sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Eles Não Usam Black-Tie)


Espetáculo que inicia a fase nacionalista do Teatro de Arena e lança o autor Gianfrancesco Guarnieri, que serve de modelo e estimulo para outros jovens escritores dramáticos brasileiros.

Em 1957, José Renato resolve assumir a produção de O Cruzeiro Lá no Alto, texto de Gianfrancesco Guarnieri, prevista para ser a última montagem do grupo, que passa por graves dificuldades financeiras.

Rebatizada, por sugestão de José Renato, como Eles Não Usam Black-Tie, provocativa referência ao Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, e a seu público. A peça trata de uma greve operária, colocando em cena moradores de uma favela e seus problemas socioeconômicos. O texto faz um recorte preciso de um momento altamente dramático: o jovem operário Tião fura o movimento grevista, pois, tendo engravidado a namorada, teme perder o emprego na hora em que mais necessita dele. As conseqüências de sua atitude são dolorosas e ele é obrigado a enfrentar não apenas seu pai, o líder grevista, mas também sua própria namorada, que o impele à frente de luta e o abandona.

Eugênio Kusnet, com sua larga experiência no método de Stanislavski, encarna o velho Otávio; Lélia Abramo, politizada intelectual vinda de experiências junto a grupos operários anarquistas, vive a mãe Romana; Miriam Mehler, recém-formada pela Escola de Arte Dramática - EAD, encarrega-se de Maria, amor de Tião, interpretado pelo melhor ator do Arena no período - Gianfrancesco Guarnieri, depois substituído por Oduvaldo Vianna Filho. Os outros papéis cabem a Flávio Migliaccio, Riva Nimitz, Chico de Assis e Milton Gonçalves.

A encenação de José Renato é simples, direta e eficiente. Valoriza o enredo e dá corpo às personagens, imprimindo dramaticidade e energia à ação. Utiliza um samba composto por Adoniran Barbosa para pontuar passagens significativas da trama. Êxito surpreendente para quem pensava em fechar as portas, Black-Tie permanece um ano em cartaz, cumprindo posteriormente bem-sucedida carreira no interior de São Paulo e no Rio de Janeiro. Animado pelo sucesso, o Arena investe forças na criação de outros textos nacionais, instituindo o Seminário de Dramaturgia, de onde sairão os textos para as montagens seguintes, que respondiam à necessidade do público de ver nos palcos a realidade nacional. Até 1960, foram montados, entre outros: Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho; Quarto de Empregada, de Roberto Freire; Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa. 

Destaca o crítico Sábato Magaldi: "A encenação de José Renato foi, até aquele momento, a mais homogênea e de rendimento uniforme e satisfatório. E a recompensa supunha muitas dificuldades para transmitir a veracidade do texto, porque formavam o elenco atores inexperientes ou estrangeiros. Valorizou a montagem a maturidade, orientada no sentido do despojamento. [...] Em poucos trabalhos ele não revela a preocupação de inventar algo, para que sua presença ficasse marcada. Aqui, o encenador se libertou da sedução de impor os próprios achados e atingiu a autenticidade, por despir o conjunto de efeitos. Não seguiu, também a falsa pista do pitoresco no morro, despreocupando-se da tarefa quase impossível, na arena, de mostrar a cor local".1

Eles Não Usam Black-Tie é a primeira de muitas outras encenações que colocam o Teatro de Arena como o conjunto de maior representatividade em São Paulo até meados da década de 1960.

Notas 

1. MAGALDI, Sábato. Um palco brasileiro: o Arena em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Fonte:

Cássio Pantaleoni (Por que Precisamos de Poesia?)



A pergunta-título que ora se coloca não refere quem a reclama. Poderia ser formulada por quem se depara com a poesia e que, enfadado, desdenha-a. Por outro lado, poderia ser feita pelo próprio poeta, como tentativa de encontrar justificação para sua lida. Contudo, precisamos, sem pressa, preservá-la em sua condição ambivalente, para que possamos responder, tanto ao poeta quanto ao leitor mais refratário, algo que se avizinhe com o real sentido do que se investiga.

Primeiramente, é necessário dizer que se engana aquele que afirma encontrar o traço da premeditação na elaboração poética, como se houvesse alguma intenção prévia do poeta, pretendendo expor algo que já antes andava em convívio com sua alma. Ao contrário, a poesia é rastro de espontaneidade, algo que é deixado como evidência daquilo que é inaugurado no instante em que se manifesta, vazando desinteressada das fímbrias do espírito. É uma incontinência que se conforma em versos, redondilhas e lirismos. 

Ressalte-se que a elaboração poética é, sempre e de algum modo, uma distensão dos costumes, da cotidianidade, expressão que flerta com os sentidos que ainda não nos são de todo conhecidos. É fácil compreender isso. Se concordarmos que o espírito – a cultura – é uma justaposição das idéias do mundo na borda da história, então a poesia é referência, pois nos fala desde um ponto comum, formas e conteúdos legados pela cultura. Também é acedência, possibilitando o acesso para uma nova região do sentido. Ela consente que outros recursos possam colaborar para o entendimento dos tempos em que se vive e das possibilidades futuras, mostrando-se ainda como importante percurso para a invenção de novas acepções. Ela retira do discurso familiar o que é comum a todos para então projetar algo que estranha. A poesia é uma intemperança. 

Podemos perguntar se ela – a poesia – é algo presciente, ou se simplesmente se trata de uma irrupção, e assim investigar os fundamentos dessa disposição dos poetas. Mas talvez assim estaríamos desistindo daquilo que efetivamente está em jogo na poesia – o outro. 

É difícil imaginar que o poeta escreva para si mesmo, mesmo quando assim diz fazer, tal como um agente solitário diante de um mundo de descaso. Ele já sempre discorre diante de. Esse estar diante de é um estar junto com o outro de modo análogo, mas contraposto; conforme, mas independente. O poeta busca denunciar a familiaridade dos discursos. Ele avizinha representação e apresentação, sugerindo uma aventura, convidando à travessura. Assim, o poeta sempre é de algum modo diante de e adiante do outro, mas nunca sem antes encontrar conforto naquilo que aí está como legado das idéias do mundo. A poesia só existe no campo de uma certa inteligibilidade. É uma reconsideração do sentido que só pode ser realizada mediante o outro. Reconsiderar o sentido é especular, no imaginário coletivo, acerca das possíveis intenções perdidas na linguagem, contudo sem recorrer à intencionalidade. A espontaneidade é o destino da poesia e seu começo. Não poderia haver mediação intencional. Intencionalidade é imposição, é desconsideração do outro. 

Responde-se assim porque precisamos da poesia. Pois, poetas ou não, necessitamos crer na espontaneidade. Precisamos crer que ainda é possível se libertar desse condicionamento dos discursos, das idéias, dos rituais sociais. Precisamos recuperar a espontaneidade de modo arrebatador, precisamos ser tomados por ela de tal forma que cada gesto ou palavra seja uma manifestação verdadeiramente divina. Quando perdemos a espontaneidade deixamos a condição humana à deriva, pois aí, sem ela, o que visamos é apenas a autoconsideração. 

Como inspiração, vale lembrar Quintana: “Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão...eu passarinho!” .
––––––––––
SOBRE O AUTOR
Cássio Pantaleoni é Mestre em Filosofia pela PUCRS no campo de especialização da Fenomenologia e da Hermenêutica. Escritor, finalista da edição de 2011 da Categoria Contos da AGES, finalista do concurso de Contos Machado de Assis do SESC-DF em 2011, Segundo Lugar no 21o. Concurso de Contos Paulo Leminski em 2010, fundador da editora 8INVERSO e profissional da área de Tecnologia da Informação. Autor de "Os Despertos" (2000), "Ninguém disse que era assim" (2002), "Desmascarando a incompetência" (2005), "Histórias para quem gosta de contar histórias" (2010) e "A Sede das Pedras" (2012).cassio@8inverso.com.br
www.sextadepalavras.blogspot.com
https://www.facebook.com/cassio.pantaleoni.9

Fontes:
http://www.artistasgauchos.com.br/portal/?clid=29
http://www.artistasgauchos.com.br/portal/?cid=74

Paula Raposo (Caravelas da Poesia)


“A TUA CANÇÃO”

O mar voltou a chamar-me,
 brando, azul;
 ondulando
 levemente de espuma e paz.

Eu regresso, de mansinho
 (ao seu afago),
 canto a tua canção
 -num beijo inesgotável-
 quando o mar me desperta
 todas as ausências:
 eu te chamo breve em nós.

CARTA DE PAIXÃO”

Escrevo-te:
 mais uma carta de paixão.
 Conto-te do desejo,
 do incontornável calor
 do teu corpo e do meu,
 da saudade vincada de ti,
 da cama, do suor, do orgasmo.
 É: uma carta de paixão
 (esta), a que te escrevo,
 com palavras que escorrem
 no envelope.
 Vem hoje;
 para que eu me venha, também.

“AQUECE”

Não deixes arrefecer,
 aproveita a imaginação
 e no vento frio,
 que nos gela,
 aquece comigo a noite.
 Deixa que a madrugada
 regresse a casa
 e o calor se faça sentir,
 como a memória,
 agora ausente,
 do que fomos;
 nas entranhas
 os únicos sobreviventes.

“ATRASOS”

Sempre olhavas o relógio
 E as horas marcadas
 Para estar em casa
 Quando começava
 A despir-me
 Olhavas-me cobiçoso
 E tocavas-me
 Onde sabias
 As horas ficavam para trás
 (Mas nunca te atrasavas
 Em casa)
 Atrasavas-te só em mim
 No reboliço
 Em que deixávamos
 Metade de nós

“CANÇÃO DO AMOR”

Gosto das canções de amor
 Embaladas na tua voz
 Como se a música
 Chovesse prateada
 Em torno do meu corpo
 Emudecido
 Gosto de te ouvir
 Nas canções de amor
 Que a tua vida não calou
 E que cantas ainda
 Sob um feixe de luz
 Na madrugada aquecida
 De um quarto de hotel
 Adormeces-me em desvario
 Quando assim me embalas
 E a chuva é prateada
 E o vento se torna poema
 Na tua canção de amor.

“O TEMPO ERRADO”

Tanta palavra dita e redita
 Esquecida e magoada
 Falada no silêncio
 Fechada no tempo
 De não ser nada.
 Palavras repetidas
 Como se fossem verdade
 Como se as quisesse ouvir
 Só para que a minha voz
 Ecoe e eu a escute
 Para que as palavras
 Sejam as da minha solidão
 As da minha vontade
 Aquelas que se entregam
 Sem troca alguma.
 Ditas e reditas
 Enterradas no dia
 Do tempo errado…

DESENHO

Desenho com um lapis,
acabado de afiar,
os traços que contornam
o teu rosto
onde a barba se destaca,
mas não sei desenhar
o tom da tua voz.

Talvez o pinte de azul- maresia
e o acaricie
num longo gesto,
pronunciado
Pelo bico de meu lápis,
junto à nascente
do dia
com a sofreguidão
da maré

Fontes:
http://www.estudioraposa.com/index.php/category/poetas/paula-raposo/
http://o-sol-poente.blogspot.com.br/2009/03/poesia-de-paula-raposo.html

Paula Raposo (1954)


Maria Paula Raposo nasceu em Lisboa, em 1954. 

Chegou a frequentar a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mas Interrompeu os estudos para ir trabalhar num banco, trabalho que trocou em 1987, por um escritório de contabilidade. 

Concilia a sua carreira de escritora e poetisa com a atividade que continua a desenvolver nesse escritório. 

O seu primeiro livro, num registo marcadamente autobiográfico, foi editado em 2001, sob o título “Incoerências“. Com o seu segundo livro, “Canela e erva doce”, Paula Raposo estreou-se na edição de poesia. A sua poesia é livre, sem deslumbramentos formais no que respeita a métrica e rima, contendo em si uma contemplação constante, um encanto místico, onde o amor está sempre presente. 

Em 2006 participou com outros autores no livro A Poesia nos Blogs, Ed. Apenas Livros.

Participou na I Antologia de Poetas Lusófonos, com 5 poemas, Folheto Edições & Design, Lda. 

Em 2007 participou com um poema no livro da blogosfera O que é o amor? da Anjo Dourado.

 Em 2008 participou com outros autores no livro misto 22 Olhares sobre 12 palavras, Edium Editores e na "II Antologia de Poetas Lusófonos" com 5 poemas, Folheto Edições & Design, Lda.

 Editou em novembro de 2008 pela Apenas Livros Golpe de asa. 

Em março de 2009 Nevou este verão e em outubro o Marcas ou memórias do Vento todos da Apenas Livros.

 Em 2009 colaborou, com um poema, na "II Antologia das Noites de Poesia" em Vermoim (Maia- Porto).

 A 30 de outubro de 2010 foi apresentado o O verbo Ser também da Apenas Livros.

 Em outubro de 2011 Insubmissa: o lado errado numa linha imaginária, pela Chiado Editora.

 Em fevereiro de 2012 colaborou na Antologia Entre o Sono e o Sonho III da Chiado Editora.

 Em março de 2012 colaborou na I Antologia de Poesia da Editora Universus.

    A autora (in)define-se numa só frase: "Não sou definível, sou apenas uma mulher como as outras".

Fontes:
http://www.estudioraposa.com/index.php/category/poetas/paula-raposo/
http://www.magna-editora.com/paula-raposo.htm
http://www.wook.pt/authors/detail/id/2662172

Machado de Assis (Fagundes Varela: Cantos e Fantasias)


AQUI TEMOS um livro do Sr. F. Varela, que é ao mesmo tempo uma realização e uma: promessa: — realiza as esperanças das Noturnas e das Vozes da América, e promete ainda melhores páginas no futuro. 

O Sr. F. Varela é um dos talentos mais vitais da nova geração; e lendo os seus versos explica-se naturalmente o entusiasmo dos seus companheiros da academia de São Paulo, onde o nome do autor das Noturnas goza de uma indisputável primazia. A academia de S. Paulo, como é natural em uma corporação inteligente, deu sempre um belo exemplo de confraternidade literária, rodeando de aplausos e animação os seus talentos mais capazes. Nisto o Sr. Ferreira de Meneses, autor do prefácio que acompanha os Cantos e Fantasias, é um órgão fiel do pensamento de todos; e saudando esta reunião, no mesmo livro, de dois nomes prestimosos, de dois moços de talento, saudamos ao mesmo tempo o progresso da academia e o futuro das letras brasileiras.

O Sr. Ferreira de Meneses, que conviveu com o poeta dos Cantos e Fantasias indica no prefácio a que aludimos os autores que servem de modelo ao Sr. Varela, e entre eles, Lord Byron. Não nos parece inteiramente exata esta apreciação. É verdade que, durante algum tempo, a poesia de Lord Byron influiu poderosamente nas jovens fileiras da academia; mas se o autor das Vozes da América aprecia, como todos nós, a musa do cantor de Child-Harold, nem por isso reproduz os caracteres do grande poeta, e damos-lhe por isso os nossos parabéns.

Houve um dia em que a poesia brasileira adoeceu do mal byrônico; foi a grande sedução das imaginações juvenis pelo poeta inglês; tudo concorria nele para essa influência dominadora: a originalidade da poesia, a sua doença moral, o prodigioso do seu gênio, o romanesco da sua vida, as noites de Itália, as aventuras de Inglaterra, os amores de Guiccioli, e até a morte na terra de Homero e de Tibulo. Era, por assim dizer, o último poeta; deitou fora um belo dia as insínias de noble lord, desquitou-se das normas prosaicas da vida, fez-se romance, fez-se lenda, e foi imprimindo o seu gênio e a sua individualidade em criações singulares e imorredouras.

Quis a fatalidade dos poetas, ou antes o privilégio dos gênios criadores, que este espírito tão original, tão próprio de si, aparecesse um dia às imaginações de alguns como um modelo poético. Exaltou-se-lhes a imaginação, e adoeceram, não da moléstia do cantor de D. Juan, mas de outra diversa, que não procedia, nem das disposições morais, nem das circunstâncias da vida. A conseqüência era natural esse desespero do poeta inglês, a que alude o Sr. Ferreira de Meneses, não existia realmente nos seus imitadores; assim, enquanto ele operava o milagre de fazer do cepticismo um elemento poético, os seus imitadores apenas vazavam em formas elegantes um tema invariável e uniforme. Tomaram-se de uns ares, que nem eram melancólicos, nem alegres, mas que exprimiam certo estado da imaginação, nocivo aos interesses da própria originalidade. A culpa seria dos imitadores ou do original?

Dos imitadores não era; são fáceis de impressionar as imaginações vivas, e as que se deixaram adoecer tinham nisso a razão da sua desculpa. É supérfluo dizer que, na exposição deste fato, não temos intenção de acusar a poesia quando ela exprime os tédios, as tristezas, os desfalecimentos da alma humana; a vida é um complexo de alegrias e pesares, um contraste de esperança e de abatimento, e dando ao poeta uma alma delicada e franzina, uma imaginação viva e ardente, impôs-lhe o Criador o duelo perpétuo da realidade e da aspiração. 

Daqui vem a extrema exaltação do poeta, na pintura do bem, como na pintura do mal; mas exprimir essas comoções diversas e múltiplas da alma é o mesmo que transformar em sistema o tédio e o cepticismo?

Um poeta houve, que, apesar da sua extrema originalidade, não deixou de receber esta influência a que aludimos; foi Álvares de Azevedo; nele, porém, havia uma certa razão do consangüinidade com o poeta inglês, e uma íntima convivência com os poetas do norte da Europa. Era provável que os anos lhe trouxessem uma tal ou qual transformação, de maneira a afirmar-se mais -a sua individualidade, e a desenvolver-se o seu robustíssimo talento; mas verdade é que ele não sacrificou o caráter pessoal da sua musa, e sabia fazer próprios os elementos que ia buscar aos climas estranhos.

Faremos, a seu tempo, um estudo deste poeta, e então diremos o que nos ocorre ainda a respeito dele; por agora limitamo-nos a atribuir-lhe uma parte da influência exercida em algumas imaginações pela poesia byrônica, e nisso fazemos um ato póstumo de justiça literária. Ora, pois, é o Sr. Varela uma das vocações que escaparam a essa influência; pelo menos, não há vestígio claro nas suas belas poesias. E como o nosso juízo não é decisivo, é apenas uma opinião, podemos estar neste ponto em desacordo com o autor do prefácio, sem por isso deixarmos de respeitar a sua opinião e apreciar o seu talento. No que estamos de pleno acordo, e no juízo que ele forma do poeta, apesar de defeitos próprios da mocidade; é o Sr. Varela uma vocação real, um poeta espontâneo de verdadeira e amena inspiração. Diz o autor do prefácio que os descuidos de forma são filhos da sua própria vontade e do desprezo das regras. Se assim é, o sistema é antipoético; a boa versificação é uma condição indispensável à poesia; e não podemos deixar de chamar a atenção do autor para esse ponto. Com o talento que tem, corre-lhe o dever de apurar aqueles versos, a minoria deles, onde o estudo da forma não acompanha a beleza e o viço do pensamento. Desde já lhe notamos aqui os versos alexandrinos, que realmente não são alexandrinos, pois que lhes falta a cesura dos hemistíquios; outros descuidos aparecem ainda no volume dos Cantos e Fantasias; vocábulos mal cabidos, às vezes, rimas imperfeitas, descuidos todos que não avultam muito no meio das belezas, mas que o nosso dever obriga-nos a indicar conscienciosamente.

Feitos estes reparos, entremos na leitura do livro do Sr. Varela. Divide-se em três partes: "Juvenília", "Livro das Sombras", "Melodias do Estio". Destes títulos só os dois primeiros definem o grupo de poesias que lhes corresponde; o último, não; e há aí poesias que nos parecem caber melhor no "Livro das Sombras"; isto, porém, é crítica de miunças, e veio ao correr da pena. O que importa saber é o valor dos versos do Sr. Varela. A primeira parte, como o título indica, compõe-se das expansões da juventude, dos devaneios do amor, dos palpites do coração, tema eterno que nenhum poeta esgotou ainda, e que há de inspirar ainda o último poeta. 

Toda essa primeira parte do livro, à exceção de algumas estrofes, feitas em hora menos propícia, é cheia de sentimento e de suavidade; a saudade é, em geral, a musa de todos esses versos; o poeta quer rêver et non pleurer, como Lamartine; descrição viva, imagens poéticas, uma certa ingenuidade do coração, que interessa e sensibiliza; nada de arrojos mal cabidos, nem gritos descompassados; a mocidade daqueles versos é a mocidade crente, amante, resignada, falando uma linguagem sincera, vertendo lagrimas verdadeiras.

O título de "Livro das Sombras", que é a segunda parte do volume, faz crer que um abismo a separa do poema de "Juvenília"; mas realmente não é assim. As sombras no livro do Sr. Varela são como as sombras da tarde, as sombras transparentes, douradas pelo último olhar do dia, não as da noite e da tempestade. Não há mesmo diferenças notáveis entre os dois livros, a não ser que, no segundo, inspira-se o poeta de assuntos diversos e variados, e não há aí a doce monotonia do primeiro. O "Cântico do Calvário", porém, avantaja-se a todos os cantos do volume: são versos escritos por ocasião da morte de um filho; há aí verdadeiro lirismo, paixão, sensibilidade e belos efeitos de uma dor sincera e
profunda. São esses também os versos mais apurados do livro, descontados uns raros descuidos. A idéia com que fecha essa formosa página é bela e original, nasce naturalmente do assunto, e é representada em versos excelentes. Quase o mesmo podemos dizer dos versos ao "Mar" que tantos poetas hão cantado, desde Homero até Gonçalves Dias; a paráfrase de Ossian, "Colmar", encerra igualmente os mais belos versos do poeta, e tanto quanto é possível parafrasear o velho bardo, fê-lo com felicidade o Sr. Varela. "Colmar" pertence já ao livro das "Melodias do Estio"; como se vê, a nossa apreciação é rápida, tendo por fim resumir o nosso pensa-mento, acerca de um livro que merece a atenção da análise, e de um poeta que tem jus ao aplauso dos entendedores.

Se há neste volume mais de uma imperfeição, se por vezes aparecem os descuidos de forma e de locução, não façamos desses cochilos de Homero grande cabedal; aconselhemos, sim, ao autor que não erija em sistema um defeito que pode diminuir o mérito das suas obras. Vê-se pelos bons versos que ele nos dá, quanto lhe é fácil produzir certo apuro na forma; emendar não prova nunca contra o talento, e prova sempre a favor da reflexão; e o tempo, cremos ter lido isto algures, só respeita aquilo que é feito com tempo; máxima salutar que os poetas nunca deviam esquecer.

Quanto ao cabedal da natureza, a inspiração a espontaneidade, essa tem-na o Sr. Varela em larga escala; sabemos que é um moço estudioso, e vê-se pelas suas obras, que possui a rara qualidade do gosto e do discernimento. Os que prezam as boas letras interessam-se pela ascensão progressiva do nome do Sr. Varela, e predizem-lhe um futuro glorioso. Que ele não perca de vista esse interesse e essa predição. Aconselhando-lhe a perseverança e o trabalho, o culto desvelado e incessante das musas, a nossa intenção é simplesmente corresponder aos hábitos de atividade que lhe supomos; não entra, porém, no nosso espírito a idéia de exigir dele uma prova de infatigabilidade literária; há quem faça uni crime da produção lenta, e ache virtude nos hábitos das vocações sôfregas; pela nossa parte, nunca deixaremos de exigir, mesmo dos talentos mais fecundos, certas condições de reflexão e de madureza, que não dispensam uma demora salutar. Ao tempo e à constância no estudo, deve-se deixar o cuidado do aperfeiçoamento das obras. Com estas máximas em vista e um talento real, como o do Sr. Varela, é fácil ir longe.

Desperta-nos as mesmas considerações um volume que acabamos de receber do Rio Grande do Sul. Intitula-se Um Livro de Rimas, e é escrito pelo Sr. J. de Vasconcelos Ferreira. Tem o poeta rio-grandense talento natural e vocação fácil; falta-lhe estudo e talvez gosto; alguns anos mais, e podemos esperar dele um livro aperfeiçoado e completo. O que lhe aconselhamos, porém, é que, além do extremo cuidado na escolha das imagens, que as há comuns e nem sempre belas, no livro das Rimas, procure o Sr. Ferreira tratar da sua forma, que em geral é pobre e imperfeita. Faça das musas, não uma distração, mas um culto; é o meio de atingir à bela, à grande, à verdadeira poesia.

Fonte:
Machado de Assis. Crítica Literária. Pará de  Minas/ MG: Virtualbooks, 2003.

Jornais e Revistas do Brasil (Diário do Maranhão)


Período disponível: 1855 a 1911 
Local: São Luis, MA 
  
Criado por empresários locais e dirigido por Antônio Rego, o Diário do Maranhão foi lançado em 1855, na cidade de São Luís. Veio à luz poucos anos após a lei que extinguiu o tráfico intercontinental de escravos para o Brasil (1850), apresentando-se como um “jornal do commercio, lavoura e industria”. Sua circulação foi suspensa em 1858, para reaparecer em 1873, com pequenas modificações.

Até 1858 as edições eram diárias, continham quatro páginas em formato grande, divididas em três colunas. Compunha-se de quatro partes: a oficial, com matérias referentes ao expediente da província; folhetim, espaço destinado a romances e novelas francesas; marítima, sobre o movimento de entrada e saída de embarcações no porto de São Luís, e notícias, com assuntos diversos, como festas, propagandas de mercadorias e serviços, comércio de escravos, de bebidas e leilões. Também publicava fatos ocorridos em outras cidades que não a capital, como Alcântara e Caxias, e notícias internacionais. Defendia a discussão de princípios e se declarava imparcial nas questões públicas ou particulares.
 O jornal oferecia assinaturas anuais por 12$000 réis, semestrais por 6$000 réis e trimestrais por 3$500 réis. Os anúncios para assinantes eram gratuitos (até três vezes com dez linhas, custando o excedente 40 réis por linha). Não assinantes pagavam 60 réis por linha em “typo comum” e 180 réis em “typo diferente”. As assinaturas deveriam ser pagas adiantadas e começavam em qualquer dia, finalizando nos meses de março, junho, setembro ou dezembro. A tipografia ficava na rua dos Barbeiros, 8.

A partir de 1874 o jornal experimentou algumas mudança. Continuou com quatro páginas, porém divididas em cinco colunas. Havia a secção geral, na qual se discutiam temas variados, e a secção de notícias, dividida em anúncios – com ofertas de serviços em geral, de profissionais do ensino, de mão-de-obra escrava em fazendas e construção civil, além de amas (de leite e para serviços domésticos) e mercadorias, como alimentos, bebidas, louças, roupas, remédios e escravos – e secção comercial, com o movimento da alfândega, do tesouro provincial e do setor financeiro.

A assinatura tinha valores diferenciados para capital e interior. Quem morasse em São Luís poderia assinar o jornal por seis meses (8$000 réis) ou por três meses (4$000 réis). Quem morasse no interior só tinha a opção da assinatura semestral (9$000 réis).

A publicação continuou diária, matutina, deixando de sair apenas às segundas-feiras e nos dias seguintes a datas santificadas e feriados. A redação e tipografia do Diário do Maranhão ficavam, então, na rua das Palmas, 6.

No acervo da Fundação Biblioteca Nacional há edições digitalizadas de 11.150 números, publicados entre 1855 e 1911.

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/diário-do-maranhão

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 768)



Uma Trova de Ademar  

O tempo austero e sisudo
põe na memória da gente
o alzheimer que apaga tudo
do vídeo tape da mente!
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Depois desta despedida 
que feriu meu coração, 
aqui fiquei esquecida 
a brincar de solidão. 
–Maria Cardoso Zurlo/RS– 

Uma Trova Potiguar  

O barco é movido a remos ... 
E hoje, pai, longe de ti, 
eu só sei dizer: vencemos; 
é injusto eu dizer: venci. 
–Manoel Cavalcante/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012   -   Caxias do Sul/RS 
Tema   -   COR   -   4º Lugar 

Brancos, negros e amarelos, 
se a causa é justa e loquaz, 
juntam braços, que são elos 
forjando as cores da Paz! 
–Flávio Roberto Stefani/RS– 

...E Suas Trovas Ficaram  

A voz dos ventos distantes, 
dentro das conchas do mar, 
são preces de navegantes 
que não puderam voltar.
–Hegel Pontes/MG– 

U m a P o e s i a  

Quando a lua vem chegando 
linda de véu e capela, 
é a noiva mais bonita 
que brilha na passarela, 
ela cochila em meus braços 
e eu durmo nos braços dela! 
–Prof. Garcia/RN– 

Soneto do Dia  

CIRENEUS. 
(Resposta ao soneto “Luz” de Divenei Boseli) 
–Thalma Tavares/SP– 

Gloriosa a mulher que a sós carrega 
seu madeiro de luta e sofrimentos. 
Seu calvário é de dor, mas não se entrega 
e raríssimos são seus bons momentos. 

A lhe dar seu valor ninguém se nega 
nem se nega a exaltar-lhe os sentimentos 
aquele que as virtudes não renega 
e sabe quanto pesam-lhe os tormentos. 

Mas não só na mulher esta virtude 
manifesta-se assim, estóica e rude 
- exemplo de firmeza sobranceira: 

na vida, em muitos homens reconheço, 
cireneus que carregam sem tropeço 
a sua cruz e a cruz da companheira!

Antônio Lôbo (Novos Atenienses: poemas)


OLHOS VERDES
Alfredo de Assis

Tinha o mar para mim, sempre, um novo atrativo.
Quanta vez eu lhe disse as minhas alegrias,
Sentindo-o, forte e belo, estremecer, cativo
Dos meus sonhos, num brando exalar de harmonias!

Hoje o meu velho amigo, hoje o mar, como vivo,
Só me traz o pavor e cruéis agonias.
Já não posso fitá-lo, ai! não posso, que avivo
Estas penas sem fim! estas mágoas sombrias!

Porque o verde do mar lembra o verde de uns olhos
Que me foram na vida a suprema ventura.
E por quem vivo agora a gemer e a chorar.

Olhos cheios de luz, olhos cheios de escolhos,
Cheios duma divina expressão de ternura,
E cruéis... e fatais como as águas do mar...

(Lôbo, Antônio. Os Novos Atenienses. São Luís: SIOGE/AML, 1970. p.58.)

SERTANEJAS
Luís de Carvalho

I

Vem nascendo a manhã. A lavandisca
Desfere o canto à sombra das ramadas.
Tremendo, o orvalho límpido faísca
Das paineiras nas flores desatadas.

Solta, pelos capões correndo, a arisca
Seriema as estridentes gargalhadas.
E a aurora as nuvens de oiro e sangue risca,
Doira e ensangüenta a areia das estradas.

Todo o sertão está desperto. O brando
E frio vento da manhã sacode
O mangueiral, as mangas despencando.

Sobe da mata o aroma das resinas.
E a codorniz, assobiando, acode
Aos pios matinais das sururinas.

II

Meio dia. Lá fora um sol violento
Cai do céu, queima o pó, doira as espigas.
À beira da água o gado sonolento
Repousa, e batem roupa as raparigas.

Agora a mata é quieta e muda. O vento
Cessou. Cessaram todas as cantigas.
Nem um leve rumor, nem um lamento
No seio bom das árvores amigas.
O engenho, entanto, à luz do sol trabalha.
A cana guincha nas moendas. Fuma
Fuligem negra a férvida fornalha.

Borbulha o mel nas tachas referventes
E um bafo sobe, ao desflorar da espuma,
Entre o fragor das máquinas trementes.

III

Agora o curvo céu resplende. O cheiro
Bom da jurema os ares embalsama.
Dorme o curral. O gênio feiticeiro
Da noite anda a sonhar de rama em rama.

Fia o luar nas árvores a trama
Da luz. Da casa-grande no terreiro
Tem a viola enleios de quem ama,
Entre os dedos nervosos do vaqueiro.

Grilos... O fogo azul dos pirilampos...
O murmurar dos ninhos e do rio,
A mãe-da-lua aos gritos pelos campos...

Noite de minha terra, mansa e boa!
Deixa que eu durma ouvindo o desafio
Das cantigas dos sapos na lagoa!... 
(p. 63-64)

(Lôbo, Antônio. Os Novos Atenienses. 2. ed. São Luís: SIOGE/AML, 1970.)

Fonte:

Antônio Lôbo (Os Novos Atenienses)


O perfil intelectual de Antônio Lôbo, no panorama da Literatura Maranhense, tem como paradigma as próprias concepções que ele expressou no texto de uma obra que, sem vias de dúvida, é precursora, fundadora, mestra e pioneira, no campo da crítica e teoria literária maranhense, Os Novos Atenienses, editada em primeira edição pela Tipografia Teixeira, em São Luís do Maranhão, 1909; reeditada pelo SIOGE, sob os auspícios da Academia Maranhense de Letras, em 1970, quando da passagem do Centenário de Nascimento do Autor.

Em Os Novos Atenienses, Antônio Lôbo analisa o renascimento da cultura e da literatura maranhense, procurando registrar e resgatar o momento literário de então, bem como a vida e a obra dos escritores que se destacaram na primeira década do século XX, apresentando em seu discurso uma leitura bem peculiar, que classificaríamos até de profética, dada a verdadeira atenção para as entrelinhas e os subentendidos usados por ele, com certeza para driblar a ditadura das letras da sociedade aristocrática da época, elitista, cartesiana, conservadora e puritana, sobretudo hipócrita, toda poderosa em seu círculo radicalmente fechado.

Sem dúvida, para falar dessa fase imediatamente finissecular, ele se estrutura nos precedentes, um momento áureo e de apogeu da Literatura Maranhense, em razão do qual o Maranhão mereceu o epíteto de Atenas Brasileira. Momento marcante, representado por escritores, eruditos, intelectuais e homens cultos do porte de Sotero dos Reis, Odorico Mendes, João Lisboa, Henriques Leal, Gonçalves Dias e poucos outros.

Os marcos anunciadores desse renascimento, na prática, são a fundação da Oficina dos Novos, em 28 de julho de 1900, que teve, como idealizador e responsável, o próprio Antônio Lôbo, e da Renascença Literária, em 17 de março de 1901, movimento cultural dissidente, encabeçado por Nascimento Moraes.

O principal mérito da obra Os Novos Atenienses, de Antônio Lôbo, está no caráter da novidade e autenticidade do documento para a época e para hoje, pelo fato de o texto ter vários olhares, leituras e diálogos, cujo descortino aponta para um universo semântico simultaneamente fixado no presente de então, na grande noite negra que o precedeu, num passado áureo e no futuro. Tempo esse sempre escasso e gasto por antecipação por quantos se equivocam sobre o que seja imortalidade. Inquestionavelmente, um manifesto, um documento referencial único, que funda, paralela e simultaneamente, uma teoria e uma crítica literária, portanto uma obra pioneira, no gênero, como referencial de visão crítica de uma época. Entre outros méritos está, também, o de registro e resgate dos movimentos, jornais e revistas literárias que cobrem o final do século XIX e o início do século XX.

Lendo Os Novos Atenienses, tomamos conhecimento da cultura literária de um escritor e de toda uma congregação geracional, aglutinada em torno deste como mentor intelectual, que se impôs por mérito e por necessidade. Temos consciência do quanto esta obra é indispensável, para que se possa fazer justiça aos que, do passado, passaram ao tempo presente, literariamente. Travamos conhecimento com a seriedade de propósitos e comprometimento de um homem de firmeza de caráter admirável, como Antônio Lôbo, para com a literatura e a sociedade maranhense. Um homem que preferiu morrer a corromper-se em qualquer plano. Não houve nem há tantos maranhenses da sua estirpe, muito pelo contrário. Com ele, podemos viajar para o passado e conviver com uma visão preconceituosa e restritiva que a intelectualidade maranhense tinha sobre a criação literária.

Lendo-se o texto de Antônio Lôbo, tem-se a antevisão de que, no Maranhão do início do século XX, ainda predominava a tacanha concepção parnasiana, equivocada, sobre o que seja a essência do poético ou da poesia. Portanto, poeta ainda era o doutor em se tratando de versificação e metrificação. E ele próprio fez certas concessões a esse tipo de pensamento, creditando, na teoria, conceitos sobre os quais, na prática, não referendara.

Felizmente, quando lemos Antônio Lôbo, percebemos, nas entrelinhas, que os seus verdadeiros eleitos não eram, senão, aqueles que a elite cultural da época considerava malditos, decadentes ou manquê, já que ele próprio, no mais belo poema que publicou, Por Amor de uns Olhos, paradoxal e contraditoriamente, se expressou como um legítimo simbolista, contrariando os cânones parnasianos, tão em voga, porém já retrógrados para poetas da estirpe de excêntricos como Maranhão Sobrinho, I. Xavier de Carvalho, Luís Carvalho e Alfredo de Assis, dentre poucos outros, que viveram o tempo cronológico de sua geração e muito além.

POR AMOR DE UNS OLHOS
Antônio Lôbo
...........................................................
Olhos que lembram preces e luares,
Céus estrelados, vagas marulhantes,
Guitarras a gemer, harpas cantantes,
Noites de amor em flóridos pomares,
...........................................................
Olhos que evocam, sugestivamente,
Umas paisagens líricas de sonhos,
Sob o clarão nostálgico e tristonho
De um perene luar, saudoso e algente,

Vagos queixumes, indecisas mágoas,
Prantos convulsos, nalgum sítio ermo
Harpejos tristes de alaúde enfermo,
Cisnes boiando sobre claras águas,

Velas que passam deslizando mansas,
Por tardes tristes, invernosas, frias,
Um desfilar de castas utopias,
Todo um cortejo branco de esperanças;
Olhos que a gente nunca mais esquece,
Como eu vos amo e quero, saiba embora
Que não se fez pra mim à luz da aurora
Que nas vossas pupilas resplandece,

Que as horas passem, que se volvam os dias,
Que os anos se amontoem sobre os anos,
Que um após outro cheguem os desenganos,
Que uma após outra fujam as alegrias,

Sempre na mente vos trarei brilhando,
Sempre em minhalma vivereis luzindo,
Olhos que um dia eu conheci sorrindo,
Olhos que após abandonei chorando.

(Moraes, Jomar. Vida e Obra de Antônio Lôbo. São Luís: Revista Legenda Editora, 1969. p.53-55.)

OS NOVOS ATENIENSES: A OFICINA DOS NOVOS & A RENASCENÇA LITERÁRIA

Essa agremiação, instalada a 28 de julho de 1900, sob o patronato de Gonçalves Dias, por Francisco Serra, João Quadros e Astolfo Marques, foi a Oficina dos Novos, que ainda hoje se mantém nesta capital, e cuja direção ficou assim composta: Presidente, Francisco Serra; Vice-Presidente, Luís Carvalho; Secretário-Geral, Astolfo Marques; Tesoureiro, Monteiro de Sousa; 1º Secretário e Bibliotecário, Maranhão Sobrinho.(...) O seu quadro social, que se foi sucessivamente alargando, conta hoje 30 sócios efetivos, 40 sócios honorários e 51 sócios correspondentes. A Oficina fez-se representar na imprensa por um periódico: Os Novos,(...).

Depois da publicação do primeiro número de Os Novos, isto é – a 16 de agosto de 1900, surgia na imprensa literária da terra, outro periódico – A Atualidade, - dirigido por Luís Carvalho e Henrique Fernandes, com a colaboração de Fran Paxeco, Damasceno Ferreira, Raimundo Santiago, Luís Serra, Maranhão Sobrinho, Viriato Correia, João Quadros e Agostinho Reis. Este último mantivera, anteriormente, outra folha literária, também de publicação periódica, em que haviam colaborado, I. Xavier de Carvalho e A. dos Reis Carvalho.

No ano seguinte, isto é – em 1901, desligava-se da Oficina dos Novos, um grupo de moços, para ir fundar uma nova sociedade.: A Renascença Literária, representada logo na imprensa por um mensário – Renascença, que viveu de 1901 a 1902, redigido por I. Xavier de Carvalho, Nascimento Mo-raes, M. George Gromwell, Otávio Galvão, Rodrigues de Assunção, Leôncio Rodrigues, Leslie Tavares e Caetano Sousa.

NOTA

É interessante notar que, até quando Antônio Lôbo faz certas restrições relacionadas ao modo peculiar como alguns poetas manejavam a mimésis, em nível da estesia, ou seja, como percebiam a beleza, de uma maneira estranha, extravagante, a exemplo de I. Xavier de Carvalho e Maranhão Sobrinho, que operaram os poemas, privilegiando as percepções sensoriais, é com uma diplomacia que desarma qualquer ânimo de antítese. Porque, primeiro, ele exalta, engrandece, amacia o ego, como um conterrâneo orgulhoso e ufanista dos irmãos que tem, para, em seguida, censurar, mas, ainda na censura, elogioso. Percebe-se que, no fundo, ele era um simpatizante da ousadia dos jovens pares, poetas que hoje são reconhecidos como legítimos antecipadores do Modernismo, por haverem criado uma autêntica maneira de se significar no discurso, através da alegoria, em nível da trapaça e do fingimento de que tão bem nos falou Fernando Pessoa. Luís Carvalho e Alfredo de Assis são exemplos típicos dessa aspiração que consagrou poetas como I. Xavier de Carvalho e Maranhão Sobrinho, que souberam construir textos, cujas bases são a sinestesia, a onomatopéia, a prosopopéia, a aliteração, o paradoxo, a ambigüidade, esse contraditório, portanto, ao estilo parnasiano, gerador das funções da linguagem no aceso do poético e metalingüístico. Luís de Carvalho, por exemplo, é alegoria pura, aliteração, sinestesia, onomatopéia, prosopopéia, a nos lembrar o soneto Moenda, de Da Costa e Silva.

Fonte:

Antônio Lôbo (1870 – 1916)


Antônio Lôbo é o nome literário de Antônio Francisco Leal Lôbo que nasceu em São Luís, capital do Estado do Maranhão, a 4 de julho de 1870. 

Professor, jornalista e escritor, tendo-se destacado, nesta última profissão, como ensaísta, poeta, romancista e tradutor.

Como funcionário público, exerceu os cargos de Oficial de Gabinete do Governo do Estado, da Biblioteca Pública Benedito Leite, do Liceu Maranhense e da Instrução Pública. 

Juntamente com Fran Paxeco, Ribeiro do Amaral, Barbosa de Godois, Corrêa de Araújo, Astolfo Marques, Godofredo Viana, Clodoaldo de Freitas, Inácio Xavier de Carvalho, Domingos Barbosa, Alfredo de Assis e Armando Vieira da Silva, fundou, na noite de 10 de agosto de 1908, a Academia Maranhense de Letras, uma extensão da Oficina dos Novos. 

Congregou e aglutinou, em torno da projeção intelectual de seu nome, os escritores de expressão da época. 

Em virtude de perseguições políticas, moralmente traumatizado, no último ano de sua existência, recolheu-se a sua residência e, na madrugada de 24 de junho de 1916, enforcou-se com uma corrente.

OBRAS MAIS EXPRESSIVAS

– A Carteira de um Neurastênico, romance publicado, inicialmente sob a forma de folhetim, na Revista do Norte, em São Luís, sob o pseudônimo de Jayme Avelar, em 1903; 
– Pela Rama, crônicas, São Luís, 1912; 
– Os Novos Atenienses, ensaio, São Luís, 1909. 

Traduziu as seguintes obras: 
– Debalde, romance da autoria de Stenkiwicz, cuja publicação inicial foi sob a forma de folhetim na Revista do Norte, São Luís, 1901; 
– em parceria com Fran Paxeco, O Juiz sem juízo, comédia da autoria de Bisson; 
– Henriqueta, da autoria de François Coppée.

Fonte: