

227 - Vanda
É tempo de reflexão:
Mais um Natal - que ventura!
Onze nomes conto a mais 
no rol da amizade pura.
Meu abraço aos sextilheiros,
meu punhado de ternura.
  
228 - Zé Lucas
O Natal se me afigura
festa de paz e harmonia,
e nesse que se aproxima
serei o rei da alegria
se ninguém for para o leito
sem o pão de cada dia. 

229 - Assis
Por sorte nossa e alegria,
podemos, neste final,
misturar a despedida
com o abraço de Natal,
dessa forma concluindo
o debate em alto astral.

230 – Delcy
Que esse debate, ao final,
cresça, com propriedade,
que o Natal e o Ano-Novo
tragam mais felicidade
para os doze  sextilheiros,
neste pacto de amizade!

231 - Elisabeth
Foi mesmo felicidade
e uma glória para mim,
juntar-me a tantos amigos...
E agora que chega ao fim
desejo Feliz Natal!
Felicidades!!! Tim Tim!!

 232 - Prof. Garcia
Todo final é assim,
não há outra explicação:
deixa um cheiro de saudade
e um gosto de solidão,
batendo nas cordas tristes
das cordas do coração!

233-Gislaine
Termina com emoção,
assim como começou,
nosso debate em sextilhas
que, muito lindo ficou;
por isso, neste Natal,
bem mais feliz eu estou!

234 - Hélio Pedro
Nosso debate passou
como um barco que flutua,
deixando muita saudade
mas um palpite insinua:
que outros debates virão
pois a vida continua.

235 - Milton
A vida nunca recua:
última ceia da trilha...
Doze apóstolos mostrando
como a poesia brilha,
comungando pensamentos
com esta deusa: a sextilha.

 236 - Ouverney
Vanda, Thalma, Hélio da Ilha,
Gislaine, Delcy, Tadeu,
Milton, Zé Lucas, Garcia,
Elisabeth, Assis... Eu!
A "deusa" há de estar em êxtase!
Arrivederci!  Valeu!!!

237 - Tadeu
O mais contente fui eu
por tão boa companhia.
E hoje que o debate finda
e a saudade principia,
digo aos irmãos sextilheiros:
-Valeu! Até qualquer dia!

238 – Thalma 
Neste Natal, na alegria,
na força que o verso tem,
eu peço que os sinos dobrem
pelos poetas também,
por meus irmãos sextilheiros
que são arautos do Bem!

239 - Vanda
... E o bonito vaivém
dos versos passou veloz,
 mas nosso adeus no Natal
 ganhou luz! E a nossa voz
 diz - "Glória  a Deus nas alturas!
 Paz na terra a todos nós"!!!

240 - Zé Lucas
Termina o debate, após
passar onze meses no ar,
mas, como valeu a pena,
mesmo andando devagar,
porque doze amigos, juntos,
têm mil coisas pra contar! 

FIM.

Parte 1 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/06/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-1.html 
Parte 2 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-2.html 
Parte 3 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-3.html
Parte 4 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-4.html
Parte 5 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilha-parte-5.html
Parte 6 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-6.html
Parte 7 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-7.html
Parte 8 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-8.html
Parte 9 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-9.html

Fonte: 
Doze em Ritmo de Sextilhas: Debate pela Internet. 20.02.2010 a 22.12.2010., 2012.

Yara Camillo (Duas Vias)


jf

Ele abriu a porta do carro para que ela entrasse.

 – A velhice dando passagem à juventude?

 – Não: a sabedoria dando vez à pretensão.

 Riram. Era uma brincadeira antiga, da época em que se conheceram: ela, preparando a tese. Ele, o orientador que não chegou a sê-lo… A relação aconteceu e, de comum acordo, decidiram que ela procuraria outro professor. Nem por isso a pressão foi menor. Em muitos olhares, o imediatismo rotulava, sem sursis: veterano-estende-as-asas-sobre-a-novata. E poderia ter sido pior; tivesse a “vítima” alguns anos a menos e o crime estaria consumado, não se podia brincar com essas coisas.

 – A maré do politicamente correto extrapolou, afrontando os limites do bom senso – dizia ele. – Facilite... E até Lolita e Morte em Veneza acabarão queimados em praça pública.

 – Não exagere – dizia ela.

 Ele ria:

 – E a lei contra os Adônis que enfeitiçam os velhinhos? Deveria existir uma, não?

 Ela ria:

 – E qual seria o nome desse crime... Gerofilia?

 – Sim... Muito próprio. – E ele improvisava a premissa: – Não gerofile, para não ser pedofilado. 

 – Proponha esta na próxima reunião e estaremos condenados em duas vias, sem direito a habeas corpus.

 – Falando em habeas…

 – Falando em corpus…

 A brincadeira se repetiu ao longo dos anos, mesmo depois de perder a graça; ela, mais que ele, chamava o riso como tábua de salvação, como refúgio das crises que também se repetiam, indefinidamente.

 Passado o espanto geral, que de roldão consumira também certos encantos, as coisas começaram a se acomodar. Ninguém mais estranhava a parceria, nem a ironia que permeava o enredo natural daquele amor: ela, já não bastasse os muitos anos a menos, aparentava ser tão menina... Para entrar no cinema, só mostrando Identidade que provasse ao menos dezoito, dos vinte e três já completos. Ele, em contrapartida, já aos dezesseis se passava por “maior”, nos bailes e cinemas da cidade interiorana onde nascera. Cabelos precocemente grisalhos e o sagrado costume da cerveja completavam o quadro, adiantavam o tempo e, aos olhares alheios, alongavam mais ainda a distância entre os dois.

 O tempo. O curso. Da universidade e das coisas. E a tese, que não saía nunca.

 – Se você não pode ser meu orientador, então não quero mais ninguém – ela dizia. E se por algum tempo esse argumento surtiu efeito, foi também se desgastando, como tudo, como um todo.

 – Não era isso – ela confessou, numa das raras noites de cerveja que conseguiram a sós, porque a universidade era um mundo que se estendia para além do campus, até o bar, até a casa, até os amigos e tantas horas compartilhadas. – A Dança seria o princípio e, a Geografia, o meio... Sabe? O meio pelo qual a Dança viria a acontecer, sem as amarras das concessões profissionais necessárias à sobrevivência. Mas tudo virou do avesso, a Geografia se espalha e não faço outra coisa a não ser projetos.

 – Não há lugar para dois, com a Geografia. Ou é ela ou é ela, se é que você me entende, e eu às vezes acho que não.

 – Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no tempo e no espaço? Nunca, dirá você.

 – Nunca, tu o disseste.

 – “Salvo quando se amam”, disse o poeta. E se essa verdade não pode harmonizar a Dança e a Geografia, então quero nascer de novo.

 – Você já nasceu tantas vezes, lembra… Ou não, não mais?

 Ela fechou os olhos, fazia isso quando sentia dor ou acusava o golpe, claro, quantas vezes não dissera “acho que nasci de novo”, depois do amor?

 Foi naquele amanhecer que os dois se descobriram de partida, ele para o campus, de corpo e alma, porque aquela era mesmo sua vida, sua escolha, desde antes dela e, com um pouco de sorte, também depois dela – embora no momento ele não soubesse, não tivesse a menor ideia de como faria para sobreviver àquela ausência. E ela enfim para a dança, habeas corpus, habeas anima. Ele, que não acreditava em deuses, acabou maldizendo os desígnios que deram a ela uma bolsa, no ano seguinte, para um estágio fora do país.

 Encontraram-se uma vez, na Europa, mas aquela não valeu: ela estava embriagada demais com a liberdade e ele embriagado demais com a alegria de revê-la.

 Agora, anos depois, um novo reencontro: ele gostou de achá-la, ainda, bela. Gostou de gostar de vê-la, embora a dor.

 – Você ficou bem famoso – ela brincou, recurso que sempre usava para driblar o embaraço. – Ouvi falar, por aí. 

 – E você?

 – Como? Você não ouviu falar de mim?

 Ele ficou sério, um segundo antes do riso. Ela riu, também, e tudo foi como antes, por um instante.

 – Você está dançando?

 – Às vezes. 

 – O que houve?

 – O de sempre. Não sou articulada, não me relaciono com as pessoas “certas”, não me enquadro muito nas coisas. – E imitou o tom de voz que ele usava, quando queria ser categórico: – Se é que você me entende, e eu acho que não.

 Ele riu, de novo, agora sem muita vontade. Ela continuou:

 – Mas eu tinha que ver, não é? Eu precisava ir. E fui bem, por uns tempos… E “ir bem”, ainda que por uns tempos, deixa um gosto de “sempre”, quando se trata de Arte.

 – Isso me lembra aquela sua velha máxima: “A Arte acima de tudo.” 

 – Não – ela responde. E ele vê nisso algo de novo. – Não existe acima, nem medida alguma, nesses casos. Só uma sensação de que as coisas têm um sentido.

 – Isso você podia ter…

 – Você podia. Não eu.

 – Então, perdemos uma geógrafa brilhante… para uma bailarina…

 – Apenas razoável?

 – Eu não disse isso.

 – Claro que disse. Mas não faz mal.

 – Escute, ainda dá tempo.

 – Tempo do que, meu amor?

 – Esse “meu amor” me pegou de surpresa.

 – O que prova que você continua o mesmo… Surpreendendo-se com o óbvio e olhando com cara de velho para o que é realmente novo. Agora me leve daqui para um lugar mais decente, onde se possa tomar um bom vinho.

 – Você também não mudou. E isso, não sei por que, me faz bem.

 – Não era o que você dizia.

 – Não era o que você pedia.

 Ele abre a porta do carro, ela sorri:

 – A velhice dando vez à juventude?

 – Não, o cansaço dando lugar a algo que não quero definir agora.

 – E quem disse que é preciso definir?

 – Temes definhar ao definir?

 – Idiota! – Ela ri. – O fim vai chegar, para nós. Para todos nós. Mas não hoje.

 – Você não vai acreditar, mas isso, para mim, já é alguma coisa.

 “Acredito”, ela quis dizer, mas achou que não seria preciso.

Fonte:
Revista Pesquisa, da FAPESP, em fevereiro de 2011.

Adriana Lisboa (Quintais)


 Na casa do meu avô, havia quatro quintais.

 No principal, o portão se abria para a rua, e ali ficava a casa propriamente dita, e por cima do muro baixo a gente via as cabeças das pessoas que passavam pela rua, sempre tão devagar. Às vezes vinha dar na varanda o cheiro do rio, um cheiro de pano e de barro. Na garagem descoberta, sobre os cascalhos, dormia a Variant marrom do meu avô.

 À esquerda, separado por um muro com uma passagem, ficava o universo dos abacateiros e o quartinho que o meu avô chamava de Petit Trianon. Nós apanhávamos abacates para fazer boizinhos com palitos de fósforo. O Petit Trianon eu não me lembro para que servia, ficava quase sempre fechado. Mas eu tinha pesadelos com ele.

 À esquerda, separado por outro muro com outra passagem, ficava um universo híbrido em que cabiam orquídeas numa estufa, galinhas, goiabeiras e um pé de romã quase esquecido, lá no fundo, longe de tudo. Era o quintal mais colorido. Uma vez minha irmã caiu de uma goiabeira, a barriga enterrou numa torneira e ela foi parar no hospital.

 À direita do quintal principal, ficava o último, e quase proibido. Havia o muro, mas na passagem tinha um portãozinho baixo de madeira, que às vezes a gente pulava por prazer. Lá só havia mato. Árvores altas, sombras, coisas indizíveis se arrastando junto às raízes, barulhos de insetos que nunca existiram de se ver. Lá fazia calor e férias, invariavelmente, mas também podia cair chuva, e a chuva ficava guardada para os nossos pés no tapete de folhas velhas, de frutos podres, de vermes lentos e moles.

 Os quatro quintais da casa do meu avô arrumaram-se numa bússola, e quando eu pisei pela primeira vez numa caravela fervilhando de adultos, vinha com ela no bolso. Se não como guia, ao menos como amuleto.

Fonte:
Luiz Ruffato (organização). 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, RJ: Editora Record, 2004.