sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 699)



Uma Trova de Ademar  

Quase toda madrugada, 
Já vendo raiar o dia, 
faço um verso à minha amada 
num orvalhar de poesia... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Nos limites da loucura, 
trapaceira da razão, 
minha saudade procura 
teu vulto na multidão. 
–Divenei Boseli/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Embora sejam, bisonhos, 
e esperanças me leguem, 
eu não persigo meus sonhos; 
são eles que me perseguem... 
–Pedro Grilo/RN– 

Uma Trova Premiada  

2006   -   CTS/Caicó/RN 
Tema   -   PONTE   -   1º Lugar. 

Aquela ponte que unia 
nossas vilas ribeirinhas, 
une, ainda, por magia, 
tuas saudades e as minhas. 
–Gislaine Canales/SC– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Na madrugada indormida, 
juntei ternura aos pedaços, 
cada remendo de vida 
tinha linha de teus traços.. 
–Graziela Lydia Monteiro/MG– 

Uma  Poesia  

Quando eu tinha a idade molequeira 
pesquei muita piaba num açude; 
joguei finca, pião, bola de gude; 
soltei pipas, cacei de baladeira; 
enterrei muita faca em bananeira. 
Meus brinquedos não tinham nem patente, 
mas com eles brincava alegremente. 
Já que o tempo tornou isso lembrança, 
“Eu queria de novo ser criança 
pra brincar de criança novamente”. 
–Tarcísio Fernandes/RN– 

Soneto do Dia  

S O N E T E A N D O. 
–J. B. Xavier/SP– 

Ele começa no verso primeiro, 
passa ao segundo, de poesia farto, 
e adentra afoito já pelo terceiro, 
enquanto escrevo mais um verso – o quarto! 

E passo ao quinto, verso alvissareiro, 
depois ao sexto bem ligeiro eu parto, 
e neste sétimo me atiro inteiro 
já que este oitavo contigo reparto. 
São só catorze, e já vou indo ao nono! 

No verso dez não quero mais parar, 
pois este onze vai tirar meu sono; 

Mas vou ao doze, falta só um terceto... 
Este não digo, pois dá muito azar. 
Décimo quarto: fim deste soneto!

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Antonio Carlos de Faria (O Marceneiro e o Super-homem)


O Freitas devia ter desconfiado quando o marceneiro respondeu sua pergunta recorrendo a um ser imaginário, usando uma figura de linguagem.

- Como diria o The Flash, nós dois somos primos.

A única coisa que interessava ao Freitas era saber se o marceneiro poderia cumprir o prazo de 30 dias para a entrega do armário. No lugar de uma resposta direta, o contratado preferiu alegar parentescos célebres.

No dia marcado para a entrega, o marceneiro telefonou e pediu mais uma semana de prazo, enumerando uma série de contratempos. O Freitas ficou enfurecido, pois aquilo iria atrasar seu cronograma para a reforma do apartamento.

- O senhor não disse que era primo do The Flash?

- Não, o senhor entendeu mal. Disse que ambos somos primos, no sentido matemático. Divisíveis por nós mesmos e pelo número um, compreende?

A gracinha era descabida, reagiu o Freitas, que despejou algumas amabilidades, com a intenção de dividir ao meio aquele cara-de-pau. Mas no final da discussão, combinaram uma extensão do prazo para mais uma semana.

No dia marcado, o sujeito não apareceu e, novamente por telefone, explicou que precisava de mais três dias. O Freitas destratou o tratante com mais vigor. Mas ambos sabiam que estavam mutuamente presos. Para sossego do marceneiro, não havia mais tempo para substituí-lo sem atrasar o prazo final da obra.

Anteontem, o marceneiro apareceu, mas só trouxe metade do que haviam combinado. O resto, só na segunda-feira. Disposto a acabar de uma vez com aquele sofrimento, o Freitas esbravejou que iria chamar outra pessoa, que não se importava mais se a reforma fosse atrasar. O outro sujeito pediu licença para falar.

- O maior mal é necessário para o maior bem do homem.

Aquelas palavras deixaram o Freitas congelado. Estarrecido, constatou que tinha diante de si um marceneiro seguidor das idéias de Nietzsche. Calado, imaginava as conseqüências daquela descoberta. Foi o outro quem o despertou do torpor.

- Que tal se combinarmos para eu voltar na segunda-feira? Aí, sem falta, eu trago tudo e termino o serviço.

O Freitas reagiu com alguns palavrões, que mesmo enfáticos mostravam-se inofensivos naquela situação. O marceneiro voltou a falar.

- É melhor eu ir embora e só voltar na segunda-feira. Afinal nós não queremos que seja assim o nosso eterno retorno, não é?

O Freitas resolveu contra-atacar.

- O senhor disse que era primo do The Flash, não do super-homem nietzschiano.

- De certa forma, todos somos primos do super-homem.

O marceneiro tinha recursos para manter um bate-boca de longo curso, mas não era isso o que interessava ao Freitas. Ele só precisava de um armário.

- Não se preocupe, concluiu o marceneiro. Vou terminar o serviço na segunda-feira. Quanto ao resto, lembre-se que é virtuoso ter somente inimigos dignos de ódio e não de desprezo. Disso o senhor pode se orgulhar.

Fonte:
Folha On Line. 13 de setembro de 2004.

Jean Lorrain (Os Buracos da Máscara)


De Jean Lorrain (1855-1906), escritor maldito da Paris fim-de-século (homossexual e bebedor de éter — nos tempos em que a ostentação desses costumes era bem mais escandalosa do que hoje), este conto sobre as máscaras e sobre o nada tem uma força incomum de pesadelo, sobretudo porque o narrador consegue contemplar a desaparição de si mesmo.
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“Você quer ver", meu amigo De Jakels me dissera, "está bem, arranje uma fantasia de dominó e uma máscara, um dominó bem elegante de cetim preto, calce uns escarpins e, desta vez, meias de seda preta, e espere-me em casa na terça-feira. Irei pegá-lo por volta das dez e meia."

Na terça-feira seguinte, envolto nas pregas farfalhantes de uma longa cama-lha, com a máscara de veludo e barba de cetim presa atrás das orelhas, esperei meu amigo De Jakels na minha garçonnière da rua Taitbout, enquanto esquentava nas brasas da lareira meus pés arrepiados pelo contato irritante da seda; lá de fora, chegavam-me do bulevar, confusamente, o som das cometas e os gritos desesperados de uma noite de Carnaval.

Pensando bem, era um tanto estranha e até inquietante, a longo prazo aquela festa solitária de um homem mascarado afundado numa poltrona, no claro-escuro de um térreo atulhado de bibelôs, ensurdecido por tapeçarias, e com espelhos pendurados nas paredes, refletindo a chama alta de uma lamparina de querosene e o bruxulear de duas velas compridas muito brancas, esbeltas, como que funerárias; e De Jakels não chegava. Os gritos dos mascarados espocando ao longe agravavam mais ainda a hostilidade do silêncio, as duas velas queimavam tão retas que acabei tomado por um nervosismo e, de súbito apavorado com aquelas três luzes, levantei-me para ir soprar uma delas.

Nesse momento um dos cortinados da porta se abriu e De Jakels entrou.

De Jakels? Eu não tinha ouvido tocar a campainha nem alguém abrir. Como ele se introduzira no meu apartamento? Desde então pensei muito nisso; mas finalmente De Jakels ali estava, na minha frente. De Jakels? Bem, uma longa fantasia de dominó, uma grande forma escura, velada e mascarada como eu:

"Está pronto?", interrogou sua voz, que não reconheci. "Meu carro está aí, vamos embora."

Eu não tinha ouvido seu carro chegando nem parando defronte das minhas janelas.

Em que pesadelo, em que sombra e em que mistério eu começara a descer?

"É o capuz que está tapando os seus ouvidos, você não está acostumado com a máscara", pensava em voz alta De Jakels, que havia penetrado no meu silêncio: ou seja, naquela noite ele tinha o dom da adivinhação. E, levantando meu dominó, verificava a delicadeza de minhas meias de seda e de meus finos sapatos.

Esse gesto me serenou, era mesmo De Jakels e não outra pessoa que, de dentro daquele dominó, falava comigo; um outro não estaria sabendo da recomendação que De Jakels me fizera uma semana antes.

"Pois bem, vamos embora", a voz ordenava, e, num farfalhar de seda e de cetim sendo amassado, nos embrenhamos no corredor até a porta-cocheira, bastante parecidos, tive a impressão, com dois enormes morcegos, pelo esvoaçar de nossas camalhas subitamente levantadas acima de nossos dominós.

De onde vinha aquele vento forte? Aquele sopro do desconhecido? O clima naquela noite de terça-feira de Carnaval estava ao mesmo tempo tão úmido e tão ameno!

II.

Por onde andávamos agora, encolhidos no escuro daquele fiacre extraordinariamente silencioso, cujas rodas não faziam mais barulho do que os cascos do cavalo pelas ruas calçadas de madeira e pelo macadame das avenidas desertas?

Aonde íamos ao longo daqueles cais e daquelas margens desconhecidas mal iluminadas aqui e ali pela lanterna embaçada de um velho poste? Já havia muito tempo que tínhamos perdido de vista a fantástica silhueta da Notre-Dame delineando-se do outro lado do rio contra um céu de chumbo. Quai Saint-Michel, Quai de la Tournelle, e até mesmo Quai de Bercy, estávamos longe da avenida de l'Opéra, das ruas Drouot, Le Peletier e do centro. Não íamos nem sequer ao Bullier, onde os vícios vergonhosos costumam fazer suas assembléias, e, escapando de trás das máscaras, turbilhonam quase demoníacos e cinicamente às claras nas noites de Terça-Feira Gorda. E meu companheiro mantinha-se calado.

À beira daquele Sena taciturno e pálido, sob o arco de pontes cada vez mais raras, ao longo daqueles cais com grandes árvores mirradas de galhos afastados como os dedos da morte, invadia-me um medo insensato, um medo agravado pelo silêncio inexplicável de De Jakels; cheguei a duvidar de sua presença e a acreditar que estava ao lado de um desconhecido. A mão de meu amigo havia segurado a minha, e, ainda que mole e sem força, agarrava-a num tornilho que esmigalhava meus dedos... Essa mão de força e vontade imobilizava minhas palavras na garganta e sob seu aperto eu sentia se derreter e dissolver qualquer veleidade de revolta; agora rodávamos fora das fortificações, por estradas largas margeadas de cercas e de lúgubres vitrines de vendedores de vinho, biroscas havia muito tempo fechadas, nos arredores da cidade; andávamos à luz da lua que, finalmente, acabava de morder um bando de nuvens e parecia espalhar na ambígua paisagem de subúrbio uma camada crepitante de mercúrio e de sal; nesse momento tive a impressão de que as rodas do fiacre, deixando de ser fantasmas, gritavam entre as pedras do calçamento e o cascalho do caminho.

"É aqui", murmurou a voz de meu companheiro, "chegamos, podemos descer." 

E quando balbuciei um tímido: "Onde estamos?" 

"Barreira d'Italie, fora das fortificações, pegamos o caminho mais longo, mas o mais seguro, amanhã voltaremos por outro." 

Os cavalos pararam e De Jakels me largou para abrir a portinhola e me dar a mão.

III.

Uma ampla sala muito alta, de paredes caiadas, e nas janelas postigos internos hermeticamente fechados; em todo o comprimento da sala, mesas com copinhos de estanho presos por correntes, e, no fundo, três degraus acima, o balcão de zinco abarrotado de licores e garrafas com os rótulos coloridos dos lendários comerciantes de vinho; ali em cima o gás assobiando alto e claro. Em suma, a sala banal, se não mais espaçosa e mais limpa, de uma taverna das barreiras, cujos negócios iriam bem.

“Acima de tudo, nem uma palavra com quem quer que seja, não fale com ninguém e responda menos ainda; eles veriam que você não é dos deles e poderíamos passar por um mau momento. A mim, eles conhecem." E De Jakels me empurrou para a sala.

Algumas pessoas com máscaras ali bebiam, espalhadas. Quando entramos, o dono do estabelecimento se levantou e, pesadamente, arrastando os pés, veio até a nossa frente como para impedir nossa passagem. Sem uma palavra, De Jakels levantou a barra de nossos dois dominós e lhe mostrou nossos pés calçando finos escarpins!

Com certeza era o "abre-te sésamo" daquele estranho estabelecimento; o patrão voltou pesadamente para o seu balcão e percebi, coisa estranha, que também usava máscara, mas uma feita de papelão grosseiro burlescamente iluminada, imitando um rosto humano.

Os dois garçons, dois colossos peludos com as mangas de camisa arregaçadas até seus bíceps de boxeadores, circulavam calados, eles também invisíveis, com a mesma máscara horrorosa.

Os raros fantasiados, que bebiam sentados em volta das mesas, estavam com máscaras de cetim e veludo, com exceção de um enorme couraceiro fardado, espécie de brutamontes de maxilar pesado e bigode fulvo, sentado à mesa perto de dois elegantes dominós de seda malva, e que bebia de rosto descoberto, com os olhos azuis já vagos; nenhuma criatura que ali se encontrava tinha um rosto humano.

Num canto, dois grandalhões com blusas e bonés de veludo, máscaras de cetim preto, intrigavam por sua elegância suspeita; pois suas blusas eram de seda azul-clara e, de suas calças novas em folha, escapuliam dedos finos de mulher, envoltos em seda e dentro de escarpins. E, como que hipnotizado, eu ainda estaria contemplando aquele espetáculo se De Jakels não tivesse me arrastado para o fundo da sala, para uma porta envidraçada fechada por uma cortina vermelha. "Entrada do baile" estava escrito no alto dessa porta, em letras rebuscadas de um aprendiz de pintura; aliás, um vigia municipal montava guarda ali do lado. Era, quando nada, uma garantia, mas, ao passar, esbarrei na mão dele e percebi que era de cera, de cera assim como seu rosto rosa eriçado por bigodes postiços, e tive a horrível certeza de que a única criatura cuja presença iria me sossegar naquele local de mistério era um simples manequim.

IV.

Quantas horas fazia que eu perambulava sozinho no meio das máscaras silenciosas, naquele galpão abobadado como uma igreja? E era de fato uma igreja, uma igreja abandonada e secularizada, aquela vasta sala de janelas ogivais, a maioria delas muradas até o meio, entre suas colunas de arabescos pincelados com um reboco espesso amarelado, no qual se afundavam as flores esculpidas dos capitéis.

Estranho baile, onde não se dançava e onde não havia orquestra. De Jakels tinha desaparecido, eu estava sozinho, abandonado no meio daquela turba desconhecida.

Um lustre velho de ferro batido flamejava forte no alto, pendurado na abóbada, iluminando as lajes empoeiradas, algumas das quais, cheias de inscrições, talvez cobrissem túmulos. Ao fundo, no lugar onde certamente devia ter reinado o altar, havia, penduradas a meia altura na parede, manjedouras e grades, e nos cantos, pilhas de arneses e cabrestos esquecidos; o salão de baile era uma estrebaria.

Aqui e ali grandes espelhos de barbearias emoldurados de papel dourado refletiam um no outro o silencioso passeio das máscaras, bem, quer dizer, já não refletiam, pois agora todos estavam sentados, enfileirados e imóveis dos dois lados da igreja, enterrados até os ombros nas velhas estalas do coro.

Ali ficavam, mudos, sem um gesto, como que recolhidos no mistério debaixo de cogulas compridas de lã prateada, um prateado fosco sem reflexos; pois não havia mais dominós, nem blusas de seda azul, nem Arlequins nem Colombinas, nem fantasias grotescas. Mas todas aquelas máscaras eram parecidas, envoltas no mesmo traje de um verde-desbotado tirante ao amarelo-enxofre, com grandes mangas pretas, e todos encapuzados de verde-escuro, e no capuz de suas cogulas prateadas, os dois buracos para os olhos.

Davam a impressão de faces de leprosos, cor de giz, e suas mãos enluvadas de preto erguiam uma longa haste de lírios pretos com folhas verde-claras, e seus capuzes, como o de Dante, eram coroados de flores-de-lis pretas.

E todas aquelas cogulas se calavam numa imobilidade de fantasmas, e, acima de suas coroas fúnebres, a ogiva das janelas recortando-se claramente contra o céu branco do luar cobria-os como uma mitra de bispo.

Eu sentia minha razão soçobrar no pavor; o sobrenatural me embrulhava! A rigidez, o silêncio de todos aqueles seres mascarados. O que eram? Um minuto de incerteza a mais, seria a loucura! Eu já não agüentava, e, com a mão crispada de angústia, adiantei-me para uma das máscaras e levantei abruptamente sua cogula.

Horror! Não havia nada, nada. Meus olhos apavorados só encontraram o oco do capuz; a túnica e a camalha estavam vazias. Aquele ser que outrora viveu não era mais que sombra e nada.

Alucinado de terror, arranquei a túnica do mascarado que se sentava na estala vizinha, o capuz de veludo verde estava vazio, vazio o capuz das outras máscaras sentadas ao longo das paredes. Todos tinham faces de sombra, todos eram nada.

E o gás queimava mais forte, quase assobiando na sala alta; pelas vidraças quebradas das ogivas o luar cegava; então me invadiu um horror no meio de todos aqueles seres vazios, de aparências vãs, diante de todas aquelas máscaras vazias uma dúvida atroz confrangeu meu coração.

E se eu também fosse parecido com eles, se também tivesse deixado de existir, e se sob a minha máscara não houvesse nada, nada senão o nada! Precipitei-me para um dos espelhos. Uma criatura de sonho ergueu-se diante de mim, encapuzada de verde-escuro, com uma máscara de prata, coroada de flores-de-lis pretas.

E aquela máscara era eu, pois reconheci meu gesto na mão que levantava o capuz e, boquiaberto de pavor, dei um grito imenso, pois não havia nada sob a máscara de tela prateada, nada no oval do capuz, a não ser o buraco de tecido arredondado no espaço vazio. Eu estava morto e eu...

"E você bebeu éter novamente", repreendia em meu ouvido a voz de De Jakels.

"Curiosa idéia para enganar o tédio enquanto me esperava." Eu estava estirado no meio de meu quarto, meu corpo arrastado para o tapete, a cabeça encostada numa poltrona, e De Jakels, de traje a rigor debaixo de uma túnica de monge, dava ordens febris a meu mordomo horrorizado; em cima da lareira as duas velas acesas, chegando ao fim, estalavam nas arandelas e me acordaram... Já era tempo.

Fonte:
CALVINO, Ítalo (organizador). Contos fantásticos do século XIX : o fantástico visionário e o fantástico cotidiano. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 698)



Uma Trova de Ademar 

Por conhecer meu valor, 
mesmo já no envelhecer, 
vou em busca de outro amor... 
Não tenho tempo a perder! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional 

Vendo a descrença ao meu lado 
e a esperança por um triz, 
eu chego a achar que é pecado 
crer na vida e ser feliz! 
–Domitilla B. Beltrame/SP– 

Uma Trova Potiguar 

As minhas vistas já turvas, 
têm remédio afinal, 
quando pousam nessas curvas 
do teu corpo escultural. 
–Ubiratan Queiroz/RN– 

Uma Trova Premiada 

2005   -  ATRN-Natal/RN 
Tema   -  FÉ   -  1º Lugar 

Sem temor, meu barco avança,
seja qual for a maré,
pois no mastro da esperança
iço a bandeira da fé. 
–Wanda de Paula Mourthé/MG– 

...E Suas Trovas Ficaram 

Estudo trovas a fundo, 
mas persiste uma suspeita: 
A trova melhor do mundo 
até hoje não foi feita! 
–Miguel Russowsky/SC– 

U m a    P o e s i a 

A bíblia explica com classe 
a quem lê de vez em quando, 
mesmo na face apanhando 
deve dar a outra face, 
toda pessoa que nasce 
Deus quer que pratique o bem, 
disse o pastor de Belém 
o messias prometido: 
eu mesmo sendo ferido 
não devo ferir ninguém. 
–Nonato Costa/CE– 

Soneto do Dia 

ORGULHO.
–Luiz Otávio/RJ– 

Venho de longe... venho amargurado
pelas noites sem fim, nesse cansaço
de receber tão só, triste e calado,
a incompreensão do mundo passo a passo...

Eu trago a alma sem fé do revoltado
e o gesto do vencido em cada braço...
E tu me surges - Anjo imaculado -
a oferecer repouso em teu regaço...

Porém tua alma feita de inocência
serenidade e Luz, não avalia
a penumbra invulgar dessa existência...

Deixa-me, pois, seguir o meu caminho,
renunciar, viver nessa agonia,
mas tenho o orgulho de sofrer sozinho !...

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 1 de Outubro : Fatis Agimur, Credite Fatis


(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).

Meu caro redator. – Faço idéia do seu desapontamento quando receber esta carta em vez da nossa Revista costumada do domingos; mas tenha paciência, e lembre-se que o acaso é  um menino cheio de caprichos que nos dirige a seu modo, sem ter ao menos a delicadeza de nos consultar de vez em quando.

Fatis agimur, cedite fatis.

Sei que há de ficar maçadíssimo comigo, que me acusará de remisso e negligente, e acumulará sobre a minha cabeça uma série de sinônimos de igual jaez de envergonhar qualquer Cícero provinciano dos mais afamados na oratória.

É já prevenindo esta eventualidade que tomo o prudente alvitre de escrever-lhe, e não ir verbalmente desfiar o longo rosário de desculpas que a minha imaginação, sem que lho recomendasse eu, teve o cuidado de ir preparando apenas pressentiu os primeiros pródromos da preguiça.

O que vale é que a borrasca há de passar. Quanto maior for a zanga, tanto maior graça há de achar depois no logro que lhe preguei involuntariamente, está entendido; a por fim de contas, quando se lembra do seu tempo de folhetinista, estou certo que me há de dar carradas de razões. Previno-o, porém, desde já que não é preciso mandar-me à casa as tais carradas de razões; isto pode importar-lhe uma grande despesa de carretos sem necessidade.

Decidi contar-lhe confidencialmente a minha vida desta semana, para que não lhe reste a menor dúvida sobre a boa-fé com que procedi em todo este negócio, e para assim habilitá-lo a redigir uma daquelas desculpas da rotina, com que ordinariamente os jornais (compreendido o nosso por política) embaçam os leitores, logo pela manhã, e em jejum, ocasião esta em que naturalmente os carapetões são de mais fácil digestão.

Os nossos velhos da era antiga diziam que não havia domingo sem missa, sem segunda-feira sem preguiça. A primeira parte deste provérbio tem sofrido nos últimos tempos alguma modificação, principalmente a respeito dos redatores dos grandes jornais, que substituíram à missa o folhetim. Mas em compensação ninguém ainda se animou a contestar a segunda e última parte do anexim, e pó isso na segunda-feira redatores, folhetinistas, leitores e leitoras, todos desejariam poder saborear as delícias do dolce farniente.

Como isto não é possível a todos, o que se segue é que muitas vezes o corpo parece que trabalha, enquanto a mente, como uma sultana favorita, se embala molemente nas doces recordações do domingo e de toda a semana passada.

O redator estende a folha de papel para escrever o seu artigo de fundo; mas, quando procura pelo pensamento, vai descobri-lo no fundo de algum boudoir elegante, donde não há forças que o possam arrancar. Resulta daí que, depois de algumas horas de esforço baldado, o tal artigo de fundo fica no fundo do tinteiro.

A mocinha com os olhos quebrados e corpinho lânguido toma o seu bordado e começa a trabalhar. Pensa que está fazendo ponto de crochê! Qual! está fazendo namoro a crochê. Os olhos e a boquinha são os ganchos; cada ponto é um olhar provocador; cada malha um jogo vivo de sorrisos à direita e à esquerda. Quando a agulha fere-lhe um dos dedinhos rosados, sou capaz de apostar que lembrou-se de um despeito, ou de um arrufo no baile.

A respeito do folhetinista não falemos. Na segunda-feira tem a cabeça que é um caos de recordações, de faros, de anedotas e observações curiosas. A imaginação toma ares de pintor chinês, e começa a desenhar-lhe flores e arabescos de um colorido magnífico. As idéias dançam uma contradança no Cassino. A memória passeia no meio do salão, de braço dado com a ironia, gracejando e fazendo reflexões a propósito.

Enfim os cinco sentidos põem-se ao fresco, e largam-se a passear cada um para seu lado. O ouvido a Flâner recorda a cabaleta do Trovatore. O paladar e o olfato sentam-se comodamente à mesa da ceia. O olhar erige-se em dagueorreotipeiro e diverte-se em tirar retratos d’après nature. E o tato vai estudar praticamente o magnetismo, para descobrir as causas misteriosas dos estremecimentos que produz a pressão doce e tépida de uma mãozinha delicada.

À vista disto, meu caro redator, já vê que a segunda-feira é um dia inteiramente perdido, e que só vem na folhinha para encher o número dos sete que formam a semana, assim como sucede nas listas tríplices para senador. Acredite que não se faz nada, nem mesmo quando se possui a receita infalível, que eu tenho sobre a mesa, de um libelo ou de uns provarás, cujo efeito poderoso o senhor deve conhecer.

Os antigos tinham razão. E estou certo que, se Josué vivesse no nosso século, havia de adotar o anexim português, e, pedindo licença a Galileu, todos os domingos à meia-noite  faria parar o sol até terça-feira, para assim poder bem saborear o dia consagrado à preguiça, sem temer a claridade importuna que de madrugada, isto é, às desoras, vem bater-nos nas pálpebras, como um credor impertinente que não compreende a verdadeira organização do crédito.

Ora, eu sei que me podem objetar que a Bíblia manda trabalhar seis dias e descansar no sétimo. Mas aquele preceito foi inventado na primeira semana, isto é, quando não se tinha trabalho antes; e por isso podia haver preguiça na segunda-feira. Além de que, como ainda não se sabia ao certo o peso do trabalho da semana, julgou-se, que era bastante um só dia de descanso. Veja o senhor, que é deputado, o inconveniente de fazer leis sem primeiro estudarem-se profundamente as necessidades públicas.

Logo que os homens aprenderam por experiência própria quanto custavam os tais seis dias de trabalho, assentaram que era preciso pelo menos dois ou três dias de descanso. Daí veio que os antigos, pensando sobre a gravidade do caso, inventaram os dias santos para iludirem o preceito da Bíblia; e modernamente se instituiu nas semanas em que não há dias santos, o feriado da quinta-feira para estudantes e lentes, porém especialmente para estes. 

Enfim o nosso amável redator sabe que a própria astronomia confirma a convicção profunda em que estou de que pelas leis divinas e humanas a segunda-feira deve ser completamente consagrada à preguiça. A segunda-feira é o dia da lua, e ninguém ignora a influência poderosa que exerce esta senhora sobre os pobres mortais, a quem ela persegue como uma velha cheia de flatos e medeixes. Ora, não podendo o corpo assim indisposto entregar-se ao trabalho, é evidente que as próprias leis físicas, que  regulam a harmonia e o equilíbrio do mundo, destinaram a segunda-feira para a calaçaria.

Parece-me que tenho provado o ponto controvertido, com argumentos dignos de figurar em uma conclusão magna. Está a segunda-feira, portanto, fora de toda a questão; e por isso, tranqüilo na minha consciência, não tenho o menor escrúpulo em confessar-lhe que naquele dia não trabalhei.

Passei o dia, como faço-lhe a justiça de acreditar que passou o seu, sem dar atenção às misérias deste mundo; e tratando de realizar aquele dito de Marcial, que apesar de poeta (com perdão de V.S.) disse um dia uma coisa boa, talvez mesmo por não se muito forte na poesia: Vivere bis, vita posse priore fruire

Acho escusado dizer-lhe que, apesar de ser o dia inteiramente contemplativo, não me descuidei da carne, e tive o cuidado de almoçar, jantar e cear. À noite fui ao Teatro Lírico ouvir ainda uma vez o Trovatore e ver Leonora morrer depois de nos ter dado algumas horas de vida deliciosa.

Desejava trazer alguma idéia boa para o nosso folhetim. Mas o senhor sabe o que é uma idéia; é a coisa mais bandoleira e mais volúvel que eu conheço. As idéias são as borboletas do espírito; são, como diz um provérbio oriental a respeito das mulheres, a sombra do nosso corpo que nos acompanha sempre, e que nos foge apenas as queremos apanhar.

Esperei por conseguinte pela terça-feira, em que verdadeiramente devia começar o trabalho da semana, segundo os princípios que já tive a honra de lhe expender. Entretanto, servindo-me eu daqueles mesmos princípios com que provei que os antigos tinham toda a razão de destinar a segunda-feira para o santo ócio, sucedeu que tive na terça-feira ao acordar uma lembrança luminosa, cujo peso deixo ao seu alto critério.

Se os antigos, que não tinham baile, nem teatros líricos, nem concertos, nem clubes, nem corridas, e que se contentavam com algum sarau de vez em quando, inventaram os dias santos para filarem assim dois dias de descanso, nós, que temos durante a semana todo esse enorme acréscimo de trabalho imposto pela sociedade, nós que já fomos privados dos dias santos, devemos em todo o rigor da justiça lograr mais um dia de descanso, e juntar a terça-feira à segunda, a fim de poder na quinta encerrar o trabalho, com o espírito calmo e o corpo bem disposto.

Este argumento sem réplica calou-me no ânimo a convicção inabalável de que seria anti-racional e anti-filosófico trabalhar na terça-feira, principalmente estando todo preocupado com o baile do Cassino, que devia ter lugar à noite.

Por conseguinte, levei o dia literalmente a esperar pela noite, e a ler as notícias da Europa, chegadas pelo Maria 2.ª.

Tive um alegrão quando vi aquele carapetão da tomada de Sebastopol, inventado pelos passageiros do Candiá, que podem ser taxados de mentirosos, mas que pelo menos mostraram ser mais hábeis em estratégia e tática militar do que os generais franceses e ingleses, pois tomaram uma praça forte sem armas e sem soldados, somente com o auxílio da língua e de algum jeito para a petalogia.

Com este fato tinha eu base para um artigo brilhante sobre o futuro da guerra do Oriente; mas o meu contentamento foi passageiro, porque no dia seguinte li o desmentido do Jornal do Comércio, que nem sequer deixou à pobre notícia o tempo de correr.

A noite que eu esperava ansiosamente, chegou.Às 9 horas entrei no Cassino, onde tive o sumo prazer de encontra-lo, o que unicamente (espero terá a bondade de o acreditar) fez-me  passar algumas horas bem agradáveis.

Se a falta do nosso folhetim de amanhã, a qual deploro igualmente com o senhor, não o traz ainda atordoado a esta hora, deve lembrar o baile magnífico pela elegância das senhoras, e pela sociedade que aí se reuniu.

Havia naturalmente de notar, com o seu conhecido bom gosto, a justeza de uma observação que fez Arséne Houssae, provavelmente ao meio de algum baile como aquele: - Il y a des femmes qui sont roses, il y a des femmes qui sont épines, il y a des femmes qui sont des sourires, il y a des femmes qui sont des grimaces.

A este pensamento eu acrescentaria que há mulheres que são verdadeiras rosas, e que por isso têm para aqueles que se chegam um perfume e um espinho ao mesmo tempo.

Também havia de ver, como eu, surgir naquela noite uma estrela suave a deslizar docemente num céu de azul. Era uma verdadeira estrela, bela como suas irmãs, brilhando no céu; porque o céu é a pátria da candura e  da inocência.

Se não teve a felicidade de ver esta serena aparição no baile, tome o meu conselho. Vá a casa do Reis, na rua do Hospício n.º 72. É a melhor loja de instrumentos de óptica e de física que  há nesta cidade: aí encontrará um sortimento magnífico de binóculos, de telescópios e lunetas.

Escolha a melhor jumelle eliptique que ele  tiver, vá esta noite beneficiar os italianos ouvindo música italiana, e lá examine o céu do Teatro Lírico, que talvez tenha ocasião de ver a estrela de que lhe falei. Não fite muito o óculo; uma estrela é tudo o  que há mais puro e de mais casto neste mundo.

Voltando ao baile, creio que não estranhará se durante toda aquela noite nem sequer me lembrasse do folhetim. A uma hora despedi-me como os outros até a noite seguinte, na qual nos devíamos encontrar no baile militar, ou nos salões de um estrangeiro distinto, que recebia em sua casa a sociedade elegante desta corte.

Enfim veio a quarta-feira, o dia em que sensatamente se deve dar princípio ao trabalho. Não comece já a pensar que vou apelar para algum sofisma, a fim de inutilizar também este dia. Não: a quarta-feira é um dia muito útil, o mais útil talvez da semana

A quarta-feira é destinada para se dispor o homem a começar os seus afazeres. Depois de três dias de descanso, é impossível que se tenha disposições para encetar de chofre o trabalho. Seria mesmo anti-higiênico passar repentinamente do repouso ao movimento.

Motus est causa caloris. Consulte um bom médico, e verá que ele lhe diz que isto importa tanto como as transições rápidas do  frio para o calor e vice-versa, e que por conseguinte pode originar graves moléstias.

Não sei que sábio antigo disse que  a natureza não vai aos saltos: Natura non facit saltus. Todas as línguas vivas e mortas que eu conheço têm um rifão que, despida a forma, contém aquele mesmo pensamento.

Ora, logo que a sabedoria, a higiene e a experiência popular consagram um princípio inconcusso, não é possível deixar de aderir principalmente quando há uma atração irresistível para ele. Foi o que  me sucedeu, levei toda a quarta-feira a fazer tenções e cálculos de trabalho para o dia seguinte. A fim de melhor dispor o espírito, não deixei de ir à reunião de que lhe falei, e tive ocasião de apreciar a amabilidade dos hóspedes e a graça das lindas convivas.

Na quinta-feira, resolvi logo pela manhã por-me de ponto em branco, isto é, todo de preto, para ir ao convento de Santo Antônio, assistir a um ofício fúnebre que os estudantes de medicina fizeram celebrar pela alma de seu colega José Cândido de Almeida.

Embora já habituado a estas cenas de luto e de tristeza, a memória deste causa-me dolorosa impressão. Não me posso lembrar com indiferença daquele moço, cheio de vida e de talento, colhendo o germe da morte justamente quando, levado pelo amor do estudo, investigava com o escalpelo na mão os segredos da ciência.

O que consola o espírito quando me recordo deste fato é a efusão e a espontaneidade de sentimentos com que seus colegas demonstraram a mágoa que lhes deixou aquela morte prematura. Os estudantes de medicina deram nesta ocasião um exemplo, bem raro hoje, de espírito de classe; e nas demonstrações de sua dor substituíram quase para seu colega, morto longe do seio materno, as lágrimas sublimes de mãe.

A hora, que correu mais rapidamente do que eu pensava, obstou a realização do meu intento. Entretanto fiquei sempre debaixo daquela impressão, o que contudo não me afastava da idéia de começar decididamente o trabalho na quinta.

No correr do dia, refletindo melhor, assentei em duas coisas. Primeiro, que num clima tão doentio como é o do Rio de Janeiro todo mundo tem o direito incontestável de declarar-se doente pelo menos um dia por semana, ainda que não seja senão para poupar a saúde e não gasta-la toda de uma vez. Segundo, que todo o homem que cumpre exatamente os seus deveres durante todo o ano pode lá uma semana fazer um extra e destinar o dia para ir passar no campo e não fazer absolutamente nada, senão distrair-se.

E agora, meu caro redator, confesse francamente, não acha que é um impossível físico e moral fazer uma semana inteira com um dia somente, quando para isto é necessário em toda a folhinha sete dias e sete noites?

Como estou certo que não me responderá negativamente a esta pergunta, desde já me tenho por plenamente justificado para com a redação do jornal; lá quanto aos leitores, isto é coisa que lhe diz respeito, e na qual eu lavo as mãos.

Entretanto é pena que isto sucedesse, porque havia bastante que dizer-se sobre esta semana. Além dos divertimentos que lhe falei, do baile do Campestre, da chegada de um literato cego que nos veio pedir hospitalidade acompanhado de sua Antígone, houve um fato que interessa muito a população desta cidade.

O desembargador Figueira de Melo foi nomeado Chefe de Polícia desta corte, e deve tomar posse hoje, dia de São Jerônimo, seu patrão.

Não acha que esta coincidência é um presságio feliz para esta nomeação, e que o novo chefe de polícia continuará as tradições deixadas pelo Sr. Siqueira que durante a sua curta administração adquiriu títulos ao reconhecimento público? Eu inclino-me a crer que sim, e não estou longe de supor que nisso vamos de acordo. 

A empresa lírica começa a ser administrada pela nova diretoria, e também há razões de esperar das pessoas que a compõem, se não todos, ao menos alguns dos melhoramentos que exige o nosso Teatro para poder elevar-se ao estado que comporta a civilização e os recursos desta corte.

Veja que pena! Com tanta notícia importante, não temos artigo  hebdomadário! Mas console-se; a semana que vem não se anuncia menos brilhante. Teremos um baile esplêndido na Fileuterpe, e no Teatro de São Pedro um concerto vocal e instrumental, de música alemã e clássica, o que deve ser uma novidade artística digna de atrair todo aquele que se prezar de bom gosto. A  orquestra será regida por um jovem professor nacional, o Sr. Stockemeyer, que já tem dado provas do seu talento.

Não se amofine por conseguinte, e creia na minha boa vontade.

Seu, etc.
S.C. 30 setembro.   
Al.

P. S. Agora, quase ao fechar esta, lembrei-me de um expediente aproveitável em tão críticas circunstâncias. A liberdade do folhetinista é ilimitada, a carta longa: portanto escreva-lhe em cima o nosso título – Ao correr da pena – e mande para a composição. Não deixe transpirar coisa alguma; e amanhã o leitor com toda a sua finura pensará que isto foi uma idéia original que tivemos. Há de ver, que, no fim de contas, o negócio arranja-se às mil maravilhas.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 697)



Uma Trova de Ademar  

No momento em que eu nascia 
Deus colocou no meu ser, 
um mundo de fantasia, 
de poesia e de prazer... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Quantas bênçãos recebidas
quando se caminha aos pares:
um ideal, duas vidas
dois corações similares.
–Eliana Jimenez/SC– 

Uma Trova Potiguar  

A soledade é suspeita,
de sucumbir nossas mágoas,
em sintonia perfeita,
com as profundezas das águas. 
–Wellington Freitas/RN– 

Uma Trova Premiada  

2007   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   MENSAGEM   -   M/H 

À mensagem não me rendo... 
Não abro... não quero ler... 
Para não ficar sabendo 
o que eu finjo não saber. 
–Therezinha Brisolla/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Saudade - dor repartida
entre o que fica e o que vai.
Uma esperança perdida
num sonho azul que se esvai.
–Anis Murad/RJ– 

U m a P o e s i a  

Acordei cedo demais 
olhando pra o oriente, 
marchava a lua na frente 
e a estrela d’alva atrás; 
na copa dos vegetais 
soprava a brisa macia, 
o nevoeiro surgia, 
e o vento atrás empurrando, 
e a lua vinha beijando 
a linda barra do dia! 
–Olívio do Livramento/PB– 

Soneto do Dia  

PAUDARCO.
–Caio Cid/BA– 

Paudarco gigantesco! Pelos traços 
lembra um deus milenar, rude e iracundo, 
que detivesse, de repente, os passos 
e ali ficasse contemplando o mundo. 

Preso pela raiz ao chão profundo, 
a fronde a farfalhar pelos espaços, 
bebe a seiva nutriz no solo imundo, 
mas para o céu é que levanta os braços. 

Prometeu vegetal brame se estorce 
e, por mais que proteste e que se esforce, 
não se libera da imobilidade. 

Acorrentado ao pedestal da serra, 
embalde é o sonho de fugir à terra, 
o anseio de galgar a imensidade.

domingo, 14 de outubro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 696)



Uma Trova de Ademar  

Política, era a vizinha. 
Ela trocou por Brasília 
todos empregos que tinha... 
Menos o bolsa família. 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Sogra nem sempre é tropeço, 
e nem sempre o genro pena. 
-Basta que desde o começo 
ele faça o que ela ordena... 
–A. A. de Assis/PR– 

Uma Trova Potiguar  

Não sei se é desdita minha. 
na sorte não me destaco. 
É Deus me dando a farinha 
e o diabo rasgando o saco... 
–Zé de Souza/RN– 

Uma Trova Premiada  

1987   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   “TEMA LIVRE”   -   2º Lugar 

Olhando a sogra de pé,
com o rosto sujo de tinta,
viu que o "diabo” ainda é
mais feio quando se pinta!... 
–Edmar Japiassú Maia/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Ou casamento ou cadeia!... 
E o pau-d’água, sedutor, 
ao ver aquela baleia 
gritou: – cadeia, doutor! 
–José Maria M. Araújo/RJ– 

Uma  Poesia  

Além de estar quebrado e já velhote, 
um fazendeiro em franca decadência, 
deu um golpe da maior inteligência, 
alardeando que a filha tinha um dote. 
De pronto um novo rico cai no trote 
acerta o casamento e marca a data. 
Casa e após uma festa rica e chata, 
recebe o dote o qual tanto ele espera... 
E você sabe esse tal “Dote” o que era? 
Um sardento cachorro vira-lata. 
–Francisco Macedo/RN– 

Soneto do Dia  

MINHA NORA VIDENTE. 
–Marcos Satoru Kawanami/SP– 

Achei, de minha parte, coisa boa 
os zelos e cuidados que agora 
ao meu filho dispensa minha nora, 
a qual varre, cozinha, e ensaboa. 

Pois, antes, nem sequer mesquinha broa 
degustava meu filho ao vir da aurora, 
moído a sustentar a tal senhora 
que ao banho não se dava, tão à toa... 

Hoje em dia, meu filho passa bem: 
a mulher tomou viço e se perfuma 
cuida do lar com ânimo também! 

Mas a transformação se deu, em suma, 
depois que um anjo lá chegou, de trem, 
por benzer as mulheres, uma a uma!