quinta-feira, 25 de julho de 2013

Aluísio Azevedo (O Coruja) Parte 15

CAPÍTULO VII

Teobaldo viu pela primeira vez o seu nome em letra redonda, assinando uma produção original, graças a um amigo que fez publicar a balada no Diário do Rio.

Ah! Que contentamento o seu! Contentamento que triplicou, quando o rapaz recebeu da capital de sua província uma folha onde vinham as seguintes palavras:

“TEOBALDO HENRIQUE DE ALBUQUERQUE — Este jovem e talentoso mineiro, filho do Sr. Barão do Palmar e que se acha presentemente na corte cursando a Faculdade de Medicina, acaba de publicar aí a bela poesia que em seguida transcrevemos”.

“É sempre com o maior prazer que registramos fatos desta ordem, e fazemos votos para que o esperançoso poeta prossiga na carreira que tão brilhantemente encetou.”

Seguia-se a balada.

Desde então, começou Teobaldo a cultivar as letras com mais entusiasmo; não que o apaixonasse a arte de escrever, mas pelo simples gosto de ter seu nome em circulação. Fez contos, poemetos, artigos que, depois de apurados pelo Coruja, surgiam no primeiro jornal que os aceitasse.

O que lhe faltava em fôlego para as largas concepções do espírito, sobravam-lhe em habilidade para engendrar pechisbeques literários, muito ao sabor de certa ordem de leitores.

Mas um funesto acontecimento veio tarjar de preto os seus dias — a morte de Santa.
Teobaldo ficou fulminado com a notícia; subiu-lhe à cabeça, em ondas, um delírio de paixões que o teria sufocado se logo não se resolvesse em soluços. Foi a sua primeira idéia abandonar a corte e correr à casa do pai; este, porém, na mesma carta em que lhe dava a triste nova, participava-lhe que iria ao encontro dele.

Coruja, em prejuízo dos seus trabalhos, entendeu que não devia abandonar o amigo e passava ao seu lado grande parte do dia no Hotel de França.

Estavam juntos, quando chegou o barão. Teobaldo lançou-se nos braços do pai e, tanto este como o filho, abriram a chorar por longo tempo.

André, meio esquecido a um canto da sala, observava em silêncio o seu protetor, e surpreendia-se de vê-lo tão transformado. Emílio não parecia o mesmo homem; não dava idéia daquele fidalgo de bom humor, que a todos se impunha, quer pela energia do caráter, quer pela insinuação das suas maneiras à Pedro I. Agora estava sombrio, horrivelmente pálido, a fronte coberta de rugas, em cujas dobras se percebia todo o mistério dos seus últimos padecimentos.

Já não era a sombra do que fora; já não era aquela figura desempenada e ruidosa, mas um vulto sinistro, todo vergado para a terra, e em cujo olhar dorido e pertinaz se via transparecer o surdo desalento de uma dor sem tréguas. E aquele espectro lutuoso, descarnado e alto, inspirava compaixão e simpatia.

— Meu filho, disse ele, quando a comoção lhe permitiu falar, a perda de tua mãe é para nós muito mais grave do que podes supor. Com ela fugiu-me a coragem e tudo que me restava de esperanças... Só tu ficaste e só por tua causa viverei mais algum tempo.

Calou-se, depois chamou o Coruja com um gesto, apertou-o nos braços sem lhe dar uma palavra e acrescentou, dirigindo-se de novo ao filho:

— Preciso ter contigo uma larga conferencia, mas quero primeiro repousar um pouco, porque ao contrário não poderei ligar duas idéias…

Teobaldo chamou um criado, mandou servir um quarto ao pai e voltou para junto do Coruja, que à janela abafava os seus soluços com as duas mãos espalmadas sobre o rosto.

Horas depois, Emílio de Albuquerque mandava chamar o filho e, tendo-o feito assentar-se perto dele, começou a pintar-lhe francamente a triste posição em que se achava.

A sua primeira comunicação foi a respeito da hipoteca da fazenda, o que, em completa ignorância de Teobaldo, se realizara havia mais de dois anos. Levara-o a dar semelhante passo a esperança de poder à custa de certas especulações recuperar os bens perdidos e desembaraçar-se das dificuldades em que se via; mas, por desgraça, tudo falhou, e o que ele supunha uma tábua de Salvamento não foi mais do que a mortalha das suas ilusões. E desde então a roda da fortuna, como se recebera um grande impulso, começou a desandar freneticamente; quanto mais enérgicos eram os esforços e tentativas que ele fazia para suster a sua queda, tanto mais vertiginosa ela se tornava; a sorte, afinal, já não tendo do que lançar mão para lhe quebrar a coragem, arrebatou-lhe a última força que lhe restava, a esposa; e tão certeiro fora este último golpe, que o desgraçado sucumbiu de todo, para nunca mais se erguer.

— Dentro em pouco tempo, disse ele, tenho de entregar tudo aos credores; só nos restarão alguns contos de réis que se acham espalhados por aí nas mãos de vários amigos; fica-me, porém, a consolação de que em toda esta desgraça não cometi uma única baixeza; podia ter enganado os meus credores e assegurar-te, a ti, um futuro mais auspicioso; não quis todavia e não me arrependo disso! Creio que farias o mesmo no meu lugar...

— Honro-me de poder afiançar que sim! Respondeu Teobaldo com tal firmeza, que o pai lhe estendeu a mão exclamando:

— Obrigado, meu filho!

Emílio demorou-se na corte apenas dois dias mais; Teobaldo acompanhou-o até ao Porto da Estrela e voltou para o hotel muito impressionado e tolhido de estranhos pressentimentos.

Coruja vinha ao seu lado, caminhando de cabeça baixa, o ar concentrado e mudo de quem procura a solução de um problema.

O amigo acabava de lhe confiar tudo o que ouvira do pai.

— Que achas tu que eu devo fazer?... perguntava-lhe.

André respondeu depois de um silêncio:

— Em primeiro lugar deves sair daquele hotel; é muito dispendioso e, uma vez que estás pobre, precisas fazer economias...

— Tens razão, replicou o outro, mas para onde irei morar? Bem sabes que nunca me vi nestes apuros...

— Eu me encarrego de arranjar a casa. Queres tu morar outra vez comigo?

— Não poderia desejar melhor... Mas, e o colégio!...

— Dá-se-lhe um jeito. O colégio não precisa de mim à noite; é bastante que eu me apresente lá às seis horas da manhã.

— Quanto és meu amigo...

— Pudera!...

E os dois separaram-se daí há pouco concordes na mudança.

Teobaldo correu então à casa do seu correspondente.

— Espere! Disse-lhe o Sampaio com mau humor; .aquele mesmo Sampaio que dantes se mostrava tão atencioso com ele.

Teobaldo estranhou a grosseria do tratamento, mas teve ainda a generosidade de não acreditar que ela fosse já uma conseqüência de ruína de seu pai.

— Venho saber se... ia ele a dizer, quando o outro repetiu ainda mais forte:

— Espere!

O filho do barão mordeu os beiços e não retrucou, até que, meia hora depois, o negociante se dignou enfim de prestar-lhe atenção.

— Disse meu pai que eu tenho aqui algum dinheiro a receber. Quero saber quanto é.

— São quinhentos mil réis, e é o resto. Depois disso nada mais tenho a lhe dar; terminaram os negócios de pai com esta casa.

— Já sei.

— O senhor pode receber a quantia de uma só vez ou por partes, como quiser...

— Quero-a toda.

— Lembra-se de que é o resto... Despache-me.

— Mas por que não deixa alguma coisa de reserva? Porque não quero de novo aturar as suas grosserias.

— Obrigado. Vai ser servido.

— Mas ande com isso!

— Espere, se quiser.

À noite, Teobaldo depositava em poder do Coruja os últimos quinhentos mil réis.

— É o que resta, disse ele; guarda-os tu, que sempre tens mais juízo do que eu.

André obedeceu, e a mudança efetuou-se no dia seguinte.

Foram ocupar duas salas de uma casa de cômodos.

O Coruja escolheu logo a pior para si, dizendo ao entregar a outra ao amigo:

— Agora é preciso começar vida nova... Tens belos recursos e ainda estás muito em tempo de fazeres de ti o que lhes quiseres...

— Ah! Decerto! Respondeu Teobaldo, sempre com a mesma confiança na sua pessoa. É impossível que eu não encontre meios de ganhar a vida!

— Sim, mas convém não te descuidares.

— Não descansarei.

— E os teus estudos?

— Sei cá! Julgo que o melhor é deixar-me disso! Não tenho fé com as academias!

— Não sei se farás bem...

— Mas não vejo em ti mesmo um exemplo palpitante?...

— O meu caso é muito diverso; sou de poucas aspirações, não desejo ser mais do que um simples professor; tu, porém, tens direito a muito, e aqui em nossa terra a carta de doutor é a chave de todas as portas das boas posições sociais.

— Havemos de ver. Não posso agora pensar nisso, tenho a cabeça fora do lugar...

Pouco tempo depois, quando eles ainda estavam inteiramente possuídos pelo golpe que acabavam de sofrer com a morte de Santa, apareceu-lhes em casa, banhado de lágrimas, o velho Caetano, o fiel criado do Barão do Palmar.

Teobaldo estremecera com um pressentimento horrível e levou as mãos à cabeça, como para não ouvir o que seu coração já adivinhava. E depois, voltando-se rapidamente:

— Fala!

— Ele morreu, é exato!

E o velho servo começou a chorar, sem mais poder dizer uma palavra. Teobaldo arrancou-lhe das mãos uma carta que ele havia tirado da algibeira, e leu o seguinte:

Meu filho — Evoca toda a tua coragem e todos os conselhos que te dei durante a minha vida para poderes ler com resignação o que se segue. Escrevo estas linhas resolvido a meter uma bala nos miolos, quando as houver subscritado para ti. Será isso talvez unia fraqueza de minha parte, será talvez um crime, por que tens apenas vinte e um anos; eu, porém, no estado em que me acho, não posso continuar a viver sem aquela Santa a quem devemos: tu, a vida, e eu, a única felicidade que já não tenho.

Morro ainda mais pobre do que supunha, mas não deixo dívidas; perdoa-me e procura dirigir a tua existência melhor do que eu. O nosso velho procurador fica encarregado de remeter-te o que pagarem porventura os meus devedores, e Caetano entregar-te-á pessoalmente um cofre com as jóias que tua mãe possuía antes do casamento; as outros, as que eu lhe dei, foram já reduzidas a dinheiro.

E adeus, até à eternidade, se não me enganaram na religião que aprendi no berço.

Teu pai — Emílio.
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continua…

terça-feira, 23 de julho de 2013

Amadeu Amaral (Memorial de Um Passageiro de Bonde) Um Homem Perfeito

O Sr. João Cesário da Costa é um homem sólido, solidamente refestelado na vida Tem rendas sofríveis, uma bela casa, uma saúde de ferro, um genro colocado na política. Suas ambições nada têm de temerárias nem de atormentadas: são plácidas; limitam-se, evidentemente, a poupar trabalhos e amofinações, a garantir e a entreter a aurea mediocritas ou o otium cum dignitate em que o Sr. Cesário vive desde mocinho.

Conversar com o Sr. Cesário é um exercício que reconforta e tonifica. A uma ausência absoluta de inquietações pensantes, reúne um otimismo tranqüilo. Quando alguma opinião, alguma frase, algum ato equivoco ou complicado cai no domínio de sua percepção, faz um gesto de quem lhe sentisse o mau cheiro, e afasta-o de si, num pudico movimento que não admite réplica.

É possível confabular com ele meia hora, uma hora, sem lhe ouvir outra cousa que considerações sobre o bom e o mau tempo, sobre a superioridade da roupa preta em relação à de cor, sobre a melhor maneira de preparar um molho de tomates, ou sobre as inconveniências de se viajar no estribo do bonde. Fala correntemente, com certa graça natural, acentuando, recortando, remexendo, saboreando com volúpia os ínfimos pormenores, como quem chupa os ossinhos de um frango assado.

O Sr. João Cesário faz-me, às vezes, o efeito de uma boa cadeira de balanço. Quando me sinto fatigado dos meus infindáveis solilóquios, que nada concluem, entreter um quarto de hora de conversação com este homem é o mesmo que trocar um cavalo aragano por uma cadeira fofa e embaladora. Não há senão o trabalho de fazer a cadeira balançar.

Tive ontem esse prazer. O Sr. João Cesário cumprimentou-me com a sua habitual bonomia temperada de autoridade:

-"Como vai o bom amigo?"

-"Bem, obrigado".

-"Bem mesmo?"

-"Assim, assim..."

-"Por que?"

-"Nada. Vou bem."

-"E a família?"

-"Bem."

-"Sua irmã?"

-"Agora bem."

-"Ah! Esteve doente?"

-"Coisa ligeira."

-"Constipação, de certo."

-"Justamente."

-"O tempo é disso. Tudo por aí anda cheio de gripados. Em casa, todos mais ou menos
perrengues."

-"Que maçada!"

-"Mas não há nenhum caso sério. Creio que o mais doente ainda sou eu."

-"Não parece."

-"As aparências. Tenho uma dorzinha de cabeça que não para, aqui, entre a fonte e a nunca, passando por cima da orelha, -vê neste ponto. Mas o pior é que o intestino anda funcionando meio à matroca, -de tudo, uma sensação de cansaço pelo corpo todo, essa sensaçãozinha amolante e gostosa de um corpo que está pedindo cama - ou rede, que é melhor... ah! ah!"

-"E o senhor sai, apesar de tudo?"

-"Ah! Não posso ficar preso -é inútil! -senão em último extremo. Acredito mesmo que a gripe, conseguindo resistir-se-lhe de pé, vai embora mais cedo. 8enti-lhe a visita há três dias, sábado. Sábado à tarde. Disse à minha velha: "Por sua culpa, estou gripado." Ela ficou passada. "Por minha culpa, Cesário?" -"Sim, por sua culpa, porque me obrigou, ontem à noite, com aquele frio, a dar uma grande volta pelo bairro. Coitada, arranjou-me mais que depressa um escaldapés, uma camisa de flanela, umas meias de lá, um chá, e esteve a ponto de fazer promessa a Nossa Senhora da Penha. Mas eu exagerava. Gosto de brincar com a velha; nunca vi criatura mais medrosa, quando se trata de doenças em casa. Claro que apanhei porque tinha de apanhar..."

-"Não se sabe como é que ela chega"

-"Não, às vezes se sabe. Mas, no meu caso, não foi o tal passeio de noite. Digo que não foi porque, já antes de mim, o Alfredinho meu filho sentira a primeira bordoada. Só nos contou isso ontem à hora do chá. Demais, estou habituado a fazer voltas a pé, de noite, depois do jantar,quando não chove. É verdade que aquela noite tinha caído uma garoinha, coisinha de nada, ali pelas sete horas. Quando saímos às nove, o céu estava limpo como um prato. E que luar! Fomos até lá ao alto do morro, descemos pela avenida, passamos pela igreja..."

-"Sr. Cesário, leu a notícia daquele crime?"

-"Nem fale! Que coisa estúpida! Como se mata um homem pacato, trabalhador, boa pessoa! Aqui está um caso em que eu, jurado, não tinha contemplações. Então é assim? destrói-se um pai de família como quem acaba com uma cobra à-toa, por umas questõezinhas de nonada?"

-"Havia uma questão de honra, alega o assassino."

-"Honra, honra! Pusesse a mulher para fora de casa."

-"Mas, ele amava a mulher."

-"Qual, nada. O seu dever era esse, e nunca matar. Ninguém pode matar. A vida, quem a dá é Deus, e quem a pode tirar é só Deus".

-"Mas o senhor garantirá que não foi Deus quem a tirou à vítima por intermédio do assassino, como a podia tirar por meio do tifo ou do automóvel?"

O sr. João Cesário não respondeu; nem pestanejou sequer. Puxou do lenço de linho, que trazia dobrado no bolso da direita, escarafunchou as ventas, tornou a assoar-se, dobrou e guardou o lenço. Em seguida tirou um outro de fina cambraia, que trazia alequeado no bolsinho de cima, e passou-o pelos lábios e pelas fossas. Por fim, arrumou-o de novo, calcou-o, e, numa despreocupação satisfeita:

-"Pois é isso".

Pouco adiante, disse-me adeus, esperou o carro parar bem parado, desceu, voltou-se para mim a fazer uma última cortesia, e partiu, muito apertado no seu terno azul de risquinhas brancas, sopesando com graça a bengala de castão de ouro.

E havia em redor dele um halo de perfeição.

Eis aí um homem feliz. Acompanhei-o com um olhar de inveja, enquanto pude; mas acabei por me resignar. Coisas que não se aprendem, não se adquirem. Que fazer? Limitarmo-nos a admirar.

Este indivíduo, como tantos outros aparentemente insignificantes, é uma verdadeira maravilha da humanidade. Que assombrosa obra de inteligência e de técnica magistral, a composição deste mecanismo físico-psíquico, tão perfeitamente adaptado a todas as condições médias de uma navegabilidade tranqüila!

Foi, sem dúvida, fabricado após uma série imensa de provas e após uma colheita e apreciação rigorosa de milhares de dados experimentais. Diga quem o quiser que é mero produto das forças inconscientes da natureza".

Fonte:
Domínio Público

Aluísio Azevedo (O Coruja) Parte 14

CAPÍTULO VI

Com efeito, Teobaldo, daí a dias mudava-se para o Hotel de França, abandonando a Ernestina todos os trastes que ele possuía no segundo andar... Foi então que lhe chegou às mãos uma carta do pai, a primeira que tratava de questões pecuniárias. O barão, a pesar seu, tinha de entrar nesse assunto e pedia ao filho que apertasse um pouco os cordéis da bolsa.

Não estamos no caso de fazer muitas larguezas, meu querido filho, dizia ele depois de confessar que sua vida achava-se um tanto complicada; ultimamente persegue-me um azar terrível: em nada do que empreendo me saio bem, e a continuarem as coisas deste modo teremos fatalmente a ruína pela proa! É preciso que desde já restrinjas as tuas despesas. No primeiro ano de Rio de Janeiro gastaste um conto de réis, no segundo quase três e ainda não findou o terceiro e já tens despendido neste muito mais do que nos outros dois reunidos. Acredita que não te falaria nisto se a tal não me obrigassem as circunstâncias. Acabo de ajustar contas com o meu correspondente, não lhe fiz recomendação nenhuma a teu respeito, porque entendo melhor fazê-la a ti próprio; tens bastante critério para avaliar o que aqui vai dito e tomares sérias medidas a respeito de tua vida!

Nada de envolver estranhos neste negócio; mais vale arruinado em segredo do que às claras, porque tudo perdoam à gente, menos a pobreza. Tua mãe continua cada vez mais incomodada; principio a ter sérios receios; os seus padecimentos agravam-se de um modo bem desconsolador. Vê se te aprontas o mais depressa possível e dá um pulo até cá: temos ansiedade de teus abraços.

Esta carta foi um choque terrível para Teobaldo; estava bem longe de contar com ela e, pela primeira vez, refletiu na possibilidade de ficar pobre de um momento para outro; e pensou também no muito que esbanjara desde que residia na corte e no muito que se descuidara dos seus estudos.

Não podia ser por menos com a vida que ele levava ultimamente: os seus dias eram em geral consumidos do seguinte modo: acordava às onze horas da manhã, descia ao tanque, onde durante meia hora se deliciava dentro de um banho perfumado; depois deixava-se enxugar pele Sabino, vestia-se com o auxílio deste e subia ao quarto, onde já o esperava o cabeleireiro com a sua navalha e os seus pentes. Acabada a toilette, passava ao salão do hotel e almoçava. Às vezes fazia duas horas de trote pela praia de Botafogo ou pela rua de Mata-cavalos; jantava à noite; ia quase sempre ao teatro ou à casa de alguma família conhecida ou então, o que era mais freqüente, entretinha-se a beber e a conversar com amigos em casa de mulheres do gênero de Leonília.

A respeito de escola — nada.

Quando se recolhia antes da meia-noite, ainda se entregava a qualquer leitura, literária ou científica, conforme o apetite do momento; outras vezes recorria ao piano e passava duas ou três horas a recordar o clássico repertório que aprendeu em casa da família.

É de notar que Teobaldo, no meio da sua espécie de boêmia aristocrática, não perdera o sentimento do belo, o amor às letras, o entusiasmo pelas coisas heróicas e o respeito às mulheres honestas; tão poderosos e salutares foram para ele os singelos conselhos de sua mãe. Apesar da egoística filosofia do Barão do Palmar, Teobaldo conservava ainda para com o Coruja a mesma sagrada amizade e a mesma dedicação da infância. Era tal o apreço em que tinha o amigo, que chegava a sentir remorsos de não proceder como ele. Instintivamente e a despeito dos seus dotes intelectuais e físicos, reconhecia em André uma certa superioridade moral, um certo privilégio de bondade que o tornava digno de inveja.

Aquele vulto modesto, feio mas sem vícios, trabalhador e honrado, bom e ao mesmo tempo antipático, às vezes até lhe parecia defronte da consciência como um juiz sobrenatural que tacitamente o condenava. E Teobaldo, quisesse ou não, via, através daquela rígida couraça de monstro, transparecer a alma imaculada de um herói.

Entretanto, não seria capaz de confessar a ninguém semelhante coisa e, quando falava do Coruja, aos seus companheiros de pândega, tinha na fisionomia, em vez da admiração9 um gesto frio de risonha condescendência. Às vezes, aos domingos, quando André tirava o dia a descansar, ia ter com Teobaldo muito cedo e arrancava-o da cama para uma excursão fora da cidade.

Aquele amor ao campo, despertado em seu coração pelas primeiras férias passadas na fazenda de Emílio, conservava-se inalterável; e esses passeios, prolongados até à Caixa d'água, aos Dois Irmãos ou à Tijuca, constituíam a grande distração, o luxo, a extravagância de sua vida.

Teobaldo, ou fosse porque estimava deveras o Coruja, ou porque um espírito fatigado da pândega precisa de Vez em quando remansear ao abrigo de um prazer tranqüilo o certo é que ele não acompanhava o outro por mera Condescendência, mas ao contrário punha nisso muito empenho.

Se o passeio era longo, preparavam de véspera o seu farnel, de cuja condução se encarregava o Sabino, e no dia seguinte partiam a cavalo, antes de surgir no horizonte o primeiro raio da aurora. Era nesses longos passeios de domingo, que entre si os dois amigos prestavam contas do que faziam na ausência um do outro. Passavam horas esquecidas a conversar: Teobaldo, sempre muito expansivo, não lhe escondia nenhum de seus atos, bons ou maus, e falava amargamente dos seus tédios e das contrariedade; o Coruja, sempre disposto a achar a vida melhor do que esperava, confessava-se agradecido à fortuna, falava da sua prosperidade e não tinha uma palavra de queixa contra ninguém.

Teobaldo uma vez lhe perguntou:

— A quantos discípulos ensinas tu de graça, ó Coruja?

— Em verdade a nenhum... Respondeu o professor, incomodado com a pergunta.

— Todos eles te pagam?

— Sim; os que não podem pagar já, pagarão mais tarde... Neste mundo a gente não deve olhar só para si... Uma mão lava a outra! Lembra-te de que eu nada seria no rol das coisas, se não fosses tu!

— Sim, mas eu ouvi dizer que até compravas livros, papel, penas e lápis para alguns discípulos.

— Ah! Isso é só quando são de todo muito pobres...

— E que até lhes davas dinheiro para levarem à família.

— Casos muito extraordinários! E o dinheiro não é dado, é emprestado... Hão de pagar, quando puderem...

E, receoso de que o outro insistisse no assunto, Coruja cortou a conversa, perguntando-lhe se tinha escrito mais alguma coisa depois que estiveram juntos.

— Fiz versos. Queres vê-los? Aí os tens.

André passou a ler com todo o cuidado os versos do amigo e logo depois travou-se entre eles a discussão natural entre um espírito que vive da fantasia e um outro que vive do estudo.

Coruja não admitia um galicismo, uma imperfeição de linguagem. Lido como era nos clássicos, queria o português puro e correto; além disso, com a sua memória mais do que privilegiada, poderia jogar facilmente com a velha terminologia da língua, no caso que lhe não faltasse a imaginação; e com Teobaldo sucedia o contrário justamente; — tinha idéias e não tinha a forma.

— Vê agora que tal achas esta balada, disse este, passando-lhe uma folha de papel.

O Coruja leu:

"Meu coveiro, já teu braço
Não te custa a levantar?
Não te pede do cansaço
O teu corpo descansar?
Não me custa, caminheiro,
Não me pesa trabalhar;
Ganho nisto meu dinheiro;
Tenho gente a sustentar.
Pois bem, coveiro, prossegue,
Mas de ti quero um favor;
Não é coisa que se negue,
Não é coisa de valor:
Trago aqui, agasalhada,
Minha amante, que morreu;
Tinha na terra morada
Mas sua pátria era no céu.
Quero apenas, meu coveiro.
Que sepultura lhe dês,
Porém me falta o dinheiro
Para pagar-te, bem vês...
Anda avante, caminheiro;
Já meia-noite bateu.
Não sepulto sem dinheiro,
Que dos mortos vivo eu!"

— Está assim, assim, disse o Coruja, depois de ler; e fez algumas alterações na construção das frases. Aquela rima em ar não devia ser repetida na segunda  estrofe, mas enfim pode passar.
––––––––
continua…

15º Encontro Internacional Literário aBrace (Belo Horizonte, 13 a 16 de novembro de 2013)

15º Encontro Internacional Literário aBrace, de 13 a 16 de novembro de 2013, na Cidade  de Belo Horizonte, Minas Gerais. O evento contará  com diversas atividades culturais: lançamentos  de livros, passeios, oficinas de arte,  saraus, recitais de música e poemas e visitas a centros culturais. Participarão vários países da América Latina e de outros continentes.

Para o 15º Encontro Internacional Literário aBrace convoca a Direção do Movimento Cultural aBrace, (ABRACECULTURA), com sede em Montevidéu- Uruguai,  e sua representação em Belo Horizonte, Clevane Pessoa  e Brenda Marques do Imersão Latina( IMEL). Conta ademais com a participação   de Veronica Bianchi (aBrace Representação e Serviços – Uruguai)  e o  apoio das entidades culturais: Marco Llobus (FEC/selo Catitu) , Ricardo Evangelista(Sarau Tropeiro , Lagoa do Nado) , Rogério Salgado e Virgilene Araújo (Belô Poético e Poesia na Praça Sete) ,Claudio Bento (ValeMais),  Iara Abreu (Projeto Aspectos Urbanos), Norália de Melo Castro (cidade de Brumadinho), Rodrigo Starling, e do Restaurante D. Preta.

Para coordenar sua participação e outras informações, solicitamos preencher  e enviar  a ficha de inscrição, até 30 de outubro de 2013, acompanhada do comprovante da taxa de inscrição correspondente.

Agradecendo antecipadamente a sua presença com os nossos melhores cumprimentos,
           Atenciosamente,
Nina Reis y Roberto Bianchi
Directores de aBraceCultura

Ficha de inscrição em português
 
COMO PARTICIPAR DO 15º ENCONTRO INTERNACIONAL LITERÁRIO aBrace
 
Até 31 de outubro de 2013: preencha a ficha de inscrição dentro deste prazo e envie o comprovante do depósito, por email, a abracept@abracecultura.com ou abrace@abracecultura.com  juntamente com os dados:
Nome:___________________________________Data de nascimento:___________________

Email:______________________________Endereço:____________________________

Cidade:______________________Estado:______________________País:____________________

Cep:_______________Telefones para Contato (importante, não deixar de preencher): ____________________

Profissão:____________________________Formação Acadêmica:______________

Nacionalidade:__________________(Envie fotografia)

Breve C.Vitae:(até 10 linhas
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

MARQUE A(S) ATIVIDADE(S) QUE DESEJA REALIZAR /13 a 16 novembro 2013 (Encontro Literário)
Participação em livro da aBrace editora _____________________________

    Título do livro: _______________________________   
Apresentação de livro individual ___________________________________
Título do livro:____________________________________
Mostra de livros e/ou revistas no espaço do Encontro___________________
Participação em mostra de Literatura infantil _________________________
Leitura de textos e/ou performances no Café Literário__________________ 
Palestras (como palestrante) ______________________________________
(Tema: A integração cultural multilíngüe- Diversidade e Herança cultural - influências e contribuições na formação cultural dos países ibero-americanos a)Envio de texto completo,  até 2000 palavras  - via e-mail:   até 31 de agosto de 2013. b) Cada participante terá 15 minutos para apresentação do trabalho. Pelo número limitado de palestrantes será considerado a ordem de chegada dos textos. Somente será admitida uma palestra por pessoa)
Visitas com leituras, e intercâmbios culturais__________________________ 
 (locais: centros comunitários, bibliotecas, livrarias, escolas, oficinas literárias, etc.)

AS inscrições para o Encontro podem ser feitas através da conta do Banco do Brasil, Agencia 1503-2 / conta corrente: 853931-6 em nome de Rosângela Domingos Fernandes, no valor de R$200,00.
Inscrições para participantes, no local do evento – R$ 250,00. Acompanhantes -isentos da taxa de inscrição.
 Atenção: Em caso de desistência de participação a devolução de valores pagos como inscrição obedecerá ao seguinte critério:
- Até 10 dias antes do Evento, devolução de 50%,
- Após estas datas não será possível nenhuma devolução de valores

Fonte:
Clevane Pessoa

Don Quijote de la Mancha (Evento em Curitiba, 14 de agosto)


Semana dos Escritores de Maringá, no SESC (22 a 26 de Julho)

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domingo, 21 de julho de 2013

Antonio Brás Constante (Meu Nariz, Sua Boca e um Cigarro entre Nós)

fonte: www.not1.com.br
SIM, eu fumo. Fumo através de outras bocas, cada vez que respiro o ar advindo de suas narinas, que exalam fumaças toscas. Fumo de forma passiva, indefesa. Fumo sem ver, sem muitas vezes saber. Fumo por ter que respirar um ar viciado, produzido por você.

Eu padeço de um suplício através de seu vício, perecendo um pouco a cada momento, por causa de suas baforadas desaforadas, desta doença disfarçada de indiferença, que atenta contra a própria vida que em ti se sustenta.

De tempos em tempos uma nova tragada, desta podre fumaça estragada, que viaja em suaves brumas para ser por mim inalada. Sinto-me um cinzeiro humano, contaminado por seus crônicos atos insensatos, que impregnam meus cabelos, minhas roupas, minha mente, com o cheiro que brota das cinzas de suas guinbas decadentes.

E você se acha uma pessoa bacana, sorvendo seu cigarro até a bagana. Soprando a morte aos ventos da própria sorte. Meu pior sortilégio é ser vítima casual de suas ações fugazes para tentar fugir do tédio.

Indivíduos movidos por uma ânsia que vai apagando o fogo de sua essência, queimando suas entranhas com todo tipo de moléstias estranhas. Alguns chegam a clamar por direitos equivocados de usufruir do funesto tabaco, por tantos outros execrado.

Quem cai nas garras desse frenesi, sabe o quanto é fácil começar e difícil parar de fumar. Onde o condenado ainda paga para poder se matar. Coloca na boca a arma e vai disparando para dentro de si mesmo atroz veneno, consumido em frascos tão pequenos. Atira uma, duas... Inúmeras vezes (e seus pulmões que se danem sofrendo a esmo).

Vão se matando aos poucos, e alguns ainda dizem que eu é que sou louco (talvez só um pouco). Mas acho que é porque quem respira tais toxinas às vezes desatina. Vai assassinando sua tênue existência todo santo dia, em troca da fútil nostalgia de soprar fumaça, imitando a chaminé de uma lareira nefasta.

Suicidas que se acham modernos. Fumam para espantar os seus demônios internos. Fumam pela rebeldia, ou para simular alegria. E eu sigo fumando com eles. Adoecemos, combalidos por essa desgraçada fuligem amaldiçoada. Agora se me derem licença vou tomar minha cachaça, pois já que é para se acabar, enfisema ou cirrose tanto faz. O importante é saber que no fim alguém vai acabar lucrando, enquanto vamos todos nos matando. Enfim, como para meio entendedor uma boa palavra basta, só posso deixar uma dica: fumar MATA.

***
A PROPÓSITO: Falando um pouco sobre a notícia de astronautas que perderam suas ferramentas no espaço, fica a pergunta: Afinal, perder coisas no espaço pode ser considerado um acontecimento sem gravidade?

Fonte:
O Autor

Humberto Veríssimo Soares Santa (Árvore de Versos)

 A ÁRVORE

O vento assobiou soprando forte.
A árvore foi bailando, sacudida,
Enfrentando as rajadas, destemida,
Pra não vergar seu tronco, ao vento norte.

Desconhecia a triste, a triste sorte,
Teimando em defender a própria vida!...
Sem força, sem poder e sem saída,
Enfraquecida, foi perdendo o porte.

Exausta, a gigante soçobrou!...
Eu vi, quando a senti perder a fé
E a última rajada a empurrou.

O colosso vergou, caiu e até
Foi num choro de folhas, que tombou!...
…Há árvores que não morrem de pé!

A CARTA

Na carta, assinaste : Coração.
Em vermelho batom, colaste um beijo.
Ouço sons de violino... são o arpejo
Do suave dedilhar da tua mão !

No ar, sobem mil bolas de sabão
Levando para o espaço o meu desejo.
Procuro ao meu redor mas se te vejo,
Essa imagem não passa de ilusão.

Distante, viajante e perdulária
De gestos, de surpresas... nostalgia !
Sonho-te Vénus da antiga estatuária

Que ao espírito, em luz, dá alegria.
Dorme hoje no meu sono, ó solitária !...
Ah !...Veste-me de ti.... ó simpatia !!!...

DÁLIA NEGRA

Ó africana semente !...
...Quem te trouxe de além-mar
Rumo a outro continente,
Para terra tão diferente
Da terra do teu lugar ?

Rainha de mil amores !
Cor de ébano, menina,
No jardim, entre outras flores,
Cor perdida entre outras cores,
Negra flor que nos fascina !

Dália negra !... Qual o fim ? !...
Linda flor !... Que é da ventura ?
Que é de ti nesse jardim,
Sonhando com o jasmim
Que te roubou a frescura ?

A NUVEM

Sei não ter energia pra ser estrela
Mas tenho o meu lugar no infinito
Qual branca nuvem no azul bonito,
Alvo espelho de luz, que o Sol revela.

Essa nuvem, no céu vós ireis vê-la
De contorno indefinido, meio esquisito,
A parte do meu ser em que acredito,
Volátil, orgulhosa, informe e bela !

A nuvem... alma minha, ilusão !
Verá que o ser humano não melhora :
Só os poetas e os loucos sonharão.

A nuvem, correrá p’lo mundo fora
E as lágrimas que em chuva cairão
Serão da alma-nuvem que em mim chora !

A SOMBRA

A Sombra deslizou pelo salão
E parou frente ao trono do Poder :
- Tudo o que podes, não te vai valer
Porque o Poder não passa de ilusão.

Levantou-se o Poder com decisão :
- O que dizes...ó sombra deprimente ?!...
Como te atreves tu, que nem és gente,
A sentir o poder da minha mão ?!

- Não há força que valha, quando passo,
Sou eu, a Sombra, quem te dita a sorte.
Não há Poder que fuja ao meu abraço

Quando eu, a Sombra, o aperto forte.
Todo o Poder, aonde vou, desfaço !
Se tu néscio, és Poder, eu sou a Morte !

A TÚNICA

Levei o meu silêncio à catedral.
Ajoelhei entre os bancos alinhados
Sentindo em mim, o peso dos pecados,
Quedei-me ali, na nave principal.

O Sol abria cor num só vitral
Com Cristo e dois ladrões dependurados.
Guardas romanos que jogavam dados
Davam a cor do sangue àquele local.

Era jogado o espólio do inocente,
A túnica do próprio Redentor.
Senti-me a testemunha ali presente

E olhei a opulência ao meu redor.
Se nada fiz, nem quis mudar tal gente,
Fui eu que te matei... ó meu Senhor !

 A ÚLTIMA CENA

No palco, o velho actor fungou e disse :
- Escutem !... Hoje a máscara caiu !
Alguém roubou a peça e fugiu
Pra que o acto final não se cumprisse.

A cena principal era : “Velhice”.
O povo arrefeceu. Nunca se viu
Tanta gente a tremer, cheia de frio,
Para assistir à última tolice.

A multidão gritou horrorizada :
- O que foi ?!... O que foi que aconteceu ?!
Qual o final da peça aqui roubada ? !

O velho mascarou-se e olhou o céu.
Só uma voz se ouviu entusiasmada :
- Viva o actor !... - e o velho actor morreu.

A VIRGEM NEGRA

Sempre que a virgem negra ajoelha em prece
Em frente do altar-mor da catedral,
A súplica em silêncio acontece,
Pedindo o grande abraço universal.

Pelo negro da pele passeia a dor,
Em anseios de amor já transformada.
A alma é branca, não devendo a cor
Tornar a linda virgem, mal-amada.

Na arte da sagrada catedral,
São brancos... anjos, santos e cupidos.
Negros!... Só Satanás e anjos do mal.

Os santos de pele negra, estão esquecidos
Mas são raios da luz celestial
Que só p’la virgem negra, são sentidos !...

ABRAÇO DA SAUDADE

Sou fantasma na casa velha e triste !...
Na sala o tempo geme, sufocado.
Meus passos soam secos no sobrado...
Tudo o que foi aqui, já não existe.

Procuro em vão por ti mas tu sumiste.
Só a saudade abraça o meu passado,
Pai, diz-me aonde estás ?!... Para que lado
Fica o mundo de luz, pró qual partiste ?

Ao abrir portas na recordação
Preciso estar por ti acompanhado :
- Chega-te a mim, vem !... dá-me a tua mão !...

Vem pisar os caminhos da lembrança.
Quero ficar a ti aconchegado
E ao teu colo... voltar a ser criança !...

ABRAÇO

Junta o teu coração ao meu e agora
Os dois seremos um na caminhada,
Alma com alma, ambos de mão dada,
Serenos pela vida... vida fora.

Sempre que um estiver triste, o outro chora.
Se um rir, o outro solta a gargalhada.
A estrada dum, será do outro a estrada,
Quando um está perto, o outro não demora.

O nosso abraço, abraça a vida agora,
Protegendo na arena o nosso espaço,
Um dia um vai partir e ao ir-se embora

Levará deste amor algum pedaço.
Se for eu o primeiro... nessa hora,
No céu, fico esperando o teu regaço !

ALMA VESTIDA

Um vulto nu e só, dança na estrada
Lavando, com seus sonhos, corpo e alma.
Perdido, foi parar na encruzilhada
Onde nem no cansaço, sente a calma.

Quem és tu, dançarino do caminho ?...
Que fazes por aqui, bailando nu ?...
Que fazes neste mundo, tão sozinho ?...
Homem (que sou eu)... diz !... - Quem serás tu ?...

Pra seres o ditador da própria sorte
Nesta difícil dança que é a vida,
Terás que demonstrar que és o mais forte

Erguendo alto, a fé nunca perdida.
Só assim vencerás a própria morte,
Nu de corpo, porém de alma vestida !

AMANTES

Dançaste, deslizando, divertida.
Depois, foi em nácar que te tornaste
Quando só, quase nua, meio vestida,
Na relva do jardim te acomodaste.

Beijada pela luz, sob a ramagem,
Estes meus olhos viram-te princesa,
Tendo eu, logo ali, virado pagem,
Guardião dessa fonte de beleza.

O sol que abria o verde, distraído,
Penetrando seus raios entre a folhagem
Era um ramo dourado, que caído,
Punha pequenos sóis na tua imagem.

Ao longe um girassol virava lento
Seguindo a cor do Sol embevecido.
Um cisne, só, nadava pachorrento,
De branco e de elegância bem vestido.

Beijei nesses teus seios a beleza,
Bebendo em delírio a tua imagem
Que via no teu trono de princesa
Comigo a teus pés, nascido pagem.

Mais tarde, quando o Sol já se deitava,
Rebolámos p’lo chão mais uns instantes
Sentindo a brisa terna, que afagava
Os nossos corpos de eternos amantes.

Fonte:
Portal CEN.

Humberto Veríssimo Soares Santa (1940)

Humberto Veríssimo Soares Santa - Nascido a 31 de Outubro de 1940, numa pequena aldeia do litoral português, Atalaia da Lourinhã, de onde saiu com dois anos.

Viveu a maior parte da sua vida na cidade de Setúbal, tendo estado ligado à Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, onde foi responsável pelo Departamento de Coordenação de Operações, encontrando-se hoje na situação de aposentado.

É casado com Margarida Augusta Correia Pinto Soares Santa que alia à arte de desenhar uma elevada sensibilidade poética e lhe ilustra todos os poemas com magníficos desenhos a lápis ou a nanquim.

OBRA LITERÁRIA
POESIA :
MUNDO DE QUIMERA – Edição do autor 1999

COLECTÂNEAS :
POIESIS V e VI – Editorial Minerva – Lisboa – 2001
TEMPERA(MENTAL) – Editorial Minerva – Lisboa – 2002
PROSA & VERSO II – Projecto Palavras Azuis – Blumenau (BRASIL) – 2003
I ANTOLOGIA DO PORTAL CEN - Edição L.P. Baçan – P. R. – Londrina - BRASIL 2004
TERRA LUSÍADA – Edição Abrali – BRASIL – 2005

LIVROS VIRTUAIS :

REDENÇÃO
FRASCOS com gotas de poesia
SENTIMENTALMENTE
FANTASIA NO LAGO DOS SONHOS
O BERGANTIM DE CRISTAL
O OÁSIS DO AMOR
O PENSAR PROSAICO DE PEQUENOS POETAS
MUNDO DE QUIMERA I – II – III
ALMA PEREGRINA
O TEMPO E O VERBO

Participação em várias ANTOLOGIAS

Fontes:
http://www.ligia.tomarchio.nom.br/ligia_amigos_humbertosoaressanta.htm

Marcos Pasche (Assis Lima, de cântico e de corte)

Por vezes nos deparamos com uma assertiva a dizer que certos autores, ao desenvolverem sua bibliografia, estão escrevendo e reescrevendo sempre o mesmo livro. Alargando um pouco mais a ideia, muito me chama a atenção a hipótese de certos autores nordestinos formarem uma família antropoliterária, os quais traçam e trançam na mesma renda a inesgotável e árida epopeia da vida e da morte agrestes.

Vou omitir, por falta de lembrança ou de conhecimento, nomes importantes, mas penso que tal família tenha seu precursor em Augusto dos Anjos, sendo configurada por Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Ronaldo Correia de Brito e Daniel Mazza. Não se pode negligenciar as miríades de poetas cordelistas e cantadores espalhados pelas feiras e empalhados nas prateleiras do menoscabo da “alta cultura”.

Tais autores irmanam-se ao tomarem mutuamente os procedimentos formais e os temas constantes da obra de seus entes, sem que isso nos cause, admiravelmente, a sensação de previsibilidade ou mau epigonismo. Todos eles desautorizam a visão pitoresca do espaço sertanejo, encravam a caatinga em seus parágrafos e estrofes, tornando-a metáfora de espaços e tempos de todos os lugares e épocas, sejam as ágoras mitológicas da Grécia, sejam os bíblicos e empoeirados caminhos da Palestina. São eles xilos ou litogravadores da palavra, visto lançarem-se de encontro ao hiperbólico mosaico da linguagem para dele extrair ou nele imprimir, à mão de faca, a palavra certa e seca. Sublimadores da brutalidade, valem-se de mão de vaqueiro, que por um instante é capaz de domar a vida: domadores do discurso, penduram a encharcada escrita à cerca e ao sol para que se lhe retire toda a gordura, até que sobre apenas o substantivo couro. Alunos dos seixos, concebem a partir do vento quente e da areia seca, pois tanto o sopro como o barro têm uma saúde incoerente para esta gênese.

Assis Lima pertence à linhagem desses escritores, umbilicalmente ligados ao sertão e espiritualmente dados ao mundo. Nascido no Crato, interior do Ceará, Assis, médico de profissão, fixou residência na urbaníssima São Paulo. Nela desenvolveu o notável estudo Conto popular e comunidade narrativa, que a um só tempo registra e abraça a vocação do povo nordestino para a oralidade, a qual, de tão bem aprendida com os gregos, tornou-se invenção patrimonial sua. Como poeta, Assis presentificou os aspectos mais representativos de sua genealogia artística em Poemas arcanos, livro repleto de evocações locais e translocais, todas enoveladas em cantigas, “incelenças”, lendas e evangelhos.

E para perpetuar o movimento contínuo de ressurreição de sua família autoral e assinalar seu fio particular, Assis Lima dá ao primeiro texto do seu Marco misterioso o aqui infiltrado título de “Água”, com o qual diz não e sim à sua sina – “O deserto esteve fincado dentro de mim” (…) // “Que me cubra o nevoeiro!”. Essa peleja, típica do homem em apreço e repulsa pela matéria de que se constitui, tem presença cativa em diversas passagens do livro, e em textos como “Caleidoscópio” ganham a feição de arena onde duelam ser e transcender: “As pedras, uma extensão de mim. / E dentro das nuvens, a extensão de todas as pedras”.

Assis Lima é a assinatura literária de Francisco Assis de Sousa Lima (com o nome civil ele registrou sua tese acadêmica). Há nessa heteronímia o amálgama de símbolos próprios da literatura que o autor desenvolve e da casta à qual pertence. Francisco (de) Assis é nome de um dos mais expressivos personagens bíblicos, ao passo que “sousa” – registram os dicionários portugueses – é um tipo de pombo aguerrido, não por acaso tomado como imagem de brasões familiares. No Brasil, Sousa é uma cidade do sertão paraibano. Já então se vê o anelo do local e do universal, ao qual se liga a fusão da figura do santo e do bicho guerreiro, ambos imagens diletas da cultura nordestina. “Lima” é uma fruta cítrica, ácida, cortante, e mais ainda o é a lâmina com que o autor decepou sua identidade em consonância com o corte literário: os Poemas arcanos, da primeira para a segunda edição, foram reduzidos a quase metade, e este Marco misterioso já vem ao mundo com uma seção amputada, visto ser e não ser pertencente ao conjunto do que agora se publica. E não nos esqueçamos: o Rio São Francisco encrava-se gigantesco no solo e na sola do Nordeste, cercado de seco por todos os lados, cortando-o de ponta a ponta.

Mas a coisa não se fia por aqui: dentro deste volume a escrita se mostra mais muscular quanto mais se depura da carne das palavras, como se fosse (e é) possível enrijecer-se de ossos. É o que se observa no finamente geométrico engenho de “Ângelo Monteiro”, ou no obsessivamente talhado “Sem título”:

Pelo verso
e avesso
em teu colo
me teço.

Por teu vinho
e chama
minha sede
clama.

Em teu seio
redoma
me rendo
genoma.

Essa poética busca uma dicção quite em seus desacordos, e o poeta desgarra-se do parentesco a fim de tanger os próprios passos e o próprio canto. Por isso o leitor verá também um feito marcante do livro no caudaloso “Via Sacra pela morte do filho”. Trata-se de um poema de alta voltagem dramática, construído a partir do arranjo das vozes do pai consternado e do coro que se encarrega de verbalizar o roteiro fúnebre:
“Prepara-te, corpo
que chegou teu dia,
recebe esta roupa,
vai em boa companhia”.

E dentro do rio turvado de lágrimas brotam as teimosas águas de “Vida de violeiro”, poema nordestiníssimo por suas cores e sons. O ritmo cantante da redondilha heptassilábica embola na malha do texto a evocação de cantadores lendários, como Cego Aderaldo e Zé Limeira, quando toda a embolada ganha o tom de uma ciranda, viva porque cantada:
“‘Quem não canta neste mundo
no outro fica engasgado,
pois o nosso mundo é este,
que o outro, é do outro lado,
por isso cante com a alma
que a vida lhe deu de agrado
para alegrar quem não canta
e alegrar quem está calado!’”.

Foi o poeta-violeiro quem mandou. Que a sua leitura seja, portanto, a rima a unir poesia, alma, corpo e alegria.
=======================
    (Marcos Pasche nasceu no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1981. Cursa doutorado e leciona Literatura Brasileira na UFRJ. É crítico literário, autor de “De pedra e de carne: artigos sobre autores vivos e outros nem tanto”. Neste momento, pede aos acidentais leitores que não deixem de assistir ao documentário “Garapa”, de José Padilha)

Fonte:
8Oa. Leva da Revista Diversos Afins; entre caminhos e palavras, (http://diversosafins.com.br/), in Aperitivo da Palavra

Dulce Rodrigues (Uma Enguia no Aquário)

Esta é mais uma estória verdadeira dos meus tempos de menina e moça e de um estranho animal de estimação que tive: uma enguia! Leram bem, tratava-se de uma enguia. Como talvez saibam, o ensopado de enguias é uma especialidade culinária muito apreciada em Portugal. Acontece que os meus pais sempre foram doidos por este petisco e, assim, um dia, a minha mãe e uma das suas amigas foram ao mercado e compraram enguias.

A minha amiga Graciete e eu tínhamos acompanhado as nossas mães e reparámos que das enguias compradas duas ainda estavam vivas. Chegadas a casa, apressámo-nos, pois, a ver o que era feito das duas bichezas. Elas continuavam vivas!

Pedimos então para ficarmos com elas, e cada uma das nossas caras enguias tomou lugar num aquário, esses pequenos aquários redondos usados muitas vezes para peixes encarnados. As enguias afinal também são peixes, não nos podemos esquecer disso.

Apesar de tudo, mesmo tratando-se de uma só enguia, não é coisa muito fácil de ter num aquário pequeno – o tamanho da nossa amiga enguia em breve tinha ultrapassado o de um peixinho encarnado!

Mudei-a então para um grande recipiente de vidro, que a minha mãe tinha entretanto comprado para o efeito, e a minha amiga seguiu em breve o meu exemplo. Dávamos-lhe comida para peixes, e as duas enguias estavam cada vez maiores, e bonitas que era um regalo!

Mas, o mais surpreendente de tudo, era a maneira como a minha amiga enguia reagia quando ouvia a minha voz. É difícil de imaginar que um peixe - seja ele uma enguia ou outro peixe qualquer próprio para aquário - possa reconhecer uma voz familiar e tirar a cabeça de fora de água como se nos quisesse cumprimentar.

Pois bem, era exatamente o que fazia essa malandra de enguia que eu tinha adotado! Mal eu chegava a casa e falava, eis que ela andava à roda dentro do aquário, com a cabeça fora da água, até que eu a viesse saudar. Ela não tinha este comportamento com mais ninguém. Era como se soubesse que eu lhe tinha salvo a vida!

Um dia, a minha amiga teve de se ausentar durante algum tempo, e pediu-me para me ocupar da sua enguia, que imediatamente tomou lugar no aquário, ao lado da minha.

Contudo, a recém-chegada não foi bem recebida! A minha amiga enguia, como uma filha única e mimada, teve ciúmes desta invasão de domicílio e quis mostrar quem era a dona da casa, mordendo a intrusa.

A pobre bicheza conservou para o resto da vida a marca desta mordidela, mas para grande felicidade de todos, elas acabaram mesmo assim por se entender e viver as duas em paz. O que foi ótimo, visto que a minha amiga já não podia tomar conta da sua enguia e tinha-me deixado.

Os anos passaram e as duas enguias tinham-se tornado enormes, o que provocava alguns problemas quando da mudança de água do aquário – o corpo alongado e escorregadio impedia-me de lhes pegar com a rede, como teria feito se se tratasse de um peixinho.

Mudava, pois, a água com elas lá dentro. Fazia com muito cuidado esta operação delicada, mas um dia, uma das enguias escapou-se para os esgotos.

Ao ver a minha tristeza, o meu pai tentou consolar-me dizendo-me que era a melhor coisa que lhe poderia ter sucedido, pois assim ela iria dar ao rio, que era o seu meio natural. O meu pai tinha razão, e compreendi que devia igualmente dar a liberdade à outra.

E assim o fiz. Alguns dias depois, lancei-a ao rio que corria a alguns quilômetros da nossa casa.

Mas recordar-me-ei sempre com ternura das minhas belas enguias! E espero que tu te recordarás também desta estória.

Fonte;
PORTAL CEN

José Roberto Hofling (Ausência)

Ontem à noite, melancólico e saudoso, enquanto escrevia uma longa carta de amor à minha mulher viajante, olhei sem querer para a mão esquerda e comecei a achá-la enfadonha e irrelevante.

Ali parada sobre a tábua da mesa, sem função nenhuma, era um apêndice besta, carecido de utilidade, boba mesmo, comparada com a outra direita, esperta e próspera. Antes que este fato tomasse por demais minha atenção e, considerando que sou homem prático e decidido, resolvi então eliminá-la.

Sobre o cepo de rachar cavacos, depositei-a inerte, branca, unhas por fazer e, sacando da bainha o facão, tchooooomp.

Fora um golpe de mestre, digno mesmo da minha proverbial habilidade. Ao vê-la ali prostrada e sozinha, quase senti pena, mas nem um pingo de arrependimento. Afinal, exigia trabalho extra e a maior parte do tempo vivia encolhida e suada dentro do bolso, sempre a imaginar coisas.

Porém, previdente e parcimonioso que sou, a exemplo de meu avô marceneiro, diligente catador e colecionador de objetos inúteis, resolvi mantê-la guardada. Quem sabe um dia, um penduricalho de colo, um enfeite de mesa, peso de papéis, sei lá, farei uma bobagem qualquer. Bem feito! Não tangia serrote, não mexia panela, não tirava sapato, nem coçava, nem nada. Bem feito mesmo!
Hoje estou feliz, mais leve, menos preocupado com coisas inúteis.

Além disso, e mais por isso talvez, acabo de receber telegrama da minha mulher que inesperadamente retorna de sua longa viagem!

Apresso-me, calço-me de sapato novo e dirijo rápido como o vento, rumo à rodoviária.

Olhem só, lá está ela, linda como sempre com seu indefectível lenço de seda , dentes alvos à mostra, sorrindo aquele mesmo e delicioso sorriso, um pouco mais gorda talvez. Lá vem ela! Mala abandonada no chão, beija em minha boca, gruda em meu pescoço. Afastando-se um pouco, mãos sobre meus ombros, olha-me de alto a baixo e de repente empalidece. Uma sombra gigantesca ataca seu rosto e murcha sua boca. Sua ampla testa se enruga, os braços penduram-se no corpo voluptuoso.

A volta para casa é longa e silenciosa. Responde monossilabicamente à minha ansiedade de conhecer suas andanças, olha-me apenas de soslaio. A chegada em casa é pior ainda. Aos cães, há tempos sentindo sua falta, dirige apenas um afago breve e desprovido de entusiasmo, para em seguida trancar-se no quarto.

Que diabos é isso agora? Não posso compreender. É certo que estou um pouco mais velho, a barba longa demais, mas não considero motivos suficientes para tanto e tão prolongado constrangimento. Será que é o que eu estou pensando? Será que ela teria notado, em sua perspicácia, a falta daquele... Não é possível! Não é possível! Será?

Bem, pelo sim e pelo não, não me custará nada. Posso aproveitar seu banho e arrumação das roupas, para recolocar aquele traste de mão em sua posição original. Sim é isso mesmo! Uns pontos aqui, outro remendo ali, depressa! Pronto! Mais um serviço bem realizado. Na verdade uma obra de arte.

Entro sem ruídos. Na obscuridade vespertina do quarto ela vira-se para mim e, buscando ansiosamente com o olhar a mão reimplantada, fixa demoradamente seu olhar na aliança de ouro. Seu rosto resplandece como nunca visto antes. Então, esticando os braços abertos em minha direção e sorrindo novamente, cobre-me generosamente com sua magnífica e desejada nudez.

Fonte:
http://www.releituras.com/ne_jrhofling_ausencia.asp

Aluísio Azevedo (O Coruja) Parte 13

CAPÍTULO V

Desde que André se mudou para o colégio, a casa de Teobaldo foi aos poucos perdendo o seu digno aspecto de asseio e de ordem, até se transformar em verdadeira república de estudantes.

A Ernestina ficou pasma.

— Como este rapaz tem mudado!... Exclamava ela a cada instante, sem atribuir sequer ao outro, ao feio, a alma da primitiva limpeza e do primitivo arranjo, que tanto a maravilharam.

Agora, Teobaldo já não tinha, como dantes, certo escrúpulo em conservar a casa decente. Os seus companheiros da pândega, que lhe pareciam com mais freqüência, já não lhe ouviam dizer em certas ocasiões: "Não; não façam isso, para não afligir o Coruja! Ele não gosta destas brincadeiras!..."

Ernestina suportava-lhe as estouvices porque não tinha outro remédio: adorava-o cada vez mais; sofria em vê-lo tão extravagante, tão sem correção e sem ,juízo, mas sofreria ainda pior se não o pudesse ver absolutamente.

Enquanto a não abandonara a esperança de conquistá-lo, empregou para isso todos os recursos de sua ternura; depois, certa de que nada conseguiria, resignou-se às migalhas do amor que ele lhe atirava de vez em quando, como para a esfaimar ainda mais.

A infeliz já se não queixava e já nem sequer procurava disfarçar o seu cativeiro; entretanto, um dia em que lhe apareceu na porta uma mulher alta, bonita, vestida com um certo exagero de moda, a perguntar muito desembaraçada se era ali que morava Teobaldo, ela disparatou:

— Pois até mulheres já queriam entrar também na patuscada? Era só o que faltava!

E, fechando-lhe a porta no nariz:

— Procure-o na rua, se quiser!

Depois, meteu-se no quarto e pôs-se a chorar, como uma desesperada. Às três horas, quando Teobaldo chegou de fora, ela foi-lhe ao encontro e, mais branca do que a cal da parede, os beiços trêmulos, as feições estranguladas de ciúme, disse-lhe quase sem poder falar:

— Isto não pode continuar assim!

— Assim, como?

— Nesta desordem em que vai tudo! O senhor está um perdido!

— E a senhora que tem a ver com isso?

— Quero desabafar!

— Pois desabafe, mas que saia longe daqui!

— Cínico!

— Não me aborreça!

E Teobaldo galgou a escada do segundo andar.

Ela seguiu atrás.

— O senhor precisa mudar de vida! Exclamou penetrando no quarto.

Ele com a certeza de quem é amado a ponto de lhe perdoarem tudo, pôs-se a cantarolar, tirou o paletó e estendeu-se sobre o divã.

— Até aqui, prosseguiu Ernestina, sem poder conter a cólera; até aqui suportei e suportei muito! O senhor transformou esta casa em uma república, mas agora a coisa é outra; agora até as mulheres querem entrar na pândega!

— Hein? Fez Teobaldo, voltando-se para ela.

— Sim, senhor! Veio aí uma mulher à sua procura.

Teobaldo deu um pulo da cama.

— Uma mulher? Exclamou. Ah! Eu bem contava que ela havia de vir!

E, voltando-se vivamente para a rapariga:

— Uma mulher alta, não é verdade? Pálida, de olhos pretos!...

— Vá para o diabo que o carregue! Respondeu Ernestina virando-lhe as costas e saindo do quarto furiosa.

— Então ... Disse consigo Teobaldo, esfregando as mãos; voltou ou não voltou?... Ah! Logo vi que Leonília havia de voltar !...

Leonília era a mais formosa criatura que empunhava nesse tempo o cetro do amor boêmio. Teria então pouco menos de trinta anos e parecia não haver ainda orçado pelos vinte. No poema de sua vida, poema caprichoso e fantástico, escrito au jour le jour, ora com lágrimas, ora com champanha, Teobaldo representava talvez a página mais sentida e com certeza uma das mais recentes e palpitantes.

Mas, que diabo tinha consigo aquele rapaz para enfeitiçar desse modo as mulheres de toda a espécie? Que fluido misterioso espalhava ele em torno de si, com a ironia de seus risos, com o desdém de seus olhos, com a fidalguia de suas maneiras, para as render tão cativas e arrastá-las a seus pés, como Cristo antigamente?

Leonília vira-o uma noite, por acaso, no teatro, desejou-o logo e pediu a um amigo comum que lho apresentasse.

Teobaldo tratou-a com o mesmo sedutor e natural desinteresse que costumava usar para as mulheres desse gênero; mas depois, quando a conheceu mais de perto e teve ocasião de compulsar-lhe o espírito, principiou a distingui-la entre todas as outras com certa preferencia. Leonília, porém, no solipsismo da sua paixão, não se contentou com isso e quis amor, amor tão bom e tão ardente como o que ela lhe dava.

Louca! Teobaldo não era homem para essas transações e, à primeira cena de ciúmes que lhe fez a amante, tomou o chapéu e desertou da alcova dela, sem lhe atirar ao menos uma palavra de despedida. A loureira apanhou entredentes a afronta e resolveu lançá-lo à vala comum dos seus amores esquecidos; mas tal energia só durou enquanto durou a esperança de ver Teobaldo regressar aos seus braços; e, logo que se convenceu de que o ingrato não voltava, calcou no coração todos os reclamos do orgulho e foi ao encontro dele.

O adorado moço consentiu em tornar à abandonada alcova, mas consentiu friamente, como por mera condescendência, e fazendo-se rogar aos seus carinhos. Leonília submeteu-se. Precisava daquele demônio para a sua ventura; que diabo havia de fazer? Todavia, a uma palavra de ressentimento que lhe escapou uma ocasião ao jantar, Teobaldo soltou-lhe, em cheio no rosto, uma tremenda bofetada e desapareceu de novo.

Foi depois deste episódio que ela o procurou em casa pela primeira vez. E não o fez esperar muito, visto que já calculava com experiência que o rapaz não voltaria por motu próprio.

Ernestina, coitada, é que ficou brutalmente ferida no seu amor próprio. Ao sair do quarto ia tonta, estrangulada de raiva; mas, ferida por uma Idéia voltou logo ao segundo andar, fechou-se por dentro e disse a Teobaldo, que nessa ocasião se aprontava para sair de novo:

— Você não há de agora sair de casa!

— Por quê? Perguntou o rapaz, atando a gravata de fronte do espelho.

— Porque não quero!

— Não quer? Tem graça!

— Verá!

— Veremos!

E, quando ele deu por finda a sua toilette, aproximou-se de Ernestina:

— Vamos, filha, basta de tolice! Dá-me a chave.

— Não quero que saia, já disse!

— Dá-me a chave por bem ou eu te obrigo a dar-me à força!...

Ernestina passou-lhe os braços em volta do pescoço.

— Não sejas mau! Disse chorando; não judies comigo deste modo! Dá-me o diabo dessa chave! Berrou ele, soltando-lhe um empurrão.

A rapariga deixou-se cair por terra e começou a soluçar.

— Ora pílulas! Rosnou Teobaldo, avançando sobre a porta disposto a arrombá-la com um pontapé. Mas nesse momento alguém bateu pelo lado de fora e ele estacou, perguntando com um grito:

— Quem é?

— Abra! Respondeu uma voz.

— Estou perdida!... Gaguejou Ernestina. É o Almeida.

— Bonito! Pensou o estudante; vamos ter escândalo!...

E, voltando-se para a mulher:

— Abra a porta!

— Abrir? E onde me escondo?

— Em parte alguma. Fique!

Ernestina entregou a chave a Teobaldo, abriu a porta. Mas, enquanto ele fazia isto, ela, apanhando as saias, fugia para a alcova imediata.

— Entre! Disse o moço, empurrando com um movimento desembaraçado a folha da porta.

O Almeida entrou; estava mais vermelho cinqüenta por cento do que era de costume. O seu colete branco, boleado pelo grande abdome, arfava; os músculos faciais tremiam-lhe como as carnes de um bêbado velho. Pela primeira vez Teobaldo reparou bem para aquele tipo. Notou, obra de um segundo, que ele tinha na fisionomia e no feitio do corpo alguma coisa que lembrava uma foca; notou que as suíças do Almeida principiavam logo por debaixo dos olhos e perdiam-se por dentro do colarinho: notou que ele tinha uma cabeça quase quadrada, encalvecida pela face superior; notou que o nariz do homem não era grego, nem árabe, nem tampouco romano e que, se o separassem do rosto, ninguém seria capaz de dizer o que aquilo era, e tanto podiam supor que seria um legume ensopado, como um pólipo extraído ou um mexilhão fora da casca; e notou ainda que o Almeida constava de quatro pés de altura sobre outros tantos de largura e que as mãos dele eram tão papudas, tão escarlates e tão reluzentes de suor, que pareciam esfoladas.

— Exponha o que deseja! Ordenou secamente o rapaz, depois deste exame instantâneo.

— O senhor escusa de negar... Principiou o Almeida.

— Eu nunca nego o que faço!... Interrompeu Teobaldo...

— Escusa, porque eu sei que ela está aqui.

— Ela quem?

— A Ernestina.

— Está.

— Pois era disso que eu precisava me capacitar! Não me suponha tão tolo, que não tivesse há mais tempo desconfiado da marosca; quis, porém, ter uma certeza e agora posso proceder à vontade, sem me doer a consciência!

— Explique-se.

— Pois não: uma vez que ela o prefere a mim, cedo-lha!

— Hein? Como é lá isso?

— Cedo-lha, repito!

— Cede-ma?!

— Sim. Pode tomar conta dela. É sua!

E, dito Isto, o Almeida soprou com força, como quem se vê livre de uma carga pesada, e abicou para a saída.

Teobaldo deteve-o com um gesto.

— Espere, disse-lhe. Antes de tomar conta de um fardo, que eu estava longe de esperar, quero saber ao qual é o seu conteúdo e a sua procedência!

— Ela que lhe explique tudo!... Respondeu o velhote.

— Não; contradisse o outro; não quero trocar com ela uma palavra!... Ao senhor compete por tudo em pratos limpos. Em primeiro lugar, desejo saber ao certo que diabo vem a ser o senhor para D. Ernestina.

— Pois então o senhor não sabe?

— Se soubesse não perguntaria.

— Com franqueza?

— Não falo de outro modo.

— Pois então, ouça.

Teobaldo ofereceu uma cadeira ao Almeida e assentou-se em outra.

— Vamos lá disse.

— Haverá coisa de oito anos... Casei-me, principiou aquele.

— Muito bem.

— Casei-me, mas não fui feliz...

— Sua mulher traiu-o?

— Não; tinha mau gênio. Era uma víbora!

— Muito bem.

— Suportei-a durante três anos; empreguei todos os meios para quebrar-lhe a fúria.

— Quebrou?

— Foi tudo debalde. A megera ficava cada vez pior. Resolvi largar de mão o negócio!

— Abandonou-a?

— Justamente; mas...

— Que idade tinha sua mulher?

— Cinqüenta anos.

— Ah!

— E o senhor casou por amor?

— Sim, por amor... Dos seus interesses.

— Ah! Era rica...

— Nem por isso...

— Quanto possuía?

— Cinqüenta contos.

— Um conto por ano. Adiante!

— Mas bem, como eu lhe dizia...

— Como me dizia...

— Resolvi separar-me dela e, foi dito e feito, zás!

— Separou-se!

— Logo.

— Muito bem.

— Foi então que uma noite, voltando para a minha nova residência, encontrei, encostada à porta da rua, uma rapariga...

— Era D. Ernestina...

— Não; era uma mulatinha que me disse haver fugido de casa, porque o senhor estava muito bêbado e queria dar-lhe cabo da pele, depois de ter feito o mesmo à mulher. Perguntei onde ficava a tal casa, e como era perto, dei um pulo até lá. A mulatinha entrou adiante com toda a cautela e voltou pouco depois, declarando que a peste do patrão havia já pegado no sono. "E o cadáver?" Perguntei eu. "Deve estar na sala", respondeu a mulatinha. Abrimos a porta, e vi então um corpo de mulher estendido no chão. Esta é que era D. Ernestina.

— Estava morta?

— Não, não estava morta, infelizmente, mas estava muito moída de bordoada! E, ainda bem não me tinha visto entrar na sala, começou a chorar com gana e disse-me então que o borracho do marido, além de que lhe não dava de comer, punha-a naquele estado. "Tem fome?" perguntei-lhe eu. "Muita" respondeu-me ela com a voz fraca. "Quer vir cear comigo?" "Onde?" "Em minha casa". "E meu marido?..." "Mande-o plantar batatas!" Ela aceitou; pôs um xale sobre a cabeça, chamou a mulatinha e saímos todos três.

Quando o Almeida chegou a esse ponto da sua narração, ouviram-se fortes soluços dentro da alcova de Teobaldo. O Almeida sacudiu os ombros e prosseguiu:

— Desde essa noite ela ao meu lado substituiu minha mulher. Despedi a mulatinha, que era alugada, montei esta casa e...

— E o marido?

— Morreu pouco depois, no hospital.

— Não deixou filhos?

— Creio que não; pelo menos foi o que ela me disse.

— Bem! Fez Teobaldo, erguendo-se. De sorte que tudo isso que aí está no primeiro andar foi comprado pelo senhor?

— Tudo, e a casa também.

— Logo, tudo lhe pertence?

— Não, porque pertence àquela ingrata...

— E está sempre disposto a separar-se dela?...

— De certo.

— E quanto ela lhe custava em despesa por mês?

— Para que deseja saber?

— Para medir a altura do meu sacrifício.

— Dava-lhe oitenta mil réis por mês em dinheiro e comprava-lhe muitas coisas: roupa, calçado, chapéus, tudo que ela precisava.

— Bem. Pode ir quando quiser.

— Estamos então entendidos, não é verdade? Concluiu o Almeida, apertando a mão do estudante e ganhando a saída; fico ao seu serviço — Rua do Piolho, n.0 5.

— Seja feliz! Disse Teobaldo, sem lhe voltar o rosto. E, logo que o viu sair chamou por Ernestina.

— Ouviu o que eu acabo de praticar? Perguntou ele.

— Ouvi... Disse ela abaixando os olhos.

— E no entanto a senhora tem plena certeza de que eu nada fiz para merecer semelhante espiga!

— Por que não declarou enquanto era tempo?

— Porque nunca me desculpo comprometendo uma mulher, seja ela quem for, ainda que eu lhe vote a mais completa indiferença.

— Então o senhor não me tem amor?

— Não, digo-lhe agora com franqueza, já que assim o quis.

— Mas por que não disse isso mesmo ao Almeida? Por que consentiu que ele me abandonasse!... Por que não lhe pediu para...

— Eu não peço nada a ninguém...

E, enquanto ela soluçava:

— Pelo respeito que devo a mim mesmo, tive de comprometer-me a sustentá-la. Seja! Dar-lhe-ei uma mesada, mas nunca porei os pés nesta casa. Retiro-me hoje mesmo.

— O senhor também me abandona?

— Não a abandono, porque nunca a amparei!

— Sou muito desgraçada! Exclamou ela, deixando-se cair sobre uma cadeira, a soluçar. O senhor perdeu-me para sempre!

— Essa agora é melhor! Eu não a perdi! Não tenho culpa de que a senhora seja indiscreta! Quem lhe mandou vir ao meu quarto e fechar-se por dentro? Ora essa!

— Ai, meu rico Almeida! Como tu é que eu não encontrarei nenhum!

A esta exclamação de Ernestina a porta da sala abriu-se; o tipo do Almeida apareceu de novo, não com o aspecto de há pouco, mas risonho e ressumbrante de ventura.

— Oh! Ainda o senhor? Disse Teobaldo.

— Ouvi tudo, meu amigo...

— Ouviu ou escutou?

— Escutei, escutei por detrás da porta...

E estendendo-lhe a mão:

— Toque!

— Hein?...

— Toque! Desejo apertar a sua mão! Poucos homens tenho encontrado tão nobres como o senhor! Seu procedimento para com uma mulher, que o acaso comprometia, foi mais do que de um fidalgo, foi de um príncipe! Toque!

Teobaldo consentiu afinal que o Almeida lhe apertasse a mão, mas resolveu de si para si mudar-se quanto antes daquela casa.

— Nada! Refletia ele, enquanto os outros dois se abraçavam chorando. Isto não me convém! É sempre desagradável estar entre um tolo e uma mulher apaixonada! Safo-me!
-----------------
continua...

Gal Braga (Poesias Avulsas)

Gal Braga, natural de Salvador/BA, psicopedagoga, trabalhou com crianças da periferia, viu, de perto, a pobreza, a fraqueza humana diante das drogas e prostituição. Mas fazia o que gostava e com amor .------------------------
ONDE DEIXOU SEUS SONHOS?

Já não ouço de você seus planos,
já não mais compartilhamos
os momentos em que felizes
ríamos e chorávamos
vendo filmes na TV.
Já não dividimos na praia
o mesmo espaço na areia quente.
já não ouço o seu choro ao telefone,
quando sofria de amor.
E já não vejo seu sorriso aflorar
que nem no nascimento de seu filho.

Onde ficou seus sonhos, meu menino?

Aquela maneira carinhosa e cuidadosa
que me tratava, ah! saudade...
A importância da minha opinião
sobre a melhor roupa "de marca",
o perfume que deveria usar...

Onde deixou seus sonhos, Menino?

Nos caminhos percorridos
nesse decorrer de anos,
nos planos interrompidos,
por obra do destino ou de Deus?
Ou por essa dúvida atroz
do caminho a ser escolhido.

Meu menino...

Faça um caminho de volta,
se preciso for,
e retome cada sonho perdido
e não os deixe mais escapar,
resgate um por um
e carregue essa sua bagagem
pela estrada da vida.

Pois, não quero ver mais
o meu menino parar de ter sonhos...

MEU REBENTO

És fera
És bela, celestial
És o trovão temeroso
Também um frágil cristal.

Te tenho no coração
E também no pensamento
Te amo por inteiro
Por seres o meu rebento.

Dedicado a minha filha Danielle com amor e carinho.

MENINO REI

Por que falhaste, menino?
Na lição que te ensinei
Por que não levaste à sério?
Sua idéia de ser "rei".

Rei da bola, das garotas,
do reggae e até da folia.
Mas desististes dos sonhos,
que te ajudei com alegria,
De te tornares , ao menos,
rei de tuas fantasias...

Por que se esquivou de mim?
Por que nunca me fitavas?
Sua vida era fugir,
e a mim e aos seus evitavas.

A sua missão, menino!
terminou cedo demais.
O trono agora vazio
daquele menino-rei
que agora descansa em paz!

A minha homenagem as crianças que trabalhei
e que as drogas e a violência
foram mais forte que a minha luta de amor.
E em especial ao "menino rei" Allan Kardeck.

ESCUTA, PAI!

No meu coração sempre estarás,
embora não te fizesses presente,
só tenho a vaga lembrança,
de um homem frágil e doente

Por que não me procuraste
quando mais eu precisei?
talvez tivesses evitado
as dores que eu passei.

Marcas profundas,
amargas lembranças
cicatrizes doloridas,
sequelas da minha infância

Pai, junto a Deus, não esqueças:
teu rebento, tua criança!   

AH! QUERIA TANTO QUE...
 

Queria que...

Uma pena voasse, voasse
e que acariciasse
esse corpo só meu.

VIVA O SAPO!

Até que enfim ó sapinho
lembraram de te cantar
só podia ser um anjo
pra esta ciranda criar.

ANOS DOURADOS

Um perfume marcante
Uma música inesquecível
Um beijo roubado...

ABRAÇA-ME

Chegas bem perto, meu dengo
Abraça-me com amor
Sintas o cheiro de mato
Daquela que é tua Flor.

E A VIDA?

Vivo loucamente,
apaixonadamente.
Sem medos
para não recuar.
Sem tabus
para me completar.
Sem preconceito,
prá viver na igualdade.
Autenticidade
prá mostrar meu avesso.

Maravilhoso é viver...

SER MULHER

Sou mulher por inteira,
assumida, verdadeira
e em pleno descompasso.
Trago comigo , o legado
de MARIA, a pureza,
de Madalena, o pecado!

MINHA FANTASIA

Quero cair na folia,
tendo como fantasia:
Colombina estilizada.
Buscar o meu Arlequim,
te-lo bem junto de mim,
até romper a alvorada.

MANGA ROSA

Eu gosto da manga rosa,
chupo até me lambuzar.

E você que está me lendo,
de que fruta vai falar?

MINHAS MÃOS

Minhas mãos,
sempre unidas
oram por nosso amor.
Minhas mãos
unida às suas
num afago constante.
Minhas mãos
abençoadas por Deus.

Fonte:
Portal CEN

André Telucazu Kondo (As Curvas do Trabalho)

Pintura de Anita Malfatti
André é de Caraguatatuba – SP
(Cronica Vencedora do VI Concurso Literário “Cidade de Maringá” 2013)

–––––––––––––––
    Como muitos descendentes de japoneses de minha geração, refiz o caminho inverso àquele trilhado pela geração anterior. Se meus pais haviam emigrado do Japão ao Brasil, para aqui trabalhar, eu buscava o Sol Nascente para iluminar o meu labor. Só que raramente via o sol nascer ou se pôr. Saía para o trabalho antes que o sol semeasse a luz nas planícies e chegava em casa muito tempo após ele ter sido colhido pelas montanhas.

    Nas poucas folgas que tinha, gostava de pedalar por entre as plantações, sentindo o sol na pele. Morava em uma pequena localidade, um pouco afastada da fábrica em que trabalhava e, principalmente, do frenético pulsar dos apressados trabalhadores das grandes cidades. Porém, mesmo naquele ambiente bucólico, o labor se fazia presente.

    Não pude deixar de reparar em algumas velhinhas trabalhando na lavoura. Suas costas arqueadas mostravam o peso do trabalho que carregavam por toda a vida. A primeira vez que vi aquilo, senti uma ponta de tristeza. Pobres senhoras, tendo que trabalhar em idade tão avançada...

    Vi as velhinhas preparando e semeando a terra. Vi a paisagem se transformar, como se o verde brotasse das mãos daquelas senhoras. Vi a plantação crescendo, ficando cada vez mais bonita. Mas nada aliviava a visão daquelas corcundas tão curvadas. Sentia pena daquelas senhoras, ao mesmo tempo em que me questionava se teria que trabalhar pelo resto da vida, até que a idade me curvasse também.

    Após um longo tempo pedalando por entre as plantações, chegou o dia da colheita... Por todos os cantos, as velhinhas se curvavam ainda mais para buscar na terra o fruto de seus labores. Quando elas se levantaram, mesmo com as costas ainda encurvadas, é que eu finalmente enxerguei a beleza das curvas.

    Não eram mais as curvas das costas que eu via, mas as curvas em suas faces. A curva do sorriso do trabalho bem feito, o sorriso de satisfação de poder colher os frutos do labor. Então, eu sorri também. Senti alegria por aquelas idosas trabalhadoras. E desejei ter a saúde necessária, para que mesmo que o tempo me curve as costas, eu ainda possa trabalhar também. E, claro, que esse labor me curve o rosto, em um sorriso como aqueles que colhi, na terra de meus trabalhadores avós.

Fonte:
Livro do VI Concurso Literário “Cidade de Maringá” 2013

Semana do Livro Nacional – Letras do Vale, em São José dos Campos (20 a 28 de Julho)

A primeira edição da Semana do Livro Nacional ocorrerá de 20 a 28 de julho deste ano e contará com eventos, publicidade, palestras, bate-papo com autor e muito mais.

Os idealizadores pretendem realizá-la anualmente, cada vez com mais parceiros.
Dessa forma, os leitores terão maior informação, acesso e conhecimento sobre as obras modernas que são lançadas em vários cantos do nosso Brasil.

Aqui em São José dos Campos realizaremos o evento com o apoio da Academia Joseense de Letras, da Livraria Maxsigma, da Escola Moppe e da J.A. Cursino & Editores.

A organização é realizada pelos autores Leandro “Radrak” Reis, Stefânia Andrade e Juliana Velonessi.

A Semana do Livro Nacional é uma iniciativa de autores, blogueiros, editoras e livrarias de diversas partes do Brasil, para organizar uma semana exclusiva de atividades sobre obras literárias nacionais.

A agenda por nós elaborada pode ser vista abaixo e o link do formulário para Pré-inscrição, na sequência!

Programação do Evento

Dia 20/07/2013 – Sábado
Sala de Palestras
15h00
Abertura do Evento

15h30
Blogs na Literatura Nacional

19h00
Apresentação da Academia Joseense de Letras, com Wilson R. e Christina Hernandes

Espaço Infantil
16h00
Contação de História com Raquel Mara

17h00
Contação de História com Maria Gorete

18h00
Contação de História entre Pais e Filhos com Andrea Santos

Dia 21/07/2013 – Domingo
Sala de Palestras
16h00
Política na Literatura de Ficção e Realidade, com Daniel Pedrosa e Maria de Jesus

17h30
Literatura Fantástica no Brasil, com Marcelo Sant Ana e Leandro Reis

19h00
Sarau com Zenilda Lua e Amigos

Espaço Infantil
16h00
Lançamento Melissa- Que profissão eu quero ter?, com Stefânia Andrade

17h00
Contação de história com Maria Gorete

18h00
Contação de história com Escola Moppe

Dia 22/07/2013 – Segunda
Sala de Palestras
19h00
Percurso Criativo com Jean Galvão e Stefânia Andrade

20h30
Viagens e livros transformam, com Cintia Magalhães, Daniel Pedrosa e Stefânia Andrade

Dia 23/07/2013 – Terça
Sala de Palestras
19h00
A Profissionalização do escritor, com Daniel Pedrosa e Leandro Reis

20h30
Direitos Autorais e assuntos Legais, com Dr. Rodrigo / AJL

Dia 24/07/2013 – Quarta
Sala de Palestras
19h00
O papel da Sala de Leitura, com Mirian Menezes, Stefânia Andrade e Sandra Nascimento

20h30
Mesa-redonda com Estudantes de SJC

Dia 25/07/2013 – Quinta
Sala de Palestras
19h00
Sangue e Sedução, Papo com Georgette Silen

20h30
Dicas de leitura para os pais, com Andrea Santos

Dia 26/07/2013 – Sexta
Sala de Palestras
19h00
A Poesia e o Mercado Literário, com Roberto Coelho, Wilson Rocha e Dyrce Araújo

20h30
Inquietude e Atrevimento na Criação Literária, com Glauce Leite e Daniella Peneluppi, mediação de Christina Hernandes

Dia 27/07/2013 – Sábado
Sala de Palestras
15h00
Mistérios do Vale, com Sonia Gabriel e grupo Fiandeiras da Palavra

17h00
A vida imortalizada nas letras, com Rita Elisa Seda e Ludmila Saharov

19h00
Literatura Fantástica Juvenil, com Juliana Velonessi, Bruna Araújo e Keila Gon

Espaço Infantil
16h00
Contação de História com Sandra Nascimento

17h00
Contação de História com Raquel Mara

18h00
Contação de História com Sandra Migoto

Dia 28/07/2013 – Domingo
Sala de Palestras
15h00
Contando História com Arte, com Raquel Mara

17h00
Da ideia à estante: uma visão sobre publicação independente, com Marcelo Paschoalin

19h00
Visão geral do Evento e Encerramento, com Organizadores

Espaço Infantil
16h00
Contação de História com Sandra Nascimento

17h00
Contação de História com Carlos José dos Santos

18h00
Contação de História com Escola Moppe

Fonte:
Elizabeth de Souza . Revista Digital de Cultura Entrementes. http://entrementes.com.br/2013/07/semana-do-livro-nacional-letras-do-vale-agenda/

Mediação na Cultura e nas Artes (no Itaú Cultural, inscrições 22/7– 5/8)

O Itaú Cultural abre inscrições, a partir do dia 22 de julho, para a primeira edição do curso de mediação cultural. Realizados em São Paulo, na sede do instituto, os encontros visam à formação continuada na área, estimulando o diálogo e a troca de experiências entre os diversos tipos de profissional dedicado à cultura. O curso é gratuito e ocorre entre 31 de agosto de 2013 e 23 de agosto de 2014.

Os encontros abordarão temas como Políticas Públicas para a Cultura e Gestão de Políticas Educativas na Educação Não Formal; Acessibilidade e Inclusão; e Mediação em Espaços Expositivos, entre outros assuntos. O curso se inscreve na preocupação do instituto de criar condições para uma formação continuada em mediação cultural, já que se pode constatar a quase ausência de um curso regular específico para a formação desses profissionais no mercado.

Orientado pela ideia de mediação cultural entendida não como um ato de transmitir algo a alguém, mas como uma oportunidade de dialogar e trocar experiências, o curso será ministrado por profissionais do campo acadêmico, como formadores e pesquisadores, e também do campo da gestão prática, com passagem significativa por instituições dedicadas à cultura. Entre os nomes já confirmados estão José Márcio Barros, coordenador do curso de pós-graduação em mediação em arte, cultura e educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG); Antonio Canelas Albino Ruim, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Mila Chiovatto, coordenadora do Núcleo de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de São Paulo; Maria Helena Wagner Rossi, professora e escritora; e Amanda Tojal, museóloga e educadora.

Para se candidatar é necessário preencher a ficha de inscrição no site do Itaú Cultural, a partir do dia 22 de julho. Além disso, enviar pelo correio currículo e carta de intenção (até 1.000 caracteres), explicando a motivação para a realização do curso.
Confira mais informações sobre o curso no site do Itaú Cultural.

Formação em Curso: Mediação na Cultura e nas Artes

Inscrições
segunda 22 de julho a segunda 5 de agosto 2013

Período de seleção
terça 6 a sábado 17 de agosto

Período de realização
sábado 31 de agosto de 2013 a sábado 23 de agosto de 2014
das 14 às 18h
Sala Vermelha – 35 vagas
Itaú Cultural | Avenida Paulista 149 – São Paulo SP [estação Brigadeiro do metrô]

informações: 11 2168 1777 / 11 2168 1775 | atendimento@itaucultural.org.br | itaucultural.org.br | twitter.com/itaucultural | youtube.com.br/itaucultural | facebook.com/itaucultural

Fonte:
Itaú Cultural, por e-mail

Reunião do Colegiado Setorial do Livro, Leitura e Literatura

Em reunião do Colegiado Setorial do Livro, Leitura e Literatura, realizada ontem em Brasília, foram apresentados importantes assuntos relativos à criação do Fundo Pró Leitura.

Bernardo Gurbanov, vice-presidente da CBL, membro efetivo deste Colegiado, em consonância com o SNEL, apresentou considerações sobre o Fundo Pró Leitura.

A ideia da criação de um Fundo Pro-Leitura surgiu por ocasião da desoneração do PIS/COFINS em dezembro de 2004 quando a alíquota foi reduzida a zero. As propostas para a criação do fundo vislumbradas até o momento, como a criação da CIDE DO LIVRO não amadureceram.

No caso da CIDE DO LIVRO foram apontadas falhas na sua forma conceitual, uma vez que a cobrança do percentual de 1% sobre faturamento de livrarias, distribuidoras e editoras se caracterizaria imposto "em cascata". Além disso, estima-se que o preço final ao consumidor poderia ter um incremento de 2.1%.

Enquanto estas propostas eram estudadas, o mercado editorial se comprometeu a contribuir com a finalidade de implementar ações de incentivo à leitura. Embora o Fundo Pró-Leitura nunca tenha sido oficialmente instituído, o segmento editorial se organizou instituindo uma contribuição voluntária que culminou na Criação do Instituto Pró-Livro que ao longo dos últimos anos incentivou uma série de programas de fomento à leitura e realizou pesquisas e diagnósticos sobre os hábitos de leitura no Brasil como é o caso da pesquisa Retratos da Leitura que desde então tem servido como norteadora de políticas públicas na área.

Além disso, o preço do livro caiu. Os números da PESQUISA FIPE - PRODUÇÃO E VENDAS DO SETOR EDITORIAL BRASILEIRO 2011, realizada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional de Editores aponta uma redução do preço médio do livro no Brasil, que recuou 6,11% nas vendas das editoras ao mercado em 2011. No acumulado entre 2004, quando as editoras tiveram isenção do PIS/COFINS, e 2011, a queda foi de 21,8%. Descontada a inflação, significa decréscimo real de 44,9%.

É importante destacar que mesmo diante da considerável queda do preço médio do livro, percebe-se uma desaceleração de 9,77% da venda para o mercado no ano de 2011 com relação a 2010 conforme aponta a pesquisa citada. Atribui-se este resultado aos seguintes fatores: do ponto de vista macroeconômico é necessário considerar que no ano de 2011 a crise econômica internacional injetou pessimismo no mercado interno o que levou à redução no consumo de livros pelas famílias, além disso, o elevado endividamento dos brasileiros e o estímulo do governo a alguns setores específicos da economia, acabaram por impactar na performance dos demais segmentos.

Diante deste cenário fica claro que instituir qualquer tipo de tributo sobre o faturamento de venda de livros poderá resultar em efeito contrário ao almejado. Uma vez que o que se busca é ampliar os índices de leitura no Brasil e o aumento do custo na produção editorial pode impactar no preço final do livro ao consumidor o que consequente significa menor acesso ao livro.

Finalmente esta inciativa toma rumo contrário às medidas adotadas pelo Governo Federal que tem desonerado um grande numero de setores produtivos sem a exigência de qualquer contrapartida. Aliás, a importância estratégica do livro e da leitura para o País justifica a facilitação e barateamento deste produto através de incentivos fiscais.

Diante disso, a Câmara Brasileira do Livro apoia a criação de mecanismos de fomento ao livro e à leitura como a criação de fundo especifico com esta finalidade. Entretanto sua constituição e fontes de recurso devem ser criteriosamente analisadas devendo ser considerado o cenário econômico atual, que é bastante diferente do ano de 2004. Uma proposta concreta apresentada foi a destinação para o Fundo de 1% do IR devido pelas editoras.

Sr. Bernardo defendeu que a atuação do Colegiado Setorial do Livro e da Leitura tem uma importante missão: a de apresentar sugestões que de fato possam incrementar o hábito de leitura no país, através de propostas de ampliação de bibliotecas, fortalecimento de livrarias, formação de mediadores de leitura e qualificação de professores. Estes últimos, conforme constatado pela primeira vez na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, são os maiores influenciadores no hábito da leitura, resposta dada por 45% dos entrevistados. É, portanto fundamental proporcionar aos educadores condições reais de plantar a semente do hábito da leitura.

Fonte:
Câmara Brasileira do Livro, por e-mail