sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 781)



Uma Trova de Ademar  

Lágrimas... Águas em fugas, 
que de maneira inclemente, 
deixam escritas nas rugas, 
os sofrimentos da gente... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

A vida pôs, por maldade,
tanta distância entre nós,
que, quando eu canto, é a saudade
que faz a segunda voz… 
–Izo Goldman/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Jamais eu me recusei
a confessar meu pecado,
a vida toda eu amei,
jamais me senti amado.
–Wellington Freitas/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012   -   Cantagalo/RJ 
Tema   -   ESPAÇO   -   6º Lugar 

A maquiagem pesada,
diante do espelho, desfaço
e em minha cara lavada
rugas brigam por espaço... 
–Élbea Priscila de Souza/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Há muito mais amizade,
mais esperança e doçura,
depois que veio a saudade
perturbar nossa ventura.
–Hélio Garcia de Matos/RJ– 

U m a P o e s i a  

Nesses clássicos contos eu me fiz,
ao invés de um poeta ou de um patrício,
fui num “conto de fadas fictício” 
um “mocinho” de um fim nem tão feliz...
nesses contos e histórias infantis 
seriamente eu deixei de acreditar!
feito um príncipe eu saí para encantar
mas faltou uma bela adormecida
“os meus becos são todos sem saída
e eu não sei como faço pra voltar”.
–Dudu Morais/PE– 

Soneto do Dia  

VOZ QUE SE CALA. 
–Floberla Espanca/ESP– 

Amo as pedras, os astros e o luar
que beija as ervas do atalho escuro,
amo as águas de anil e o doce olhar
dos animais, divinamente puro. 

Amo a hera, que entende a voz do muro
e dos sapos, o brando tilintar
de cristais que se afagam devagar,
e da minha charneca o rosto duro. 

Amo todos os sonhos que se calam
de corações que sentem e não falam,
tudo o que é Infinito e pequenino! 

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
do nosso grande e mísero Destino!...

Georgina Mart (Releitura de Esopo: No Tempo em que os Bichos Falavam)


Houve um tempo em que os bichos falavam, e eles falavam tanto que Esopo resolveu recolher e contar as histórias deles para todo mundo. 

Esopo era escravo de um rei da Grécia, e divertia-se inventando uma moral para as histórias que ouvia dos animais.

Na verdade, nem todos os moradores do país eram capazes de entender a linguagem dos animais, mas Esopo era. Sobretudo dos pequeninos, que falavam muito baixinho, como por exemplo os ratinhos que moravam num buraco da parede da cozinha do palácio.

Um dia, quando limpava o chão da cozinha, Esopo ouviu uns ruídos que vinham de dentro do buraquinho. Os ratinhos estavam muito agitados e preocupados pois, o rei havia colocado um gato grande e forte para tomar conta dos petiscos reais e o tal gato não era de brincar em serviço, já tinha devorado vários ratos.

Esopo apurou os ouvidos e pôde ouvir tudo o que os ratinhos diziam:

Um deles, muito espevitado, parecia ser o líder e, de cima de uma caixa de fósforos, discursava:

— Meus amigos, assim não é mais possível, não temos mais paz e tudo porque o rei resolveu trazer aquela fera para cá. Precisamos fazer alguma coisa, e logo, porque senão esse gato vai acabar com a nossa raça!

Era uma assembléia de ratos e todos estavam muito empenhados em solucionar o problema que os afligia: um gato, grande e forte, que o rei havia mandado colocar na cozinha.

Já tinham perdido vários amigos nos dentes afiados da fera: o Provolone, o Roquefort, o Camembert e o pobre Tatá, o mais amado de todos.

Planejaram, planejaram e não conseguiram chegar a nenhuma conclusão que agradasse a todos. Precisavam de estratégias eficazes e seguras.

Uns achavam que deveriam matar o tal gato; outros diziam que era impossível: "Como matar uma fera daquelas?"

Horácio estava quase convencido de que a sina de seu povo era morrer entre os dentes do gato. Com lágrimas nos olhos, já ia descendo da caixa de fósforos quando Frederico, um ratinho muito tímido que nunca falava, resolveu dar sua opinião:

— Como vocês sabem, eu não gosto muito de falar, por isso serei rápido, mas antes vocês vão responder a uma pergunta: Por que esse gato é tão perigoso para nós, se somos tão ágeis e espertos?

E Horácio respondeu:

— Ora, Frederico, esse gato é silencioso, não faz nenhum barulho. Como é que vamos saber quando ele se aproxima?

— Exatamente como eu pensei. Me perdoem a modéstia, mas acho que a idéia que tive é a melhor de todas as que ouvi aqui .Vejam só, é simples: Vamos arrumar um guizo, pode ser até aquele que pegamos da roupa do bobo da corte. Lembram? Aquele que achamos bonitinho e que faz um barulho enorme.

Os ratos não estavam entendendo nada, para que serviria um guizo?

Frederico tratou de explicar: 

— A gente pega o guizo e coloca no pescoço do gato. Quando ele se aproximar, vamos ouvir o barulho e fugir. Não é simples? 

Todos adoraram a idéia. Era só colocar o guizo que todos ouviriam o gato se aproximar.

Todos os ratos foram abraçar Frederico e estavam na maior euforia quando, de repente, um ratinho que não parava de roer um apetitoso pedaço de queijo, resolveu perguntar:

— Mas quem é que vai colocar o guizo no pescoço do gato?

Todos saíram cabisbaixos. Como não haviam pensado naquilo antes?

Era o fim da euforia dos ratinhos. Para Esopo, a moral da história era a seguinte: "Não adianta ter boas idéias se não temos quem as coloque em prática". Ou ainda: "Inventar é uma coisa, colocar em prática é outra".

Fonte:
Revista Nova Escola: Contos

Jornais e Revistas do Brasil (Jornal de Timon)


Período disponível: 1852 a 1858 
Local: MA 
  
O Jornal de Timon foi fundado em 25 de junho de 1852, em São Luiz, no Maranhão pelo jornalista e historiador João Francisco Lisboa. Inicialmente uma publicação mensal, impressa na “Typographia Const. de I. J. Ferreira”, no nº 23 da rua da Paz, tratou especialmente de história política, não só do Maranhão mas também da Europa, seja, no caso desta última, na Antiguidade, Idade Média ou Idades Moderna e Contemporânea. Tomando de empréstimo o nome do filósofo grego conhecido por sua misantropia (Timon), João Lisboa acabou assumindo a alcunha de “o Timon Maranhense”, tendo entrado para história intelectual brasileira como o patrono da Cadeira nº 18 da Academia Brasileira de Letras (ABL).

No formato pequeno predominante na época, próximo ao de livros, o Jornal de Timon trazia na página de rosto a epígrafe “Periculum dicendi non recuso” [“Não recuso tratar do que é perigoso”], frase do filósofo romano Cícero. O prospecto da edição inicial, de 25 de junho, expunha as razões do estilo crítico que João Lisboa iria imprimir ao seu jornal:

"O obscuro canto do mundo que habitamos não podia escapar á sorte commum, e a epocha que nos coube atravessar, é uma daquellas em que o mal tem decidida preponderancia; (...) o mal vil e despresível, o lodo, a baixeza, a degradação, a corrupção, a immoralidade, toda a casta de vicios enfim, tormento inevitavel dos animos generosos que os cegos caprichos do acaso designaram para espectadores destas scenas de opprobio e de dor. Timon, antes amigo contristado e abatido, do que inimigo cheio de fel e desabrimento, emprehende pintar os costumes do seu tempo, encarando o mal sobretudo, e em primeiro logar, senão exclusivamente, sem que nisso todavia lhe dê primazia, ou mostre gosto e preferencia para a pintura do genero. Ao contrario, faz uma simples compensação, porque o mal, nas apreciações da epocha, ou é esquecido, ou desfigurado."

Essa edição trazia uma avaliação das experiências eleitorais ao longo da história. Na parte inicial, tratava das eleições na Antiguidade, especificamente em Atenas, Esparta e na Roma republicana e imperial. Na parte seguinte, tratava das eleições na Idade Média e na Idade Moderna, atendo-se à Roma católica, Inglaterra, Estados Unidos, França e Turquia. 

Nas três edições seguintes, publicadas em 1852 e 1853, o foco era dirigido para a história política da Província do Maranhão. Em estilo pungente e, em não poucas vezes, irônico, mas sempre fundado em ótica liberal, o jornal do “Timon Maranhense” teceu duras críticas aos costumes políticos de sua época, tendo por objeto os processos eleitorais e a atuação dos partidos políticos e da imprensa. Não lhe escaparam as cerimônias oficiais, as relações entre o governo e a Igreja, entre a imprensa e o governo, as instalações e logística oficiais, particularidades dos partidos políticos locais, atuação dos líderes locais, articulações e dissoluções partidárias, questões econômicas maranhenses, perseguições a quilombos, rivalidades e tumultos de ordem política, a opressão violenta do poder público com espancamentos e mortes, festejos populares, corrupção eleitoral, relações da província com o poder imperial, o desenvolvimento do indivíduo e do país por meio do trabalho e da produção de riqueza etc.

Na quinta edição, o Jornal de Timon iniciou uma longa série, que duraria até o último número, intitulada “Apontamentos, notícias e observações para servirem á História do Maranhão”. O número pareceu dividido em três livros. O primeiro abordou o Descobrimento da América e do Brasil, o início da colonização do Maranhão, particularidades de antigos exploradores e cronistas do Descobrimento, a divisão do Novo Mundo por Portugal e Espanha e, por fim, o sistema de capitanias hereditárias. O segundo tratou da invasão francesa no norte do Brasil (incluindo a ocupação francesa no Maranhão), expedições portuguesas visando à extirpação dos franceses, batalhas e tréguas e o fim da invasão francesa no Brasil. E o terceiro livro focalizava a invasão holandesa no norte brasileiro, com a tomada do Maranhão pela armada holandesa, saques e deportações de importantes habitantes de São Luís, a insurreição popular contra o domínio estrangeiro, o cerco português à capital maranhense, atrocidades e devastações durante os conflitos, batalhas e conflitos cruciais até o fim da presença holandesa no Brasil.

Após a quinta edição, a publicação de João Francisco Lisboa passou a reunir várias edições em um único volume. Ainda em 1853, um único volume, com 420 páginas, publicava os números 6, 7, 8, 9 e 10. Este volume 6-10 dava prosseguimento à publicação dos “Apontamentos, notícias e observações para servirem á História do Maranhão”. Assim, o quarto livro trazia um “Parallelo das invasões franceza e holandeza”. O quinto e o sexto estudavam questões e particularidades ligadas aos povos indígenas brasileiros, com suas culturas e costumes, organização social e meios de subsistência, crenças espirituais e línguas, escravidão e relações gerais com os invasores europeus, o definhamento frente ao processo de colonização, a antropofagia de prisioneiros em algumas tribos, as impressões e interpretações de Pero Vaz de Caminha e do padre Antônio Vieira, a legislação portuguesa e bulas papais sobre os indígenas, além de particularidades de tribos e comunidades em toda a América setentrional. O sétimo e o oitavo livros, por sua vez, tratavam exclusivamente da relação entre indígenas e os jesuítas, abordando princípios gerais e doutrinas da ordem jesuítica, a figura de Ignácio de Loyola, a missão de São Francisco Xavier no Oriente, a chegada da ordem ao Brasil, lutas entre jesuítas e colonos pela libertação indígena, missões no Maranhão, a vida e a atuação do padre Antônio Vieira, episódios marcantes na história da atuação dos missionários na colônia etc. 

A periodicidade do Jornal de Timon não foi regular. De acordo com o verbete sobre João Francisco Lisboa no site da Academia Brasileira de Letras, “Os cinco primeiros números [do Jornal de Timon] circularam mensalmente. Somente em 1854 saíram, em volume [único] de 416 páginas, os fascículos de 6 a 10”. A pausa na publicação após 1854 deu-se pela transferência de João Lisboa para o Rio de Janeiro em 1855. Depois de curto período na capital brasileira, o maranhense “partiu para Lisboa, incumbido pelo Governo Imperial de coligir, em Portugal, documentos e dados elucidativos da história brasileira”. 

Depois de alguns anos sem circular, por volta de março de 1858 foi lançado o nº 11/12 do Jornal de Timon, em Portugal. A impressão foi na Imprensa União-Typographica, no nº 113 da rua dos Calafates. A edição vinha com um texto explicativo aos assinantes: 

"A regularidade da publicação (...) foi embaraçada por diversas circumstancias. Quando sahimos da província [do Maranhão] em 1855 faltavam ainda dous numeros (cento e sessenta a dusentas paginas) para completar-se o programma. Prevendo o quanto as nossas viagens ao Rio e á Europa poderiam retardar o pagamento desta divida, offerecemos desde logo restituir o importe correspondente das assignaturas; mas nem um só subscriptor se quiz aproveitar deste direito, e todos preferiram esperar. Penhorado por esta lisongeira prova de confiança e benevolencia, o auctor tem hoje a satisfação de apresentar-lhes os n.os 11 e 12 do Jornal de Timon, duplicando o numero das paginas devidas, como uma especie de compensação á longa demora."

Mesmo com o hiato na periodicidade, o nº 11/12 prosseguiu com os “Apontamentos, notícias e observações para servirem á História do Maranhão”, tratando de assuntos gerais relativos ao Maranhão e ao Brasil coloniais. Em perspectiva analítica, a edição abordou o regime absolutista, as primeiras tentativas de colonização do Maranhão, o governo de Ruy Vaz de Sequeira e de alguns de seus sucessores, a destruição de tribos indígenas locais, a legislação colonial, as questões acerca da fundação do governo geral da Bahia, a magistratura e o clero, questões concernentes às ordens religiosas no Brasil, instituições e figuras públicas maranhenses, organização social das capitanias, legislação criminal e para imigrantes, expedições militares, escravidão e liberdade de indígenas e povos africanos, questões ligadas a atividades econômicas (comércio, indústria, agricultura, navegação, monopólios, privilégios, legislação etc.), a Revolta de Beckman em 1684, administração pública imperial (inclusive os episódios de corrupção e incompetência), estatísticas provinciais e documentos oficias, usos e costumes maranhenses, entre outras coisas. A edição 11/12 foi a última.

Doublé de jornalista e historiador, João Lisboa enfrentou certa resistência da Academia Brasileira de Letras, sobretudo por causa de seu jornal. Ainda de acordo com o verbete da ABL, o intelectual "Atacou, entre outros, [Francisco Adolfo de] Varnhagen, pelo método que empregou na História do Brasil. Apareceu, então, em Lisboa o panfleto Diatribe contra a timonice. Seu autor, disfarçado sob o pseudônimo de Erasmo, era o cunhado do próprio Varnhagen, Frederico Augusto Pereira de Moraes. Também Varnhagen replicou no opúsculo Os índios bravos e o senhor Lisboa."

Em 1995, a editora Companhia das Letras publicou o livro Jornal de Timon: partidos e eleições no Maranhão, organizado por José Murilo de Carvalho, que transcreve o segundo e o terceiro volumes do jornal Em 2004, o vol. 28 das Edições do Senado Federal republicou os números 1, 2, 3 e 4. Esse volume encontra-se disponível para consulta no site da Biblioteca Digital do Senado Federal: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/1098

Bibliografia

 1. João Francisco Lisboa. Academia Brasileira de Letras. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=891&s... Acesso em 3 jul. 2012.
 2. Jornal de Timon - Partidos e eleições no Maranhão. Companhia das Letras. Disponível em: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10528 Acesso em 3 jul. 2012.
 3. LISBOA, João Francisco. Jornal de Timon. Eleições na Antiguidade. Eleições na Idade Média. Eleições na Roma Católica, Inglaterra, Estados Unidos, França, Turquia. Partidos e eleições no Maranhão. Edições do Senado Federal – Vol. 28. Brasília: Senado Federal, 2004. Disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/1098/4/714621.pdf Acesso em 3 jul. 2012.

Fonte
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/jornal-de-timon

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 25 de novembro de 1855: A Flor


(Folhetins do “Diário do Rio” – de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro de 1855)

Falemos das flores.

O que é uma flor?

Será esta criação vegetal que na primavera se abre do botão de uma planta?

Não: a flor é o tipo da perfeição, é a mais sublime expressão da beleza, é um sorriso cristalizado, é um raio de luz perfumado.

Por isso há muitas espécies de flor.

Há as flores do céu – as estrelas, - que brilham à noite no seu manto azul, como os olhos de uma linda pensativa. 

Há as flores do ar – as borboletas, - que têm nas suas asas ligeiras as mais belas cores do prisma.

Há as flores da terra – as mulheres, - rosas perfumadas que ocultam entre as folhas os seus espinhos.

Há as flores dos lábios – os sorrisos, lindas boninas que o menor sopro desfolha.

Há as flores do mar – as pérolas, - filhas do oceano que saem do seio das ondas para se aninharem no seio de uma mulher morena.

Há as flores da poesia – os versos, - às vezes tão cheios de perfumes e de sentimentos como a mais bela flor da primavera.

Há as flores da religião – as preces, - modestas violetas que perfumam a sombra e o retiro.

Há as flores da harmonia – os gorjeios – que brincam nos lábios mimosos de uma bonequinha sedutora.

Há as flores do espírito – os ziguezagues, - que nascem sobre o papel como rosas silvestres e sem cultura.

(Não falo dos nossos ziguezagues, que, quando muito, são flores murchas).

Há enfim uma espécie de flor que é tão rara como a tulipa negra de Alexandre Dumas, como o cravo azul de Jean-Jacques, como o crisântemo azul de George Sand.

É a flor da vida, este sonho dourado, este puro ideal a que todos aspiram e de que tão poucos gozam.

Porque a flor da vida apenas vive um dia, como as rosas da manhã que a brisa da tarde desfolha.

E quando murcha, deixa dentro d’alma os seus perfumes, que são essas recordações queridas que nos sorriem ainda nos últimos tempos da existência.

Para uns a flor da vida nasce nos lábios de uma mulher; para outros no seio de um amigo.

Feliz do caminhante que à beira do bosque por onde passa colhe esta florzinha azul, espécie de urze cingida de uma coroa de espinhos.

Muitas vezes, depois de muitas fadigas, quando já tem as mãos feridas dos espinhos, e que vai colher a flor, ela se desfolha.

O vento soprou sobre ela, ou um verme roeu-lhe os estames.

Até aqui os meus leitores têm visto o mundo pelo prisma de uma flor; mas não se devem iludir com isso.

Algum velho político de cabelos brancos lhes dirá que isto são simples devaneios de uma imaginação exaltada.

A flor é a poesia, mas o fruto é a realidade, é a única verdade da vida. 

Enquanto pois os poetas vivem à busca de flores, os homens sérios e graves, os homens práticos só tratam de colher os frutos.

Eles vêem desabrochar as flores, exalar os seus perfumes, e esperam como o hortelão que chegue o outono e com ele o tempo da colheita.

E na verdade, a flor encerra sempre o germe de um fruto, de um pomo dourado, que outrora perdeu o homem, mas que é hoje a sua salvação.

A explicação disto me levaria muito longe, se eu não me lembrasse que até agora ainda não escrevi uma linha de revista, e ainda não dei aos meus leitores uma notícia curiosa.

Mas, a falar a verdade, não me agrada este papel de noticiador de coisas velhas, que o meu leitor todos os dias vê reproduzidas nos quatro jornais da corte, em primeira, segunda e terceira edição.

Poderia dizer-lhe que depois da epidemia vai-se revelando uma outra epidemia de divertimentos, realmente assustadora.

Fala-se em clube artístico, em baile mascarado no teatro lírico, em passeios de máscaras pelas ruas, numa companhia francesa de vaudevilles, e em mil outras coisas que tornarão esta bela cidade do Rio de Janeiro um verdadeiro paraíso.

Neste tempo é que os folhetinistas baterão as asas de contentes, e não terão trabalho de escrever tiras de papel; preferirão ir ao baile, ao passeio, ao teatro, colher as flores de que  hão de formar o seu bouquet de domingo.

Enquanto porém não chega esta bela quadra, essa primavera dos salões, esse abril florido da nossa sociedade, não há remédio senão contentarmo-nos com o que temos, e em vez de rosas, apresentar ao leitor as folhas secas do ano.

A respeito de teatro, não falemos; é uma casa em cujo pórtico (digo pórtico figuradamente) a prudência parece ter gravado a inscrição de Dante: - Guarda e passa.

Se desprezais o aviso e entrais, daí a pouco tereis razão de arrepender-vos.

Sentai-vos em uma cadeira qualquer: a vossa direita está um guísta; a vossa esquerda um chartonista.

Levanta-se o pano: representa-se a Norma ou a Fidenzata Corsa; canta uma das duas prima-donas, uma das duas prediletas do público. 

- Bravo! grita o gruísta entusiasmado.

- Que exageração! diz o chartonista estirando o beiço.

- Divino!

- Oh! é demais!

- Sublime!

- Insuportável!

E assim neste crescendo continuam os dois dilettanti, de maneira que o vosso ouvido direito está sempre em completa oposição com o vosso ouvido esquerdo.

Cai o pano.

No intervalo conversai um pouco com os vossos vizinhos.

- É preciso ser completamente ignorante, diz o gruísta com o aplomb de um maestro, para não se apreciar a sublimidade do talento desta mulher!

Vós, meu leitor, que não quereis assinar um termo de ignorante, não tendes remédio senão confessar-vos gruísta, e em lugar de dois pontos de admiração dais três.

- Com efeito, é uma artista exímia!!!

Apenas acabais a palavra, quando o chartonista vos interroga do outro lado.

- É possível que um homem de gosto e de sentimento admita semelhantes exagerações?

Ficais embatucado; mas, se não quereis passar por homem de mau gosto, deveis imediatamente responder:

- Com efeito, não é natural.

Daí a um momento o vosso vizinho da direita retruca:

- Veja, todos os camarotes da 4ª ordem estão vazios.

- É verdade!

Torna o vizinho esquerdo:

- Com esta chuva, que casa, hem!

- Boa!

Agora acrescentai a isto as desafinações do Dufrene, a rouquidão do Gentile, os cochilos do contra-regra, e fazei idéia do divertimento de uma noite de teatro.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Isabel Furini (Oficina: Biografias e Autobiografia – Como Escrever com êxito)

DATA: 29, 30 e 31 de janeiro, das 15 às 17:30 horas. 
Investimento: R$ 260,00 com apostila incluída. 
Ministrante: Isabel Furini 

PÚBLICO ALVO: 
Pessoas interessadas em escrever biografias de familiares e amigos ou de contar sua própria história. 

OBJETIVO: 
Aprenda técnicas de escrita moderna e diferentes maneiras de abordar uma biografia. O objetivo é desenvolver as capacidades de observação, pesquisa, reflexão e estilo para escrever biografias interessantes. 

O objetivo da oficina é analisar as características da biografia e proporcionar técnicas de escrita moderna. Os participantes aprenderão metodologias para pesquisa e formas de abordar uma biografia. O objetivo é que os participantes da oficina possam desenvolver as capacidades de observação, pesquisa, reflexão e estilo. 

PROGRAMA: 
Biografia e autobiografia. A escolha do biografado. Biografias – lembrança e homenagem. Como iniciar a pesquisa? Localização das fontes. Como escrever? Técnicas narrativas: descrições, cenários, retratos, diálogos. Organização: a chave de uma biografia bem articulada. Técnicas para facilitar o trabalho. Métodos de argumentação. Entrevistas: a arte da palavra. Como dar leveza ao texto? Exercícios de estilo. 

PRÁTICAS:

Escolher o biografado, pensar em diferentes abordagens para que a história seja interessante. Método topográfico e método dinâmico. Espaço de reflexão sobre as características de uma biografia. Escrever a introdução. Leitura e análise. 

As práticas visam sensibilizar, encorajar, escrever e analisar o próprio texto. 

LOCAL:

Solar do Rosário, rua Duque de Caxias, 04, Centro Histórico. Curitiba. Fone (41) 3225-6232. 
Orientadora: Isabel Furini - e-mail: isabelfurini@hotmail.com

Fonte:
Isabel Furini

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Maria do Carmo Marino Schneider (Cristais Poéticos)


SONETO DO ETERNO AMOR 

Sabes que, em tempo algum, jamais alguém
 te amou, assim, como eu sempre te amei.
 É o brilho de teus olhos diz, também,
 que eterna amada para ti serei...

 Esse amor de ontem que pensei perdido,
 é chama ardente, sonho revivido,
 mar proceloso que meu ser invade,
 a me afogar em ondas de saudade.

 Minh'alma aflita sofre a se indagar:
 virá tão grande amor a extinguir-se
 perdendo-se no ardil do esquecimento?

 E o coração me diz a sussurrar:
 jamais! Pois esse amor há de nutrir-se
 no seio de um e outro, enquanto houver alento.

QUIMERAS

Eu quisera poder parar o tempo,
 retendo o doce enlevo do momento,
 naquela grata surpresa, inesperada,
 de ver-te à minha espera, na chegada...

 Eu quisera esquecer, enfim, o mundo,
 correndo ao teu encontro, num segundo,
 para beijar-te longa e ternamente,
 como sempre o desejara, ardentemente...

 Eu quisera não deter o grito rouco
 e o descompasso do coração louco
 amando-te, afinal, ao ter-te perto...

 Eu quisera tantas coisas que não fiz...
 Mas embora muda a boca e preso o gesto,
 O meu olhar falou-te: estou feliz!

CORRENTEZA

O meu barco vida
 governar quisera
 nesta correnteza...

 Nas águas do tempo,
 em veloz corrida,
 eu me vejo presa...

 Navego o meu barco
 e, na dura lida,
 me vence o cansaço...

 São tantos os seixos,
 são tantas as pedras,
 são tantos percalços...

 Mas sigo sem queixas.
 Se a esperança medra,
 não detenho os braços.

 O leme seguro
 e, transpondo as águas,
 contemplo o futuro

ONDE ESTAVAS?

Onde estavas, onde estavas,
 Quando as sombras e o silêncio
 Vestiram a ilha dos sonhos
 De solidão, sem candeias?

 Por certo que te encontravas
 Velejando em outros mares,
 Buscando estrelas e luares
 Em céus que não conhecias...

 Da ilha, berço do carma,
 No teu baú de saudades,
 Só levaste farpas, mágoa,
 Quando na noite fugias...

 Abandonaste, esquecidos,
 O pão, o mel, a água fresca,
 A luz que clareia a estrada,
 E os sonhos, tesouros perdidos…

FIO DE ARIADNE

Ah! esse sabor amargo
 que na boca aflora
 e esse vazio atróz
 que faz de mim sozinha
 o que antes era nós...

 Ah! esse silêncio largo
 que me envolve agora
 e essa dor intensa
 que cedo me definha
 e cala minha voz...

 Ah! esse amor aziago
 que minh'alma chora,
 que torna a vida densa
 e os dias negras mós,
 é o que cortou a linha
 de seculares nós…

ACALANTO

Hoje, tranquei o meu canto.
 Nenhuma palavra vem.
 Quisera poder prender meu pranto
 também!

 O tempo é um duende alado
 que não permite a ninguém
 viver feliz sempre ao lado
 de um bem.

 Por isso, choro saudade,
 lamento a falta de alguém,
 Onde está a felicidade?
 Não vem?

 Adormeço na esperança
 De encontrá-la no além,
 Que ela venha sem tardança...
 Amem!

AMOR ANTIGO

O amor antigo que minh'alma abriga
 nasceu há muito, já não tem idade.
 É como som dolente de cantiga
 a repetir-se pela eternidade.

 O amor antigo, de esperança ausente,
 nada pede, nem exige, só perdura
 na espera triste, vã, calma e silente
 da sofrida e amante criatura.

 O amor antigo tem raízes fundas,
 feitas de sofrimento e de beleza;
 é o guardião dos sonhos mais profundos
 criando, na alma solitária, a fortaleza.

 O amor antigo, cultivada flor,
 perfuma, assim, a dor e não fenece.
 E, tanto mais vence o tempo é mais amor,
 no seio de quem ama e não esquece.

VÔO PEREGRINO

A alma, em suspense,
 espera o vôo que retarda
 adiando o sonho...
 Soltar-se,
 romper cadeia,
 deixar o tempo
 tecer sua teia,
 sem outro desejo
 que o de viver,
 e nada esperar,
 senão o adormecer
 da última esperança.

Fonte:
http://www.poetas.capixabas.nom.br/pesquisa/poesia.asp?poesia=3369

Maria do Carmo Marino Schneider (1941)


Maria do Carmo Marino Schneider nasceu no município de Colatina, no Estado do Espírito Santo, em 1 de setembro de 1941. 

Professora universitária, Graduada em Letras pela UFES, com especialização em Educação à Distância, pela UNED-Madri, Espanha, Mestrado em Educação pela PUC - Rio. 

Membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras onde ocupa a cadeira nº 17, cuja patrona é Maria Madalena Pisa. 

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e do colegiado cultural do jornal Estado de São Paulo. 

Diretora Cultural da Aliança Francesa de Vitória. 

Vencedora de vários prêmios literários no país, em prosa e verso, tem obras publicadas em antologias de poetas representativos da literatura nacional em Brasília, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. 

Maria do Carmo lançou em 2007 um CD "Caminho, Verdade e Vida", com músicas religiosas.

Obras:

– "Fio de prumo" 1989
– "Só ser" - 1991
– "Nós" - 1992
– "Sonatas" - (Reune textos dos primeiros livros, Fio de prumo (1989), Só ser (1991), e mais inéditos), Prefácio de Francisco Aurélio Ribeiro, Vitória, 1996
– "Aquarelas Poéticas" ( poemas) - Prefácio de Maria de Lourdes M.A. Soares, Lei Rubem Braga/Companhia Vale do Rio Doce, Vitória, 1996
– "A música folclórica brasileira" - das origens à modernidade 1999
– "Victor Hugo - a face desconhecida de um gênio" 1999

Participação nas coletâneas: 
– A poesia Espírito-santense no Século. XX - org. Assis Brasil, Ed. Imago.
– Antologia de Escritoras Capixabas - org. Prof. Francisco Aurélio Ribeiro
– Entre dois séculos: Escritos de Vitória -18 - Cidade Presépio
Poemar.
– Antologia 2003 - Textos e Tramas, da AFESL
– Antologia 2004 - Ecos da Terra Capixaba, da AFESL
– Antologia 2005, da AFESL, Dança das Palavras, organização dela e de Marlusse Pestana Daher.
– Antologia Clepsidra, da AFESL, organização de Jô Drumond e Graça Neves, Vitória/ES, 1a. edição, GSA - Gráfica Santo António Ltda, 2007
– IV Varal de Poesias, com os poemas "Sombras no silêncio", declamado por Ângela Chequer e "Ninho da alma", declamado por Márcia Galdio. Este projeto é uma realização do Vagão Espaço Arte, idealizado pelo poeta Italo Campos, em 1998,
– V Varal de Poesias, com o poema "Informática” declamado por Ângela Chequer e "Sombras no silêncio", declamado por Haroldo Bussotti.
– VII Varal de Poesias, com o poema "Chama", declamado por Madu Marino.
– VIII Varal de Poesias, com o poema "Mulher ".
– IX Varal de Poesias.
– “Fruta no Ponto” - 2009, sob a Direção Geral de Suely C. Milagres, Gestora Cultural e Curadora do Vagão Espaço Arte. 
– Catálogo 2009, Letras Capixabas em Arte, organizado por Maria das Graças Silva Neves.
– Projeto "Primavera: Arte e Literatura", realizado na Galeria Virgínia Tamanini, no período de 27/10 a 20/11/2009
– "Espaço Cultural do TECAB", realizado do dia 22/06 a 12;07/2010.
– Antologia "Múltiplas Vozes", 2010, da AFESL.

Parcerias: 
Canzoni D'Amore (italiano/português)1999
Ave Marias 1998
Mistral (português e francês.)1999

Bibliografia: 
Vozes e Perfis - Antologia 2002 Academia Feminina Espírito-santense de Letras
A Poesia Espírito-Santense no Século XX, organização, introdução e notas de Assis Brasil,1998

Fonte:
http://www.poetas.capixabas.nom.br/pesquisa/poesia.asp?poesia=3369

Machado de Assis (Raimundo Correia: Sinfonias)


[Jul. 1882.]

SUPONHO que o leitor, antes de folhear o livro, deixa cair um olhar curioso nesta primeira página. Sabe que não vem achar aqui uma crítica severa, tal não é o ofício dos prefácios; - vem apenas lobrigar, através da frase atenuada ou calculada, os impulsos de simpatia ou de fervor; e, na medida da confiança que o prefacista lhe merecer, assim lerá ou não a obra. Mas para os leitores maliciosos é que se fizeram os prefácios astutos, desses que trocam todas as voltas, e vão aguardar o leitor onde este não espera por eles. É o nosso caso. Em vez de lhe dizer, desde logo, o que penso do poeta, com palavras que a incredulidade pode converter em puro obséquio literário, antecipo uma página do livro; e, com essa outra malícia, dou-lhe a melhor das opiniões, porque é impossível que o leitor não sinta a beleza destes versos do Dr. Raimundo Correia:

MAL SECRETO

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N' alma, e destroi cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

Aí está o poeta, com a sua sensibilidade, o seu verso natural e correntio, o seu amor à arte de dizer as cousas, fugindo à vulgaridade, sem cair na afetação. Ele pode não ser sempre a mesma cousa, no conceito e no estilo, mas é poeta, e fio que esta seja a opinião dos leitores, para quem o nome do Dr. Raimundo Correia for inteira novidade. Para outros, naturalmente a maioria, o nome do Dr. Raimundo Correia está apenso a um livro, saído dos prelos de S. Paulo, em 1879, quando o poeta tinha apenas 19 anos. 

Esse livro, Primeiros sonhos, é uma coleção de ensaios poéticos, alguns datados de 1877, versos de adolescência, em que, não Hércules menino, mas Baco infante, agita no ar os pâmpanos, à espera de crescer para invadir a Índia. 

Não posso dizer longamente o que é esse livro; confesso que há nele o cheiro romântico da decadência, e um certo aspecto flácido; mas, tais defeitos, a mesma afetação de algumas páginas, a vulgaridade de outras, não suprimem a individualidade do poeta, nem excluem movimento e a melodia da estrofe. Creio mesmo que algumas composições daquele livro podiam figurar neste sem desdizer do tom nem quebrar-lhe a unidade.

Não foram esses os primeiros versos que li do Dr. Raimundo Correia. Li os primeiros neste mesmo ano de 1882, uns versos satíricos, triolets sonoros, modelados com apuro, que não me pareceram versos de qualquer.

Semanas depois, conheci pessoalmente o poeta, e confesso uma desilusão. Tinha deduzido dos versos lindos um mancebo expansivo, alegre e vibrante, aguçado como as suas rimas, coruscante como os seus esdrúxulos, e achei uma figura concentrada, pensativa, que sorri às vezes, ou faz crer que sorri, e não se se riu nunca. Mas a desilusão não foi uma queda. A figura trazia a nota simpática; o acanho das maneiras vestia a modéstia sincera, de boa raça, lastro do engenho, necessário ao equilíbrio. Achei o poeta deste livro, ou de uma parte deste livro: - um contemplativo e um artista, coração mordido daquele amor misterioso e cruel que é a um tempo a dor e o feitiço das vítimas.

Mas, enfim, Baco conquistou a Índia? Não digo tanto, porque preciso ser sincero, ainda mesmo nos prefácios. Trocou os pâmpanos da puerícia, jungiu ao carro as panteras que o levarão à terra indiana, e não a vencerá, se não quiser. Em termos chãos, o Raimundo Correia não dá ainda neste livro tudo o que se pode esperar do seu talento, mas dá muito mais do que dera antes; afirma-se, toma lugar entre os primeiros da nova geração. Estuda e trabalha. Dizem-me que compõe com grande facilidade, e, todavia, o livro não é sobejo, ao passo que os versos manifestam o labor de artista sincero e paciente, que não pensa no público se não para respeitá-lo. Não quero transcrever mais nada; o leitor sentirá que há no Dr. Raimundo Correia a massa de um artista, lendo, entre outras páginas, "No Banho", o "Anoitecer", "No Circo", e os sonetos sob o título de "Perfis Românticos", galeria de mulheres, à maneira de Banville. Não é sempre puro o estilo, nem a linguagem escoimada de descuidos, e a direção do espírito podia às vezes ser outra; mas as boas qualidades dominam, e isto já é um saldo a favor.

Uma parte desta coleção é militante, não contemplativa, porque o Dr. Raimundo Correia, em política, tem opiniões radicais: é republicano e revolucionário. Creio que o artista aí é menor e as idéias menos originais; as apóstrofes parecem-me mais violentas do que espontâneas, e o poeta mais agressivo do que apaixonado. Note o leitor que não ponho em dúvida a sinceridade dos sentimentos do Dr. Raimundo Correia; limito-me a citar a forma lírica e a expressão poética; do mesmo modo que não desrespeito as suas convicções políticas, dizendo que uma parte, ao menos, do atual excesso ir-se-á com o tempo.

E agora, passe o leitor aos versos, leia-os como se devem ler moços, com simpatia. Onde achar que falta a comoção, advirta que a forma é esmerada, e, se as traduções, que também as há, lhe parecerem numerosas, reconheça ao menos que ele as perfez com o amor dos originais, e, em muitos casos, com habilidade de primeira ordem. É um poeta; e, no momento em que os velhos cantores brasileiros vão desaparecendo na morte, outros no silêncio, deixa que estes venham a ti; anima-os, que eles trabalham para todos.

Fonte:
Machado de Assis. Crítica Literária. Pará de  Minas/ MG: Virtualbooks, 2003.