domingo, 23 de dezembro de 2012

Elias José (A Morada do Inventor)


A professora pedia e a gente levava,
achando loucura ou monte de lixo:
latas vazias de bebidas, caixas de fósforo,
pedaços de papel de embrulho, fitas,
brinquedos quebrados, xícaras sem asa,
recortes e bichos, pessoas, luas e estrelas,
revistas e jornais lidos, retalhos de tecido,
rendas, linhas, penas de aves, cascas de ovo, 
pedaços de madeira, de ferro ou de plástico.
Um dia, a professora deu a partida
e transformamos, colamos e colorimos.
E surgiram bonecos esquisitos, 
bichos de outros planetas, bruxas 
e coisas malucas que Deus não inventou.
Tudo o que nascia ganhava nome, pais,
casa, amigos, parentes e país.
E nasceram histórias de rir ou de arrepiar!…
E a escola virou morada de inventor! 

Fonte:
Revista Nova Escola

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 765)



Uma Trova de Ademar  

Deus, demonstrando poder, 
quando a mulher engravida, 
transforma a dor em prazer 
na celebração da vida!
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Liberdade sem porteiras
está nas rimas que oferto,
versos cruzando as fronteiras
das pautas de um livro aberto.
–Egiselda Charão/RS– 

Uma Trova Potiguar  

A ciência, sem suspeita, 
será no mundo aplaudida 
se a clonagem só for feita 
em benefício da vida. 
–José Lucas de Barros/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   PASSAGEM   -   2º Lugar 

Aprendi desde menino
que a vida é livro de escolhas,
e a mão firme do destino
faz a passagem das folhas!
–Adilson Maia/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

No livro azul do infinito,
as letras feitas de estrelas...
Só o autor do manuscrito
entende e faz entendê-las...
–Aloísio Alves da Costa/CE– 

U m a P o e s i a  

Eu nunca tive ambição 
por nada que tem no mundo, 
guardo no meu coração 
um amor puro e profundo; 
com muita sabedoria 
eu disse numa poesia 
com o maior desempenho: 
da vida nada reclamo... 
Não tenho tudo que Amo 
mas Amo tudo que tenho! 
–Ademar Macedo/RN– 

Soneto do Dia  

O CORAÇÃO 
–Cruz e Sousa/SC– 

O coração é a sagrada pira
onde o mistério do sentir flameja.
A vida da emoção ele a deseja
como a harmonia as cordas de uma lira.

Um anjo meigo e cândido suspira
no coração e o purifica e beija...
E o que ele, o coração, aspira, almeja
é sonho que de lágrimas delira.

É sempre sonho e também é piedade,
doçura, compaixão e suavidade
e graça e bem, misericórdia pura.

Uma harmonia que dos anjos desce.
que como estrela e flor e som floresce
maravilhando toda a criatura!

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 27 de maio: Como se escreve sem tinta


Desculpai-me!

Vou contar-vos uma coisa que me sucedeu ontem: é um dos episódios mais interessantes de minha vida de escritor.

Aposto que nunca viste escrever sem tinta!

Pois lede estas primeiras páginas, compreendereis como aquele milagre é possível no século atual, no século do progresso.

Eis o caso.

Foi ontem, por volta das dez horas. Estava em casa de um amigo, e aí mesmo dispunha-me a escrever a minha revista.

Sentei-me à mesa, e, com todo o desplante de um homem, que não sabe o que tem a dizer, ia dar começo ao meu folhetim, quando...

Talvez não acrediteis.

Tomei a pena e levei-a ao tinteiro; mas ela estremeceu toda, coitadinha, e saiu intata e pura. Não trazia nem uma nulidade de tinta. Fiz nova experiência, e foi debalde.

O caso tornava-se grave, e já ia saindo do meu sério, quando a pena deu um passo, creio que temperou a garganta, e pediu a palavra.

Estava perdido!

Tinha uma pena oradora, tinha discussões parlamentares, discursos de cinco e seis horas. Que elementos para não trabalhar!

Nada; era preciso por um termo a semelhante abuso, e tomar uma resolução pronta e imediata.

Comecei por bater o pé, e passar uma repreensão severa nos meus dois empregados, que assim se esqueciam dos seus deveres.

O meio era bom, e surtiu o desejado efeito como sempre.

Entramos em explicações; e no fim de contas soube a causa dessa dissidência.

A pena se tinha declarado em oposição aberta; o tinteiro era ministerial quand même. E ambos tão decididos nas suas opiniões, que não havia meio de faze-los voltar atrás.

Era impossível, pois, evitar uma discussão; resignei-me a ouvir os prós e os contras deste meu pequeno parlamento.

A pena do meu amigo fez um discurso muito desconchavado, a falar a verdade. Por mais que lho tenha dito, não quer acreditar que a oratória não é o seu forte; tirando-a da mesa e do papel não vai nada.

Enquanto, porém, ela falava, o tinteiro voltava-lhe as costas de uma maneira desdenhosa, o que não achei bonito. Estive quase chamando-o à ordem; mas não me animei.

Chegou finalmente a vez de falar ele, e defendeu-se dizendo que todas as penas faziam  oposição aos tinteiros logo que estes lhes recusaram o elemento para trabalhar, e se não lhe davam a tinta necessária para escrever, sem a qual ficavam a seco. 

- C’est trop fort! Gritou a pena do meu amigo, que gosta de falar em francês. Quebro os meus bicos antes do que receber uma só gota de tinta em semelhante tinteiro.

E, se o disse, melhor o fez. Não houve forças que a fizessem molhar os bicos no tinteiro e escrever uma só palavra com aquela tinta.

Atirei-a de lado, abri a gaveta, e tomei um maço de penas que aí havia de reserva.

Mesma coisa: todas elas tinham ouvido, todas se julgavam comprometidas a sustentar a dignidade de sua classe.

Por fim, perdi a paciência, zanguei-me, e, como já era mais de meio-dia, larguei-me a toda pressa para a casa, a fim de escrever alguma coisa que pudesse fazer as vezes de um folhetim.

Mas uma nova decepção me esperava.

A minha pena, de ordinário tão alegre e tão travessa, a minha pena, que é sempre a primeira a lançar-se ao meu encontro, a sorri-me a dar-me os bons dias, estava toda amuada, e quase escondidas entre um maço de papéis. 

Quanto ao meu tinteiro, o mais pacato e o mais prudente dos tinteiros do mundo, este tinha um certo ar político, um desplante de chefe de maioria, que me gelou de espanto.

Alguma coisa se tinha passado na minha ausência, algum fato desconhecido que viera perturbar a harmonia e a feliz inteligência que existia entre amigos de tanto tempo.

Ora, é preciso que saibam que há completa disparidade entre esses dois companheiros fiéis das minhas vigílias e dos meus trabalhos.

O meu tinteiro é gordo e barrigudo como um capitão-mor de província. A minha pena é esbelta e delicada como uma mocinha de quinze anos.

Um é sisudo, merencóreo e tristonho; a outra é descuidosa, alegre, e às vezes tão travessa que me vejo obrigado a ralhar com ela para faze-la ter modo.

Entretanto, apesar desta diferença de gênios, combinavam-se e viviam perfeitamente. Tinha-os unido o ano passado, e a lua de mel ainda durava. Eram o exemplo dos bem casados.

Façam, portanto, idéia do meu desapontamento quando comecei a perceber que havia entre eles o que quer que fosse.

Era nada menos do que a repetição da primeira cena.

Felizmente não veio acompanhada de discussões parlamentares, mesmo porque na minha mesa de escrever não admito o sistema constitucional.

É o governo absoluto puro. Algumas vezes concedo o direito de petição; no mais, é justiça a Salomão, pronta e imediata. 

A minha pena, como as penas do meu amigo, como todas as penas de brio e pundonor, tinha declarado guerra aos tinteiros do mundo.

Não havia, pois, que hesitar.

Lembrei-me que ela me tinha sido confiada há coisa de nove meses pura e cândida, e que assim a devia restituir.
Lembrei-me de muitas outras coisas, e tomei uma resolução inabalável.

Atirei o meu tinteiro pela janela fora.

A pena saltou, de tão alegre e contentinha que ficou. Fez-me mil carícias, sorriu, coqueteou, e por fim, fazendo-me um gestozinho de Charton no Barbeiro de Sevilha, um gestozinho que me mandava esperar, lançou-se sobre o papel e começou a correr.

Escrevia sem tinta.

Quero dizer, desenhava; esgrafiava sobre o papel quadros e cenas que eu me recordava ter visto há pouco tempo; debuxava flores, céus, estrelas, nuvens, sorrisos de mulheres, formas de anjos, tudo de envolta e no meio de uma confusão graciosa.

E eu nem me lembrei mais de escrever, e fiquei horas esquecidas a olhar esses quadros, que decerto não conseguirei pintar-vos.

Recordo-me de um.

Passava-se na segunda-feira, na baia de Botafogo.

A uma hora o tempo fez umas caretas, como para meter susto aos medrosos.

Daí a alguns momentos o sol brilhou, o azul do céu iluminou-se, e uma brisa ligeira correu com os vapores do temporal que ainda toldavam a atmosfera.

Uma bela tarde desceu do seio das nuvens, pura, fresca e suave como uma odalisca, que, roçando as alvas roupagens de seu leito, resvala do seu divã de veludo sobre o macio tapete da Pérsia.

Era realmente uma odalisca, ou antes uma moreninha de nossa terra. Seu hábito perfumado se exalava na aragem que passava; os seus olhos brilhavam nos raios do sol; sua tez morena se refletia na opala dourada que coloria o horizonte.

Tudo sorria, tudo enamorava. As nuvenzinhas brancas que corriam no azul do céu, o vento a brincar com as fitas de um elegante toilette, uma réstia de sol que vinha beijar uma face que enrubescia ao seu contato, tudo isto encantava.

Apenas o mar, como um leão selvagem, eriçava a juba, estorcia-se furioso, e arrojava-se bramindo sobre as areias da praia.

Isto, em bom português, quer dizer que havia uma ressaca insuportável. Mas é necessário recorrer de vez em quando às imagens poéticas, e seguir os preceitos da arte; e foi por isso que dei ao mar a honra de compara-lo a um leão selvagem e indômito.

Na minha opinião, ele não passa de um sujeito muito malcriado, que, apesar de tanta moça bonita que se incomodou para ir vê-lo, pôs-se a fazer bravatas, como se alguém cá da terra tivesse medo dele.

Por isso, os barquinhos zombavam dos seus rompantes e brincavam sobre as ondas, e corriam tão ligeiros, tão graciosos, que era um gosto vê-los saltando nos cimos das vagas, e inclinando-se docemente com o fluxo da ressaca.

Às três horas e meia ouviu-se um tiro de peça e começou o páreo, que durou até cinco horas da tarde. Apesar de todos os contratempos que sobrevieram, havia um prazer e uma animação geral.

Todos os convidados se achavam reunidos no primeiro pavimento da casa do Sr. Teixeira Leite; e aí foi servido um excelente toast que a sociedade fizera preparar.

Sans pain et sans vin, l’amour n’est rien, diz Brillat Savarin, que é autoridade na matéria. Portanto não é de admirar que, depois do toast, todos os rostos se animassem, o sorriso se expandisse nos lábios, e a galanteria se tornasse mais amável e afetuosa.

Enquanto lançava um olhar sobre essas mesas carregadas de flores e de manjares, cercadas de tantas moças bonitas e de talhes tão delicados e tão mimosos, enquanto o Champanha espumava e as luzes cintilavam, fazendo brilhar o rubi líquido que tremia nos copos de cristal, vieram-me umas reflexões de filosofia gastronômica ou de gastronomia filosófica (como quiserem), que me envergonharam.

A minha poesia, a pouca que tenho, aproveitou o primeiro olhar que passou e foi refugiar-se nuns belos olhos que ela conhece, até que passassem as reflexões humorísticas que faziam trabalhar o meu espírito.

E ela tinha razão.

Numa mesa de jantar, a menos que não se tenha perdido a razão, declaro impossível a menor dose de poesia.

Neste lugar tudo se nivela, tudo se iguala. O rei e o mendigo, o rico e o pobre, a moça bonita e a mulher feia, todos têm fome.

Vedes aquela mulher bela e elegante; tem o corpinho tão mimoso, a cintura tão delicada, que julgais alimentar-se de perfumes e de essências do Oriente.

Admirai-lhe os olhos grandes que parecem refletir uma luz divina, os lábios feitos para o sorriso, a cercadura de pérola que ornam a sua boquinha, e que um beijo não ousaria profanar.

É uma flor, uma estrela, um anjo cercado de luz, que vive no meio de uma auréola celeste, uma fada que habita o palácio encantado de vossa imaginação.

Pois bem, chegai-vos a uma mesa bem servida, e olhai a vossa estrela, o anjo dos vossos sonhos.

Os dentes não são mais pérolas, porque mastigam como os vossos e como os de qualquer; os lábios rosados não sorriem, saboreiam tão bem uma iguaria como os de um consumado gastrônomo.

E daí a um momento, quando no meio do cheiro das iguarias e das fumaças do vinho, esta mulher vos disser que jantou bem, se ainda tiverdes um átomo de poesia na vossa alma, podeis gabar-vos de ser o maior poeta do mundo.

E assim como a mulher é tudo o mais.

O estadista profundo, que gasta a sua vida a resolver os grandes problemas sociais e políticos, que joga com as massas e com as nações, como um menino com a sua péla, senta-se à mesa e esgrime-se contra uma asa de peru, da mesma maneira que um estudante esfaimado no dia de um enterro de ossos.

A religião, a ciência, a glória, o amor, a arte, todas essas coisas grandes e sublimes do mundo, tudo num momento dado some-se pelo fundo de um prato, ou pelas bordas de um copo de vinho.

Deixemo-nos, pois, dessas veleidades, desses orgulhos todos e sem fundamento. Todos temos as mesmas misérias, todos saímos do pó, e um dia a ele tornaremos.

Bem razão tinhas tu, meu Brillat Savarin, quando dizias que a cozinha é a primeira e a única ciência deste mundo; e que os homens só se distinguem dos animais, porque estes comem, e nós saboreamos. 

Quantas da minha leitoras não terão amarrotado estas páginas e condenado o meu folhetim como a pior das revistas passadas, presentes e futuras?

Entretanto não têm razão; porque, apesar de todas estas reflexões que me assaltavam, tive bastante força de imaginação para não descer do mundo da idealidade.

Quando via um rostinho bonito inclinado sobre a mesa, chamava em meu socorro todas as comparações dos poetas antigos e modernos, e assim conseguia salvar as minhas ilusões.

Então não era uma mulher que via a comer, era uma flor que absorvia os raios de luz e as gotas de orvalho da manhã, era uma falena que libava o mel e o perfume das flores.

E tanto  que, depois dessa hora de tortura, tive de acrescentar uma máxima aos aforismos tão conhecidos da Phisiologie du Gout: “O melhor meio de experimentar o amor que se tem a uma mulher é vê-la comer” 

É preciso, porém, que advirtam numa coisa, e é que não falo de um jantar a dois, de uma mesa à qual nos sentamos ao lado ou mesmo defronte de uma bela moça.

Não: isto é a quinta essência da poesia.

O que disse referia-se à posição crítica de um sujeito que está morrendo de fome, e que se acha condenado ao suplício de ver comer uma bela mulher: é esse caso especialíssimo que eu digo que o homem que é capaz de conservar as suas ilusões tem uma imaginação que eu respeito.

Voltemos à regata.

À noite improvisou-se um sarau nos salões do Sr. Leite, e todas as pessoas que se achavam na reunião da sociedade foram convidadas e instadas para subirem.

Havia moças, música e flores, esta trindade mística do prazer, e por conseguinte a festa foi soberba; completou-a a afabilidade dos hóspedes e a amabilidade com que todos eram recebidos.

Dançou-se, conversou-se, brincou-se, e às onze horas cada um retirou-se com a alma cheia das agradáveis impressões do dia.

Eu fui ler umas páginas de romance escritas na Revista dos Dois Mundos de 1º de março por...

Adivinhem por quem, senhores ministros presentes e futuros?

Por Guizot.

O grande estadista, o político profundo ainda se julga feliz em poder, depois dos reveses da fortuna, voltar à imprensa e entreter-se com a sua pena a traçar algumas cenas dramáticas e uma história simples do coração humano.

Entretanto no nosso país se diz que a imprensa é venal e corrompida, e se trata de desacreditar essa força civilizadora da sociedade.

Mas que importa?

Porque o homem num momento de humor se revolta contra a chuva, e desespera de apanhar sol, nem por isso os outros deixam de continuar o seu giro, e as estações de seguirem o seu curso regular.

Assim é a imprensa.

Obscura invenção de Gutenberg, simples maquinismo para escrever algumas palavras com pequenas formas de pau, cresceu, desenvolveu-se, foi-se estendendo por toda terra, e hoje está destinada a dominar o mundo, como a maior criação do homem.

Nela se concentram os dois mais poderosos elementos da civilização, os dois grandes agentes que fazem mover o mundo: a inteligência e o vapor.

Que poderá resistir a essa combinação do pensamento com a força, a essa união da palavra com a rapidez?

Tempo virá em que do obscuro gabinete do escritor a pena governará o mundo, como a espada de Napoleão da sua barraca de campanha.

Uma palavra que cair do bico da pena, daí a uma hora correrá o universo por uma rede imensa de caminhos de ferro e de barcos de vapor, falando por milhões de bocas, reproduzindo-se infinitamente como as folhas de uma grande árvore.

Esta árvore é a liberdade; a liberdade de imprensa, que há de existir sempre, porque é a liberdade do pensamento e da consciência, sem a qual o homem não existe; porque é o direito de queixa e defesa, que não se pode recusar a ninguém.

Mas esta bela idéia me levaria muito longe, tenho tanta coisa pequena de que falar, que não sei como me poderei sair desta dificuldade.

O melhor é cortar o nó górdio com a espada de Alexandre, e não falar de mais coisa alguma.

Sirva, pois, a pena de espada, e façamos ponto final.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Wagner Marques Lopes/ MG (Trovas do Pós-“Fim do Mundo”)


Não entrou a Terra em “S”!...
Outra vez, cadê o fim?...
Um novo mundo se tece;
melhor, apesar de mim...

Mundo vem... E mundo passa...
A Terra não vê seu fim!...
Informo: a grande ameaça
Anda aqui dentro de mim.

Sendo fingido ou finório,
devo a isto dar um fim.
A maldade – algo notório
que existe dentro de mim.

Há muito um mundo caduca –
mais um tanto, e chega ao fim –
tempo de vida maluca:
do irmão distante de mim!...

Um mundo velho se apaga:
o pior terá seu fim,
quando eu fizer boa vaga
do melhor que existe em mim.

Fonte:
O Autor

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 7


Amadeu Amaral
(Amadeu Amaral Ataliba Arruda Leite Penteado)
(Capivari/SP, 6 de novembro 1875 – São Paulo/SP, 24 de outubro de 1929)

" SONETO "

Tudo isto há de passar, de certo, muito em breve...
Branca névoa sutil, ir-se-á quando o sol nasça;
branco sonho de amor, passará, como passa
ondas em fúria uma garça de neve.

Passará dentro em pouco, imitando a fumaça
que se evola e se esvai nas curvas que descreve.
Fumaça de ilusão, força é que o vento a leve,
força é que o vento a leve, e disperse, e desfaça.

Que importa! Uma ilusão que nos alegra e afaga
há de ser sempre assim, no mar bravo da vida,
como a espuma que fulge e morre sobre a vaga.

Esta me há de fugir esta que hoje me inflama!
E antes vê-la fugir como uma luz perdida
que possuí-la na mão como um pouco de lama . . .

" SONHOS DE AMOR ..."
   
Sonhos, sonhos de amor... Enganosa miragem
do deserto. . . fulgor de insidiosa lagoa
a sorrir e a tremer sob a fresca ramagem,
na aparência feliz da água límpida e boa...

Castelo de fumaça a embalar-se na aragem
e que de brusco rola e no azul se esboroa . . .
Rútila espumarada oceânica . . . paisagem
que vista ao longe encanta e que de perto enjoa.

Borboletas ao sol... íngreme e dura serra,
que na luz do horizonte afunda as amplas cristas,
lembrando uma região de paz dentro da terra . . .

Paisagem, borboleta, águas, espumaradas!
Ilusório clarão das cousas entrevistas!
Passageiro esplendor.
=============

Amélia de Oliveira   
(Niterói/RJ, 1868 - 1945 )
Noiva de Bilac, para quem fez este soneto, após o rompimento do noivado, imposto por seu irmão mais velho, José Mariano de Oliveira.

" PRECE "

Não te peço a ventura desejada
nem os sonhos que outrora tu me deste,
nem a santa alegria que puseste
nessa doce esperança já passada.

O futuro de amor que prometeste
não te peço! Minha alma angustiada
já não te pede, de impossível, nada,
já não te lembra aquilo que esqueceste!

Nesta mágoa sorvida ocultamente,
nesta saudade atroz que me deixaste,
neste pranto que choro ainda por ti

nada te peço! Nada! Tão somente
peço-te agora a paz que me roubaste,
peço-te agora a vida que perdi!

SONETO *

Noite fechada! O espaço inteiramente
 É trevas, Que tristeza encerra esta hora
 Em que tudo é silêncio e a alma que chora
 Abafa as vozes do sofrer latente!

 Mas um canto vibrou, longe, plangente...
 Quem é que a solidão perturba agora?
 OH! Quem se atreve pela noite afora
 Um grito desferir, lugubremente?

 É, porventura, uma alma forasteira,
 Que vagueia, sozinha na espessura
 Da noite, procurando a companheira?

 Não... Talvez seja a gargalhada insana
 De alguma ave de agouro que procura
 Escarnecer da dor da vida humana!
=============

Amélia Tomas
(Cantagalo/RJ, 1897 – 1992)

" SONETO ANÔNIMO "

Vem de longe este amor. Me nasceu um dia,
em que, no teu olhar, pousando o olhar tristonho
vi, entre o ouro do teu, que harmoniosa subia,
a estranha procissão das estrelas do Sonho.

Desde então foi assim, de porfia em porfia,
eu, buscando esconder num presságio risonho,
tudo quanto em tua alma em livro aberto eu lia,
tudo quanto em minha alma, ora morrer, suponho.

Mas em vão. Ele surge intempestivamente
ao clarão de teu nome, iluminando um poema
de uma página morta, em que o enredo se trunca.

E volta a florescer, em primavera ardente,
tão vivo, tão real, bradando em voz suprema,
que este é o amor imortal que não se esquece nunca!

" SONETO DE OUTONO "

Aproxima-te, Amor, antes que inteiramente
se afunde, noite a dentro, esta tarde que cai.
Vem olhar de bem perto a glória desse poente
que, irisado de luz, agoniza num ai.

Vem bem depressa, Amor! Meu coração contente,
o rumor de teus pés, - que a esmagar folhas vai, -
num grande, estranho, inquieto anseio, já pressente
deslumbrado, no fim da tarde que se esvai!

Aproxima-te mais, antes que a noite desça. . .
Vê - o sol vai fugindo e em mim paira o receio,
de que ele, ao despedir seu ultimo lampejo,

não veja junto a mim tua amada cabeça,
para no fim da tarde emocional que veio
poder iluminar nosso primeiro beijo!

AMOR **

Outr'ora eu te buscava na confiança 
De achar em ti, Amor, o bem superno, 
E o jovem coração, todo esperança, 
Por que te cria um deus, julgou-te eterno.

Mas, de mudança andar para mudança, 
De um inferno rolar para outro inferno, 
Descrente acreditei que tudo alcança 
Quem te pode evitar, veneno interno. 

Hoje, que empós do Ideal, de tal maneira,
Que mais parece célere corrida, 
Vou na insânia infeliz desta canseira,

Eu te olho e te abençôo agradecida, 
Como a ilusão melhor, mais verdadeira, 
Entre as fugazes ilusões da vida …

PARÁFRASE DE UM PENSAMENTO DE TSÁO CHANG LIANG **

Noite amena, aproxima-te quietinha, 
Vem a meu quarto ouvir o meu pedido: 
Estou triste, calada anda a voz minha, 
Não há canto que agrade a meu ouvido. 

Noite serena, outr'ora, alegre, eu vinha 
Implorar-te que o ouro mais polido 
Das estrelas que, em véus, teu seio aninha, 
Jorrasses no meu verso comovido. 

Hoje, noite querida, eu não te imploro 
O sono de meus olhos, nem te exoro 
Dar repouso sereno aos meus cansaços. 

Peço-te apenas isso: O' noite! Escuta! 
— Sossega o coração que sofre e luta 
Adormece-o, cantando nos teus braços!

PANTEISMO **

Vem abrir para o sol os teus olhos contentes 
Diante da natureza e, em profano ritual, 
Alma! às árvores conta a estranha ânsia que sentes 
Em cada ondulação de cada vegetal! 

Onde um rumor de vento entre as folhas pressentes, 
Ouves um coração que te segreda e é tal 
A alta repercussão dessas forças latentes, 
Que vês na árvore um templo e na folha um missal. 

Talvez, há muito tempo, em séculos distantes, 
Por capricho de um deus foste árvore; de então 
Guardaste a compreensão dos galhos soluçantes...

E de transmigração para transmigração, 
No teu sangue ainda flui, em átomos errantes, 
A angústia vegetal que há no teu coração …


Fontes:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963
* – Amélia de Oliveira: Soneto. Disponível em Antonio Miranda 
** – Amélia Tomas: Amor; Panteismo e Paráfrase de um Pensamento de Tsáo Chang Liang. Disponível em Antonio Miranda 

Antonio Brás Constante (Acredite, Você Também é uma Bomba)


A diferença entre você e uma bomba atômica é que você (até onde se sabe) não dispõe dos mecanismos necessários para partir ou unir os átomos que compõe este seu corpinho de primata com ares de inteligente, fazendo com que eles estourem (independente da quantidade de batata-doce ou repolho que você tenha comido) gerando toda aquela conhecida onda de devastações já apresentada ao mundo durante a segunda guerra mundial e em alguns filmes adorados pelo público e odiados pela critica entendida (composta por alguns poucos e pretensos iluminados que acreditam ter um gosto tão refinado e crítico, que parecem aos nossos olhos leigos como sendo um bando de chatos metidos a intelectuais).

De vez em quando aparece na história de nossa própria história humana algum indivíduo (geralmente ditador, rico e maluco) que, não satisfeito com a impossibilidade de utilizar seus próprios átomos para explodir as coisas, resolve dar ouvidos a sua megalomania interna e começa a brincar de fazer testes com seu arsenal nuclear de estimação, antes que as tais bombinhas percam a validade e tenham de ser jogadas fora, algo que poderia ser encarado com um desperdício do dinheiro público, seja ele ditatorial ou não.

Na teoria louca deste aprendiz de escritor, para poder unir seus átomos e gerar uma poderosa explosão, você teria que ser primeiramente recheado com isótopos de hidrogênio (deutério e trítio) e depois socado dentro de uma bomba atômica (cercado de urânio por todos os lados), e talvez quando ocorresse à explosão da bomba, devido aos fatores que causam a fissão nuclear do urânio, seu recheio de átomos poderia vir a se confundir e se fundir, buscando o caminho inverso da fissão, entrando nessa dança de destruição, desencadeando explosões do mesmo modo que fazem os átomos de hidrogênio digamos “tradicionais” de uma bomba H.

Um átomo de hidrogênio normal (daqueles que não apresentam distúrbios neurológicos por não terem neurônios) tem um próton e nenhum nêutron, já o seu similar, também conhecido como Deutério (que é na verdade um isótopo do hidrogênio), conta com um mesmo próton, porém, já vem equipado com um nêutron, e quanto ao trítio melhor você mesmo buscar informações sobre ele na internet. É justamente estes isótopos que, quando esmagados como se fossem uma banana com canela se unem gerando bem mais energia do que a da tal banana em nosso organismo. E o que sobra desta união, além da colossal energia liberada? Apenas o bom e pacato Hélio (ou algo parecido com isso), que quando utilizado para encher balões de aniversário faz a alegria da gurizada.

Mas quando digo que somos uma bomba, não quero dizer no sentido literal, mas sim no sentido comportamental. Criamos nossas crianças com pensamentos de segregação religiosa, patriótica, e social, entre outras, e ainda chamamos a isto de cultura?

Não nos contentamos em sermos todos terráqueos, temos que nos manter divididos, com divisões dentro de outras divisões, chamando-as de continentes, nações, estados, cidades, municípios, ruas, lares, indivíduos. Achamos-nos superiores as galinhas, vacas e porcos entre tantos outros animais, que sacrificamos todo dia para comer, vestir, caçar, testar medicamentos, de forma atroz e inconseqüente, levando muitos a derradeira extinção. Matamos florestas, pois somos os donos do planeta, ou seria melhor nos chamarmos de parasitas, que se mantêm vivos graças às insignificantes bactérias que residem aos milhares dentro de nós e nem percebemos sua salvadora existência.

Sequer admitimos a hipótese de vida em outra parte do universo, mas ao contrário, acreditamos piamente em reinos do além, feitos para nosso total prazer e felicidade, desde que consigamos fingir uma bondade que não combina com a quantidade de miséria e violência existente neste mundo.

Parece ser mais fácil acreditar em anjos com asas, que libertar dos grilhões da ignorância as asas de nossa própria imaginação, abrindo os olhos para entender o fato que somos filhos da evolução. Nossos átomos já existiam antes de nós e vão continuar imortalizados como poeira das estrelas muito depois de nossa morte.

Algumas religiões acreditam na imortalidade da alma, eu prefiro acreditar na imortalidade do átomo. Talvez você não tenha se dado conta, mas os átomos que compõe seu corpo existem desde os primórdios dos tempos. Lembra da frase: “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, ela também diz respeito à matéria que compõe seu corpo. Parte desses átomos podem já ter estado presentes dentro do olho de um dinossauro, nas correntes marítimas, no tronco das árvores, nas patas de um albatroz. Você não foi o primeiro ser vivo a ter estes átomos e muito provavelmente não deverá ser o ultimo.

Enfim, seus átomos estão unidos de tal forma a garantir sua integridade física, se eles simplesmente se soltassem você se desintegraria, se dissolveria como se deixasse de existir, mas seus átomos mesmo pairando totalmente livres da influência do restante de você, ainda existiriam. Eles acabariam se misturando ao ar, as rochas, a relva. Flutuariam ao espaço, voltariam a ser poeira das estrelas.

Fonte:
Blog do Autor
http://abrasc.blogspot.com.br/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 764)



Uma Trova de Ademar  

Ela fez comigo um voto 
prometendo se casar; 
olhem bem para esta foto... 
Morri de tanto esperar! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Chegou depressa à velhice 
e o velho que foi discreto 
se desmancha em macaquice 
só para agradar o neto. 
–Raimundo R. de Araújo/CE– 

Uma Trova Potiguar  

Quando entre nós pinta o clima 
em minha amada eu me encaixo. 
O beijo nos liga em cima, 
e esquenta tudo por baixo... 
–Bob Motta/RN– 

Uma Trova Premiada  

2001   -   Belém/PA 
Tema   -   PIJAMA   -   M/H 

Vendo as listras do pijama
que vestia Dorotéia,
seu genro, bêbado, exclama:
- A zebra engoliu a veia!!!
–Gerson Cesar Souza/RS– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Foi um vexame. O marido, 
quando a mulher o traiu, 
ficou tão enfurecido 
que, em vez de gritar, mugiu! 
–Durval Mendonça/RJ– 

U m a P o e s i a  

Fui eu que prendi Nenem da Rocinha,
Fiz denúncia do tal do mensalão,
Coloquei os corruptos na prisão
Dei lição pra Edu Guedes na cozinha;
Nos States sou amiga da rainha,
fiz poema pra Vinícius de Moraes,
Contracenei com Juliana Paes, 
Já dancei com Carlinhos de Jesus; 
Fiz um samba com Zeca e Arlindo Cruz
E o que é que me falta fazer mais? 
–Rita do Carmo/RN– 

Soneto do Dia  

PARA QUE SERVE A MULHER? 
–Mariano Melgar/PERU– 
(Não tenho nada a ver... Isso é coisa de Peruano!(Risossssss))

Não nasceu a mulher para querida, 
Por esquiva, por falsa, por mutável; 
E como é bela, fraca, miserável, 
Não nasceu para ser aborrecida. 

Não nasceu p'ra que seja submetida, 
Visto ser de caráter indomável; 
Como a prudência é nela inevitável, 
Não nasceu para ser obedecida. 

Como é fraca, não pode ser solteira; 
Como é infiel, não pode ser casada; 
Mutável, não é fácil que bem queira. 

Não sendo para amar, nem ser amada, 
Nem p'ra vassala, nem para primeira, 
Não serve, finalmente, para nada.