segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 718)



Uma Trova de Ademar  

Para contar sua história, 
a pobre cigana cria 
uma verdade ilusória 
que ela mesma fantasia! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Se hoje não tens um dos pés, 
não lhe faz falta, porque, 
pelo poeta que és, 
o céu já mora em você! 
–A. A. de Assis/PR– 

Uma Trova Potiguar  

Cristo fez legado forte 
com sua paixão sofrida, 
pois da sentença de morte 
nos deu certeza de vida. 
–Hélio Pedro/RN– 

Uma Trova Premiada  

2001   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   DETALHE   -   4º Lugar 

Toda paixão se assemelha
à palha, por um detalhe:
basta uma simples centelha,
para que a chama se espalhe...
–Sérgio Ferreira da Silva/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Quando a chuva molha o agreste 
outro pranto molha o chão. 
- É muito cabra-da-peste 
chorando de gratidão!... 
–Waldir Neves/RJ– 

U m a P o e s i a  

Pra melhorar este mundo 
eu dou duro na poesia... 
Planto as sementes do verso 
no chão da sabedoria, 
e, na colheita da mente, 
dou ao mundo de presente 
um verso meu todo dia! 
–Ademar Macedo/RN– 

Soneto do Dia  

NINGUÉM... 
–Darly O. Barros/SP– 

“Ninguém! nenhuma só visita veio!” 
soluça uma roseira inconformada 
e esse refrão repete em seu gorjeio, 
nas ramas do arvoredo, a passarada... 

Unem-se ao coro as flores do passeio, 
a verde relva, a brisa perfumada 
e um céu cinzento, enquanto, bem no meio, 
do viço exuberante da esplanada, 

quando Finados quase já se encerra, 
e uma garoa fina molha a terra, 
por ironia de um destino ingrato, 

o jardineiro desse Campo Santo 
repousa numa cova em que, no entanto, 
em vez de alguma flor, só cresce mato...

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 19 de novembro: Mitologia Folhetinística


(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).

Se a mitologia dos povos antigos tivesse dado formas de mulher, de fada ou ninfa, às semanas, como o fez com as horas, não me veria às vezes em tão sérios embaraços para escrever esta revista.

Em lugar de estar a cogitar idéias, a parafusar novidades, e a lembrar-me de fatos e coisas passadas, pediria emprestado a algum dos tipos da  grande galeria feminina as feições e os traços para desenhar o meu original.

Assim, quando me viesse uma semana alegre e risonha, mas muito inconstante, com uns dias cheios de nuvens, e outros límpidos e brilhantes, iluminados pelos raios esplêndidos do sol, uma semana elegante de teatros e bailes, imaginaria alguma fada de formas graciosas, de olhos grandes, com uma certa altivez misturada de uma dose sofrível de loureirismo.

Vestiria a minha fada de branco com algumas fitas cor-de-rosa, pedir-lhe-ia que me contasse com toda a graça a travessura do seu espírito os segredos de suas horas e de seus instantes

Ao contrário, se fosse uma semana bem calma e bem tranqüila, em que os dias corressem puros e serenos, em que fizesse umas belas noites de luar bem suaves e bem calmas, de céu azul e de estrelas cintilantes, lembrar-me-ia de alguma moreninha da minha terra, de faces cor de jambo, ojos adormidillos, como dizem os espanhóis.

Então escreveria uma poesia, um poema, um romance ou um idílio singelo, e livrava-me assim de meter-me em certas questões graves, e importantes que ocupam a atualidade. Faria como o poeta; e limitar-me-ia às pequenas coisas que me tivessem interessado. Nugae, quarum pars parva fuit.

É verdade que, quando me acertasse cair uma semana como esta passada, onde iria eu procurar um tipo, um modelo que a caracterizasse perfeitamente? Lembro-me de uma mulher, que descreveu Byron, a qual, com algumas modificações, talvez me pudesse bem servir para o caso.

Seu único aspecto (da mulher) valia um discurso acadêmico; cada um de seus olhos era um sermão; na sua fronte estava estampada uma dissertação gramatical. Enfim, era uma aritmética ambulante. Dir-se-ia uma correspondência ou alguma velha polêmica que se houvesse despegado do seu competente jornal, para andar pelo mundo a discutir e argumentar.

Com efeito, só este tipo imitado de d. Juan poderia dar uma ligeira idéia da semana passada, a qual num formulário de botica podia bem traduzir-se pela seguinte receita: uma dose de sol, duas de chuva e três de maçada. Admirável receita para curar a população desta corte da febre de novidades que tem produzido a guerra do Oriente.

Os antigos, porém, que fizeram tanta coisa boa, esqueceram-se dessa invenção de personificar a semana, e por conseguinte não há remédio, senão deixar as comparações e voltar ao positivo da crônica, desfiando fato por fato, dia por dia.

Aposto que já estais a rir deste meu projeto, perguntando com os vossos botões que fatos são estes que descobri na semana passada, que acontecimentos se deram nestes dias, que valham a pena, não já escrever simplesmente, mas contar.

Ides ver. Em primeiro lugar, contar-vos-ei que a semana teve sete dias e sete noites, tal e qual como as outras. Destes sete dias muitos foram de chuva, e alguns estiveram tão belos, tão frescos, tão puros, que sentia-se a gente renascer com o sol que vivificava a natureza. As noites foram quase todas de inverno e de teatro.

No Provisório estreou a nova cantora, completando-se assim o número das três deusas que devem disputar o pomo de ouro, o qual também foi pomo da discórdia. O público dilettante está por conseguinte arvorado em Paris; e os poetas já se prepararam para cantar a nova Ilíada e as causas terríveis de tão funesta guerra. Et teterrimas belli causas

Em São Pedro de Alcântara o aparecimento de João Caetano produziu uma noite de entusiasmo e um novo triunfo para o artista distinto, único representante da arte dramática no Brasil.

Infelizmente as circunstâncias precárias do nosso teatro, ou outras causas que ignoramos, não têm dado lugar a que João Caetano forme uma escola sua, e trate de elevar a sua arte, que no nosso país ainda se acha completamente na infância.É a este fim que deve presentemente dedicar-se o ator brasileiro. Sua alma já deve estar saciada destes triunfos e dessas ovações pessoais, que são apenas a manifestação de um fato que todos reconhecem. Como ator, já fez muito para sua glória individual; é preciso que agora como artista e como brasileiro trabalhe para o futuro de sua arte e para o engrandecimento de seu país.

Se João Caetano compreender quanto. É nobre e digna de seu talento esta grande missão, que outros, antes de mim, já lhe apontaram; se, corrigindo pelo estudo alguns pequenos defeitos, fundar uma escola dramática que conserve os exemplos e as boas lições do seu talento e a sua experiência, verá abrir-se para ele uma nova época.

O governo não se negará certamente a auxiliar uma obra tão útil para o nosso desenvolvimento moral; e, em vez de vãs ostentações, de coroas e de versos que se procuram engrandecer unicamente pelo assunto, terá o que lhe tem faltado até agora, o apoio e a animação da imprensa desta corte.

Uma das coisas que têm obstado a fundação de um teatro nacional é o receio da inutilidade a que será condenado este edifício, com o qual decerto se deve despender avultada soma. O governo não só conhece a falta de artistas, como sente a dificuldade de cria-los, não havendo elementos dispostos para esse fim.

Não temos uma companhia regular, nem esperanças de possuí-la brevemente. A única cena onde se representa em nossa língua  ocupa-se com vaudevilles e comédias traduzidas do francês, nas quais nem o sentido nem a pronúncia é nacional

Deste modo ficamos reduzidos unicamente ao teatro italiano, para onde somos obrigados, se não preferimos ficar em casa, a dirigirmo-nos todas as noites de representação, quer cante a Casaloni, quer encante a Charton, quer descantem as coristas. Tudo é muito bom, visto que não há melhor.

Já algumas vezes temos censurado a diretoria do teatro por certas coisas que nos parece se podem melhorar sem grandes sacrifícios. Hoje cumpre-nos fazer-lhe uma justiça, e até um elogio, que ela merece sem dúvida alguma, pela resolução que nos consta ter tomado de reparar o edifício e ilumina-lo a gás.

A polícia também tem-se esmerado em fazer cessar as cenas tumultuárias e desagradáveis que se iam tornando tão freqüentes naquele teatro, e que, se continuassem, acabariam por afugentar dele os apaixonados da música de batuque.

Não é, porém, unicamente no teatro que a polícia tem dado provas de atividade. Efetuou-se esta semana a prisão de um moedeiro falso, que se preparava a montar uma fábrica dessa indústria lucrativa.

O crime de moeda falsa é um dos mais severamente punidos em todos os países, porque ameaça a fortuna do Estado e a dos particulares. Entretanto não acho razão no legislador em tr punido unicamente o falsificador de moeda, deixando impunes muitos outros falsificadores bem perigosos para a nossa felicidade e bem-estar.

Todos os dias lemos nos jornais anúncios de dentistas, de cabeleireiros e de modistas, que apregoam postiços de todas as qualidades, sem que a lei se inquiete com semelhantes coisas.

Entretanto imagine-se a posição desgraçada de um homem que, tendo-se casado, leva para casa uma mulher toda falsificada. E que de repente, em vez de um corpinho elegante e mimoso, e de um rostinho encantador, apresenta-lhe o desagradável aspecto de um cabide de vestidos, onde toda a casta de falsificadores pendurou um produto de sua indústria.

Quando chegar o momento da decomposição deste todo mecânico – quando a cabeleira, o olho de vidro, os dentes de porcelana, o peito de algodão, as anquinhas se forem arrumando sobre o toilette – quem poderá avaliar a tristíssima posição dessa infeliz vítima dos progressos da indústria humana!

Nem ao menos as leis lhe concedem o direito de intentar uma ação de falsidade contra aqueles que o lograram, abusando de sua confiança e boa-fé. É uma injustiça clamorosa que cumpre reparar.

Um homem qualquer que nos dá a descontar uma letra de uns miseráveis cem mil réis, falsificada por ele, é condenado a  uma porção de anos de cadeia. Entretanto aqueles que falsificam uma mulher, e que desgraçam uma existência, enriquecem e riem-se à nossa custa.

Deixemos esta importante questão aos espíritos pensadores, aos amigos da humanidade. Não temos tempo de tratá-la com a profundeza que exige; senão resumiríamos o quadro de todas as desgraças que produzem não só aquelas falsificações do corpo, mas também muitas outras, como um olhar falso, um sorriso fingido, ou uma palavra mentida. 

Demais, temos ainda de falar de uma outra medida do chefe de polícia a respeito dos cães, e que interessa extraordinariamente a segurança pública. O que cumpre é zelar a sua execução para que não se torne morta, e faça cessar o perigo que corremos todos os dias de encontrarmos a cada momento na rua ou no passeio a morte do hidrófobo.

Afonso Karr levou dois anos a escrever para conseguir que a polícia de Paris adotasse esta útil medida de segurança pública a que ordinariamente damos tão pouco cuidado, e muitas vezes mesmo revoltamos por um mal entendido sentimento de humanidade.

Um dos maiores obstáculos que ele encontrou sempre foram certos prejuízos, certos erros consagrados e que todo o mundo repete, sem refletir, nem compreender o sentido das palavras que profere.

Assim, desde a antiguidade se diz que o cão é o amigo fiel do homem, o tipo e o modelo da amizade.

Este consentimento unânime, diz o escritor francês, é uma singular revelação do caráter do homem. O cão obedece sem reflexões, se submete a todos os caprichos e a todas as vontades sem distinção; quando o castigam, em vez de se defender, roja-se aos pés de seu senhor e caricia a mão que o castigou. E é isto o que o homem chama um amigo!

Já se vê que o sentimento não é tão nobre como o parece a princípio. Todas estas vãs declamações dos poetas sobre esse animal, que dizem representar o símbolo da fidelidade, dão uma bem mesquinha idéia do coração humano.

Não é pois, o prazer de possuir um autômato, que se move à nossa vontade, que pode compensar um dos maiores riscos a que estamos sujeitos, e para o qual olhamos indiferentemente.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

domingo, 4 de novembro de 2012

Silvia Araújo Motta / MG (A Flor na Trova) Parte I



DEDICATÓRIA

Aos poetas-trovadores,
 ofereço em lindo laço
 colorido de emoção,
 as flores, com seus olores,
 o meu carinho e o abraço,
 nascidos do coração.
 Aos trovadores-cantores
 mais uma alerta lhes faço:
 - Ao Poder da Criação
 que espalha ao mundo os valores,
 agradeçam a inspiração.
 Aos meus pais-educadores
 nesta singela homenagem,
 meu amor e gratidão.
 Aos meus filhos, lindos laços
 de um grande amor sem medida,
 meus perfumados abraços
 e bênçãos por toda a vida.
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INTRODUÇÃO

 FLORES NACIONAIS E INTERNACIONAIS EM TROVAS

 Estas Pétalas de Trovas retratam a íntima relação entre o homem, plantas e flores nacionais e internacionais, por meio de uma linguagem simbólica universal, simplesmente mitológica e poética.

 As flores estão presentes tanto nas culturas ocidentais quanto nas orientais.

 "Até nas flores se encontra
 a diferença da sorte,
 umas enfeitam a vida,
 outras enfeitam a morte.”

Esta trova foi publicada por Mello Morais Filho, no seu "Cancioneiro dos Ciganos", em 1875, registrando como autor, o cigano Jerônimo Guimarães.

 Que a união das pétalas de cada trova possa atingir a profundeza da conscientização filosófica e social, para prestar uma homenagem à eleita Rainha das Flores- a Rosa, símbolo dos Trovadores:

 Ó Trovador meu irmão!
 Quando fizeres poesia,
 proclama sempre a união,
 razão da nossa alegria.

 Eis algumas das minhas TROVAS e QUADRAS sobre flores nacionais e internacionais.
 Algumas se limitam a uma simples descrição meramente formal. Em outras tentei a abordagem poética. Se o consegui ou não, só caberá ao leitor este julgamento. Vale a reflexão de Henfil:

 "Se não houver frutos, vale perfume das flores. 
Se não houver flores, vale a sombra das folhas. 
Se não houver folhas vale a intenção da semente " .
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ARVERSOS - (Carta em versos)

 Amigos e Trovadores,
 fiquei muito entusiasmada.
 A pesquisa sobre flores
 deu-me uma paz perfumada.

1-Simbolizando nossa alma
 vitória e imortalidade,
 no mundo inteirinho a PALMA
 recorda a fecundidade.

2-A "FLOR" que o sonho me acena
 somente em sonhos eu vi:
 -Tem pureza de AÇUCENA
 e aroma de BOGARI.

3-Tem DEDALEIRA a harmonia,
 que Jesus tanto pregava,
 lembra o dedal de Maria
 que os "paninhos" costurava.

4-Costumo sempre afirmar
 que ANGÉLICAS perfumadas
 e puras fazem lembrar
 Marias "imaculadas..."

5-GYPSOPHILA tem beleza
 nos canteiros de nossa alma.
 Dos anjos herdou pureza,
 colhida transmite a calma.

6-Pondo o sol no amor dos noivos
 com pétalas coloridas,
 eles, os líricos GOIVOS
 unem almas e unem vidas.

7-A deusa com asas-ÌRIS,
 boas notícias na guerra,
 foi transformada em arco-íris,
 que é ponte entre o céu e a terra.

8-Na velha Grécia Feudal,
 além de medicamento,
 a TÍLIA-medicinal-
 era a flor do casamento.

9-VIOLETA Bonapartista,
 que tanta pureza tem,
 parece zelosa artista,
 tecendo o aroma do Bem.

10-MARAVILHAS são boninas,
 lindas flores temporais;
 na forma, tão pequeninas,
 na essência-grandes demais!

11-CHORÕES, em ramos pendentes
 lacrimejam delirantes,
 os "nunca mais" comoventes
 dos amigos...dos amantes...

12-Pobres Vênus -mal amadas-
 por ADÔNIS que só são
 as flores mal cultivadas
 na mera recordação.

13-A MIMOSA, concluímos,
 nos causa muita surpresa,
 pois, mesmo assim, com tais mimos,
 é o símbolo da certeza.

14-CRISTA-DE-GALO, eu diria,
 simboliza vigilância...
 Jardim que essa flor vigia,
 parece um Jardim de Infância.

15-Essa flor da longa vida
CAPUCHINHAS (também CHAGAS)
 trepadeira, colorida
 e presente em muitas plagas.

16-ROSA BRANCA é angelical,
ROSA AMARELA é traição,
ROSA VERMELHA é sinal
 do fogo do coração.

17-No Japão a CEREJEIRA
 dos Samurais é mascote,
 e numa visão guerreira,
 de pai para filho é dote.

18-Nos canteiros da Esperança
 vi COLEUS por toda a parte
 e aprendi, desde criança,
 que na flor tem sumo de arte.

19-A PETÚNIA é persuasão
 e, assim, por ser convincente
 é uma flor que dá lição
 de firmeza a toda gente.

20-A essência da TUBEROSA
 deve ser bastante usada,
 pois sendo essência cheirosa
 deixa a boca perfumada.

Fonte:
Silvia Araújo Motta . A flor na trova. Editora: AVBL, www.avbl.com.br. Ebooknet - Bibliotecas Virtuais. www.ebooknet.com.br, 2006

António Torrado (A Menina e o Burro)


Ilustração: Cristina Malaquias

Da Seleção Pavilhão de Contos Infantis

Era uma vez uma menina que conhecia o campo, mas de longe. Vira-o, uma vez, de passagem, da janela de um automóvel. Vira-o, mais vezes, de corrida, nos ecrãs da televisão. E vira-o, outras vezes, disfarçado de paisagem, nas folhas das revistas e nas tampas das caixas de chocolate. Esta menina, afinal, não conhecia o campo a sério.

Por isso, da primeira vez que foi ao campo, da primeira vez que pisou o chão rugoso do campo e respirou o ar vivo do campo e os cheiros todos do campo, a menina ficou, há que confessar, a menina ficou um tanto atordoada. 

Tropeçou numa pedra, comichou-lhe o nariz e picou-se nas urtigas. Mas, apesar destes contratempos, a menina, verdade se diga, não desgostou da experiência.

É que havia muita coisa para ver. Havia folhas que estalavam, quando ela as pisava. Havia carreiros de formigas, flores sem nome, canaviais bulindo, árvores ramalhando e, não muito além do caminho por onde a menina seguia, um burrito de orelhas espantadas. Tinha o pêlo cinzento e não era de peluche.

A menina, que já ouvira histórias de príncipes encantados por fadas más, pensou: "E se é um príncipe transformado em burro?"

Podia ser. Tinha os olhos pestanudos e olhava para a menina cheio de curiosidade.

"Eu dou-lhe um beijinho, desfaz-se o encanto e ele transforma-se em príncipe", pensou a menina. "Até pode ser que, mais tarde, queira casar-se comigo."

A menina, que já se via princesa, aproximou-se do burro, para concretizar o que tinha pensado. Mas o burro é que não estava pelos ajustes. Quando viu a menina mais perto, fugiu a galope.

A menina correu atrás dele:

- Não te faço mal. É só um beijinho - prometia ela.

Mas o burro não queria saber. Era um burro novo, sem nenhuma prática social, e aquela criaturinha enervava-o.

Naturalmente, não era um príncipe encantado. Devia ser só um burro.

Também nos parece que sim.

Clevane Pessoa (Haicais)


Os risos das crianças: 
 No cristal, bolas de gude 
 — luzes trepidantes ­ 
  
Pássaros canoros 
 Energia em expansão 
 Almas projetadas... 

Gestação do arco-íris 
 Leveza atestando o efêmero 
 — Bolha de sabão. 
  
Reflexo de prata: 
 Luar despeja-se no mar 
 — Espelho do céu 
  
Leve borboleta 
 Vitória sobre a crisálida: 
 Pétalas aladas…

Sons de flauta doce:
 Murmúrios edulcorantes
 - Vento no bambual...

 Órgãos musicais
 De sonata progressiva:
 Cigarra insistente

Armadilha bela:
 Luz atraindo mariposa
 - Destinação cruel

Força dos opostos
 Espirais de eternidade
 Yin e yang: você e eu

Pescoços de cisne
 Transformam em corações
 O espaço vazio…

Mini-borboletas
 Orquídeas papilonáceas
 - Só não podem voar

Violinista freme
 Libélula com o arco
 Vibrações no espaço...

Pássaros nos fios
 Como notas musicais:
 Celestiais canções...
  
A chuva pingando
 Devassa o botão da flor
 De / flora antes da hora...

Pele contra pele
 Proximidade de cheiros:
 Mistura de humores

Fonte:
Clevane Pessoa de Araujo Lopes. Mix de Haikais e Poetrix. Editora: AVBL,  www.avbl.com.br, 2005

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 12 de novembro: A Tomada do Rio Alma


(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).

Desta vez não há razão de queixa. O paquete de Southampton trouxe-nos uma boa coleção de notícias a respeito da guerra do Oriente. A curiosidade pública, suspensa há muito tempo, pôde finalmente saciar-se com alguns episódios interessantes, como o de uma batalha em campo raso, o da passagem de um rio, o da  morte de um general e da fugida de um príncipe à unha de cavalo.

Passada a primeira impressão. Cada um tratou de comentar as notícias a seu modo, de maneira que já ninguém se entende, e  não há remédio senão apelar para o vapor seguinte a fim de sabermos a verdadeira solução do negócio.

A tomada do rio Alma sobretudo abriu um campo vasto a essa guerra de ditos espirituosos e de epigramas, em que se acham seriamente empenhados os russos e turcos desta cidade.

Uns entendem que, à vista  das notícias, é fora de dúvida que Mesckintoff deixara tomarem-lhe Alma, embora a muito custo escapasse com o corpo salvo das mãos dos franceses e ingleses. Entretanto, as próprias notícias dadas pelos jornais, ninguém pode duvidar que quem perdeu a alma não foi o príncipe russo, mas sim o General Saint-Arnaud.

No dia da chegada do paquete, um espirituoso redator de uma das folhas diárias da corte dizia, ao ler a descrição da batalha, que o êxito da guerra estava conhecido, e que a Rússia nada podia fazer desde que Nicolau perdera Alma. Ao contrário – retrucou-lhe o seu colega – agora é que os ingleses e franceses estão em apuros, porque os russos, depois da batalha, ficaram desalmados e não há nada que lhes resista.

Muita gente, que sabe como os franceses são fortes nos trocadilhos e jogos de palavras, persuade-se que talvez todo este barulho da batalha de Alma não passe de algum calembur, que eles nos querem impingir. Não vou tão longe nas minhas suposições; porém, quando teio as duas participações de Lord Raglan e de Saint-Arnaud, não posso deixar de lembrar-me daquela antiga anedota dos dois compadres da aldeia, que descobriram o modo de se elogiar a si mesmos sem falar à modéstia.

Em toda essa batalha só há a sentir uma coisa; e é que os aliados fizessem poucos prisioneiros, e não pudessem ajuntar uma boa coleção de príncipes russos, que tivessem nomes de oito sílabas com a terminação em off, que é de rigor. Se isto acontecesse, seria uma felicidade para o gênero humano; porque os tais boiardos passariam à França, espalhar-se-iam pela Europa e talvez chegassem ao mercado do Brasil, onde imediatamente se havia de manifestar uma grande procura deles para noivos. Se viessem alguns da Hircânia, e uma meia dúzia de magias da Hungria, também não seria mau, para assim haver mais onde escolher conforme o gosto de cada um..

Enquanto, porém não lhe é possível mandar-nos esse gênero de que tanto necessitamos, a Europa vai nos enviando algumas cantoras exímias (é o termo do rigor), para nos distrair as noites de uma maneira agradável. Chegou ultimamente uma, que, se a reputação corresponder ao nome, terá de apagar de todo no espírito público as recordações que deixou a Stoltz, se não como cantora, ao menos como excelente trágica.

Criar-se á provavelmente um terceiro partido que se intitulará Raquelista, e então o teatro tornar-se-á interessantíssimo. Aplausos de um lado, pateada do outro, bravos, gritos, estalinhos, caixas de rapé a ranger, tudo isto formará uma orquestra magnífica, e realçará a voz das cantoras de uma maneira admirável. Isso pelo que toca ao ouvido; quanto à vista, tomando a diretoria o bom acordo de reduzir a iluminação brilhante do teatro, as nuvens de poeira, que se levantam da platéia, criarão o demi-jour necessário à ilusão ótica.

Que progresso! Possuiremos um Teatro Lírico, no qual não se ouvirá música e quase nada se enxergará! Só quem não tiver uso de freqüentar teatros é que poderá negar as grandes vantagens que resultam de tão engenhosa invenção.

Enquanto os empresários europeus se matam e se esforçam por contratar boas cantoras, ensaiar as melhores óperas, e adquirir pintores cenógrafos para satisfazer o público e dar-lhe espetáculos que agradem, nós descobriremos o meio de poupar todo  este trabalho inútil e dispendioso. 

Para isto bastam  duas ou três cantoras com os seus competentes partidos, e, se houver também uma dançarina como a Baderna, melhor será. Com estes elementos conseguir-se-á por noite umas quatro pateadas e algumas salvas de palmas; a noite tornar-se á animada, e o gosto pela música  italiana se irá popularizando cada vez mais.

Decerto, aquelas noites monótonas, em que levávamos a ouvir a Stoltz, comovidos e atentos aos seus menores movimentos, descobrindo um estudo da arte, uma inspiração do talento no seu gesto o mais simples, ou nas entonações graves de sua bela voz; essas noites frias e calmas, em que depois de longas horas de êxtases, a alma afinal transbordava de emoções e arrancava no fim da representação aplausos espontâneos; essas noites não valem os espetáculos animados, como temos agora, cheios de fervor e entusiasmo, e em que nos possuímos tanto do encanto da música, que todo o corpo se agita para dar a mais solene manifestação de amor à arte.

Um dilettante  é hoje no Rio de Janeiro o homem que se acha nas melhores condições higiênicas e que deve menos temer a invasão do cólera, porque ninguém o ganha em exercício. A cabeça bate o compasso mais regularmente do que a baqueta do Barbieri; as mãos dão-se reciprocamente uma sova de bolos, como não há exemplo que tenha dado o mais carrasco dos mestres de latim de todo o orbe católico. Dos pés não falemos; são capazes de macadamizar numa noite a rua mais larga da cidade.

Ajunte-se a isto os bravos, os foras, os espirros, os espreguiçamentos (novo gênero de pateada), e de vez em quando um  passeio lírico de uma légua fora da cidade, e ver-se-á que dora em diante, quando os médicos quiserem curar alguma moléstia que exija exercício, em vez de mandarem o doente para a serra ou para os arrabaldes, lhe aconselharão que se aliste nalgum dos partidos, chartonista ou casalonista, e vá ao teatro.

Um espírito observador, recorrendo a certos dados estatísticos, conseguiu também descobrir que o homem mais útil desta corte é o dilettante. Cumpre-me, porém, notar que, quando falamos em dilettante, não compreendemos o homem apaixonado de música, que prefere ouvir uma cantora, sem por isso  doestar a outra. Dilettante é um sujeito que não tem nenhuma destas condições, que vê a cantora, mas não ouve a música que ela canta; que grita bravo justamente quando a prima-dona desafina, e dá palmas quando todos estão atentos para ouvir uma bela nota.

São muito capazes de levantar alguma questão gramatical sobre a minha definição, tachando-a de paradoxo, ou demonstrando por meio da etimologia da palavra que estou em erro. Mas isto pouco abalo me dá; os gramáticos que discutam, fazem o seu ofício, contanto que não se arvorem em alfaiates ou comecem atalhar carapuças.

Voltando, porém, a nossas observações, é fato provado que o dilettante é o homem que mais concorre para a utilidade pública. Em primeiro lugar, o extraordinário consumo que ele faz de flores não pode deixar de dar grande desenvolvimento à horticultura, e de auxiliar a fundação de um estabelecimento deste gênero, como já se tentou infrutiferamente nesta corte antes do dilettantismo ter chegado ao seu apogeu.

Os sapateiros e luveiros ganham também com o teatro, porque não há calçado nem luvas que resistam ao entusiasmo das palmas e das pateadas. Na ocasião dos benefícios, as floristas e os joalheiros têm muito que fazer; e os jornais enchem-se de artigos que para os leitores têm o título de publicações a pedido, e para o guarda-livros da casa o de publicações a dinheiro.

Além de tudo isto, além dos estalinhos, dos versos avulsos, das fitas para os buquês, é preciso não esquecer a carceragem que de vez em quando algum vai deixar na cadeia, onde se resigna a passar a noite, fazendo um sacrifício louvável pelo seu extremo amor à arte.

Isso sem falar das outras vantagens que já apresentamos, como de fazer que não se ouça a música e não se veja  coisa alguma. De maneira que, assim, toda a ópera é boa e bem representada; e, estando o teatro escuro com a poeira, não há risco que as mocinhas troquem olhares malignos para as cadeiras. Só este último fato é de um alcance imenso; é uma garantia de moralidade pública!

Se a diretoria soubesse apreciar esses bons resultados, em vez de transferir constantemente o espetáculo por moléstias deste ou daquele, em vez de nos dar uma só representação por semana, regularizaria os espetáculos, e repetiria o Trovador cinqüenta vezes para que os moleques da rua aprendessem a assobiar de princípio  a fim toda esta sublime composição de Verdi, a qual daqui a alguns meses aparecerá correta e aumentada numa porção de valsas, contradanças e modinhas.

Outra coisa, a que a diretoria não tem dado muita atenção, é ao estado do edifício e à decência deste salão, onde se reúne a flor da sociedade desta corte. Agora que se trata com tanta eficácia  do asseio público, parece-nos que era ocasião que o asseio chegasse até o interior do teatro, e fizesse desaparecer essa pintura mesquinha, essas paredes sujas, e esse pó que cobre as cadeiras e que reduz as abas de nossas casacas à triste condição de espanador. A julgar pela poeira que se levanta quando aparece a Charton ou a Casaloni, creio que há no soalho do teatro terra para encher algumas carroças.

Se faltam à diretoria meios de remover essa terra, pode  requisitá-los da administração da limpeza pública, que por certo não se recusará, à vista da atividade que tem mostrado ultimamente nos trabalhos que lhe foram incumbidos.

Com efeito, embora em começo, o serviço já tem conseguido apresentar bons resultados; e basta percorrer as ruas desta cidade, para reconhecer os sinais de uma vigilância ativa, que vai pouco a pouco substituindo o desleixo e a incúria que ali reinava entre a lama e os charcos.

O Sr. Ministro do Império tomou, nesta questão da limpeza, o verdadeiro partido de um bom administrador e o expediente de um homem de ação. Enquanto a discussão se ateava, tratou de realizar a sua idéia, e criar com os fatos argumentos irresistíveis, argumentos que calam imediatamente no espírito público. Os escrúpulos cessaram, apenas as nossas ruas começaram a mostrar o zelo da autoridade; e creio que, removendo a lama e o cisco das ruas, se removerá igualmente qualquer oposição extemporânea  a uma medida de tanta utilidade.

Já podemos ter esperanças de ver nossa bela cidade reivindicar o seu nome poético de princesa do vale, e despertar de manhã com toda a louçania para aspirar as brisas do mar e sorrir ao sol que transmonta o cimo das serras. Talvez daqui a alguns meses seja possível gozar a desoras o prazer de passar à la belle étoile, durante uma dessas lindas noites de luar como só as há na nossa terra; ou percorrer sem os dissabores dagora a rua aristocrática, a rua do Ouvidor, admirando as novidades chegadas da Europa, e as mimosas galantarias francesas, que são o encanto dos olhos e o desencanto de certas algibeiras.

Esses passeios, que hoje já vão caindo um pouco em desuso, ainda se tornarão mais agradáveis com algumas novidades interessantes que se preparam naquela rua, e que lhe darão muito mais realce, excitando as senhoras elegantes e os gentlemen da moda a concorrer a esse rendez-vous da boa companhia.

O Desmarais está acabando de preparar a sua antiga casa com uma elegância e um apuro, que corresponde às antigas tradições que lhe ficaram dos tempos em que aí se reunia a boa roda dos moços desta corte, e os deputados que depois da sessão vinham decidir dos futuros destinos do país. Ali tinham  eles ocasião de estudar os grandes progressos da agricultura, fumando o seu charuto Regalia, e de apreciar os melhoramentos da indústria pelo efeito dos cosméticos, pela preparação das diversas águas de tirar rugas, e pela perfeição das cabeleiras e chinós.

Como o Desmarais, a Notre-Dame de Paris abrirá brevemente as portas do seu novo salão, ornado com luxo e um bom gosto admirável. As moirées, os veludos e as casimiras, todos os estofos finos e luxuosos, e destinados aos corpinhos sedutores das nossas lindezas, terão uma moldura digna deles, entre magníficas armações de pau-cetim; e o pezinho mignon que transpuser os umbrais desse templo da moda pousará sobre macios tapetes, que não lhe deixarão nem sequer sentir que pisam sobre o chão.

Assim, pois, quando os pais e os maridos passarem de longe, e virem este belo salão com toda a sua elegância, resplandecendo com o reflexo dos espelhos, com o brilho das luzes, apressarão o passo, e, se tiverem lido o Dante, lembrar-se-ão imediatamente da célebre inscrição:

Lasciate ogni esperanza, voi che entrate;

Ma guarda, e passa!

De todos esses progressos da Rua do Ouvidor o mais interessante, porém, pelo lado da novidade, é a Galeria Geolas, que deve nos dar uma idéia das célebres passagens envidraçadas de Paris. A Galeria Geolas vai da Rua do Ouvidor à Rua dos Ourives; tem uma extensão suficiente; apesar de um pouco estreita, está bem arranjada.

Os repartimentos formam um pequeno quadrado envidraçado, e já estão quase todos tomados. Na locação desses armazéns seria muito conveniente, não só aos seus interesses, como aos do público, que o proprietário procurasse a maior variedade possível de indústrias, a fim de que a passagem oferecesse aos compradores toda a comodidade.

Os moços de boa companhia que se reúnem ordinariamente num ponto qualquer da Rua do Ouvidor deviam tomar um daqueles repartimentos e formar como que um pequeno salão, que se tornaria o rendez-vous habitual do círculo dos flâneurs. Enquanto não pudéssemos ter um Clube, a passagem iria satisfazendo esta necessidade tão geralmente sentida.

Se ainda não estais satisfeito, meu amável leitor, com todas estas novidades, vou dar-vos uma, que suponho vos causará tanto prazer como me causa a mim; e é que estou fatigado de escrever, e por conseguinte termino aqui.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 717)



Uma Trova de Ademar  

Coloquei a foto errada. 
Viram logo os menestréis... 
Como eu vou subir escada 
Se me falta um dos meus pés? 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Ante a força intransigente,
para o caos a paz resvala...
- Deus, deste alma a tanta gente
que nem sabe como usá-la!!! 
–Carolina Ramos/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Saudade - no fim do dia, 
já sei por que me dói tanto: 
aumenta a melancolia, 
dobra as dores do meu pranto! 
–Prof. Garcia/RN– 

Uma Trova Premiada  

2008   -   Maranguape/CE 
Tema   -   sonho   -   15º Lugar 

Um sonho é sonho, mais nada,
mas, às vezes, na emoção,
deixa marcas na calçada
das ruas do coração.
–Flávio Stefani/RS– 

...E Suas Trovas Ficaram  

No mundo há tanta maldade 
nos ferindo sempre e à toa, 
que a gente, não por bondade, 
mas por cansaço, perdoa... 
–Luiz Otávio/RJ– 

U m a P o e s i a  

Sem descanso, esse mago da poesia
faz "Mensagens Poéticas" pra nós...
Só Deus pode calar a sua voz
de poeta do amor e da alegria,
mas, se ouvisse esta prece, lhe daria
uns cem anos de vida e de prazer,
pra cantar a beleza de viver,
como tem dado exemplo até agora,
e diria pra morte: - vá embora,
que Ademar não tem tempo de morrer! 
–José Lucas de Barros/RN– 

Soneto do Dia  

O UIRAPURU
–Humberto de Campos/SP– 

Dizem que o uirapuru, quando desata
A voz - Orfeu do seringal tranquilo -
O passaredo, rápido, a segui-lo,
Em derredor agrupa-se na mata.

Quando o canto, veloz, muda em cascata,
Tudo se queda, comovido, a ouvi-lo:
O canoro sabiá susta a sonata,
O canário sutil cessa o pipilo.

Eu próprio sei quanto esse canto é suave;
0 que, porém, me faz cismar bem fundo
não é, por si, o alto poder dessa ave:

O que mais no fenômeno me espanta,
é ainda existir um pássaro no mundo
que se fique a escutar quando outro canta!

sábado, 3 de novembro de 2012

António Torrado (Os Entusiasmos do Evaristo)


Ilustração: Cristina Malaquias

(Da Seleção de Contos Infantis)

O meu amigo Evaristo é um entusiasta. No outro dia, íamos nós a passar por perto de uma feira dessas de altifalantes, tirinhos e carrosséis de cavalinhos – é mais uma corrida! é mais uma viagem! – quando ele me travou por um braço e perguntou, de olhos a brilhar de entusiasmo:

– Já te contei do meu projecto do carrossel gigante?

Desse não me lembrava. O Evaristo tem sempre tantos projectos no ar...

– Estou na fase dos cálculos e dos desenhos, mas não tarda que passe à prática. Vai ser um carrossel fantástico.

– Imagino – disse-lhe eu, só para dizer qualquer coisa.

– Tu conheces aqueles carrosséis maiores, que dão uma volta em oito? – perguntou-me o Evaristo.

Respondi-lhe que tinha uma ideia. Faz tantos anos que não ando de carrossel...

– Pois o meu carrossel vai ser qualquer do género. Oito vezes oito...

– Sessenta e quatro – respondi-lhe, como se estivesse na escola.

– Mais, muito mais! Oito vezes oito, vezes oito, vezes oito...

– Tantas contas de cabeça não consigo acompanhar – queixei-me eu.

– Quero eu dizer que vai ser um carrossel imenso, coisa nunca vista – disse o Evaristo. – Mas primeiro tenho de comprar um sobretudo.

Um sobretudo? Que relação teria o sobretudo com o carrossel gigante? O meu amigo Evaristo imagina a uma tal velocidade, que me deixa sempre pelo caminho.

– Um sobretudo forrado e um gorro de pele – acrescentou ele. – Para ir ao Pólo Norte. Ou ao Pólo Sul. Tanto faz.

Fiquei abismado. Aquele carrossel estava a dar-lhe a volta à cabeça.

– Percebeste onde quero chegar? Ao eixo da Terra. Fixo o meu carrossel ao eixo da Terra, à roda do qual gira o nosso planeta, e nem preciso de imprimir-lhe velocidade. A Terra roda, o carrossel mantém-se parado, mas esta é que é a parte mais importante da minha invenção: os passageiros do meu carrossel têm a ilusão de que são eles que estão a andar. Percebeste?

Eu estava a perceber. Lindamente.

– É, além do mais, uma ideia muito económica, porque se poupa na electricidade, que faz andar os restantes carrosséis. O meu carrossel, preso ao eixo da Terra, suspenso lá em cima, vê a Terra rodar por baixo. O que é que achas?

Eu achava bem. O projecto tinha lógica. E parecia simples...

– Ponho as pessoas a dar a volta ao mundo de carrossel. Vai ser maravilhoso.

Eu não duvidava. E do que valeria a pena duvidar de uma ideia do Evaristo?

Voltei a encontrá-lo, ontem. Claro que lhe perguntei logo pelo carrossel, se já estava mais avançado o projecto, se já tinha comprado o sobretudo...

– Troquei a ideia do carrossel por outra melhor – disse– -me o Evaristo, muito entusiasmado. – É uma roda gigante.

– Como aquela, com barquinhas penduradas, que há na Feira Popular? – quis eu saber.

– Essa é uma miniatura comparada com a minha roda, que estou a calcular, aqui entre nós... – e o Evaristo puxou– -me pelo braço e falou-me ao ouvido, com ar de história secreta.

Tomei muita atenção ao segredo dele:

– Estou a calcular que consiga tocar a Lua com a minha roda gigante. Estás a ver: embarca-se na Terra e, meia volta depois, está-se na Lua. Sem despesa de foguetões nem nada. Uma limpeza!

Outra ideia feliz. Mas, sem querer parecer desmancha–-prazeres, indaguei:

– E, desta vez, onde colocas tu o eixo da roda? Em que ponto do espaço, que fique a meio caminho entre a Terra e a Lua?

– Falta só resolver esse pormenor, para avançar – tranquilizou-me o Evaristo. – Mas, no resto, acho que já adiantei muito.

E lá seguiu, muito entusiasmado com o seu projecto.

António Torrado (O Gato e a Raposa)


Ilustração: Cristina Malaquias
(Da Seleção de Contos Infantis)

O gato e a raposa não privavam, em trato de amizade, mas de uma vez que o acaso os juntou deram em considerar que não eram tão desparecidos um com o outro, como se julgavam.

Ambos tinham cauda, embora a da raposa mais felpuda e mais calhada para gola de samarra, o que não era de bom tom lembrar à raposa... Ambos tinham o passo de bailarina em pontas. Ambos tinham olhos de farolim, para descortinar os recantos da noite. Ambos tinham artes de caça e vasto receituário de matreirices. Ambos sabiam, com vaidade, que valiam mais do que pesavam. Ambos tinham aos cães a mesma raiva.

Foi, aliás, a propósito de cães que a raposa e o gato, um dia, em que passeavam a par pelo campo, tiveram a seguinte conversa:

– Se uma matilha de cães nos perseguisse, o que é que tu farias? – perguntou a raposa ao gato.

– Nem me fales nesses monstros, que fico com o pêlo em pé – disse o gato. – Uma matilha? Bastava-me um cão só, para lhe fugir.

– Pois sim, mas como te escapavas? – insistiu a raposa.

– Escapava-me. Fugia. Safava-me. Debandava. Raspava-me. Sumia. Onde houvesse uma árvore para eu trepar era por ela acima que eu desaparecia da vista do cão – explicou o gato, todo arrepiado.

– Vejo que és um pouco simplório e covarde – comentou a raposa. – Pois eu tenho mil manhas e recursos para os afastar de mim. Um catálogo de estratégias, podes crer. A dificuldade está na escolha, quando chega a ocasião. 

Logo por azar, surgiu a ocasião. Dois cães de caça correram sobre o gato e a raposa. Sentindo-os perto, o gato saltou para uma árvore e pôs-se a salvo.

Mas já eles corriam sobre a raposa.

Então o gato viu a raposa, que há pouco se gabava de dispor de tantos e tão variados expedientes contra a fúria dos cães, fugir a bom fugir, como qualquer coelho assustadiço. E, lá mais adiante, ser filada pelo rabo...

Não tardaria muito que enfeitasse uma gola de samarra.

Do seu providencial poleiro, o gato matutava que mais vale saber do que apregoar que se sabe.

UBT– Curitiba (Convite para Almoço de Confraternização – 25 de Novembro)


A UBT-Curitiba, convida para seu tradicional almoço de final de ano. 

Quando: Dia 25 de novembro de 2012 

Horário: 12hs 

Onde: Restaurante Cacau - Rua Padre Anchieta, 2224 - Bigorrilho. 

Valor: R$ 40,00 por pessoa. (inclui 01 refrigerante ou água) 

Durante o evento teremos revoada de trovas, 

Premiação do concurso interno de outubro. 

Apresentações musicais. 

Sorteio de 01 quadro doado pela Artista Plástica - Ana Rocha 

Distribuição de brindes. 

Os convites serão vendidos antecipadamente. 

Confirme sua presença o quanto antes - Convites limitados!!
Mais informações pelos e-mails: ubtctba@gmail.com 

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 5 de novembro ; Lacrimae rerum...

(Crônicas publicadas no “Correio Mercantil”, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, e no “Diário do Rio”, de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro do mesmo ano, ambos os jornais do Rio de Janeiro).

A religião, essa sublime epopéia do coração humano, tem um símbolo para cada sentimento, uma imagem para todos os acidentes da nossa existência.

É aos pés do altar que o homem vê abrir-se para ele a fonte de todas as supremas venturas deste mundo – a família; e, quando o sopro da desgraça vai desfolhando uma a uma as flores da vida, é ainda aos pés do altar que achamos o consolo para as grandes dores, a esperança nos maiores infortúnios.

É que nesta breve romaria que fazemos pelo mundo, a religião nos acompanha como  esses guias mudos do deserto, apontando-nos umas vezes o nada de onde partimos, outras a eternidade  para onde caminhamos, e mostrando-nos a espaços com um aceno a linha negra que prognostica o simoun, ou os rastos dos animais que anunciam o oásis no meio das vastas sáfaras de areia.

Quantas vezes no seio das alegrias e dos prazeres, quando nossos olhos vêem tudo cor-de-rosa, quando o ar que respiramos parece vir perfumado dos bafejos da ventura, não sentimos de chofre o coração apertar-se como tomado por um doloroso pressentimento, e a alma confranger-se numa angústia pungente?

O deslumbramento passa rápido como o pensamento que o produziu. Mas dir-se-ia que o coração, comprimindo-se, como que vertera na taça do prazer uma gota de fel, e que entre o rumor da festa e os sons alegres da música, viera ferir-nos os ouvidos um eco surdo das lamentações de Jô: Memento quia pulvis est!... 

Também às vezes a fortuna nos embala docemente, e a ambição nos empresta suas asas de ouro, ao passo que a glória envolve-nos com a sua auréola brilhante. Então o homem caminha com os olhos fitos na sua estrela, e com a cabeça alta  passa sem perceber as misérias do mundo. Sublimi feriam sidera vértice.

Mas lá vem um dia, uma hora, um instante em que o corpo verga com o peso de tanta grandeza, e a cabeça acurva-se para a terra. Os olhos que mediam o espaço vacilam; a vista que se dilatava pelos horizontes e ousava sondar os arcanos do futuro  quebra-se de encontro a uma lousa, a um fosso, onde a pá do coveiro traçou num estreito quadrado e com um pouco de terra revolvida o emblema daquela sentença do Eclesiástico: Vanitas vanitatum et omnia vanitas!

Se, porém a religião é severa  nos seus conselhos, se durante os dias de paz e de ventura fortifica o homem por meio da tristeza, na dor ao contrário é de uma bondade inefável.

Nem uma fibra palpita no corpo humano, nem uma pulsação abala o coração, nem um soluço arqueja num peito quebrado pelo sofrimento, que não ache nela um eco, uma voz que  lhe responda.

Nesse grande livro da fé e da esperança, neste sublime diálogo entre Deus e o homem, todas as lágrimas têm uma palavra, todos os gemidos têm uma frase, todas as dores uma prece, todos os infortúnios uma história.

A vida humana se resume na religião; nela se acha a essência de todos os grandes sentimentos do homem e de todas as grandes coisas do mundo.

Tem a severidade e o respeito que inspira a paternidade, e ao mesmo tempo todos os zelos da maternidade. Aconselha como um  pai, quando fala pelos lábios do sacerdote; é a mãe que se multiplica para seus filhos, quando abriga no seu seio todos os infelizes.

Mas, quando se folheia este livro da vida, e que se chega à última página – à morte – quando a alma, em face do nada  sente-se tomada desta grande e assombrosa ameaça do completo aniquilamento, é que se sente quanto há de consolador na religião.

Entre as sombras da dúvida, entre o vago do infinito, a eternidade surge para nossa alma como uma dessas estrelas furtivas que brilham entre o Cris negro da tempestade, e que guiam o nauta perdido na vasta amplidão dos mares.

Se queres ler a legenda desta crença sublime de todos os povos e de todos os tempos, ide no dia 2 de novembro, dia que a igreja destinou à comemoração dos finados, fazer uma visita aos nossos cemitérios.

Haveis de sentir calar-vos dentro d’alma um eflúvio consolador, quando virdes toda aquela piedosa romaria que percorre as aléias formadas pelos túmulos, relendo entre o pranto as letras de um epitáfio singelo, e espargindo sobre a lousa alguma s flores misturadas de lágrimas e de preces.

Este aspecto de uma multidão forte e cheia de vida prostrada ante as cinzas de alguns mortos não exprime alguma coisa de misterioso, alguma coisa de incompreensível, que decerto se prende a esse religioso culto dos túmulos sempre venerado por todos os povos?

Para que o homem venha assim cada ano avivar uma dor quase extinta, e ver refletir-se na lousa da campa os transes acerbos de uma triste provança já acalmada pelo correr dos tempos, é necessário a força irresistível da verdade revelada pelos impulsos do coração.

Sem isto, não é possível compreender-se o respeito que votamos aos mortos, nem essa melancólica poesia da saudade que inspira a religião dos túmulos.

Se nestas campas que há anos se abriram para receber um corpo houvesse apenas um pouco de terra e alguns vermes, o homem que se prostasse  em face delas não cometeria uma profanação? Ajoelhando à beira da lousa e sangrando um culto ao pó, não rebaixaríamos a dignidade de um ser moral, escravizando a razão à matéria, a vida ao nada? Se outra coisa mais forte do que a recordação não nos impelisse a estes espetáculos de luto e de tristeza, não daríamos uma mesquinha idéia da natureza humana?

É verdade; mas os restos dos mortos encerram de envolta com as recordações deste mundo as esperanças de outra vida. É por isso que no meio das preces, e das lágrimas e flores que vem depor ao pé da campa a mão amiga, a cruz singela se ergue como o símbolo da fé e da religião. Os nossos cemitérios, criados há bem pouco tempo, ainda não apresentam este aspecto grave e imponente que ressumbra ordinariamente no campo dos mortos

Ainda não há aí essas longas e sombrias alamedas de árvores, essas bancadas de relva onde se destaca uma lousa branca, nem esses ciprestes e chorões plantados à beira de uma sepultura simbolizando no seu aspecto triste e melancólico a oração que se  eleva ao céu, ou as lágrimas que se desfiam a tombar sobre a terra.

A nudez do campo quase despido de árvores, o desabrigo das lousas sobre cujas pedras brancas o sol bate constantemente, punge o coração, e como que torna acre e acerba aquela mágoa da saudade, que a religião repassa de tanta doçura e de tanto alívio. Naquelas quadras descampadas a morte não tem sombra, a dor não tem ecos e a religião não tem mistérios.

Entretanto este ano, cumpre dizer em honra do espírito religioso da nossa população, empregaram-se todos os esforços para fazer desaparecer aquele aspecto de nudez, e a romaria foi talvez mais numerosa do que nos anos anteriores.

O cemitério de São João Batista sobretudo estava preparado da melhor maneira possível; e, além do arranjo devido aos esforços do administrador, podia-se admirar alguns monumentos funerários de uma singeleza e de um gosto perfeito.

Sinto que não me seja possível copiar aqui algumas inscrições, cheias dessa simplicidade e dessa unção que respira uma dor verdadeiramente sentida; mas vós que lá fostes deveis tê-las lido, embora uma mão desconhecida não houvesse aí gravado aquele epitáfio antigo: Sta viator!

II

Não sei que poeta disse que a vida é um contraste. Pindaro chamou-a o sonho de uma sombra, e Byron comparou-a a uma estrela, que ora desliza docemente entre o azul do céu, ora vacila entre as nuvens escuras da borrasca.

Para mim, que não sou poeta, e que por conseguinte não aspiro à metafísica do sentimento e das imagens, se tivesse de comparar a vida a alguma coisa, seria a um  buquê, do qual cada flor simbolizaria um ano, um dia ou uma hora da nossa vida.

Assim umas flores morrem ceifadas pelo ferro ou pisadas ao chão, outras murcham lentamente ao tépido contato de um seio acetinado. Umas são desprezadas e secas por lágrimas de despeito, ou depositadas  numa campa como  pia oferenda, outras passam de uma mão à outra mão amiga, e vem embelezar-nos alguns momentos de cisma. 

De qualquer modo que se compare a vida, o que é certo é que a vida, o que é certo é que a semana que findou foi uma pequena miniatura do grande quadro da existência humana.

O dia 2 de novembro forma a sombra da tela; os claros foram lançados aqui e ali, uns mais brilhantes, outros mais desvanecidos pelo acaso, que é um grande pintor de quadros históricos.

A segunda-feira foi um dia de decepção, porque não só faltou-nos o benefício da Charton, como o espetáculo anunciado em substituição, que não teve lugar, segundo dizem, por moléstia do Gentili.

Em compensação tivemos na terça um baile do Cassino. Caso a comparação de Byron sobre a vida humana seja exata, creio que nesta noite, se para alguns as horas correram deliciosamente, para outros nem o  céu esteve azul, nem luziu a estrela (de Byron, está entendido). Provavelmente as nuvens encobriram-na.

Para outros que preferem a comparação do poeta grego, a vida foi durante essas horas não o sonho de uma  sombra, mas a sombra de um nome ou de uma letra.

Estão já os leitores curiosos por saber que nome e que letra era esta que me incomodava tão seriamente, a ponto de fazer-me sonhar com ela no meio de um baile. O nome não lhes direi, mas a letra é um – C.

Este – C – memorável, com que se escreve aceio, e que eu apesar do amor que lhe consagro tive a desgraçada lembrança de substituir por dois – SS – valeu-me um quinau em ortografia dado pelo colega do Velho Brasil, que não deixa passar camarão pela malha.

Esquecia-me, porém, dizer que podem saltar este artigo, que não vale a pena de ser lido. Como é um claro do quadro da semana, acho razoável que o passem em claro.

Asseguro-lhes que nada perderão com isto, porque neste artigo não se trata de coisa séria e grande. Prometi uma vez vestir o folhetim de casaca preta e gravata branca, e tiveram logo a impiedade de chamá-lo monstro! Portanto agora, quando me vier a idéia trajar mais curialmente o meu folhetim, há de ser de casaca parda com botões amarelos e calças de ganga, como costuma sair na semana e especialmente no domingo um colega contemporâneo.

III

Estamos quase no fim do quadro. – Faz uma bela noite, a lua passeia solitária pelo céu, refletindo-se nas água serenas de um lago, e reflete sua pálida claridade sobre as lousas de um cemitério. Algumas ruínas, o silêncio da noite, a sombra das árvores completam a vista.

Dois vultos, um amante infeliz e uma moça em desespero – um condenado e uma louca – ocupam o meio da cena. Cantam um dueto,  desenlace de uma história triste; se a música se pudesse perceber entre os aplausos ruidosos que enchem o salão, ouviríeis o belo dueto dos Puritanos, magnífico trecho de música de Bellini, cantado pela Charton, que nesta fazia o seu benefício.

Todos esperavam ansiosos esta festa musical dada pela cantora predileta do público, e às oito horas a creme dos dilettanti desta corte enchia o salão com as suas pessoas, e  com uma quantidade enorme de flores e versos, que oportunamente surgiram de dentro dos bolsos e dos lenços, e inundaram o teatro.

Ergueu-se o pano, e começou o coro da alvorada. De repente mudou-se a vista, e a platéia estremeceu com  uma salva tríplice de aplausos quase unânimes, que anunciaram a entrada da cantora.

Vinha trajada de azul, da mais bela cor que a natureza criou para cobrir as coisas lindas deste mundo, - as montanhas, o céu, o mar, e enfim as moças bonitinhas e alvas como o lírio, que não podem  deixar de compreender que o azul foi feito para moldurar o branco.

A Charton disse admiravelmente a ária do segundo ato, e, apesar de todos os contratempos que sobrevieram, teve o poder de fazer da noite de seu benefício um completo triunfo.

Algumas cenas desagradáveis tiveram lugar esta noite; porém a imprudência que as motivou foi suficiente,mente castigada, não só pela manifestação pública, como pela energia da polícia, que conseguiu reprimir muitos abusos.  À sua atividade devemos ter-se evitado um fato, que calamos por vergonhoso, e que talvez produzisse conseqüências bem tristes pela exacerbação a que tinham sido levados os ânimos.

Ao terminar o espetáculo, a orquestra do teatro, executando várias músicas, conduziu triunfalmente à sua casa a Charton, que seguiu a pé no meio de um concurso de mais de quatrocentos  dilettanti, entre os quais se contavam pessoas muito decentes, que o entusiasmo impelira a dar essa subida prova de diletantismo.

Eu, apesar de muito entusiasmado, retirei-me prosaicamente de carro, envergonhadíssimo  de que a música não tivesse o poder de obrigar-me a andar mais de uma légua a pé.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Ialmar Pio Schneider (‎58ª Feira do Livro de Porto Alegre/RS)

Imagem: Eduardo Uchôa - Arte/ZH
De 26 de outubro a 11 de novembro de 2012 na Praça da Alfândega, no centro da cidade. - Patrono Luiz Coronel - 

Como sói acontecer lá estaremos frequentando este evento maravilhoso que contribui tanto para o desenvolvimento e ao chamamento à leitura de todos: crianças, jovens, meia-idade, idosos... 

Nunca me esqueço de uma piada que ouvi faz algum tempo, dizem que real, quando o escritor Millôr Fernandes, falou a um seu amigo de alguma projeção na cultura pátria: 

- Você tem que ler um livro. 

Ao que o mesmo lhe respondeu: 

- Que livro, Millôr ? 

Responde-lhe o humorista: 

- Qualquer livro... Você tem que ler um livro. 

Seja piada ou não, o fato é que a leitura é pouco praticada em nosso país em comparação de outros. Mas sempre essas feiras de livro que se realizam por todos os municípios vêm trazer um incentivo que não pode ser considerado desprezível. 

Vamos aos livros para conhecermos mais e viajarmos pelo ...mundo no aconchego de nossos recantos preferidos !... 

Fonte:
O Autor